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Daí que a realização da prestação pelo devedor se considere como cumprimento, importando a extinção da obrigação. Numa obrigação que une duas ou mais pessoas há ...
Tipologia: Provas
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Inês Carreiro e António Garcia 2º Semestre 2º ano 2018 NOÇÕES GERAIS ➔ Avaliação : o A avaliação contínua é possível. Decidir até final de fevereiro. Participação regular nas aulas + entregar pelo menos 2 exercícios por escrito depois da matéria dada, serão corrigidos no pressuposto de que a matéria foi discutida. 50% + 50%, limite de 3 valores de subida, só conta para subir ➔ Para as aulas : o Código Civil o Regime da compra e venda dos bens de consumo (mais à frente no programa) ➔ Bibliografia: o Principais obras: manuais atuais e manuais de referência o Antunes Varela (perspetiva tradicional, mas ultrapassada em muitos aspetos) o Menezes Leitão (interessam os dois primeiros volumes) – mais sucinto ▪ Preferível para as fontes o Tratado de Menezes Cordeiro (inclui todo o direito privado, importa os volumes 6,7,8 e 9) o Em qualquer uma das obras há que conciliar os capítulos com o programa ➔ Conselhos do professor Miguel Moura em aula de substituição: o A professora odeia demonstração de sabedoria. Odeia palha. Temos de identificar o problema e resolver. o Aceita respostas contraditórias desde que sejam bem fundamentadas. o Importante assumir posições. o Estatisticamente os últimos parágrafos correm sempre mal.
O nº1 dá-nos a ideia de que as partes têm liberdade para fixar o conteúdo da prestação, o que inclui a ideia de liberdade de criação de obrigações. Importa notar desde já que nem todas as obrigações são de criação voluntária. Muitas vezes as partes veem surgir na sua esfera obrigações que são impostas pelo sistema, como a de indemnizar. Neste caso do exercício 1, há uma criação livre ou voluntária de obrigações pelas partes. O nº2 apresenta-se como um limite à liberdade que as pessoas têm de criar obrigações da sua esfera jurídica, dando-nos uma restrição ao anterior nº1. Este segundo número exige que as prestações correspondam a um interesse do credor digno de proteção legal. Excluem-se, por exemplo, quaisquer situações oriundas de outras ordens normativas tais como a religião ou o trato social. O objeto da nossa atenção e análise é a obrigação que aparece definida no artigo 397 º , como sendo o vínculo jurídico segundo a qual uma pessoa fica adstrita à realização de uma prestação. A obrigação não é a posição do obrigado, não é um dever, mas sim o vínculo que une duas pessoas. Não está mais de um lado do que do outro. Numa obrigação uma das duas pessoas obrigou-se perante a outra a realizar uma prestação. Obligatio est iuris vinculum quo necessitate adstringimur alicuius solvendae rei secundum nostraem civitatis iura – Institutiones (sec. VI d.C.) ➔ A obrigação é um vínculo jurídico em virtude do qual podemos ser compelidos a pagar alguma coisa a alguém, segundo as leis do nosso Estado (tradução) As obrigações têm como objeto um comportamento , este comportamento é a prestação. Então, como nos diz Menezes Cordeiro, da definição do artigo 397 resulta que a prestação consiste na conduta que o devedor se obriga a desenvolver em benefício do credor, ou seja, a conduta devida. Daí que a realização da prestação pelo devedor se considere como cumprimento, importando a extinção da obrigação. Numa obrigação que une duas ou mais pessoas há alguém que deve uma conduta – o devedor – sujeito passivo da obrigação que tem o dever de prestar, e alguém que tem o correspondente direito a essa conduta – o credor – sujeito ativo que tem o direito a exigir que a conduta/prestação se realize. Neste primeiro exercício houve seriedade na proposta? Por outras palavras, a proposta de Bela incluía uma dimensão jurídica? Será este um problema jurídico? Vimos que o artigo 398 nº2 exige que o interesse do credor seja digno de proteção legal. Será este um mero capricho da Bela ou há um interesse digno de proteção jurídica? Com a entrada vigor da Constituição de 1976 deixamos de poder interpretar literalmente este preceito. Anteriormente, cabia ao juiz, dentro da lógica totalitária do regime que então vigorava, verificar se as obrigações eram ou não merecedoras de tutela e se fossem “meros caprichos”, tal como dizia o próprio Antunes Varela, não eram dignas de proteção jurídica.
