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Guias e Dicas
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Didática - papel do professor, Manuais, Projetos, Pesquisas de Pedagogia

o papel do professor na didática, capítulo de livro, disciplina de didática, formação pedagógica R2.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2020

Compartilhado em 09/10/2020

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S123c Sacristán, J. Gimeno Compreender e transformar o ensino / J. Gimeno Sacristán e A. I. Pérez Gómez; tradução Ernani F. da Fonseca Rosa – 4. ed. – Artmed, 1998. 400 p. ; 25 cm.

ISBN 978-85-7307-374-

  1. Educação - Observações pedagógicas. I. Gómez, A.I. Pérez. II. Título

CDU 37.

Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto - CRB 10/

202 J. GIMENO SACRISTÁN E A. I. PÉREZ GÓMEZ

a) É um termo de significado variável, com tendência a dar abrigo a múl- tiplas e muito variadas pretensões educativas, trata-se de um currículo que adota os ideais de um projeto educativo muito globalizador, ou se refere mais especificamente a uma área concreta de conhecimento. b) Desenvolvemos a idéia de que o currículo é ocupação de práticas diver- sas e que seus conteúdos são objeto de decisão e de modelo em âmbitos práticos diferentes, pois são múltiplos os contextos nos quais se define e ganha sentido real, dentro do que denominamos sistema curricular. c) Justificamos que para entender o currículo real, da perspectiva dos alu- nos/as que aprendem e experimentam a prática, era preciso observar a sua dimensão oculta e não apenas a evidenciada nos conteúdos estabelecidos. d) Advertimos que não podíamos confundir as declarações de intenções ou o reflexo material das mesmas com o currículo real, pois uma coisa eram as expectativas curriculares, os planos, as realizações em livros-texto, etc., e outra muito diferente é a concretização nas tarefas escolares. Se o conceito de currículo deve ser entendido a partir dessas perspectivas, a ação de planejá-lo pode significar pretensões e ações distintas. Portanto, não existe uma fórmula universal válida de planejar os currículos. Cada uma delas supõe opções não de todo equivalentes para a prática. A história da didática e as experiências realizadas por professores/as e especialistas ofere- cem “exemplos” muito diversos para considerar. Mais do que buscar a fórmula mágica, será útil discutir sobre os problemas implicados e as dimensões sobre as quais optar.

Planejar o currículo depende da sua amplitude

Como por currículo se entendeu de forma dominante o compêndio de con- teúdos, planejá-lo é fazer um esboço ordenado do que se deveria transmitir ou aprender seqüenciado adequadamente; mesmo que esse trabalho se referisse a uma área ou disciplina completa, ou se aludisse a uma unidade didática que or- denasse os conteúdos mais limitados para um tempo escolar mais breve, algu- mas sessões de trabalho, etc. Se por currículo se entendesse um conjunto de obje- tivos para serem alcançados junto aos alunos/as, o plano é a estrutura e ordena- ção precisa dos mesmos para obtê-los por meio de certos procedimentos concre- tos. Finalmente, se por currículo entendemos a complexa trama de experiências que o aluno/a obtém, incluídos os efeitos do currículo oculto, o plano deve obser- var não apenas a atividade de ensino dos professores/as, mas também todas as condições do ambiente de aprendizagem graças às quais se produzem esses efei- tos: relações sociais na aula e na escola, uso dos textos escolares, efeitos derivados das práticas de avaliação, etc. Se nos situamos na última das concepções aponta- das, planejar consistirá no planejamento de situações ambientais complexas ou, no mínimo, na vigilância dos múltiplos efeitos que se derivam desses ambientes. A concepção do plano, as possibilidades de precisá-lo ou prever a ação, as operações que realizar-se-ão estão relacionadas com as funções educativas as quais se queiram abranger. Como o ensino obrigatório compreende todo um projeto educativo de socialização que atenda a educação geral e integral do ci- dadão/dã, é evidente que esta concepção totalizadora exige a observação de aspectos também muito diversos em seu planejamento, ao serem tão diversas suas finalidades. Um currículo ampliado inclui muitas coisas, muito diferentes e suscetíveis de formalizar em planos em medida muito desigual. Quanto mais complexa for a concepção de currículo da qual se parta, muito mais será também a atividade de planejá-lo e diferente será a segurança

