Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Consenso de Roma III sobre Dispepsia: Caracterização e Abordagem, Esquemas de Diagnóstico

O documento discute o consenso de roma iii sobre a dispepsia, incluindo sintomas, tipos e abordagem. Ele também aborda a importância de identificar sinais de alarme e a relação com outras doenças gastrointestinais, como síndrome do intestino irritável e esôfago de barret.

Tipologia: Esquemas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Tapioca_1
Tapioca_1 🇧🇷

4.6

(400)

224 documentos

1 / 11

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
Rev Med (São Paulo). 2008 out.-dez.;87(4):213-23.
213
Dispepsia: caracterização e abordagem
Dyspepsia: clinical aspects and current
approach
Fernando Marcuz Silva1
1 Médico Assistente do Serviço de Clínica Geral e Propedêutica, Divisão de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – HC-FMUSP, Doutorando em Gastroenterologia pela FMUSP.
Endereço para correspondência: Fernando Marcuz Silva. Hospital das Clínicas da FMUSP – ICHC - PAMB – 4º. Andar, sala
6. Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 155. Cerqueira César. São Paulo, SP. CEP: 05 403-900. E-mail: fmarcuz@hcnet.usp.br
Silva FM. Dispepsia: caracterização e abordagem. Rev Med (São Paulo). 2008 out.-
dez.;87(4):213-23.
RESUMO: A dispepsia é uma síndrome de alta prevalência, embora somente uma pequena
parte dos pacientes que sofrem com ela procure atenção médica. Os conceitos e abordagens
relacionadas à síndrome, apoiados nas sugestões do Consenso de Roma III, são apresentados
neste artigo. Casos da síndrome na prática médica são propostos para auto-avaliação, e suas
soluções e comentários são também apresentados.
DESCRITORES: Dispepsia. Úlcera gástrica. Refluxo gastroesofágico. Úlcera Péptica.
Neoplasias gástricas.
Caracterização
A
síndrome dispéptica, um problema atual
comum e universal, é caracterizada
por sintomas relacionados ao aparelho
digestório alto. É manifestação de diferentes doenças,
mas principalmente das doenças pépticas, ou seja,
das doenças determinadas pela disfunção cloridro-
péptica: a doença de refluxo gastro-esofágico
(DRGE), a úlcera péptica gastroduodenal e a
dispepsia funcional7.
Conceitos e sintomas
Os sintomas que a caracterizam são sempre
sintomas relacionados ao aparelho digestório
alto: mais pertinentes como a dor epigástrica e
o desconforto pós-prandial; mais sugestivos de
doenças do esôfago: como a pirose retroesternal,
a azia, a regurgitação, a disfagia e a odinofagia;
inespecíficos como a eructação excessiva e a
aerofagia; ou ainda os de base fi siopatológica mais
ampla como as náuseas e os vômitos33.
O consenso de Roma III6, direcionado para
as doenças funcionais do aparelho digestório
sugere que, para o diagnóstico de dispepsia, sejam
considerados como sintomas de dispepsia apenas a
dor epigástrica: sensação subjetiva e desagradável
que os pacientes sentem quando está havendo lesão
tecidual, restrita a região do epigástrio, a pirose
epigástrica: sensação desagradável de queimação
limitada à região do epigástrio, a plenitude pós-
prandial: sensação desagradável que a comida
permanece prolongadamente no estômago; e a
saciedade precoce: sensação que o estômago fi ca
cheio logo depois de iniciar a comer, desproporcional
Seção Aprendendo
06-dispepsia.indd 213 30/7/2009 15:28:21
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Consenso de Roma III sobre Dispepsia: Caracterização e Abordagem e outras Esquemas em PDF para Diagnóstico, somente na Docsity!

Rev Med (São Paulo). 2008 out.-dez.;87(4):213-23.

Dispepsia: caracterização e abordagem

Dyspepsia: clinical aspects and current

approach

Fernando Marcuz Silva^1

(^1) Médico Assistente do Serviço de Clínica Geral e Propedêutica, Divisão de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da

Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – HC-FMUSP, Doutorando em Gastroenterologia pela FMUSP. Endereço para correspondência: Fernando Marcuz Silva. Hospital das Clínicas da FMUSP – ICHC - PAMB – 4º. Andar, sala

  1. Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 155. Cerqueira César. São Paulo, SP. CEP: 05 403-900. E-mail: fmarcuz@hcnet.usp.br

Silva FM. Dispepsia: caracterização e abordagem. Rev Med (São Paulo). 2008 out.- dez.;87(4):213-23.