Hoje o pensamento é outro. Não devemos procurar um interesse coletivo que se sobreponha para saber se é um mero capricho ou se é um direito legítimo. A interpretação que prevalece já não exige um interesse digno, mas apenas juridicidade. Isto implica que o interprete deve, sem fazer sobrepor a sua própria opinião, verificar se as partes quiseram vincular-se juridicamente ou se a combinação era de outra ordem, outro foro, apurando as suas vontades. A ideia não é escrutinar a vontade das partes de uma forma subjetiva. Podemos ter uma visão objetivista, pois não precisamos conhecer os verdadeiros pensamentos das partes, mas interpretar as suas vontades segundo os critérios do artigo 236º e seguintes de forma a perceber se a combinação foi ou não criadora de efeitos jurídicos. Regressando ao exercício nº 1 , embora a professora aceite ambas as posições, entende que neste caso já entramos no campo da juridicidade e houve a criação de uma obrigação: Bela tem de pagar mil euros a Ana se esta lhe telefonar com a informação pedida. No entanto reconhece que este é um caso de fronteira. Entendendo que sim, que há um vínculo jurídico e não uma combinação de mera cortesia, temos de ver quantas obrigações foram produzidas. A professora entende que só a Bela tem uma obrigação. Isto porque a Ana só conta os candeeiros e recebe os mil euros se quiser, não tendo qualquer obrigação de o fazer. Diferentemente, Bela perdeu a sua liberdade de decisão quando se obrigou a pagar os mil euros se a Ana contasse os candeeiros. Temos de separar o plano das obrigações do plano do contrato. Termos um contrato, proposta e aceitação, não implica que se tenham criado duas obrigações. O facto de ter havido uma proposta e uma aceitação por parte de Ana não lhe torna devedora. Temos duas hipóteses: 1) Na linha do pensamento já exposto, reconhecemos que Bela tem uma obrigação (pagar os mil euros) e Ana tem um ónus. Ónus porque pode ou não o fazer. Sendo que a conduta em causa não é devida, mas um meio para alcançar um fim que é seu, ao contrário dos deveres que também são meios, mas para fins alheios. 2) Ou, se entendermos que existem duas obrigações, dizemos que a Ana tem o dever de contar e informar do número, enquanto que Bela tem o dever de pagar os mil euros aquando da receção da informação pedida. Enquanto intérpretes tínhamos de escolher uma destas hipóteses e para isso teríamos de identificar com cuidado e rigor as obrigações de cada enunciado, evitando conclusões precipitadas. Na maioria dos casos temos obrigações de ambos os lados. É importante reconhecer que as partes de um negócio são distintas das de uma obrigação. Para falarmos de devedor e de credor temos de identificar muito bem os vínculos e centrar a nossa atenção nas obrigações, analisando-as uma de cada vez. Um mesmo sujeito pode ser credor e devedor ao mesmo tempo, dependendo da obrigação em análise.
Um dos principais problemas desta matéria é perceber quais os mecanismos que o nosso sistema tem para a defesa dos credores. Isto liga-se com a natureza coerciva do nosso ordenamento jurídico, sendo possível que o cumprimento das obrigações seja imposto, por uma sentença condenatória, por exemplo. Exercício nº 3. Zé dá-se conta de que se lhe acabou o sal. Desloca-se à mercearia da esquina, cumprimenta Xerxes, o dono, dirige-se a uma das prateleiras, pega num pacote de sal, que exibe à saída, deixa em cima do balcão uma moeda de euro e vai à sua vida. Xerxes, eu a tudo assiste serenamente, acena-lhe um adeus à saída. Quid juris? Este exercício surge aqui para mostrar que há vida além das obrigações. Não podemos começar a ver obrigações em tudo assim à parva. Este é um contexto em que normalmente haveriam duas obrigações, uma vez que é um contrato de compra e venda (Xerxes vendeu a Zé um pacote de sal e Zé comprou a Xerxes um pacote de sal). O artigo 879º fala-nos dos efeitos da compra e venda: ➔ A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade de uma esfera jurídica para a outra; ➔ Obrigação de entregar a coisa; ➔ Obrigação de pagar o preço. Contudo, este exercício surge como exemplo de uma compra e venda que não gera nenhuma destas obrigações (entrega da coisa e pagamento do preço). É o que se chama uma compra e venda manual , em mão. Os exemplos de compras e vendas manuais não são negócios estranhos, são negócios que celebramos no dia a dia. Porque é que não é gerada qualquer obrigação? ➔ Do lado do vendedor – não há obrigação de entrega da coisa Isto é o que nos acontece quando vamos ao supermercado: somos nós que vamos pelos corredores, escolhemos os produtos e levamo-los para a caixa para fazer o pagamento. A vida evoluiu de forma a dispensar a obrigação da entrega da coisa. Sem falar sequer no exemplo do IKEA em que somos nós que montamos, transportamos, fazemos tudo e é um contrato de compra e venda na mesma (piadas giras da Lima Rego). No hipermercado, o contrato celebra-se quando a senhora da caixa passa os nossos produtos. O contrato só se firma quando estamos a colocar as coisas na passadeira da caixa e só gera a obrigação de pagar o preço. ➔ Do lado do comprador – não há obrigação de pagamento do preço Só podemos falar em obrigação de pagamento de preço quando há um tempo para contratar e um tempo posterior para pagar. No exemplo do exercício nº 3, não há lugar a qualquer obrigação porque tudo acontece em simultâneo. Neste caso, é precisamente o ato de entrega do dinheiro que cria o contrato. Quando o contrato é celebrado, já as condutas devidas estão cumpridas por isso nem chegam a nascer.