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na previsão da prática que se possa pretender. Quanto mais “imprecisos” ou invisíveis forem os conteúdos do ensino, mais impreciso será seu esboço. Não pode significar o mesmo planejar ou esboçar uma aula de matemática para exercitar operações mais elementares, que é um objetivo preciso, do que plane- jar a pretensão de que os alunos/as sejam criativos, ativos ou sociáveis. Obvia- mente, as possibilidades de concretizar um plano com certo grau de adequação à realidade, com a precisão e com a certeza de que de seu desenvolvimento se obtêm certos efeitos previstos, são muito desiguais em um ou outro dos casos apontados. Os elementos que devem ser considerados em cada situação va- riam, bem como as possibilidades que os professores/as terão de intervir na direção de todo o processo. Como norma geral, é importante afirmar que quanto mais complexo for o currículo ou qualquer parte do mesmo, mais problemático, difícil e, certamente, indefinido será seu possível plano. Este terá um caráter mais de tentativa ou orientador, e menos determinante da prática, quanto mais complexa for a expe- riência de aprendizagem que tenha de prever e desenvolver e quanto mais ele- mentos contribuam para configurá-la. A utilidade dos modelos de plano para os professores/as pode estar menos na precisão e formalização de passos para guiar a prática que lhes ofereçam, do que na consideração dos aspectos e condi- cionantes que intervêm no planejamento de experiências educativas adequadas à multiplicidade de fins que é preciso atender simultaneamente na atividade de ensino. A utilidade do plano está em nos ajudar a dispor de um esquema que represente um modelo de como pode funcionar a realidade, antes de ser uma previsão precisa dos passos a serem dados. Se o currículo deve observar a ex- periência do aluno/a, o plano é, antes de mais nada, a prefiguração de um ambiente global, pensando não apenas na ordem que o ensino deve seguir ou na seqüência dos conteúdos, mas no curso da experiência de aprendizagem. Beauchamp (1981) afirma que:

“o melhor que podemos fazer é criar ambientes para os indivíduos nos quais caiba a esperança de obter experiências de aprendizagem. A tarefa de quem planeja o currículo consiste em estabelecer a estrutura fundamental de um am- biente no qual os que aprendem podem ter experiências de aprendizagem” (p. 114).

Defender a idéia de que o professor/a é responsável pela educação geral do aluno/a e que o currículo do ensino obrigatório deve refletir todas as finali- dades da educação é e foi uma incongruência. Isso significa ressaltar a comple- xidade da experiência escolar e depois tratar para que os docentes programas- sem sua prática com esquemas rigorosos, pois queriam ter antecipados muito claramente os efeitos ou objetivos muito definidos que se pretendiam, sem sa- ber os procedimentos exatos que hipoteticamente levariam aos mesmos. É muito freqüente encontrar nesta temática uma contradição: sendo o capítulo do plano um trecho da teoria curricular em geral, não são coerentes as perspectivas que se elaboram nesta com as que se oferecem no capítulo do pla- no. A teorização sobre o currículo e a do plano não são coerentes, pois enquan- to na conceitualização do que é o primeiro se vão abrindo perspectivas mais compreensivas da complexidade da realidade educativa e de seus conteúdos para aproximá-lo ao que é a prática, os enfoques e modelos de plano costumam ser muito mais reducionistas e mecanicistas. Progressivamente se faz do currí- culo um conceito mais compreensivo, enquanto que, no plano, as tendências dominantes querem ajustar táticas para conseguir efeitos muito delimitados, esquecendo a complexidade da prática. Acreditamos que esta contradição se explica por uma série de razões. Em primeiro lugar, a teoria e a prática do modelo pretendem sugerir a professo-

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autor leva-o a manifestar que o plano de instrução está em seus primórdios, no que se refere ao grau de seu desenvolvimento. Supõe que, à medida que progride, se chegará a outra forma de entender a própria cientificidade do plano quando se aprofunde nas peculiaridades da prática pedagógica. É difícil que essa teoria, que hoje não existe, seja construída pelo desenvolvimento cumulativo dentro do paradigma dominante, sem mudá-lo. Hosford (1973), distinguindo entre ensino, instrução e currículo, postulava, como lei básica para uma teoria do plano, que o valor dos procedimentos de instrução não podia ser determinado por métodos ex- perimentais, assim como tampouco se pode estabelecer procedimentos instrutivos para todos os alunos/as e materiais. O modelo de racionalidade positivista, desconhecedor da complexidade da prática e de seus vários determinantes, levou, em muitas ocasiões, à simplificação que evita a multidimensionalidade das situa- ções de ensino que os professores/as manejam e, na maioria dos casos, também a desconsiderar a complexidade dos objetivos e conteúdos do currículo. Que utilidade tem o esboço de realidades complexas para guiar processos cujo desenvolvimento se define no próprio curso de realização da prática, quan- do os que a desenvolvem agem tomando decisões com juízo de valor? Primeira- mente, como já destacamos, ter em mente a complexidade de elementos que in- tervêm na situação, como fazê-lo concretamente depende de que conteúdo se apli- que e em que contexto se opere. Numa reflexão geral, lembramos que, do ponto de vista formal, quando se planeja se realiza uma série de operações. O plano dos professores/as não consiste na execução de certas práticas ajustadas a normas técnicas, mas na realização dessas operações dos mais diversos modos, referentes a uma certa parcela do currículo, a alguns alunos/as, numa situação, etc.:

