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DISCURSO DE FORMATURA, Notas de aula de Medicina

Se hoje é dia de recordar e comemorar, é também um momento para agradecer aos que amamos. Amigos, familiares, companheiros, mestres. Muitos aqui nesta platéia, ...

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Raimundo
Raimundo 🇧🇷

4.6

(212)

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DISCURSO DE FORMATURA
Senhores pais, amigos, familiares, convidados, membros da mesa
diretora, boa noite!
Queridos, muito queridos formandos de Medicina da Universidade
Federal da Bahia! Que felicidade é estarmos todos aqui hoje para
celebrarmos nossa vitória!
Nesse momento, a voz fica embargada e as palavras parecem
insuficientes porque nenhuma delas é capaz de traduzir a intensidade dos
sentimentos que vivenciamos agora. Olho ao redor, observo o rostinho de
cada um dos presentes, nesta noite tão especial e o que vejo? Vejo algo
que me faz lembrar a frase do poeta Milton Nascimento em uma de suas
canções. Ele diz: “tudo que cala fala mais alto ao coração”.
Percebo o quanto é real esta frase e no meu silêncio privilegio a palavra
do outro e sobretudo o silêncio do outro, que me fala pelos olhos, pelo
sorriso, pelo abraço apertado, pela vibração, pelo choro emocionado e às
vezes contido, e assim nos arrepiamos juntos, como se, nesse momento,
nosso corpo se transformasse em local pequeno demais para comportar
tamanha emoção e precisássemos extravasar. Então nos
compreendemos sem dizer uma única palavra, sentimos a sensação do
outro sem fazer qualquer esforço e alcançamos o único e real sentido da
vida: compreender e tocar o coração do outro.
Diante de tantas sensações e emoções, tentarei fazer da minha voz, a voz
de cada um dos meus colegas, de forma que vocês, queridos, não devem
estranhar se em determinados momentos reconhecerem naquilo que falo,
trechos das suas próprias mensagens individuais ou frases
inadvertidamente proferidas e gravadas em minha memória durante todo
esse período que passamos juntos.
Período esse que se iniciou há pouco mais de seis anos, quando a
maioria desse grupo que hoje aqui se encontra vivia a felicidade de
passar em um dos vestibulares mais difíceis. Entrávamos na tão sonhada
faculdade de medicina da Universidade Federal da Bahia. Nesse dia tão
inesquecível para cada um de nós, muitos dos convidados aqui presentes
eram testemunhas da nossa alegria, vibraram com o nosso sucesso e nos
fizeram crer que éramos especiais. E entramos todos, exaltados,
orgulhosos, cheios de si. A partir daquele dia, pessoas semelhantes ou
completamente diferentes uniam seus caminhos para trilharem em busca
de um sonho comum: sermos médicos, esse era o nosso desejo!!
Sabíamos que o caminho a ser trilhado seria longo, que exigiria
sacrifícios, mas trazíamos a esperança no peito e a certeza de que o
nosso sonho seria o bastante para suportarmos todas as dificuldades.
Mas havia algo que não sabíamos: éramos todos absolutamente
ingênuos. Ingênuos, porque nenhum de nós tinha a real noção da
transformação que estava por vir.
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DISCURSO DE FORMATURA

Senhores pais, amigos, familiares, convidados, membros da mesa diretora, boa noite! Queridos, muito queridos formandos de Medicina da Universidade Federal da Bahia! Que felicidade é estarmos todos aqui hoje para celebrarmos nossa vitória! Nesse momento, a voz fica embargada e as palavras parecem insuficientes porque nenhuma delas é capaz de traduzir a intensidade dos sentimentos que vivenciamos agora. Olho ao redor, observo o rostinho de cada um dos presentes, nesta noite tão especial e o que vejo? Vejo algo que me faz lembrar a frase do poeta Milton Nascimento em uma de suas canções. Ele diz: “tudo que cala fala mais alto ao coração”. Percebo o quanto é real esta frase e no meu silêncio privilegio a palavra do outro e sobretudo o silêncio do outro, que me fala pelos olhos, pelo sorriso, pelo abraço apertado, pela vibração, pelo choro emocionado e às vezes contido, e assim nos arrepiamos juntos, como se, nesse momento, nosso corpo se transformasse em local pequeno demais para comportar tamanha emoção e precisássemos extravasar. Então nos compreendemos sem dizer uma única palavra, sentimos a sensação do outro sem fazer qualquer esforço e alcançamos o único e real sentido da vida: compreender e tocar o coração do outro.

Diante de tantas sensações e emoções, tentarei fazer da minha voz, a voz de cada um dos meus colegas, de forma que vocês, queridos, não devem estranhar se em determinados momentos reconhecerem naquilo que falo, trechos das suas próprias mensagens individuais ou frases inadvertidamente proferidas e gravadas em minha memória durante todo esse período que passamos juntos.