É de reiterar que nada disto invalida a existência de um contrato. Há um contrato que é celebrado: as vontades das partes foram declaradas mesmo que de forma tácita, há transferência do direito de propriedade da coisa. Só não há nenhuma conduta devida no momento em que o contrato é celebrado porque já foi tudo feito. Nestes casos, o direito protege as partes por outras vias que não a obrigação. Para que um contrato gere uma obrigação temos que ter dois momentos. Estes dois momentos podem ser adjacentes no tempo, desde que não sejam coincidentes, podemos falar em obrigações. São eles: ➔ Momento em que surge o contrato que gera a obrigação; ➔ Momento em que é cumprida a conduta devida (pagamento do preço e/ou entrega da coisa). Como já aqui foi dito, os direitos de crédito tendem para a sua extinção. É o seu normal funcionamento. A satisfação dos interesses do credor prende-se ao cumprimento da conduta devida que faz desaparecer a obrigação. Outro exemplo compra e venda manual: A professora empresta o seu código civil a um aluno. Mais tarde o aluno decide ficar com o código e deixa dinheiro no cacifo da professora, depois telefona-lhe a informar do que fez e esta aceita. Neste caso, não há qualquer obrigação gerada com a compra e venda: não há lugar à entrega do código porque este já está na esfera no aluno e não há obrigação de pagamento do preço porque quando o negócio foi celebrado com o telefonema, já o dinheiro estava no cacifo Exercício nº 4. Carlos e Diana assistem a um jogo de futebol entre o Benfica e o Sporting. Ao intervalo, com o marcador ainda a zeros, começam a discutir sobre qual das equipas estaria a jogar melhor. A discussão só acaba quando ambos decidem apostar sobre o resultado final da partida. A aposta é ganha por Carlos. Diana paga-lhe os 100€. Quando chega a casa, Eunice, sua irmã estudante de direito, diz-lhe que a aposta é nula. No dia seguinte, Diana dirige-se a Carlos e exige-lhe que devolva o dinheiro. Quid juris? De acordo com o artigo 1245º, as apostas são contratos nulos, o que significa que o ordenamento jurídico não se lhes reconhece efeitos jurídicos. Juridicamente não existe um direito de crédito nem um direito de prestar decorrente de uma aposta. As apostas não são ilegais, as pessoas podem fazer o que bem entenderem, simplesmente não podem exigir o cumprimento desses contratos em tribunal. Apesar não serem contratos válidos nem constituírem fontes de obrigações civis, as apostas, quando lícitas, geram obrigações naturais. OBRIGAÇÕES NATURAIS Nos termos do artigo 402º, a obrigação natural é aquela que se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível , mas corresponde a um dever de justiça. Assim, o que caracteriza as obrigações naturais é a não exigibilidade judicial da prestação, resumindo-se a sua tutela jurídica à possibilidade de o credor conservar a prestação espontaneamente realizada , a que se refere o artigo 403 º.