a) Pensar ou refletir sobre a prática antes de realizá-la. b) Considerar que elementos intervêm na configuração da experiência que os alunos/as terão, de acordo com a peculiaridade do conteúdo curricular envol- vido. c) Ter em mente as alternativas disponíveis: lançar mão de experiências prévias, casos, modelos metodológicos, exemplos realizados por outros. d) Prever, na medida do possível, o curso da ação que se deve tomar. e) Antecipar as conseqüências possíveis da opção escolhida no contexto concreto em que se atua. f) Ordenar os passos a serem dados, sabendo que haverá mais de uma pos- sibilidade. g) Delimitar o contexto, considerando as limitações com que contará ou tenha de superar, analisando as circunstâncias reais em que se atuará: tempo, espaço, organização de professores/as, alunos/as, materiais, meio social, etc. h) Determinar ou prover os recursos necessários. Não se trata de seguir uma seqüência linear de passos sucessivos, mas de ressaltar aspectos que se levarão em conta, nos quais se deve prestar atenção num processo de reflexão e deliberação sobre a prática, tal como Schön definia o plano, atendendo aos dilemas fundamentais frente aos quais qualquer planejador deve optar. Uma reflexão e deliberação que se aplica a múltiplos âmbitos e a dilemas dos mais variados, porque ao planejar o currículo se decidem muitas coisas.

Diante de que tipo de prática nos encontramos?

É prioritário levar em consideração a natureza de qualquer realidade ou prática para entender como e em que sentido e medida se pode prever, planejar ou programar. Propor a análise da prática de ensino tem sentido agora para se entender que tipo de plano permite aos que operam nela. E o primeiro que é

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preciso lembrar é que não se planeja esta prática ex novo, desde o nada, já que se desenvolve historicamente em circunstâncias determinadas; o professor/a não cria as condições de ensino, muitas vêm dadas. Em segundo lugar, os processos de ensino e o desenvolvimento prático do currículo têm uma natureza tal que apenas muito limitadamente se pode dizer o que pode ser objeto de planeja- mento prévio.

O plano numa atividade pré-definida

Observemos que a prática de ensino é uma atividade que existe em certas condições, próprias do tipo de escolarização dominante. Às vezes, as limitações aparecem como obstáculos reais, mas em muitos outros casos são tacitamente assumidas como componentes do meio natural em que os docentes trabalham. Em alguma medida o professor/a pode decidir como será sua atuação dentro das paredes da aula e um pouco menos dentro da escola, mas os parâmetros gerais de sua profissão estão definidos antes que ele se questione como atuar, se é que o faz. Atua numa instituição bastante homogênea e rotinei- ra, submetida a controles e a regulações curriculares, dependente de livros-tex- to, sujeita à supervisão, que não permite aos professores/as optar por alternati- vas que violentem esse marco de forma notável. A dotação de espaços para desenvolver um repertório reduzido de atividade, a regulação do tempo, a dis- ponibilidade de recursos possíveis, a oportunidade de aproveitar os estímulos culturais externos, o conteúdo geral do currículo, a distribuição do conhecimen- to em parcelas, a obrigatoriedade de realizar controles sobre os alunos/as, as relações entre os docentes, são decisões que vêm determinadas para o profes- sor/a. Ele entra nesse marco dado para desenvolver uma atividade de trabalho prefigurada, ou seja, para ele, o plano da prática e do currículo tem certos limi- tes objetivos bem evidentes, ainda que flexíveis e interpretáveis, com possibili- dades de serem alterados parcialmente. Os docentes planejam ou programam dentro desse marco definido; não planejam desde o princípio o currículo ou o que pode ser a prática de ensino, embora lhe imprimam um selo pessoal. Por isso, o plano do currículo que os professores/as realizam em situa- ções já dadas é uma adaptação ou definição do que falta determinar nas condi- ções dominantes que citamos; sendo, por outro lado, uma ação que, geralmen- te, se circunscreve ao âmbito da aula. Como afirmam Tanner e Tanner (1980), os docentes ocupam mais tempo aplicando e traduzindo planos realizados fora do que elaborando-os eles mesmos. É uma definição de sua profissionalização coerente com sua posição histórica no sistema social e escolar, enquanto servi- dores públicos ou de empresas privadas, contratados mais para cumprir uma função do que para criá-la. Seu trabalho não podia deixar de ser atingido por tendências mais gerais existentes no sistema social e produtivo, como são os processos de especialização e divisão do trabalho que levam à divisão de com- petências sobre a prática, a entrada de especialistas externos que planejam os processos e que realizam o “pacote” prévio dos currículos para que eles os apli- quem. Os professores/as tampouco são alheios às demandas do mercado de trabalho que lhes exige certos rendimentos nas aprendizagens dos alunos/as e a adequação destes às atitudes convenientes ao tipo de sociedade e modos de produção em que vivemos (Apple, 1983, 1989; Bates, 1988; Lawn, 1989; Lortie, 1975; Martinez, 1989; Mattingly, 1990). Precisamente na atividade de planejar é que se centram alguns estudos que evidenciam a desprofissionalização dos docentes, no sentido de ver aí um exemplo de como a prática do professor/a se limita a aplicar planos realizados fora, pelos livros-texto, pelos materiais curriculares e pelas regulações sobre o