Período esse que se iniciou há pouco mais de seis anos, quando a maioria desse grupo que hoje aqui se encontra vivia a felicidade de passar em um dos vestibulares mais difíceis. Entrávamos na tão sonhada faculdade de medicina da Universidade Federal da Bahia. Nesse dia tão inesquecível para cada um de nós, muitos dos convidados aqui presentes eram testemunhas da nossa alegria, vibraram com o nosso sucesso e nos fizeram crer que éramos especiais. E entramos todos, exaltados, orgulhosos, cheios de si. A partir daquele dia, pessoas semelhantes ou completamente diferentes uniam seus caminhos para trilharem em busca de um sonho comum: sermos médicos, esse era o nosso desejo!!

Sabíamos que o caminho a ser trilhado seria longo, que exigiria sacrifícios, mas trazíamos a esperança no peito e a certeza de que o nosso sonho seria o bastante para suportarmos todas as dificuldades. Mas havia algo que não sabíamos: éramos todos absolutamente ingênuos. Ingênuos, porque nenhum de nós tinha a real noção da transformação que estava por vir.

E assim iniciamos o curso. Com o estudo das matérias básicas, enfrentamos as primeiras dificuldades. Na tentativa de compreender a complexidade biológica e molecular do ser humano e dos patógenos, éramos forçados a exercitar a nossa capacidade de abstração. Precisávamos acreditar e aceitar aquilo que os nossos olhos não conseguiam ver. Aliado a tudo isso, tínhamos as dificuldades técnicas e estruturais da nossa faculdade e, como se isso não bastasse, ainda havia a falta de compromisso de alguns que, embora ocupassem a posição de mestres, não mereciam nem de longe esse título. E quantas e quantas foram as noites de sono trocadas pelas noite de estudo, e quantos e quantos foram os momentos de renúncia à convivência com a família e os amigos, e quantas e quantas vezes nos sentimos divididos em vivermos as comemorações da juventude ou assumirmos o compromisso com o nosso curso? E muitas foram as vezes em que as renúncias pareciam não ser recompensadas. E muitas foram as vezes em que, nos sentindo desamparados, angustiados, limitados, passávamos a questionar a certeza do nosso sonho. E como sofremos com isso... Hoje, porém, quando recordamos todas essas dificuldades, sentimos o gosto da vitória ainda mais acentuado e percebemos um sentido que não conseguíamos enxergar naquele momento: tudo fazia parte do processo de transformação a que seríamos submetidos. Era preciso ter a certeza do nosso sonho questionada para que pudéssemos reconstruir na realidade aquilo que apenas tínhamos no imaginário.

E finalmente chega o nosso primeiro alento: o tão esperado contato com os pacientes. Confiando em nós, eles nos ofereciam as suas angústias e os seus segredos mais escondidos. Entregavam seus corpos, a serem examinados por mãos, ainda pouco hábeis, e ofereciam a própria dor como instrumentos de aprendizado. Desde o início, já nos chamavam de “doutor, doutora”, mesmo sabendo que não éramos e compreendendo essa nossa condição de estudante, muitas vezes nos ensinavam aspectos da sua própria patologia ou nos mostravam achados do seu exame físico.

Recordo-me de um fato pitoresco...Tinha acabado de aprender os primeiros elementos de uma anamnese. Pra quem não sabe, anamnese é o nome dado àquela conversa inicial que o médico tem com seu paciente. Fui, então, colocar em prática tudo aquilo que até então eu tinha aprendido. Terminado, dei por encerradas as perguntas, agradeci e quando me preparava para sair, o paciente me falou: “Doutora? Não vai me perguntar isso? E aquilo? E aquilo outro?” Cheguei em casa, abri o livro e percebi que o paciente acabava de me dar uma aula de anamnese completa. Me apresentou todos os outros elementos que eu ainda iria aprender nas aulas subseqüentes. E foi tão minucioso, que parecia que ele tinha lido todo o capítulo do livro de semiologia médica do Porto e do Lopes.

como seria essa vitamina?” E passamos alguns minutos a falarmos de frutas saborosas que iríamos colocar na nossa vitamina imaginária. Continuei a conversa com os elementos usuais de uma evolução e então comecei a examiná-lo. Ao iniciar a percussão do abdômen, ele me diz: “ não é assim que se percute, doutora”. Olhei para ele e perguntei: “o senhor me ensina?” A essa altura, não havia mais a interna e um paciente, mas a interna e um mestre. No meu último dia na enfermaria, o destino havia me concedido a oportunidade de mais uma lição sublime. Me senti privilegiada e como forma de agradecer-lhe, perguntei: “o senhor gosta de poesia?” Ao que ele me respondeu: “sim”. Prometi retornar no dia seguinte para presenteá-lo com a poesia que eu mais gostava e assim o fiz. “Olhe, esta poesia é de Cora Coralina, uma poetisa goiana, vou lê-la pro senhor.” Iniciei...