Podemos conferir a um negócio a vontade das partes e fazer valer o regime das obrigações naturais? Exercício nº 5. Carlos e Diana decidem comprar a meias uma moto para se deslocarem mais facilmente ao estádio nos dias de jogo. É Carlos quem vai tratar do assunto. Dispõe- se a adiantar a totalidade do preço, desde que Diana se comprometa a entregar-lhe a sua parte, o mais tardar até à véspera do jogo seguinte. Diana, que ainda não se conformara com a aposta perdida, responde-lhe que sim, que promete pagar-lhe, mas acrescenta entredentes que a promessa valeria o mesmo que uma das suas apostas. Carlos responde-lhe: «Como queiras!» Chega a véspera do jogo e Carlos pede a Diana a sua parte do preço. Diana observa que nada lhe deve. Carlos assevera-lhe que não tem razão. Quid juris? Quando Diana diz que a promessa de pagar o preço vale o mesmo que uma aposta, o que diz é que esta combinação será uma obrigação natural e não uma obrigação civil. Esta é uma questão polémica que divide a doutrina. Vejamos: ➔ A posição dominante defende que não podemos, que a autonomia privada não permite às partes criar obrigações naturais. O fundamento para esta afirmação é o disposto no artigo 809º, “É nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados (…) nos casos de não cumprimento ou mora do devedor (…)”. Por outras palavras, o credor não pode renunciar antecipadamente a nenhum dos seus direitos. Direito aqui não inclui só os direitos subjetivos ou faculdades, mas todas as suas defesas ou mecanismos. A lógica por trás desta disposição é a proteção do credor, uma vez que nenhuma pessoa, em condições normais, renunciaria antecipadamente às suas defesas. O que significa que quando isto é tentado, estamos normalmente perante um caso de abuso. O pensamento é então: como ninguém, no seu juízo perfeito, quereria uma coisa dessas, vamos estabelecer que não pode querer. Neste exemplo, ao aceitar que a obrigação de pagamento fosse natural e não civil, o Carlos estaria a renunciar ao seu direito de recorrer judicialmente caso Diana não cumprisse a prestação, tornando-se demasiado vulnerável. ➔ A posição minoritária, posição da professora, defende que a autonomia privada permite às partes criarem as obrigações que bem entenderem. Ao argumento anterior sobre o artigo 809º, os seguidores desta segunda tese respondem que esta disposição só se aplica aos credores de obrigações civis. Ora, se a obrigação quando surge, já é uma obrigação natural, o Carlos não é um verdadeiro credor (credor de obrigações civis) e não está abrangido por esta disposição. A ideia é a de que, uma vez que a obrigação natural é mais que nada e menos que uma obrigação civil, esta pode ser muitas vezes a única hipótese possível. Ou seja, quando não é possível as partes se entenderem na criação de um contrato que gere obrigações civis, podem tentar um meio caminho, para assegurar pelo menos parte dos seus interesses.
Quanto ao argumento da exploração ou dos abusos, responde que a forma de proteção desses casos passa pela aplicação de regimes como a da usura e não pela proibição de as partes fazerem uso da sua autonomia privada para estipularem o que quiserem. A professora defende que no direito civil, tudo o que não está proibido, está permitido: se não há nenhuma estipulação que proíba as partes de criarem obrigações naturais, então é possível que o façam. OBRIGAÇÕES CUM VOLUERIT (obrigações quando quiser) As obrigações cum voluerit, previstas no artigo 778º nº2, são obrigações cujo cumprimento é deixado ao arbítrio do devedor. São obrigações quando quiser. O que é, claramente, muito próximo de uma obrigação natural, uma vez que o cumprimento está nas mãos do devedor e não é exigível judicialmente. Só se distinguem por um aspeto: se o devedor de uma obrigação cum voluerit morrer, esta passa a valer como obrigação civil, fazendo com o que os herdeiros tenham o dever de a cumprir. Isto significa que o direito de pagar quando quiser não se transfere com a morte. Voltando ao exercício nº 5, tínhamos duas possibilidades de resposta: ➔ Aceitamos que as partes estipularam que a obrigação de pagar o preço é natural e aplicamos esse regime: a Diana não tem de pagar qualquer valor, mas se o fizer, o Carlos tem direito a reter essa prestação. ( artigos 1245º, 402º e 403º ). ➔ Ou, não aceitando a criação de uma obrigação natural pelas partes, convertíamos a combinação num caso de obrigação cum voluerit, de acordo com o artigo 293º: a Diana tem de pagar o preço quando quiser e, se morrer, os seus herdeiros têm de cumprir a prestação. Voltaremos a estas figuras. REGIME DA OBRIGAÇÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES O cumprimento é, como vimos, a realização voluntária da prestação. Prestação esta que é a conduta devida , objeto da obrigação. Diz-nos o artigo 762º nº1 que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, o que importa a extinção da obrigação do credor que viu o seu interesse satisfeito, bem como o respetivo direito de crédito extinto. Se a realização da conduta não for voluntária, mas conseguida de modo coercivo ou forçado, não se chama cumprimento nesse sentido. Sobre o cumprimento das obrigações, há dois princípios a explorar: ➔ Princípio da pontualidade – A palavra pontualidade tem um significado diferente no contexto jurídico: significa que o comportamento em causa tem de corresponder ponto por ponto ao comportamento devido. Só se houver uma absoluta identidade entre o que era devido e o que realmente aconteceu é que estamos perante cumprimento de uma obrigação. Daí que se leia no artigo 406º nº1 que o “contrato deve ser pontualmente cumprido”.