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origem qualquer plano é desencadeado por necessidade, porque não determina nunca totalmente a prática. Este caráter indeterminado obriga a esclarecer as idéias e pretensões das quais se parte para tratar de manter a coerência desde que se proponha uma meta até as práticas que se realizam. Herrick (1950), dentro de uma das opções pionei- ras mais tecnicistas sobre o plano, como era o modelo de Tyler, evidenciava a necessidade de que qualquer plano ou esboço para ser efetivo deve deixar claras e explicitadas as bases sobre as quais tomam as decisões. Quem as tome, com prévia reflexão e deliberação, deve esclarecer os pressupostos desde os quais par- te e explicitar a filosofia e fundamentos das opções. O plano serve para racionali- zar a atividade guiada por ele na medida em que obriga a colocar aquilo em que nos apoiamos, facilitando a comparação, a comunicação e a revisão. O currículo, como já notamos, tem sido visto como um instrumento que permite transferir efetivamente propósitos e princípios para a prática (Stenhouse, 1984). São princípios dos mais diferentes tipos e nenhum admite interpretações simples e unilaterais, daí que tampouco podem pretender guiar a prática com segurança científico-técnica. Taba (1974) destacava faz tempo que:

“... uma característica importante da elaboração adequada do currículo é que as decisões adotadas no curso da proposição descansam sobre critérios múl- tiplos e consideram uma grande variedade de fatores” (p. 538).

Os princípios a serem moldados na ação são pressupostos: epistemológicos (a orientação, a seleção e a apresentação dos conteúdos), sociais (ideologias, vi- sões da sociedade, propostas de relações entre os alunos/as e entre estes e os professores/as) e psicopedagógicos (tipos de processos de aprendizagem estimu- lados, tarefas didáticas recomendadas, formas de comunicar, etc.). Todos de- vem ser pensados explicitamente, de forma aberta, para que ordenem uma ação que transcorra de modo coerente com as opções que se façam. Sua função será orientadora, pois não determinam nem controlam a prática no sentido que a ciência moderna fundamenta as tecnologias derivadas dela. Por isso, os planos – estruturação dos conteúdos curriculares segundo idéias e princípios – têm um caráter de tentativa para serem experimentados na prática, não podem ser previsões ajustadas dos processos e produtos do ensino e da aprendizagem. Qualquer plano posto em prática em situações distintas, aplicado por agentes diferentes, daria lugar a efeitos de alguma forma singula- res. Qualquer plano, seja o que a administração educativa produz, os que se divulgam por meio de materiais ou os planos do professor/a, são transforma- dos e recriados no curso de sua implantação. Isso não significa que para conteú- dos muito delimitados ou habilidades muito concretas (ensinar as regras da adição, ou o uso de um instrumento de medida, por exemplo), não se prevejam planos de ensino com certa exatidão. Só nestes casos se pode acreditar que exis- ta uma total correspondência entre o previsto no plano, os processos que se de- senvolvem na atividade de realizá-lo e os resultados que se obtêm. Quanto mais complexo for um objetivo pedagógico ou um conteúdo, menos determinante pode ser o plano para regular a prática que queira alcançá-lo. A prática educativa não admite muitas simplificações. É uma realidade caracterizada pelas seguintes condições (Doyle, 1977; Gimeno, 1988; Pérez Gómez, 1988):

  1. A multidimensionalidade. São muitas as coisas que é preciso fazer e em cada uma delas estão implicadas dimensões e aspectos muito distintos: elemen- tos pessoais, materiais, organizativos e sociais. Compreende ações que tendem para objetivos muito variados e de desigual complexidade.

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  1. São várias as tarefas que um professor/a deve conduzir simultaneamen- te num grupo de alunos/as.
  2. O docente pode prever cursos de ação, tarefas em seus traços gerais, mas boa parte de sua atuação está governada pela rapidez de decisões que deve tomar constantemente, às quais responde por intuição ou por rotina.
  3. Sua prática não pode ser prevista, pois são muitos os fatores que intervêm numa situação, na conduta de um aluno/a ou na de todo o grupo.
  4. Responde a isso orientado por idéias muito gerais, por mecanismos quase reflexos, guiado por intuições, imagens gerais de como se comportar, mas não por leis precisas.
  5. Existe uma implicação pessoal na qual se projeta a idiossincrasia de cada um, a subjetividade composta pela biografia pessoal, a formação e a cultu- ra de procedência.
  6. E tudo isso dentro de contextos variáveis e determinados não pela von- tade do professor/a nem pelos conhecimentos ou modelos científicos.
  7. São poucos os objetivos que permitem um planejamento algorítmico, ou seja, uma estrutura de ações seqüenciadas de tal modo que nos levem de forma segura à conquista da meta proposta. A maioria dos objetivos tem uma nature- za complexa e é sempre interpretável. Por essa carência ou impossibilidade de regulação total e determinante é que se diz que as atividades de ensino em geral – e o plano é uma – têm uma dimensão artística, o que não significa que sejam processos nos quais não se podem aplicar certos princípios orientadores, observar algumas regularidades gerais, acumular experiência e aproveitar modelos que parecem dar bons resul- tados em outros casos. A epistemologia da didática moderna debate hoje, como uma de suas preocupações básicas, como conjugar o caráter único e até certo ponto imprevisível da prática, com a possibilidade de extrair princípios de ação gerais que “na forma de leis” sirvam para não estar inventando constantemente a prática, acumular e transmitir experiência e atingir marcos de compreensão com alguma validade quanto à sua possível generalização. A observação da prática, a experiência subjetiva de cada um e a incapaci- dade histórica das pretensões de fazer da educação em geral, e do ensino em particular, um processo regido por leis, demonstram que uma ação cientifica- mente regulada é impossível. Schwab (1983) deixou isso bem estabelecido quando afirmou:

“... não há nem haverá no futuro previsível uma teoria desta completa totali- dade (refere-se ao currículo e à prática educativa) que não seja mais do que uma coleção de generalidades inúteis. Tampouco é verdade que a falta de uma teoria da totalidade se deva à estreiteza de propósitos, obstinação ou meramente especializa- ção habitual dos cientistas sociais e do comportamento. Sua especialização e o limita- do alcance de suas teorias são, antes, funções do objeto que tratam, de sua enorme complexidade e de sua vasta capacidade para a diferenciação e a mudança” (p. 201).

Essa condição leva a aceitar a dimensão artística ou intuitiva, que apela para o bom senso de quem a exerce, sem poder esperar que um repertório de leis científicas e um conjunto de técnicas a determinem. Inclusive para os que trata- ram de caracterizá-la como uma atividade com bases científicas, este compo- nente é consubstancial à mesma. É o caso de Gage (1977), que sugere a necessi- dade de distinguir entre a idéia de uma ciência do ensino e umas bases científicas para a arte do ensino, afirmando que:

“como arte prática é um processo que exige intuição, criatividade, improvi- sação e expressividade. (...) No ensino, seja qual for o método utilizado, inclusive nos programas de ensino por computador, é necessário o artístico” (p. 15).

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de tal incerteza é o elemento que une as idéias, os princípios gerais e os conteú- dos educativos com a realidade prática. Nas décadas dos anos 60 e 70, o movimento de reforma dos conteúdos dos currículos se desenvolveu em torno da idéia de confeccionar projetos curriculares que respondiam a toda uma área ou matéria, às vezes relacionando mais de uma, com a pretensão de oferecer planos cuidadosos, sob a forma de materiais de qualidade, que difundissem novos conteúdos elaborados com modelos de ensino-aprendizagem inovadores. Dirigiam-se a professores/as e alunos/as, com a pretensão de mudar a prática real. Avaliações posteriores de- monstraram que, em muitos casos, a distância das propostas quanto às concep- ções dos professores/as e das condições das escolas levava a uma deficiente aplicação e a poucas mudanças nas atividades de ensino. Aquela prática refor- çou a idéia de que o plano era uma atividade profissional especializada que se realizava fora do âmbito de ação dos profissionais práticos, deixando para do- centes e alunos/as o papel de consumidores, não de atores, do plano curricular. As potenciais idéias inovadoras sobre o conteúdo e sobre a metodologia, ao não contar com os professores/as e com as condições concretas da realidade, ficavam nos projetos ou eram deformadas e empobrecidas em sua aplicação. Tornava-se evidente que um plano de qualidade dificilmente podia por si mes- mo mudar a prática. Era uma estratégia que produzia materiais inovadores, mas não uma modificação do ensino, que, obviamente, dependia dos compor- tamentos dos professores/as em contextos particulares. O plano ideal em edu- cação e no ensino não é transformador por si mesmo, simplificou-se muito o problema de transferir teorias e idéias para a prática. Não basta dispor de al- guns materiais cuidadosamente elaborados ou propor grandes idéias para que a prática se mova de acordo com esses enunciados, a mudança em educação é mais complexa. Algo que as administrações deveriam aprender quando põem tanto empenho em divulgar idéias inovadoras nos documentos curriculares que refletem os planos feitos por elas e seus técnicos. A partir daquelas experiências, moderou-se a crença de que o plano curricular tecnicamente ideal, à margem dos professores/as e das equipes do- centes nas escolas, poderia ser um instrumento para melhorar a qualidade do ensino. De qualquer forma, tais planos podem ser oferecidos aos docentes como “exemplos” a partir dos quais refletir e experimentar em suas condições reais de trabalho. A difusão de grandes declarações, como “o ensino de acordo com os interesses da criança”, a “individualização”, “a pedagogia da descober- ta”, o ensino baseado no “construtivismo”, etc., são interessantes para esclare- cer e orientar o pensamento, bem como para sugerir iniciativas práticas, mas serão os professores/as concretos que temos, em suas escolas reais e sob as condições normais, que por meio de tentativas muito modestas farão pequenas e “imperfeitas” contribuições para transformar a prática. As peculiaridades desta, que apontamos, fundamentam a idéia de que, para que o plano contribua para mudá-la e ordená-la, deve passar a ser uma estratégia assumida e assimi- lada pelos profissionais práticos. Esteja formalizado como projeto escrito ou seja uma mera ordem na mente dos professores/as, o decisivo é que o plano seja um esquema-guia real. Assim, servirá a empenhos modestos mas valerá para professores/as reais.