RESUMO: A dispepsia é uma síndrome de alta prevalência, embora somente uma pequena parte dos pacientes que sofrem com ela procure atenção médica. Os conceitos e abordagens relacionadas à síndrome, apoiados nas sugestões do Consenso de Roma III, são apresentados neste artigo. Casos da síndrome na prática médica são propostos para auto-avaliação, e suas soluções e comentários são também apresentados.

DESCRITORES: Dispepsia. Úlcera gástrica. Refluxo gastroesofágico. Úlcera Péptica. Neoplasias gástricas.

Caracterização

A

síndrome dispéptica, um problema atual

comum e universal, é caracterizada

por sintomas relacionados ao aparelho

digestório alto. É manifestação de diferentes doenças,

mas principalmente das doenças pépticas, ou seja,

das doenças determinadas pela disfunção cloridro-

péptica: a doença de refluxo gastro-esofágico

(DRGE), a úlcera péptica gastroduodenal e a

dispepsia funcional 7.

Conceitos e sintomas

Os sintomas que a caracterizam são sempre

sintomas relacionados ao aparelho digestório

alto: mais pertinentes como a dor epigástrica e

o desconforto pós-prandial; mais sugestivos de

doenças do esôfago: como a pirose retroesternal,

a azia, a regurgitação, a disfagia e a odinofagia;

inespecíficos como a eructação excessiva e a

aerofagia; ou ainda os de base fisiopatológica mais

ampla como as náuseas e os vômitos 33.

O consenso de Roma III 6 , direcionado para

as doenças funcionais do aparelho digestório

sugere que, para o diagnóstico de dispepsia, sejam

considerados como sintomas de dispepsia apenas a

dor epigástrica : sensação subjetiva e desagradável

que os pacientes sentem quando está havendo lesão

tecidual, restrita a região do epigástrio, a pirose

epigástrica : sensação desagradável de queimação

limitada à região do epigástrio, a plenitude pós-

prandial : sensação desagradável que a comida

permanece prolongadamente no estômago; e a

saciedade precoce : sensação que o estômago fica

cheio logo depois de iniciar a comer, desproporcional

Seção Aprendendo

Silva FM. Dispepsia: caracterização e abordagem.

ao volume ingerido, tanto que não se consegue

terminar a refeição. Estes sintomas poderiam ter

um significado fisiopatológico mais específico para

dispepsia, enquanto os demais estariam definindo

outras síndromes.

O consenso propõe ainda diferentes tipos

de dispepsia: a dispepsia funcional , em que os

sintomas não estão relacionados a doenças de base

orgânica e os achados de endoscopia são normais

ou menores (gastrite); a dispepsia orgânica , em

que os sintomas dispépticos estão relacionados a

uma doença orgânica, como a úlcera péptica; e a

dispepsia não diagnosticada , quando os sintomas

dispépticos ainda não foram investigados e para

a qual o consenso propõe apenas algumas regras

gerais de abordagem.

Propõe-se ainda que, quando os sintomas

predominantes do paciente sejam pirose retrosternal,

azia (sensação de regurgitação ácida ou azeda) ou

regurgitação, anteriormente definindo a dispepsia

tipo refl uxo , ele seja diagnosticado como portador

da DRGE e abordado como tal. É verdade que, para o

diagnóstico desta doença, não há um exame padrão

ouro, e cerca de metade dos casos são de DRGE não

erosiva, que à endoscopia digestiva poderiam ser

confundidos com casos de dispepsia funcional 9.

Os sintomas de náuseas e vômitos são

comuns, com um extenso diagnóstico diferencial

e com fisiopatologia não necessariamente afeito a

um sintoma dispéptico do tipo dismotilidade gástrica

e, por isso mesmo, quando não associados uma

doença orgânica definida, devem ser considerados

num grupo fisiopatológico diferente da dispepsia:

Distúrbios de Náusea e Vômitos Funcionais.

Apesar da dor abdominal na dispepsia ser uma

dor do tipo visceral, portanto sem uma relação direta

com o sitio anatômico afetado, o consenso também

propõe que dores localizadas fora do epigástrio

não sejam consideradas sintomas dispépticos.

Localizadas no andar superior do abdômen, quando

no hipocôndrio direito são mais sugestivas de doença

biliar, e a investigação vai exigir ultra-sonografia.

Quando no hipocôndrio esquerdo pode estar mais

relacionada ao intestino.

Sintomas do aparelho digestório alto associados

as do aparelho digestório baixo também não devem

ser considerados como sintomas de dispepsia,

porque a síndrome do intestino irritável se sobrepõe

à dispepsia, com fisiopatologia semelhante, existindo

mesmo quem considere que ela deva ser chamada

de síndrome do aparelho digestório irritável^27.