Os chamados deveres acessórios têm por função assegurar a realização do dever de prestação principal , em termos que permitam tutelar o interesse do credor, mas também evitar que a realização da prestação possa provocar danos para as partes. Assim, o devedor não está unicamente vinculado ao dever de prestar, mas também a outros deveres de proteção, informação e lealdade perante o credor. (≠) Os deveres acessórios não podem ser confundidos com os deveres secundários. Num contrato de compra e venda, por exemplo, a obrigação principal é entregar a coisa, mas podem existir deveres secundários como o de entregar também um manual de instruções ou ter de manter uma linha de apoio ao cliente. Por tudo o exposto, a obrigação é uma situação jurídica complexa. O seu conteúdo principal é um dever de prestar de um lado e um direito de crédito do outro, mas o conjunto engloba mais do que isso, incluindo também os deveres secundários e outros complementos a que as partes se obrigam. Só o cumprimento do dever principal pode ser judicialmente arguido , como se lê no artigo 817º. Não podemos, por isso, chamar obrigações aos deveres secundários. A ação de cumprimento só se vai aplicar ao dever de prestar (se o vendedor não entrega a coisa devida ou se o comprador não paga o preço, por exemplo), não se aplica aos deveres secundários ou acessórios. Exercício nº 7. Vera dirige-se a Xavier, advogado, pedindo-lhe que trate de despejar o seu inquilino, Zé, que há meses deixara de lhe pagar a renda da casa. Xavier põe mãos à obra. Passados alguns dias, Xavier telefona a Vera para lhe dar conhecimento que a ação está prestes a dar entrada em tribunal. Vera informa-o de que afinal já não precisa dos seus serviços, pois horas antes Zé devolvera-lhe as chaves de casa que, entretanto, desocupara. Passados mais alguns dias, Vera recebe em casa uma fatura no valor de 3000€, a título e honorários pelos serviços prestados por Xavier. Quid juris? Obrigações de meio e obrigações de resultado A questão aqui prende-se com a delimitação dos contornos da obrigação. Os exemplos mais evidentes são o do médico e o do advogado: o médico não se obriga a curar um doente e o advogado não se obriga a ganhar um processo, mas ambos se obrigam a fazer todos as diligências necessárias para atingir esses objetivos. Isto porque não faz sentido uma pessoa obrigar-se a algo que não está inteiramente nas suas mãos. Segundo esta classificação, nas obrigações de resultado , o devedor vincula-se efetivamente a obter um resultado determinado , respondendo por incumprimento no caso de esse resultado não ser obtido. Nas obrigações de meio , o devedor não está obrigado à obtenção do resultado, mas apenas a atuar com a diligência necessária para que esse resultado seja obtido. O pagamento dos honorários é uma contrapartida pela realização da prestação a que o advogado se obriga. O resultado “ganhar o processo” não faz parte da prestação. Para nós sabermos se o devedor cumpriu as obrigações de meios temos de saber qual era o resultado final.
