




















Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
No século xviii, a arte foi objeto de pesquisas, discussões e teorias que traram três resultados excepcionais: estética, história da arte e crítica de arte. Diderot, considerado um dos primeiros e maiores críticos de arte da modernidade, descreveu as obras e artistas em crônicas de exposições, dando-lhes uma forma natural. Se não é o primeiro, diderot é um dos pioneiros na frança do século xviii, que trouxe a oportunidade de crônicas escritas e encontrou a crítica de arte. No entanto, a prática não foi inicialmente muito aceita até o talento de diderot modificar isso.
Tipologia: Provas
1 / 28
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
discurso 45 exposés au Louvre le mois d’août 1746, tornando-se, assim, como assevera Baldine Saint Girons, “o verdadeiro criador de um novo gênero literário: a crítica de arte” (Saint Girons, 1990, p. 306). Se não é o primeiro, Diderot é, ao menos, um dos primeiros e, sem dúvida, um dos maiores críticos de arte da modernidade. O século XVIII na França trouxe a oportunidade das crônicas escri- tas, encontrando, assim, a crítica de arte a sua forma natural. Con- tudo, tal prática não foi, inicialmente, muito aceita... até o talento de Diderot modificar essa quadro. Explica Lionello Venturi: Tratava-se de descrever unicamente para dizer sua opinião sobre um grupo de obras e artistas. [...] A crítica de arte assumia assim o caráter de crítica da atualidade. [...] Pelo seu caráter de atualidade, a crítica das exposições não foi muito apreciada, até que Diderot a reabilitou com sua paixão pela verdade e pela liberdade. (Venturi, 2007, p. 139). Em 1773, na obra Da poesia dramática, mais exatamente, em seu último capítulo, intitulado Dos autores e dos críticos, Diderot aconselha: A verdade e a virtude são as amigas das belas-artes. Quereis ser um au- tor? Quereis ser um crítico? Começai por ser um homem de bem. Que esperar daquele que não pode se afligir profundamente? E de que eu me afligiria profundamente senão da verdade e da virtude, as coisas mais poderosas da natureza? (Diderot, 2000). Verdade e virtude são, portanto, as referências que o artista e o crítico não podem perder de vista: a natureza não deve ser ornada e velada com subterfúgios e frivolidades, a arte deve repre- sentá-la tal qual é; e, além disso, a arte deve apurar os costumes e inspirar a virtude. A arte deve dar uma imagem tão realista quanto possível de uma natureza, que deve ser observada com fidelidade, pois a arte é uma maneira de conhecer a natureza e de a fazer conhecer,
exprimindo a verdade das coisas. Eis a razão que o faz, por um lado, exigir que o artista esteja o mais próximo da realidade e, por outro, combater o recurso a cenas mitológicas e o uso de alego- rias. Por isso, a associação feita na crítica da obra de Jean-Honoré Fragonard, O sumo sacerdote Coreso imola-se para salvar Colirroe, a uma visão, a um sonho^3. Desde Da interpretação da natureza (1754), Diderot considera que as produções da arte serão comuns, imperfeitas e fracas quando não se propuserem uma imitação da natureza^4. Por conseguinte, a beleza de uma pintura não é de forma alguma relativa, ela possui critérios objetivos, a saber: a imitação da natureza e a verdade dessa restituição. Esses critérios são ressaltados por Diderot na análise de telas dos seus artistas preferidos, como por exemplo, em Os atributos das artes e as re- compensas que lhe são concedidas de Jean-Baptiste Siméon Char- din, na Grande galeria iluminada do fundo de Hubert Robert e em Uma tempestade com um naufrágio de um navio de Claude- -Joseph Vernet. Todavia, o próprio retrato do filósofo, realizado pelo seu amigo Louis-Michel van Loo, e a Estátua do Sr. Voltaire, de Jean Antoine Houdon, também presentes