O u s o d e a n t i i n f l a m a t ó r i o s e a l g u n s

outros medicamentos podem determinar lesões

gastrintestinais, mais freqüentemente úlceras e

erosões, principalmente de características agudas.

Podem ser acompanhadas de sangramento digestivo

e caracterizam uma doença orgânica bem definida:

lesões gastrintestinais por medicamentos e

assim não devem ser abordadas, em princípio, como

quadros de dispepsia 2.

A dispepsia não diagnosticada

O Consenso de Roma III está focado na

dispepsia funcional. Assim, para critérios diagnósticos,

propõe as restrições sintomáticas acima e define

ainda uma duração de sintomas que devem ser

estar presente por pelo menos 3 meses, com pelo

menos 6 meses do início dos sintomas. Para a

dispepsia não diagnosticada, não se tem definida uma

duração mínima, embora alguns autores considerem

pelo menos 4 semanas nos últimos 3 meses. O

consenso Roma III é menos específico e propõe como

orientações gerais:

  • Certificar-se de que os sintomas são restritos

ao trato digestivo alto;

  • Identificar os sinais ou sintomas de alarme:

perda de peso inexplicada, vômitos recorrentes,

disfagia progressiva, sangramento gastrointestinal,

anemia, visceromegalia, etc., que não são comuns na

prática diária e que podem ter valor preditivo positivo

para doenças orgânicas. Quando presentes ditam a

indicação de endoscopia digestiva de início;

  • C e r t i f i c a r - s e d o p o s s í v e l u s o d e

antiinflamatórios não esteroidais;

  • Caracterizar como uma Doença de Refluxo

Gastro-Esofágico a presença de sintomas típicos de

refluxo.

De acordo com as condições do local, indicar

a endoscopia digestiva de início para pacientes

idosos.

O Helicobacter pylori na dispepsia

O Helicobacter Pylori ( H. pylori ) é uma bactéria

espiralada, flagelada, gram-negativa, microaerófila,

que consegue infectar o estômago e sobreviver no

ambiente ácido graças a sua capacidade de produção

de urease e de alcalinização do seu microambiente.

Tem alta prevalência no mundo todo, com taxas mais

altas nos países desenvolvidos, quando comparado

com os em desenvolvimento 3. No nosso meio esta

taxa é de 65% da população 34. A contaminação

ocorre principalmente na infância e dificilmente ocorre

eliminação espontânea da bactéria, o que determina

uma infecção crônica em todos os infectados. A

maioria das pessoas é assintomática, mas uma

pequena parte da população pode desenvolver úlcera

péptica, linfoma tipo MALT e câncer gástrico 22.

A erradicação da bactéria previne a recidiva

Silva FM. Dispepsia: caracterização e abordagem.

A dispepsia funcional é a causa mais freqüente

da dispepsia não investigada (Quadro 2). A preva-

lência da úlcera péptica vem diminuindo (exceto a

forma hemorrágica em idosos 8 ), enquanto a DRGE

vem aumentando, provavelmente pela queda da

prevalência da infecção pelo H. pylori e pelo aumento

QUADRO 2. Achados endoscópicos em pacientes dispépticos

Fonte

Pacientes n Refluxo %^

Úlcera %

Câncer %

Funcional % Ayoola et al. 10.112 11 17 1,5 70

Hungin et al. 6.744 17 15 0,6 67

Hallisey et al. 2.659 19 16 2,7 62

Fedail et al. 2.500 8 18 2,2 71

Mansi et al. 2.086 5 13 1,5 81

Holdstock et al. 1.805 9 14 2,0 75

Fjosne et al. 1.275 10 23 4,0 62

Capurso et al. 1.1.53 3 8 0,6 89

Stanghellini et al. 1.057 9 21 0,6 69

Davenport et al. 1.041 ND 24 2,6 ND

Nyren et al. 972 3 23 0,3 74

Gear et al. 968 5 17 2,3 76

Joahnnessen et al. 930 15 17 1,0 67

Bytzer et al. 878 2 15 1,4 82

Talley et al. 820 14 23 3,4 60

Williams et al. 686 14 28 2,5 56

Saunders et al. 559 31 23 0,2 46

Intervalo (%) 2-31 13-28 0,2-4,0 35-

Média (%) 12 17 1,6 70

Modificado de Arents et al. 1

Abordagem

A dispepsia pode ser abordada de formas

diferentes. A rigor, características da população,

prevalência da infecção pelo H. pylori , prevalência

do câncer gástrico, custos e disponibilidade da

endoscopia digestiva alta devem ser adequadamente

estudados para cada região. Também os métodos

diagnósticos não invasivos para a bactéria e outros

fatores (inclusive também a vontade do paciente)

devem ser levados em conta na adoção de uma

estratégia específica.