“A evidência sugere que na prática os professores/as não empregam mo- delos lógicos e formais de tomar decisões recomendadas pelos especialistas de currículo e os planejadores da instrução – algo que não acontece apenas com o professor/a. Estudos clínicos indicam que profissionais de outras atividades fa- zem o mesmo, incluindo a medicina, e não seguem a seqüência lógica recomen- dada na tomada de decisões” (Deakin University, 1985a, p. 13).

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“O plano curricular se orienta cada vez mais para o estudo dos problemas que têm seu cenário na aula, e não na busca de perfeitos e utópicos modelos que têm escassa oportunidade de serem desenvolvidos. Também cresce a evidência de que o contexto em que se tomam decisões curriculares é complexo, cujas ne- cessidades devem ser exploradas e compreendidas como um passo no processo do plano. Esta é a razão pela qual a concepção do plano curricular como ‘um plano para a ação futura’ está em retrocesso, crescendo, em troca, a certeza da importância que têm os procedimentos que incorporam a intenção de expor e justificar nossas práticas e nossos pressupostos”. (O grifo é nosso.) (...) (O novo enfoque) “tenta transformar os professores/as e as escolas em melhores conhecedores do que eles tratam de fazer e de como poderiam conse- gui-lo (...) a única tarefa que uma teoria do desenvolvimento curricular legitima- mente pode perseguir é confeccionar teorias da prática curricular que busquem a melhora da qualidade da implicação que os alunos/as e professores/as têm nessas práticas e que, graças a isso, permita ao ensino e à aprendizagem se de- senvolverem por melhores caminhos” (Deakin University, 1985b, p. 13). Esta perspectiva responde ao chamado desenvolvimento do currículo baseado na escola, que deixa de lado a esperança nos grandes projetos cuida- dosamente planejados fora da prática por agentes especializados, para enfa- tizar o valor de tentativas mais modestas mas próximas às condições das esco- las e desenvolvidas em colaboração com elas e seus professores/as. Uma pers- pectiva que se fundamenta também na necessidade de contar com o papel ativo dos professores/as no desenvolvimento do currículo (Gimeno, 1988, p. 196 e ss.; Nuan, 1983), fazendo das escolas um lugar de desenvolvimento pro- fissional. Na escola, queira-se ou não, se tomam decisões sobre o currículo, ou seja, em toda escola se condiciona ou se faz planejamento curricular. Eis- ner (1979) sugere que:

“Os professores/as estão imersos em atividades de planejamento boa par- te do tempo, e ao fazer isto tomam decisões sobre o currículo e se envolvem numa espécie de deliberação curricular pessoal. Esta é uma vertente do desen- volvimento curricular. Realmente, não é possível uma escola sem alguma forma de desenvolvimento curricular” (p. 110-111).

Assim, o desenvolvimento curricular, em vez de centrar seu interesse em planejar matérias ou áreas, se fixará na análise e fixar-se-á na provisão de con- dições para que a prática mude, nos projetos realizados pelos professores/as, nas experiências que lhes sirvam de apoio para adaptá-las e experimentá-las eles mesmos, na utilização de materiais elaborados fora – textos, guias, etc. – como auxiliares para seus próprios projetos, na potencialização da disponibili- dade e variabilidade de todos esses recursos nas escolas, na colaboração entre colegas, etc. A ênfase é posta no desenvolvimento do professor/a, no trabalho con- junto, na comunicação de experiências e na oferta de materiais variados e atrativos, em dispor de exemplos para acomodar à própria prática, na melhora das condições de trabalho e na racionalidade do funcionamento do conjunto da escola. O pro- tagonismo dos grupos de professores/as pode ir desde a proposta autônoma que eles planejam e desenvolvem até a adoção crítica e adaptação a suas cir- cunstâncias de modelos elaborados desde fora ou pertencentes a outros pro- fessores e escolas. Trata-se de uma alternativa que repensa a política curricular, que exi- ge um aperfeiçoamento com assistência no emprego, novas formas de con- trole e de responsabilização dos professores/as, a necessidade de ver a esco- la como unidade de inovação e uma política de provisão de materiais cur- riculares.