Apesar de o resultado não ser devido, este resultado definidor da prestação não a integra. O cumprimento da prestação não obriga atingir resultado definidor, mas a que os atos sejam os adequados à prossecução desse objetivo final. Voltando ao exercício nº 7 , o Xavier, advogado, obrigou-se a representar a Vera na ação de despejo e a partir desse momento começou a preparar o processo. Se a certa altura ela deixou de precisar dele, o Xavier continua a ter direito a receber os honorários correspondente aos atos preparatórios que realizou. Este é um caso de impossibilidade, mas voltaremos ao tema mais tarde. A ação de despejo para a qual o Xavier foi contrato era impossível e até inútil de vencer. O Zé sair de casa e entregar as chaves é algo estranho às partes que acontece, pelo que estas têm de se adaptar ao novo contexto. A solução passaria por Vera pagar a Xavier a remuneração correspondente ao trabalho despendido. É de notar que estes casos de obrigações de meios e não de resultado são típicas de profissionais cujo sucesso não depende totalmente de si. Estas obrigações são completamente diferentes das de outros profissionais como o pintor contratado para pintar uma parede. A distinção entre as obrigações de meios e de resultado é relevante a vários títulos, um deles é a presunção de culpa. Tomemos como exemplo duas situações: A. atropelei alguém com o meu carro; B. devo dinheiro e não pago. Quando está em causa uma obrigação, há presunção de culpa do devedor. Isto significa que, de acordo com o artigo 799º, quando o devedor falta com o cumprimento partimos do pressuposto de que o fez culposamente e é ele que tem o ónus de provar o contrário. Esta regra é a que se aplica ao caso B. Já na situação A, em que atropelo alguém com o meu carro, o regime é distinto. Apesar de ter deveres genéricos de diligência ao andar na rua, cabe ao lesado o ónus de demonstrar que agi com culpa. A diferença está na natureza dos deveres. No cenário A violam-se deveres genéricos. No cenário B, havendo uma obrigação, este vínculo torna mais intensos os deveres acessórios, tornam-se deveres específicos e o seu não cumprimento é, por presunção, culpa do devedor. Desta forma concluímos que, no caso de não ser cumprida a prestação devida de uma obrigação, presume-se culpa do devedor. O credor tem o ónus de provar que não teve culpa enquanto que o credor só tem de demonstrar que o cumprimento da obrigação não aconteceu. Aplicando esta disposição ao exercício nº 7, concluímos que Vera tinha apenas de dizer que o Xavier não a representou na ação de despejo. O ordenamento jurídico partiria da presunção de culpa do Xavier, mas esta seria afastada quando ele relatasse a situação. Contudo, estavam aqui incluídas obrigações de meios que como vimos apenas obrigam o Xavier a tomar as diligências adequadas a atingir o resultado.
É de ressalvar que a generalidade das regras que vamos encontrar no código civil em matéria de cumprimento são regras supletivas. Significa isto que podem ser afastadas por estipulação das partes no exercício da sua autonomia privada. Ao contrário das regras injuntivas ou das imperativas, as regras supletivas são aquelas que se aplicam apenas quando as partes nada dizem em contrário. Legitimidade para o cumprimento ➔ Quem pode prestar? Já sabemos que o devedor pode prestar. No entanto, a lei generaliza o princípio da legitimidade ativa, atribuindo-a a todas as pessoas, quer estas tenham interesse direito no cumprimento da obrigação, quer não. O regime de que qualquer pessoa pode cumprir as obrigações alheias está no artigo 767º. Assim, embora o credor só possa exigir a prestação do devedor, ela pode, em princípio ser realizada por terceiro, sem que o credor a tal se possa opor. No entanto, o nº2 afasta essa regra geral quando se verifique uma de duas situações: ➔ Por estipulação expressa das partes : quando as partes combinam que a prestação tem de ser cumprida pelo devedor. ➔ Quando a substituição prejudique o credor. Caso dos contratos Intuitu Personae. Estes são os contratos realizados levando em consideração a entidade da outra parte. Baseiam-se, geralmente, na confiança que o credor tem no devedor, só podendo ser este seguindo a cumprir a prestação. Se o terceiro tiver legitimidade para o cumprimento, o credor não pode recusar a prestação por ele oferecida, e se o fizer incorre em mora perante o devedor como se tivesse recusado a prestação deste, tal como estatui o artigo 768º nº. Contudo isto não é sempre preto no branco. Se pedir a um determinado artista que me faça uma obra, significa que quero mesmo que seja ele a cumprir a obrigação e nenhuma outra pessoa pode cumprir a obrigação dele. Mas, se por exemplo, pedir a um carpinteiro para me construir uma mesa, é-me um bocado indiferente se é mesmo aquele carpinteiro a construí-la, pode ser outro, desde que seja capaz de executar a tarefa. Não pode ser um dentista ou um jardineiro, mas não tem de ser o carpinteiro Manuel, pode ser o filho dele que até aprendeu com o pai (ou outro qualquer). Temos de distinguir devedor c. solvens e credor c. accipiens : O devedor é quem deve, é o único que está vinculado àquele comportamento. Mas há uma distinção entre dever e poder. Quem presta, quem cumpre a prestação, tendo ou não o dever de o fazer chama-se solvens. Chamamos solvens a qualquer pessoa que cumpra a obrigação, inclusive o devedor. O credor é que tem o direito a exigir o cumprimento da prestação devida e tem possibilidade de a aproveitar. O accipiens é quem recebe a prestação, quer seja credor ou não.