Na prática, três estratégias são mais

comumente utilizadas: Endoscopia de início,

identificação da infecção pelo H. pylori e sua

erradicação (estratégia “teste e trate”) e tratamento

empírico inicial.

Endoscopia inicial

A endoscopia de início tem sido proposta

como abordagem que faz o diagnóstico da dispepsia

precocemente. Tranqüiliza o paciente 19 e identifica

tanto os casos de dispepsia funcional (a maioria dos

da obesidade. Há uma maior preocupação hoje em

dia com as complicações da DRGE, já que parece

estar havendo um aumento da incidência do adeno-

carcinoma da junção gastro-esofágica nos países

ocidentais 18 e mesmo no Japão 10.

Rev Med (São Paulo). 2008 out.-dez.;87(4):213-23.

casos), que são benignos e não vão exigir muitos

recursos no seu acompanhamento, bem como os

casos de neoplasia gástrica. Porém, a endoscopia

digestiva é um exame que tem restrições de oferta

e, em alguns países, tem alto custo, de maneira

que economizar sua indicação muitas vezes é uma

necessidade real 17.

Teste e trate

A estratégia do “teste e trate”, que consiste

em erradicar o H. pylori em pacientes dispépticos

jovens e sem sinais de alarme, apresenta uma

relação custo benefício melhor que a endoscopia

inicial e pode economizar até 30% de exames 11.

Porém é necessária a disponibilidade dos testes

não invasivos para o H. pylori. A prevalência da

infecção também não pode ser alta ou muito baixa,

porque ou se erradicaria a bactéria em quase todos

os dispépticos ou em muito poucos e mesmo em

pacientes ulcerosos, a erradicação da bactéria pode

não acabar com os sintomas 26.

Tratamento empírico

O tratamento empírico inicial (prova terapêutica)

é uma estratégia também direcionada para pacientes

adotada a faixa etária dos Estados Unidos: 55 anos

(Quadro 4). Em princípio, para localidades com alta

prevalência de câncer gástrico, recomendam-se

faixas etárias mais baixas 31.

QUADRO 3. Sinais e sintomas de alarme em dispepsia

Emagrecimento inexplicado Anemia Sangramento digestivo Disfagia progressiva Vômitos persistentes Cirurgia gástrica prévia Visceromegalia Icterícia Tumoração ou adenopatia abdominal Sintomas sistêmicos Idade (1) Uso de antiinflamatórios (2) (1) verificar a faixa etária; (2) sem gravidade, não considerar alarme.

Sintomas dispépticos

Sintomas de refluxo (pirose retrosternal, azia ou regurgitação)

Dispepsia sem refluxo ou uso de anti-inflamatórios

Dispepsia com uso de anti-inflamatórios

Tratar como Doença de Refluxo Gastro Esofágica

Suspender anti-inflamatório e medicar com Inibidor de bomba de prótons ou Bloqueador H 2

Com sinais de alarme ou mais de 55 anos

Sem sinais de alarme ou menos de 55 anos

Prova terapêutica com Inibidor de bomba de prótons ou Bloqueador H 2

Endoscopia Digestiva

Falha ou Recidiva

Normal, Gastrite ou Duodenite

Dispepsia Funcional

Esofagite, Úlcera ou Câncer

Tratamento Específico Modificado de A.G.A^29

QUADRO 4. Abordagem da dispepsia pelo tratamento empírico

dispépticos jovens e sem sinais de alarme,

que propõe um tratamento empírico,

normalmente utilizando supressores

ácidos, quem com resposta adequada do

pacientem é mantida por algum tempo,

visando a resolução dos sintomas 20. Para

os pacientes que não respondem ao

tratamento, a endoscopia está indicada e,

para os pacientes cujos sintomas recidivam,

também. É verdade que cerca de metade

dos casos de dispepsia funcional são

recidivantes, mas o princípio da abordagem

permite o diagnóstico das úlceras pépticas

e das doenças de refluxo, que respondem

ao tratamento de supressão ácida, mas

sempre recidivam.

Também é importante salientar que,

para esta estratégia (também a do teste

e trate), o reconhecimento dos sinais de

alarme (sinais ou sintomas que denotam

gravidade em doença orgânica) indica

endoscopia inicial 12 (vide os principais

sinais de alarme no Quadro 3).

De maneira geral, quase todos os

trabalhos apontam a idade como um sinal

de alarme, variando a faixa etária proposta.