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níveis de decisão deixam sua marca: a administração determina áreas e conteú- dos gerais, as editoras concretizam o que se transmite, propondo uma certa versão, e os professores/as acrescentam sua marca pessoal no processo de ensi- no-aprendizagem. Em troca, o poder de decisão no que se refere à classificação do conhecimento se reparte de outra forma diferente: as áreas ou disciplinas em que se distribui o conhecimento são determinadas pelas administrações edu- cativas; os livros-texto as legitimam – e depois pouco farão para conectar esses saberes parcelados, mas os professores/as sim podem fazê-lo, ou porque dêem conteúdos de várias áreas ao mesmo tempo, ou porque se coordenem entre si nas equipes das escolas. Na seleção de tarefas acadêmicas, ao contrário, basica- mente, os professores/as e os textos decidem. Ainda que todas essas ações tenham a ver com o plano, implicam a neces- sidade de levar em conta diferentes problemas, opções das mais diferentes di- mensões e esquemas para racionalizar e ordenar suas atribuições, assim como as exigências de responder a um determinado contexto. As necessidades con- cretas da aula ou de um grupo de alunos/as não podem ser consideradas pelo político ou pelo editor de livros-texto, por exemplo, em seus detalhes precisos, ainda que quando politicamente se estruturam os currículos, devem se levar em conta as condições reinantes para que os planos tenham um certo realismo e possibilidade. A adequação global da cultura escolar às necessidades sociais não é decidida pelos professores/as em suas diretrizes gerais, mas no debate político e social que determinam os mínimos que a administração regula, em que deverão participar os professores/as. Os âmbitos de planejamento não formam um sistema de níveis totalmen- te hierarquizados nos quais o que se faz num deles determina de todo o que se realiza em outro em estreita dependência. Parece mais próprio colocá-los como âmbitos de decisão que têm relações de interdependência entre si, mas com espaços próprios de autonomia na decisão em cada caso, e até com con- tradições entre alguns deles. Os professores/as podem seguir os guias cur- riculares dos editores de material didático ou os que a administração sugere, por exemplo, mas também é certo que alguns adotem, às vezes, modelos que os professores/as praticam. Não queremos dizer que a cada agente que planeja (administradores, pro- fessores/as, escolas, editores, etc.) corresponda um trabalho peculiar e uma es- fera própria de decisões com exclusividade, mas que, em cada um desses âmbi- tos, nos quais podem participar diversos agentes, se confrontam problemas dis- tintos ou de nível diferente. Ainda que as idéias contidas nas diretrizes gerais possam ser compartilhadas por todos para dar uma melhor coerência ao siste- ma escolar, o certo é que os princípios são, como citamos, interpretáveis sem- pre, e também não é freqüente que todos estejam de acordo nas mesmas idéias. O plano, é preciso repetir, é aberto. Os esquemas dominantes na teoria do plano pretenderam, em geral, sis- tematizar os níveis deste, como é o caso de Tyler ou Taba. Um projeto educativo, desde a filosofia que o fundamenta até as propostas de ensino na prática, devia ser articulado em distintos níveis de decisão para que lhe dessem coerência. Herrick (1950) afirmava que qualquer plano global do currículo que pretenda dirigir de forma suficiente e adequada um programa geral de educação devia ser considerado em mais de uma dimensão e em função de vários níveis ope- racionais. Essa consideração de níveis obriga a seguir e tratar de estabelecer as conexões entre diversos âmbitos de decisão para que os planos que se realizam em cada nível tenham coerência entre si e atuem, conseqüentemente, com as opções tomadas. Foram modelos lineares e, ainda que fossem apresentados como esquemas teóricos, sua preocupação era a gestão.

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A estruturação ordenada e hierarquizada não deixa de ser uma pretensão idealista que esquece que existem agentes que intervêm na modelação dos con- teúdos com certa autonomia própria e desde contextos peculiares. A hipotética aceitação por consenso de um plano geral ordenador não vai além da aparência, em alguns casos, ou não se traduz em ações totalmente coordenadas. O fato de que um livro-texto, por exemplo, “declare” que aceita um determinado princípio pedagógico não significa que estruture seu conteúdo de acordo com ele. Os es- quemas idealistas costumam desconsiderar, além disso, as condições da prática. Faltou na teoria do plano uma visão global das interações entre todos os agentes que o realizam. Isso se deveu à falta de reconhecimento do poder e auto- nomia funcional de cada âmbito e à conseqüente derivação política: a capacidade de influir e controlar a prática está – e acreditamos que deve estar – repartida. O fato de não se levar em consideração os contextos reais de planejamen- to ocasionou, por exemplo, que na teoria geral sobre o mesmo não se tenha analisado o papel decisivo que os materiais didáticos de uso corrente cumprem e o que podem desempenhar os que os professores/as elaboram. Outra ausên- cia foi a de esquecer o papel que desenvolvem e podem realizar as escolas no plano curricular, a pouco atenção dedicada em como estruturar as individuali- dades dos professores/as em linhas coerentes de atuação voltada para os alu- nos/as. Faltou também uma consideração sobre que conseqüências têm os modelos hierárquicos para o papel e as possibilidades de desenvolvimento pro- fissional dos docentes. O modelo tyleriano, de que falaremos mais adiante, ser- viu para racionalizar tecnicamente decisões na confecção de currículos, mas não transformou a prática dos professores/as, por exemplo, ao não se acomodar ao contexto particular de seu âmbito de decisão e à forma em que devem operar nele. Uma compreensão mais adequada do modo de trabalhar dos professo- res/as, considerando-os como profissionais ativos que recriam propostas, que enriquecem ou podem empobrecer modelos propostos desde fora, mudou a perspectiva deste tema. Que operações se realizam e que modelo de comportamento se deve se- guir em cada um desses âmbitos? O que é o mesmo que se perguntar a que deve responder ou com que problemas se defronta cada agente que decide no plano. Exporemos duas considerações gerais a respeito. a) Em primeiro lugar, antes de falar dos problemas a serem abordados e que modelos seguir, se é que são possíveis em cada um desses âmbitos, é con- veniente dizer que os agentes que planejam, as competências de cada um e as relações entre os mesmos são opções de cada sistema educativo, assentadas numa tradição, apoiadas numa política e condicionadas pelas regulações legais e administrativas. A distribuição do poder de planejar a prática é o resultado de uma história, de um modelo político de gestão e de um estado de consciência, organização e formação do professorado em cada sistema educativo – isso sig- nifica que é o mesmo que dizer que se pode e se deve mudar. O que deva fazer cada agente, como devem ser os planos dos professores/as ou dos livros-texto, por exemplo, é uma pergunta que não tem sentido. A questão pertinente do que deve fazer cada um depende do que o restante possa e deva fazer. Existirão planos colocados em livros-texto ou outros materiais que subtraiam dos profes- sores/as a capacidade de planejar por si mesmos? Pois parecem inevitáveis para muitos, mas os professores/as podem ser formados e dotados de tempo de trabalho retribuído para que confeccionem alguns próprios ou recolham ma- teriais diversos. Lembremos que uma experiência metodológica como a de Freinet ofereceu uma alternativa na qual alunos/as e professores/as têm o pa- pel principal, aproveitando informação procedente de fontes muito diversas. Os livros-texto deveriam se limitar a proporcionar informação adaptada ao es-