➔ A quem pode prestar-se? A prestação deve ser feita ao credor ou ao seu representante , como se lê no artigo 769 º. Todas as outras pessoas são consideradas terceiros, pelo que a prestação que a estes for realizada não importará, em princípio, a extinção da obrigação, podendo o devedor ser condenado a realizá-la uma segunda vez. Isto nos termos do artigo 770º. Aqui é importante recuperar os conhecimentos de TGDP sobre a representação. “Devedor que paga mal, paga duas vezes”. Se eu devia a A, mas paguei ao B, continuo a dever ao A e tenho obrigação de cumprir essa prestação. Contudo, esta regra pode ser afastada, dando resposta ao princípio da primazia da materialidade subjacente se: ➔ Alínea a) Se for assim estipulado ou consentido pelo credor ; ➔ Alínea b) Se o credor ratificar esse cumprimento; ➔ Alínea c) Se quem recebeu a prestação passou a ser credor , isto é, quem receber a prestação não era credor, mas passou a ser por transferência do crédito; ➔ Alínea d) Se o credor vier a aproveitar-se do cumprimento e não tiver interesse fundado em não a considerar como feita a si próprio. A regra da alínea d) é a mais importante e aquela que está diretamente relacionada com o princípio da prevalência da materialidade subjacente. Exemplo : se fizer uma encomenda pela internet e, como não estava em casa para a receber, foi a minha empregada que a recebeu. Neste caso, a obrigação é extinta porque eu vou receber a coisa na mesma e aproveitar a prestação, não fico prejudicada em nada por não ter sido eu a receber a encomenda. Poder alegar que cumprimento foi mal feito seria um mero formalismo porque correu tudo bem. Se por acaso o cumprimento for feito a terceiro e não consubstanciar nenhum dos casos previsto pelas alíneas do artigo 770º , o risco corre por conta do devedor e a obrigação tem-se por não extinta. Tradicionalmente diz-se que o cumprimento está sujeito às regras de nulidade de anulabilidade do negócio jurídico, pelo que podemos usar os argumentos relacionados com os vícios da vontade para provar o não cumprimento. No entanto, isto não se aplica a todo e qualquer comportamento. Por vezes a conduta devida corresponde à celebração de um negócio jurídico, como é o caso do contrato promessa, em que as partes se comprometem a celebrar outro negócio jurídico posteriormente. Quando a conduta não é um negócio jurídico, mas um ato jurídico (exemplo: comprometo-me a fazer uma transferência bancária), aplica-se o artigo 295º que nos diz que se vai aplicar o regime dos negócios jurídicos. Isto acaba por ser algo redundante porque se for um negócio jurídico aplica-se o seu regime, se for um ato que não é um negócio jurídico, aplica-se na mesma este regime na parte em que não existe regulação. Contudo, isto não é verdade quando o cumprimento ou uma tentativa falhada de realizar a conduta devida for um mero ato material porque não podemos aplicar este regime.
Efetivamente, se o devedor cumprisse a obrigação com coisa alheia ou com coisa própria de que não pudesse dispor , o credor estaria sempre sujeito à possibilidade de ver a coisa reivindicada pelo seu legítimo proprietário, ou o cumprimento ser anulado, pelo que deve ter o direito de impugnar o cumprimento realizado nestas condições. Pelo contrário, em relação ao devedor, o artigoº 765 nº2 refere que o devedor que, de boa ou má fé, prestar coisa de que lhe não é lícito dispor não pode impugnar o cumprimento, a não ser que ofereça uma nova prestação. Efetivamente, não faria sentido permitir a devedor invocar em seu próprio benefício a ausência de disponibilidade da coisa entregue, para impugnar o cumprimento, a menos que ele possa imediatamente oferecer nova prestação em substituição da anteriormente realizada. Exemplo: se eu combinei vender o meu código civil ao A e no ato de entrega me enganei e em vez de entregar o meu código, entreguei o de um colega com quem tinha estado a estudar, não posso simplesmente pedir ao A que mo devolva sem antes entregar o correto. Tenho de substituir a prestação errada pela certa. É no artigo 766º que encontramos as consequências da declaração de nulidade ou de anulabilidade do cumprimento de uma prestação por terceiro. Se o cumprimento for declarado nulo ou anulado por causa imputável ao credor, não renascem as garantias prestadas por terceiro, a menos que este conhecesse o vício na data em que teve notícia do cumprimento da obrigação. Prestações fungíveis c. prestações infungíveis Exercício nº 8. Aurora encomendou a