O ideal é que cada localidade faça estudos

para determiná-la. No Brasil normalmente é

Rev Med (São Paulo). 2008 out.-dez.;87(4):213-23.

A doença de refl uxo gastro-esofágico

De fisiopatologia ainda não bem determinada,

parece decorrer do desbalanço entre os mecanis-

mos de defesa contra o refluxo gástrico e, princi-

palmente, a acidez do refluído gástrico. O esfíncter

inferior do estômago é a mais importante barreira

contra o refluxo, e a hipotonia episódica deste es-

fíncter é a principal causa da doença. É possível

ocorrer doença extra-digestiva (asma, faringite e

laringite de refluxo, sem esofagite concomitante).

O tratamento é baseado principalmente no uso do

inibidor de bomba de prótons e nas modificações

do estilo de vida: elevação da cabeceira da cama,

redução do peso corpóreo, abstenção do álcool,

tabaco e medicamentos agressivos (alendronato,

sildenafila, anti-inflamatórios), dieta sem irritantes

e fracionada 24.

A dispepsia funcional

A mais freqüente causa de dispepsia ainda

não tem sua fisiopatologia bem definida, embora

seja uma doença benigna e a investigação endoscó-

pica mostre mucosa gastroduodenal normal ou com

lesões mínimas (gastrite). Talvez seja multi-causal,

e a agressão cloridro-péptica, a hipersensibilidade

visceral, a dismotilidade gastroduodenal e distúrbios

psicológicos e do sistema nervoso central estejam

envolvidos 24.

Seu tratamento pode ser difícil e não há

medicamentos de grande eficácia a serem usados.

Uma proposta para a abordagem medicamentosa é

apresentada no Quadro 7.

DOR EPIGÁSTRICA DESCONFORTO PÓS-PRANDIAL

INIBIDOR DE BOMBA PROCINÉTICOS

(Dose usual) insucesso insucesso

PROCINÉTICOS INIBIDOR DE BOMBA

(Dose usual) insucesso

INIBIDOR DE BOMBA

(Dose dupla) insucesso insucesso

ANTIDEPRESSIVO TRICÍCLICO

PSICOTERAPIA

insucesso

ERRADICAÇÃO DO H. pylori

Insucesso

MEDICAMENTOS EXPERIMENTAIS

(Sumatriptan, Buspirona)

QUADRO 7. Tratamento da dispepsia funcional

Tratamento comportamental visando a

utilização de uma dieta saudável, sem irritantes, evitar

o uso de medicamentos agressivos para a mucosa

gástrica e minimizar as situações de ansiedade ou

depressão podem ser úteis, embora não hajam

estudos adequados verificando a eficácia destas

medidas.

É sempre muito importante compreender a

limitação do uso de medicamentos, dar suporte

psicológico ao paciente, conscientizando-o de que

a doença é benigna e aguardar o surgimento de

medicamentos mais eficazes 21.

Silva FM. Dispepsia: caracterização e abordagem.

Casos problemas - resolução

1. Paciente feminina de 16 anos refere desconforto

epigástrico há 3 meses, que piora com a ingestão de alimentos gordurosos. Tem náuseas freqüentes pela manhã. Nega vômitos. Nega emagrecimento, uso de anti-inflamatórios, álcool e tabaco. Nega passado mórbido. É muito emotiva e reconhece que os sintomas são mais intensos e freqüentes quando fica ansiosa. Caso de dispepsia sem sinais de alarme em paciente jovem. A proposta é realizar um tratamento empírico com supressores ácidos por 4 a 8 semanas. Se a paciente não responder ao tratamento ou em caso de recidiva após tratamento, indicar endoscopia. Verificar a necessidade de tratamento da ansiedade.