nesta exposição, não contemplam satisfatoriamente aquelas exigências e o crítico Di- derot não deixa de reclamá-las. A beleza da obra de arte encontra sua origem na técnica per- feitamente adquirida, mas essa beleza não se deve exclusivamente à técnica de imitar a natureza. Além da maestria do artista, uma obra é bela porque exprime a virtude: uma bela obra toca, ins- trui e convida à virtude, edificando o amante da arte. O artista de talento sabe estimular a virtude do espectador. Ao comentar 3 Segundo a Mitologia Grega, Coreso, sacerdote de Dionísio, apaixonou-se pela bela Calirroe, que não correspondia a esse amor. O sacerdote então resolveu queixar-se a Dionísio, que fez eclodir na região uma epidemia de loucura. Um oráculo revelou que o castigo apenas cessaria se fosse sacrificada uma virgem no altar a cargo de Co- reso; este estava prestes a golpear Calirroe, mas sem coragem, em razão do seu amor pela virgem, prefere o suicídio. Comovida, Calirroe também se mata (Cf. Kury, 2003). 4 Cf. Diderot, 1989. TRADUÇÕES
mento” da crítica de Diderot não mais se sustenta uma vez que é difícil ou mesmo impossível fazer uso do “endereçamento”, por exemplo, em um quadro abstrato, ou em um monocromo, ou, pior, em um vazio. Contudo o papel e a postura diderotianos da crítica de arte mantêm-se, eles são os mesmo os atribuídos hoje na análise das obras. De acordo com Cauquelin: que se espera do crítico de arte? “Uma reflexão sobre a arte tanto quanto um julgamento de gosto; o estabelecimento de uma relação entre a atividade artística [...] e o mundo [...]; a apresentação menos de uma obra do que de uma maneira de se comportar, uma lição de coisas e de costumes” (Cauquelin, 2005, p. 142). Ora, este modelo era já o de Diderot, que o realizou com um brilhantismo ímpar. Assim, Diderot reuniu as perspectivas técnica, estética e ética na análise das obras e associou crítica de arte à literatura. A obra de Diderot reflete a atividade de um filósofo, de um enciclopedista, de um dramaturgo, de um romancista, de um contista... e de um salonnier, isto é, de um crítico de arte. Na França do século XVIII, a Académie Royale exibia as obras de seus artistas em exposições periódicas, denominadas Salões, que ocorriam no Museu do Louvre em Paris. Em 1759, a convite de seu amigo Grimm, editor da revista Correspondance Littéraire, Diderot foi incumbido de fazer uma síntese das obras expostas nesses Salões; nasceu, então, o Diderot salonnier. O conjunto des- ses textos recebeu o mesmo nome da exposição: Salões. Entre os anos de 1759 e 1781, Diderot analisou obras em nove exposições bienais, excetuando as dos anos de 1773, 1777 e 1779. O período dos seus três primeiros Salões – 1759, 1761 e 1763 – reflete um filósofo mais preocupado com suas atividades com a Encyclo- pédie, não obstante possuírem digressões importantes sobre a arte. A partir de 1765, é possível perceber uma progressão do seu mé- todo, do seu vocabulário técnico e de sua estética. Merece desta- que o Salão de 1767 por apresentar um vasto panorama de ideias estéticas; memorável, também, por conter seu retrato, pintado por Michel van Loo, e por ser o mais longo, o que exigiu de Diderot TRADUÇÕES
discurso 45 um virtuosismo literário para prender a atenção do leitor, levando o autor a variar incessantemente de expressão (com destaque para a forma dialógica), tom e estilo. Aqui se reproduz uma pequena porção dos Salões, obra mo- numental pela extensão e pela importância para a história da es- tética e da crítica de arte. O que se objetiva com esta pequena menção é convidar o leitor-espectador ao universo da crítica de arte diderotiana, expondo uma amostra variada de temas e de pin- tores analisados pelo salonnier a partir de 1765. Pela primeira vez no Brasil, extratos dos Salões são traduzidos para o português^6.