Jasmim, conhecida pintora, uma aguarela da sua cadelinha Cinderela. Assim que terminou o quadro, Jasmim pediu a Branca, amiga de ambas, que o entregasse a Aurora. Branca dirigiu-se com o quadro a casa de Aurora, mas no caminho encontrou Primavera, madrinha de Aurora. Primavera explicou-lhe que Aurora dormia profundamente e, recebendo o quadro, comprometeu-se a guardá-lo e a entregá-lo a Aurora assim que esta acordasse. No entanto, distraiu-se com os seus afazeres e o quadro foi levado e destruído por Cremilda, madrasta de Branca. Quid Juris? Como em qualquer caso semelhante a este, a nossa primeira missão é identificar e delimitar as obrigações em causa. É de notar que há aqui um contrato de empreitada. Uma empreitada não é só quando envolve obras, mas qualquer contrato em que uma parte tenciona adquirir um bem que ainda não existe , é uma coisa que tem de ser fabricada antes da transmissão do direito e da sua entrega. Uma empreitada inclui a compra e venda, mas inclui também toda a produção do bem em causa. Este é um tipo contratual muito importante pois permite aplicar quase toda a matéria das modalidades de obrigações. No exercício nº 8 não se fala expressamente no preço, mas ao referir uma encomenda, devemos admitir que a obrigação de pagamento do preço está implícita. Em todo o caso, não parece ser esta a obrigação problemática, mas antes a da entrega da coisa que não correu como suposto.
Vamos analisar por partes para perceber por quem corre o risco da coisa destruída. A Aurora é a cliente, será devedora do preço e credora da aguarela. Jasmim, por sua vez, é devedora de duas obrigações na empreitada: fabrico do bem (no caso, pintar a aguarela) e entrega do bem. Não podemos dizer que 1. pintar e 2. entregar a aguarela é uma só obrigação porque seguem regimes distintos. Especialmente quanto à questão da legitimidade e da capacidade que estamos agora a estudar. Quando contratamos alguém para fazer qualquer coisa, o mais provável é termos escolhido aquela pessoa especificamente, logo é natural que essa pessoa não possa pedir a outra para cumprir a prestação no seu lugar. Aqui é nítido que a Aurora queria uma aguarela pintada por Jasmim e não por outro pintor qualquer. Por sua vez, a obrigação de entrega da coisa segue, tipicamente, o regime geral que permite que esta seja transferida para outra pessoa. Normalmente não é relevante se a obrigação de entrega é cumprida pelo devedor ou por um outro qualquer solvens. O que, desde logo, torna estas obrigações suscetíveis de regimes diferentes, pelo que têm de ser resolvidas de forma separada. Temos ainda de salvaguardar que existir obrigação de entrega, não quer dizer que seja necessário transportar a coisa, mesmo que a coisa seja entregue numa loja ou no atelier da artista, consideramos existir esta obrigação. Para saber qual o lugar exato do cumprimento da obrigação de entrega temos de analisar o contrato ou, se caso disso, aplicar as regras supletivas. No caso do exercício, a prestação é infungível porque tem de ser a Jasmim a cumprir a obrigação. Já a aguarela da Cinderela é uma coisa fungível, isto porque quando o pedido é feito, a aguarela ainda não existe, logo pode ser repetida, pode ser qualquer uma desde que seja uma aguarela da cadelinha feita por Jasmim. Prestações fungíveis são aquelas em que a prestação pode ser realizada por outrem que não o devedor, podendo assim este fazer-se substituir no cumprimento. Por seu turno, as prestações infungíveis são aquelas em que só o devedor pode realizar a prestação, não sendo permitida a sua realização por terceiro. É importante não confundir este conceito com o de coisa fungível ou infungível reguladas no artigo 207º. O artigo 767 nº1 determina que a prestação pode ser realizada por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação. O professor Menezes Leitão acredita que desta norma resulta que, regra geral, as prestações são fungíveis. Mas já o nº2 do mesmo artigo, refere os casos em que a prestação é infungível: quando a substituição do devedor prejudica o credor ou quando se tenha acordado expressamente que a prestação só pode ser realizada por aquele devedor em concreto. Lugar do cumprimento A matéria do lugar do cumprimento vem regulada no artigo 772º e seguintes. Estas especificam onde deve ser realizada a prestação e o artigo 772º nº1 dá-nos a regra geral supletiva de que a prestação deve ser efetuada no domicílio do devedor. No caso concreto, o domicílio seria o profissional, o atelier da Jasmim.