  1. Paciente masculino de 52 anos tem dor epigástrica há 5 anos, em crises de meses de duração, que melhora com a alimentação. Refere “clocking” freqüente. É pedreiro e tabagista de 20 cigarros por dia. Nega perda de peso. Há 1 semana evacuou durante 3 dias fezes escuras e de mau cheiro. Refere melhora da dor com a ingestão de leite ou de bicarbonato. Caso de dispepsia com sinal de alarme: sangramento digestivo. Indicar endoscopia o mais breve possível. Medicar se possível com inibidor de bomba de prótons. Verificar o uso de anti-inflamatório, porque o paciente tem uma profissão sujeita a lesões osteo-musculares, situação de uso freqüente destes medicamentos. O paciente tem os sintomas recidivantes e clocking , o que pode ser mais sugestivo de úlcera péptica. O paciente tem dor típica: melhora com alcalinos, porém usa bicarbonato, medicamento que é absorvido e pode determinar alterações eletrolíticas sistêmicas. É tabagista, hábito que aumenta a freqüência de recidiva ulcerosa e aumenta o tempo de cicatrização da úlcera. Esta característica pode ser minimizada se o paciente for portador da infecção pelo H. pylori e erradicar a infecção.
  2. Paciente masculino de 65 anos, natural de Portugal, no Brasil há 10 anos. Ex-fumante, abstêmio há 5 anos, sempre gostou de alimentos defumados, com baixa ingesta de verduras. Há 3 meses apresenta epigastralgia leve, sem passado dispéptico prévio, que piora com a ingestão de alimentos, sem náuseas ou vômitos, porém com anorexia. Perdeu 2 kg de peso no período. Dispepsia com sinal de alarme: perda de peso, em paciente idoso, procedente de um país com alta prevalência de câncer gástrico, com dispepsia de início recente. Também tem hábitos de risco para câncer gástrico. Solicitar endoscopia o mais procecemente possível. Medicar se possível com inibidor de bomba de prótons.
  3. Paciente feminina de 45 anos refere há um ano queimação retroesternal, que piora após as refeições e é mais intensa à noite, dificultando o seu sono. Tem azia constante e episódios repetidos de regurgitação.

Apresenta intolerância aos gordurosos e ao álcool. É obesa e não consegue emagrecer. Fuma e não quer interromper o hábito porque tem medo de engordar. Já fez diversos tratamentos com antiácido ou cimetidina, com melhora transitória (enquanto está usando o medicamento). Caso sugestivo de DRGE sem sinais de alarme. Medicar com inibidor de bomba de prótons por seis meses, orientar medidas comportamentais: elevação da cabeceira da cama, evitar deitar logo após as refeições, dieta fracionada, seca, em especial sem bebidas gasosas, diminuição da ingesta de café e gordurosos, estimular a abstenção de álcool e tabaco, orientar e apoiar as medidas para perda de peso. A paciente tem melhora transitória com uso de supressão ácida de menor potência. É possível que eventualmente tenha necessidade de usar dose dobrada de inibidor de bomba de prótons e que a suspensão do uso deste tipo de medicamentos se siga de recidiva precoce dos sintomas. Nesta situação poderá ser candidata ao uso crônico de inibidor de bomba de prótons. Resposta inadequada a dose dobrada do medicamento por mais de um mês de tratamento, é indicação de endoscopia e reavaliação do diagnóstico. Em pacientes mulheres de mais idade verificar o uso de alendronato.

  1. Paciente feminina de 21 anos refere epigastralgia de forte intensidade, que piora com as refeições e com qualquer tipo de alimento. Está fazendo uso de omeprazol por orientação médica há uma semana, sem melhora. Há 6 meses teve episódio semelhante, quando fez endoscopia digestiva que mostrou uma gastrite enantemática, H. pylori ⊕. Melhorou com uso de bromopride. Quer repetir a endoscopia, porque como acha a dor atual muito mais intensa, acredita que a gastrite se transformou em úlcera. Caso de dispepsia funcional. O tratamento é sintomático e a supressão ácida potente não necessariamente melhora os sintomas. Às vezes o uso de procinéticos pode ser mais eficaz. Verificar a necessidade de se tratar ansiedade ou depressão associada. A erradicação do H. pylori não está indicada, porque até o momento não há evidências que a erradicação da bactéria melhore os sintomas. Não há necessidade de se repetir a endoscopia, porque a intensidade dos sintomas não se correlaciona com a gravidade da gastrite e a não ser em caso de mudança dos sintomas o quadro dispéptico recidivante está associado ao mesmo achado endoscópico. Estes casos são os mais difíceis de se tratar na prática médica: demandam apoio médico constante, cuidado em não supervalorizar medicamentos e exames laboratoriais e aconselhamento continuado para uma vida saudável e de menor preocupação com os sintomas dispépticos, porque a entidade é benigna.
  2. Paciente masculino de 51 anos tem epigastralgia há 10 anos. Já fez inúmeras endoscopias, que sempre mostram úlcera duodenal (às vezes, mais de uma). Obtém melhora transitória com uso de ranitidina, porém quando suspende a medicação volta a ter

Silva FM. Dispepsia: caracterização e abordagem.