CAUQUELIN, A. Teorias da arte. Trad. Rejane Janowitzer. São Paulo: Martins Fontes, 2005. (Col. Todas as artes). DIDEROT, D. Da interpretação da natureza e outros escritos. Trad. Magnólia Costa Santos. São Paulo: Iluminuras, 1989. ______. Salons. In: ______. Œuvres: esthétique et théâtre, t. IV. Paris: Robert Laffont, 1996 (Col. Bouquins). ______. Obras II: estética, poética e contos. Trad. Jacó Guins- bourg. São Paulo: Perspectiva, 2000 (Col. Textos, 12). GOMBRICH, E. H. A história da arte. 16ª ed. Trad. Álvaro Ca- bral. Rio de Janeiro: RTC, 2011. IBRAHIM, A. Diderot: un matérialisme éclectique. Paris: Vrin,
discurso 45 Jean-Baptidte Greuze, “O filho punido (esboço)”, Gênero doméstico, Salão de 1765 , Musé de Beaux-arts. Lille -artes.
Ele estava em combate, retorna. E em qual momento? No momento no qual seu pai acaba de expirar. Tudo mudou bas- tante na casa, era o abrigo da indulgência, da dor e da miséria. A cama era ruim e sem colchão. O velho morto estendido sobre esta cama, uma luz que desce de uma janela clareia apenas sua face; tudo o mais está na sombra. Vê-se aos seus pés, sobre um escabelo de palha, a vela benta e a caldeira. A filha primogênita, sentada no velho banco do confessionário de couro, tem o corpo virado para trás numa atitude de desespero, uma mão colocada sobre sua têmpora e a outra, elevada e segurando ainda o crucifixo que ela fez seu pai beijar; uma de suas criancinhas, apavorada, escondeu a cabeça em seu seio; a outra, os braços no ar e os dedos 7 Tradução Vladimir de Oliva Mota e Christine Arndt de Santana.
afastados, parece conceber as primeiras ideias da morte. A caçula, posicionada entre a janela e a cama, não conseguia se convencer de que não tem mais pai; pende sobre ele, parece procurar seus últimos olhares, agita um de seus braços e sua boca entreaberta grita: “Meu pai, meu pai, não me escutais mais?” A pobre mãe está em pé à porta, as costas contra a parede, desolada, e seus joelhos falham sob ela. Eis o espetáculo que espera o filho. Ele avança, ei-lo sobre a soleira da porta; perdeu a perna, com a qual repulsou sua mãe, e tem o braço entrevado, com o qual ameaçou seu pai. Ele entra. É a sua mãe quem o recebe; ela se cala, mas seus braços estendidos na direção do cadáver lhe dizem: “Ó, veja, olhe: eis o estado no qual você o colocou!” O filho ingrato parece consternado, a cabeça lhe tomba para frente e ele se bate na fron- te com o punho. Que lição para os pais e para as crianças! [...] Eu não sei qual o efeito esta curta e simples descrição de um esboço de um quadro fará sobre os outros; para mim, confesso que não o tenho feito, absolutamente, sem emoção. [...]
TRADUÇÕES
e formavam aí cenas [...]. Eis o que vi ali se passar em diferentes intervalos que reaproximarei para abreviar. [...] O piso estava co- berto por um tapete vermelho bordejado com uma larga franja de ouro; este rico tapete e sua franja recaiam sobre o longo degrau, que dominava toda a extensão da fachada. À direita, perto deste degrau, havia um desses grandes vasos de sacrifício destinados a receber o sangue das vítimas. De cada lado da parte do templo que eu descobria, duas grandes colunas de um mármore branco e transparente pareciam ir buscar aí a abóbada. À direita, ao pé da coluna mais avançada, fora colocada uma urna de mármore negro, coberta em parte de lençóis próprios para as cerimônias sangrentas. Do outro lado da mesma coluna, via-se um grande candelabro da mais nobre forma; ele era tão alto que pouco fal- tava para atingir o capitel da coluna. No intervalo, entre as duas colunas, do outro lado, havia um grande altar ou tripé triangular sobre o qual ardia o fogo sagrado. Eu via o clarão avermelhado dos braseiros ardentes e a fumaça dos perfumes me roubavam uma parte da coluna interior. Eis o teatro de uma das mais terríveis e das mais tocantes representações que foram executadas na tela da caverna durante a minha visão. GRIMM – Mas dizei-me, meu amigo, não confiastes vosso sonho a ninguém? DIDEROT – Não. Por que me fazeis esta pergunta? GRIMM – É que o templo que acabais de descrever é exata- mente o lugar da cena do quadro de Fragonard. [...] DIDEROT – Se é isto, que belo quadro fez Fragonard! Mas ouvi o resto. O céu brilhava com a mais pura claridade; o sol parecia precipitar toda massa de sua luz dentro do templo e comprazer-se em reuni-la sobre a vítima, quando as abóbadas se obscureceram com espessas trevas que, estendendo-se sobre nos- sas cabeças e misturando-se ao ar, produziram um súbito horror. Através dessas trevas, eu vi planar um gênio infernal, eu o vi: dois olhos alucinados lhe saltavam da cabeça; segurava um punhal TRADUÇÕES