“Não sei... Não sei... se a vida é curta ou longa demais para nós Mas sei que nada do que vivemos teria sentido, Se não tocássemos o coração das pessoas Muitas vezes basta ser: Colo que acolhe, Braço que envolve, Palavra que conforta Silêncio que respeita Alegria que contagia Lágrima que corre Olhar que acaricia Desejo que sacia Amor que promove E isso não é coisa de outro mundo, É o que dá sentido à vida É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais Mas que seja intensa, verdadeira, pura... enquanto durar”

Terminei e ele me respondeu como se ainda contemplasse: “bonita, muito bonita sua poesia.” Me despedi e tempos mais tarde encontrei a interna que o acompanhava e perguntei. “Como vai seu paciente?” Ela me respondeu: “faleceu, Day”. E em seguida me perguntou: “você leu alguma poesia de Cora Coralina pra ele?” Respondi: “sim, por quê?” “Outro outro dia ele estava meio zangado com os exercícios de fisioterapia que tínhamos prescrito pra ele e, depois de movimenta aqui, movimenta ali, o fisioterapeuta saiu e ele murmurou: fisioterapia é fisioterapia, Cora Coralina é Cora Coralina”. Achei graça, emocionei-me e me senti confortada com aquela frase.

TOCAR O CORAÇÃO DO OUTRO. Esse é o sentido da vida, senhores e senhoras. E isso foi o que fizeram os nossos homenageados , eles tocaram o nosso coração.

Dr. Zilton, nome da turma, com seu espírito dedicado e atuante, também nos emocionou com a sua emoção na nossa aula da saudade. Dr. Nilo, nosso paraninfo, com a seriedade e segurança que nos transmitia o seu conhecimento. Com a satisfação com que aceitou o nosso convite, e com o oferecimento de um momento de confraternização tão especial para nós, quando pudemos ter a comunhão da nossa alegria com a dele. Dr. Menezes, nosso patrono, com o compromisso com que executa a sua função de mestre, nos ensinando na prática a enxergar o paciente em todas as suas dimensões e com seu esforço pessoal para que conseguíssemos um local onde pudéssemos comemorar a nossa vitória. Dr. Raul e Dr. Pondé com o seu entusiasmo e alegria contagiantes. Guardamos boas lembranças das suas aulas, quando o conhecimento era transmitido associado a muito bom humor. Dr. Paulo e Dr. Rone, quando apesar da juventude traziam tanto conhecimento e experiência que nos inspiravam... Dra. Cristiana, que com toda sua seriedade, paciência e força de vontade aliava a assistência ao paciente ao aprendizado de nós, internos. Dr. Nery, que nos introduziu aos conceitos éticos e desvendando os segredos da alma humana nos ofertou a mais pura sabedoria. Concordo com um dos formandos que me disse que eu era uma pessoa de muita sorte por ter convivido com você por mais tempo. Sabes do amor e gratidão que tenho por ti. E finalmente a Ana, funcionária homenageada, pelo carinho, amizade e prestatividade que tinha com os internos.

Agradecer... expressão singular de reconhecimento a atitudes, emoções ou atos. Se hoje é dia de recordar e comemorar, é também um momento para agradecer aos que amamos. Amigos, familiares, companheiros, mestres. Muitos aqui nesta platéia, outros impossibilitados de estarem presentes, pelos mais diversos motivos. A todos vocês, os nossos mais sinceros agradecimentos.

Não posso deixar de tomar um pouco mais do tempo de vocês para um agradecimento especial... nossos pais. Muitas foram as vezes em que seus olhos nos buscaram e nós estivemos ausentes. Muitas foram as vezes que quiseram nos abraçar, contar caso, dividir uma dúvida, e não nos encontraram. Muitas vezes buscaram o nosso sorriso e estávamos cheios de pressa, hora marcada para tudo e não nos encontaram disponíveis. Foram vocês que nos incentivaram a caminhar a cada momento de cansaço, desânimo ou quando o estudo parecia um fardo pesado demais. Doaram-se em silêncio e hoje, ao reconhecermos que grande parte dessa conquista devemos a vocês, é a nossa vez de sermos silenciados... pela emoção. Pai, mãe, irmãe, amo muito vocês!

Posso dizer que hoje, sentados aqui nessa platéia, temos três tipos de pais: aqueles que vibram sem medo de serem ridículos, aqueles que

Esses somos nós... tais como as borboletas, seres transformados. Diversos, diferentes, mas em comum o mesmo momento do alçar vôo em busca do seu próprio destino. Partimos do casulo em busca da nossa própria luz... Que assim como as borboletas, nosso trabalho seja silencioso e discreto, pois o que deve aparecer é a presença do fruto perfeito: o bem- estar do paciente. Que para isso não nos falte a técnica, tampouco a arte do bailar das asas. Que esta tela, que agora entregamos ao nosso diretor, possa estar em um local da nossa faculdade, como presente da nossa turma para ela. E se diga às próximas gerações dos aspirantes a médicos: ela representa em uma única palavra, o que eles vivenciarão em 6 anos: transformação.

Muito obrigada!