sentar uma dificuldade técnica importante, já que o paciente apresenta úlcera ativa e com necessidade de supressão ácida potente. Além disso, a presença da infecção pelo H. pylori também pode determinar alteração da gastrinemia e o uso de inibidor de bomba de prótons também podem mascarar a presença da infecção. No entanto a presença de úlceras múltiplas em especial mais distalmente ao estômago também podem sugerir hiperacidez gástrica. O paciente tem história de nefrolitíase e no caso de gastrinoma associado à síndrome NEM (neoplasia endócrina múltipla), a hipercalcemia associada ao adenoma de paratireóide surge normalmente antes do apare- cimento do gastrinoma. Este tipo de gastrinoma tem

carater familiar e frequentemente apresenta múltiplos pequenos tumores na parede duodenal. No entanto, a Síndrome de Zollinger-Ellison (gastrinomas asso- ciados à úlcera péptica e hipersecreção gástrica) é uma síndrome muito rara. Neste caso seria adequado realizar nova dosagem da gastrina em situação ideal, pesquisar e erradicar o H. pylori , se presente, medicar o paciente por um período mínimo de 4 semanas com inibidor de bomba de prótons em dose dobrada e se a situação clínica se mantiver, encaminhar o paciente para a especialidade para a pesquisa de gastrinoma. Gastrimenias entre 100 e 500 pg/mL são mais sugestivas de hiposecreção gástrica, freqüente em gastrites atróficas.

Silva FM. Dyspepsia: clinical aspects and current approach. Rev Med (São Paulo). 2008 out.- dez.;87(4):213-23.

ABSTRACT: Dyspepsia is a syndrome with a high prevalence in general population, but only few patients seek medical care by his symptoms. The concepts and the approaches related to syndrome, supported by Roma III Consensus, are presented in this article. Clinical cases in medical practice are proposed for self evaluation and the solutions with proper commentaries are presented also.

KEY WORDS: Dyspepsia. Stomach ulcer. Gastroesophageal reflux. Peptic ulcer. Stomach neoplasms.

REFERÊNCIAS

  1. Arents NL, Thijs JC, Kleibeuker JH. A rational approach to uninvestigated dyspepsia in primary care: review of the literature. Postgrad Med J. 2002;78(926):707-16.
  2. Bjarnason I, Scarpignato C, Takeuchi K, Rainsford KD. Determinants of the short-term gastric damage caused by NSAIDs in man. Aliment Pharmacol Ther. 2007;1:26(1):95-106.
  3. Coelho LG, Leon-Barua R, Quigley EM. Latin-American Consensus Conference on Helicobacter pylori infection. Latin-American National Gastroenterological Societies affiliated with the Inter-American Association of Gastroenterology (AIGE). Am J Gastroenterol. 2000;95(10):2688-91.
  4. de Oliveira SS, da Silva dos Santos I, da Silva JF, Machado EC. Prevalence of dyspepsia and associated sociodemographic factors. Rev Saude Publica. 2006;40(3):420-7.
  5. Drossman DA. The functional gastrintestinal disorders: diagnosis, phatophysiology and treatment. A multinational consensus. Mclean, VA: Degnon Associates; 1994.
  6. Drossman DA. The functional gastrointestinal disorders and the Rome III process. Gastroenterology. 2006;130(5):1377-90. 7. Ford AC, Moayyedi P. Current guidelines for dyspepsia management. Dig Dis. 2008;26(3):225-30. 8. Kang JY, Elders A, Majeed A, Maxwell JD, Bardhan KD. Recent trends in hospital admissions and mortality rates for peptic ulcer in Scotland 1982-2002. Aliment Pharmacol Ther. 2006;1:24(1):65-79. 9. Keohane J, Quigley EM. Functional dyspepsia and nonerosive reflux disease: clinical interactions and their implications. Med Gen Med. 2007;9(3):31. 10. Kusano C, Gotoda T, Khor CJ, Katai H, Kato H, Taniguchi H, et al. Changing trends in the proportion of adenocarcinoma of the esophagogastric junction in a large tertiary referral center in Japan. J Gastroenterol Hepatol. 2008;23(11):1662-5. 11. Lassen AT, Hallas J, Schaffalitzky de Muckadell OB. Helicobacter pylori test and eradicate versus prompt endoscopy for management of dyspeptic patients: 6.7 year follow up of a randomised trial. Gut. 2004;53(12):1758-63. 12. Lieberman D, Fennerty MB, Morris CD, Holub J, Eisen G, Sonnenberg A. Endoscopic evaluation of patients with dyspepsia: results from the national endoscopic data repository. Gastroenterology. 2004;127(4):1067-75.

Rev Med (São Paulo). 2008 out.-dez.;87(4):213-23.