discurso 45 numa das mãos; na outra, agitava uma tocha acesa; ele gritava. Era o Desespero, e o Amor, o temível Amor era carregado sobre o seu dorso. Logo em seguida o grão-sacerdote tira a faca sagrada, levanta o braço; julgo que ele vai golpear com ela a vítima, que ele vai enfiá-la no seio daquela que o desdenhou e que o céu lhe entregou; de modo algum, ele se golpeia a si mesmo. Um grito ge- ral corta e dilacera o ar. Eu vejo a morte e seus sintomas errarem sobre suas faces, sobre a fronte do terno e generoso infortunado; seus joelhos desfalecem, sua cabeça cai para trás, um de seus bra- ços fica pendente, a mão com que ele pegou o punhal ainda o segura cravado em seu coração. [...] GRIM – Eis o quadro de Fragonard, ei-lo com todo o seu efeito. DIDEROT – Deveras? GRIMM – É o mesmo templo, a mesma ordenação, as mes- mas personagens, a mesma ação, os mesmos caracteres, o mesmo interesse geral, as mesmas qualidades, os mesmos defeitos. Na ca- verna, vistes apenas os simulacros dos seres, e Fragonard em sua tela vos teria mostrado não mais que os simulacros deles. É um belo sonho que vós elaborastes, é um belo sonho que ele pintou. [...] Mas, além do receio de que ao primeiro sinal da cruz todos esses belos simulacros desaparecessem, há juízes de um gosto se- vero que julgaram sentir em toda a composição não sei o quê de teatral que lhes desagradou. O que quer que eles digam a respei- to, acreditai que vós elaborastes um belo sonho e Fragonard um belo quadro. Ele tem toda a magia, toda a inteligência e toda a máquina pinturesca. A parte ideal é sublime nessa artista a quem falta apenas uma cor mais verdadeira e uma perfeição técnica que o tempo e a experiência podem lhe dar.
discurso 45 os acessórios estão bons, tanto quanto é possível, quando se quis a cor brilhante e que se quer ser harmonioso. Cintilante de perto, harmonioso de longe, sobretudo a pele. De resto, belas mãos bem modeladas, exceto a esquerda que não foi desenhada. Ele é visto de frente. Tem a cabeça nua. Seu topete cinza com sua afetação lhe dá um ar de uma velha coquete que se faz ainda amável. A po- sição de um secretário de Estado e não de um filósofo. A falsidade do primeiro momento influiu sobre todo o resto [...], o filósofo sensível tomara um caráter completamente diferente e o retrato ressentir-se-ia disso. Ou, melhor ainda, seria preciso o deixar so- zinho e abandonado aos seus devaneios. Então, sua boca estaria entreaberta, seus olhares distraídos seriam levados para longe, o trabalho de sua cabeça, intensamente ocupada, seria pintada so- bre sua face e Michel teria feito uma bela coisa. Meu delicado filósofo, vós me sereis para sempre uma testemunha preciosa da amizade de um artista, excelente artista; mais: excelente homem. Mas o que dirão meus netos, quando vierem a comparar minhas tristes obras com este risonho, delicado, afeminado velho coque- te? Meus filhos, eu vos previno que este não sou eu. Eu tinha, num só dia, cem fisionomias diversas, segundo a coisa pela qual eu era afetado. Eu era sereno, triste, sonhador, tenro, violento, passional, entusiasta. Mas eu nunca fui tal qual vós me vedes aí. [...] Eu tenho uma máscara que engana o artista, seja porque nela há coisas demais juntas ou porque as impressões da minha alma se sucedendo rapidamente e se pintando todas sobre o meu rosto, o olho do pintor, não me encontrando o mesmo de um instante a outro, sua tarefa se torna muito mais difícil do que ele supunha. [...] Como se faz para que o artista não leve em conta os traços grosseiros de uma fisionomia que ele tem sob os olhos e faça pas- sar sobre sua tela ou sobre sua argila os sentimentos secretos, as impressões escondidas no fundo de uma alma que ele ignora? [...]