  1. Liou JM, Lin JT, Wang HP, Huang SP, Lee YC, Shun CT, et al. The optimal age threshold for screening upper endoscopy for uninvestigated dyspepsia in Taiwan, an area with a higher prevalence of gastric cancer in young adults. Gastrointest Endosc. 2005;61(7):819-25.
  2. Mazzoleni LE, Sander GB, Ott EA, Barros SG, Francesconi CF, Polanczyk CA, et al. Clinical outcomes of eradication of Helicobacter pylor i in nonulcer dyspepsia in a population with a high prevalence of infection: results of a 12-month randomized, double blind, placebo-controlled study. Dig Dis Sci. 2006;51(1):89-98.
  3. Mimica M. Choice of age cut-off for endoscopy in dyspepsia in developing countries according to incidence of gastric cancer. Coll Antropol. 2005;29(2):599-602.
  4. Mones J, Adan A, Segu JL, Lopez JS, Artes M, Guerrero T. Quality of life in functional dyspepsia. Dig Dis Sci. 2002;47(1):20-6.
  5. Ofman JJ, Rabeneck L. The effectiveness of endoscopy in the management of dyspepsia: a qualitative systematic review. Am J Med. 1999;106(3):335-46.
  6. Pera M. Trends in incidence and prevalence of specialized intestinal metaplasia, Barrett’s esophagus, and adenocarcinoma of the gastroesophageal junction. World J Surg. 2003;27(9):999-1008; discussion 6-8.
  7. Quadri A, Vakil N. Health-related anxiety and the effect of open-access endoscopy in US patients with dyspepsia. Aliment Pharmacol Ther. 2003;17(6):835-40.
  8. Rabeneck L, Souchek J, Wristers K, Menke T, Ambriz E, Huang I, et al. A double blind, randomized, placebo-controlled trial of proton pump inhibitor therapy in patients with uninvestigated dyspepsia. Am J Gastroenterol. 2002;97(12):3045-51.
  9. Saad RJ, Chey WD. Review article: current and emerging therapies for functional dyspepsia. Aliment Pharmacol Ther. 2006;24(3):475-92.
  10. Sanders MK, Peura DA. Helicobacter pylori -associated diseases. Curr Gastroenterol Rep. 2002;4(6):448-54.
  11. Shaib Y, El-Serag HB. The prevalence and risk factors of functional dyspepsia in a multiethnic

population in the United States. Am J Gastroenterol. 2004;99(11):2210-6.

  1. Silva FM. Dispepsia. In: Santos IS, Silva LL, Bensenor IM, editores. Clínica médica - diagnóstico e tratamento. São Paulo: Sarvier; 2008. p. 857-61.
  2. Singh G, Triadafilopoulos G. Appropriate choice of proton pump inhibitor therapy in the prevention and management of NSAID-related gastrointestinal damage. Int J Clin Pract. 2005;59(10):1210-7.
  3. Spiegel BM, Vakil NB, Ofman JJ. Dyspepsia management in primary care: a decision analysis of competing strategies. Gastroenterology. 2002;122(5):1270-85.
  4. Spiller R, Aziz Q, Creed F, Emmanuel A, Houghton L, Hungin P, et al. Guidelines on the irritable bowel syndrome: mechanisms and practical management. Gut. 2007;56(12):1770-98.
  5. Sundar N, Muraleedharan V, Pandit J, Green JT, Crimmins R, Swift GL. Does endoscopy diagnose early gastrointestinal cancer in patients with uncomplicated dyspepsia? Postgrad Med J. 2006;82(963):52-4.
  6. Talley NJ. American Gastroenterological Association medical position statement: evaluation of dyspepsia. Gastroenterology. 2005;129(5):1753-5.
  7. Talley NJ, Stanghellini V, Heading RC, Koch KL, Malagelada JR, Tytgat GN. Functional gastroduodenal disorders. Gut. 1999;45(Suppl 2):II37-42.
  8. Uehara G, Nago A, Espinoza R, Vargas G, Astete M, Moran L, et al. Optimal age for gastric cancer screening in patients with dyspepsia without alarm symptoms. Rev Gastroenterol (Peru). 2007;27(4):339-48.
  9. Uemura N, Okamoto S, Yamamoto S. H. pylori infection and the development of gastric cancer. Keio J Med. 2002;51(Suppl 2):63-8.
  10. Vakil N, van Zanten SV, Chang L, Toth G, Sherman J, Fraser M, et al. Comprehension and awareness of symptoms in women with dyspepsia. Aliment Pharmacol Ther. 2005;22(11-12):1147-55.
  11. Zaterka S, Eisig JN, Chinzon D, Rothstein W. Factors related to Helicobacter pylori prevalence in an adult population in Brazil. Helicobacter. 2007;12(1):82-8.