Hubert Robert, “Grande galeria iluminada do fundo”, Salão de 1767, Musée du Louvre, Paris.
Oh belas, sublimes ruínas! Que firmeza e, ao mesmo tempo, que leveza, segurança, simplicidade de pintar! Que efeito! Que grandeza! Que nobreza! Digam-me a quem essas Ruínas perten- cem a fim de que eu as possa roubar, único meio de adquirir quando se é indigente. Ai de mim, elas fazem, talvez, tão pouca felicidade aos ricos estúpidos que as possuem, e elas me torna- riam tão feliz! Proprietário indolente, esposo cego, que prejuízo cometo quando me aproprio dos charmes que você ignora ou ne- gligencia? Com que espanto, que surpresa eu vejo essa abóboda quebrada, os pedaços sobrepostos desta abóbada! As pessoas que ergueram esse monumento, onde elas estão? O que se tornaram? 10 Tradução Vladimir de Oliva Mota e Christine Arndt de Santana. TRADUÇÕES
Se minha alma está prevenida de um sentimento terno, eu me libertarei disso sem acanhamento; se meu coração está calmo, experimentarei toda a doçura de seu repouso. Neste asilo deserto, solitário e vasto, não escuto nada, rompi com todos os entraves da vida; ninguém me oprime e me escuta; eu posso me falar bem alto, afligir-me, verter lágrimas sem cons- trangimento. [...] Ó sensor que reside no fundo de meu coração, você me se- guiu até aqui. Eu buscava me distrair de suas exprobrações, e é aqui que eu o escuto mais fortemente. Fujamos desse lugar. É a estada da inocência, é a do remorso? É uma e outra, de acordo com a alma que para lá se leve. O homem mau foge da solidão; o homem justo a procura. Este está tão bem com ele mesmo! As produções dos artistas são encaradas com um olhar bem diferente por aquele que conhece as paixões e por aquele que as ignora. Elas não dizem nada a este; que não dizem elas a mim? Um não entrará na caverna que eu procurava, ele se afastará dessa floresta na qual eu me comprazo em me embrenhar; o que ele faria disso? Ele se entediaria com isso? Se me resta algo a dizer sobre a poesia das ruínas, Robert a elas me reconduzirá. A peça da qual se trata aqui é o mais belo daqueles que ele expôs. O ar aí é espesso, a luz carregada pelo vapor dos lugares frescos e pelas partículas que trevas visíveis fazem aí discernir; de resto, é uma pintura tão doce, tão flexível, tão segura! É um efeito maravilhoso produzido sem esforço. Não se pensa na arte, admira- -se, e é a mesma admiração que convém à Natureza.
TRADUÇÕES
discurso 45 Jean-Baptiste-Siméon Chardin, “Os atributos das artes e as recompensas que lhe são concedidas”, Salão de 1769, Minneapolis Institute of Arts.
Todos veem a natureza, mas Chardin a vê melhor e se exte- nua a produzi-la como ele a vê; sua peça dos Atributos das Artes é uma prova disso. Como a perspectiva é nela observada! Como os objetos refletem nela uns sobre os outros! Como os volumes são aí precisos! Não se sabe onde está o que seduz porque está em toda parte. Procuram-se sombras e luzes, e é bem necessário que elas estejam aí, mas elas não estão evidentes em nenhuma parte; os objetos se separam sem ordem. [...] Olhando seus Atributos das Artes, o olho restituído permanece satisfeito e tranquilo. Quando se olha muito tempo essa peça, as outras parecem frias, repartidas, 11 Tradução Vladimir de Oliva Mota e Christine Arndt de Santana.