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deverá optar e as razões que deve alegar em cada caso, sugerem marcos de decisão distintos, mas completamente independentes. O fato de não se levar em conta essa peculiaridade implica transferir analogicamente de forma improcedente esquemas de uns âmbitos para outros, produzindo confusão e falta de clareza. Acontece quando a administração, den- tro de seu âmbito de competência, nos planos do currículo que regula para as escolas e professores/as, se imiscui em territórios da pedagogia ou psicologia, proporcionando diretrizes ou sugestões para o comportamento do professora- do, quando diz seguir determinadas teorias da aprendizagem, por exemplo. O resultado é que, por mais declarações que se faça, nem os livros-texto, nem a prática dos professores/as podem ser realizados partindo delas, daí que aca- bam ficando na mera retórica insuficiente que se desgasta e perde significado. A política curricular na Espanha, como ocorre em outros países (Skilbeck, 1990), além de determinar e ordenar os conteúdos mínimos para todo o sistema e a estrutura do currículo, tem a tradição de descer a considerações pedagógi- cas, arrisca-se a oferecer orientações metodológicas aos professores/as e fabri- cantes de materiais, assim como manifestar critérios de avaliação de aprendiza- gens. Noutro lugar analisamos como esse “intervencionismo pedagógico” (Gi- meno, 1988) é fruto histórico, em nosso caso, de uma mistura entre uma tradi- ção de controle ideológico e burocrático, sobre os professores/as e sobre a cultu- ra escolar em geral, e bem-intencionadas pretensões de “inovar desde os documentos oficiais”, difundindo máximas pedagógicas e “novas teorias”. Trata-se de um intervencionismo que vem a ser um inoperante substituto de uma formação de qualidade do professorado, do qual implicitamente se re- conhece a carência de tais orientações. Em muitos poucos campos de atividade se tenta gerar profissionalização por estas vias nem a administração regula tão exaustivamente a técnica como no educativo, à parte de ordenar o funciona- mento geral, garantir o serviço que presta e assegurar o cumprimento de certas normas básicas. O plano curricular, a partir deste âmbito, difunde códigos pe- dagógicos além de prescrever conteúdos. Os programas oficiais da educação fundamental espanhola buscavam objetivos de aprendizagem em termos de conduta nos anos 70; eram piagetianos no começo dos 80, segundo consta em sua introdução; o currículo proposto a partir da LOGSE é construtivista. É um intervencionismo tão ingênuo quanto ineficaz, que divulga “modas” para os professores/as, em geral distante das possibilidades de torná-las operativas na prática. Naturalmente, esta vai por outros caminhos, não muda com as lingua- gens, ainda que se estimule o consumo de conhecimentos especializados. A qualificação pedagógica dos docentes precisa ser feita quando eles são formados e lhes dando assistência no emprego. Os códigos pedagógicos têm nesses momentos a oportunidade de serem adquiridos e comparados na práti- ca. Declará-los nos documentos oficiais, além de legitimar fórmulas que em raras ocasiões têm uma aceitação universal, é confundir a função reguladora que a política e a administração têm com os procedimentos para inovar o siste- ma escolar. Taba (1974) advertia há bastante tempo contra este vício buro- cratizador:

“A posição doutrinária conduz os protagonistas de um projeto (curri- cular) particular a defendê-lo como um credo ou uma doutrina, em vez de como uma hipótese ou uma possibilidade. Conseqüentemente, os problemas da pro- posição do currículo são discutidos numa atmosfera de partidarismo e as idéias são debatidas em termos de posições que são protagonistas e posições que são antagônicas, e não dentro de um clima de honesta investigação científica. Proble- mas que devem ser submetidos à investigação científica ou a provas de evidên- cia experimental são tratados como questões de convicção pessoal... Esta aproxi-

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mação doutrinária impediu a sistematização da percepção do complexo total de fatores que devem ser considerados na elaboração do currículo” (p. 544).

Como opções legitimadas pelos poderes políticos e pela administração, esses códigos falseiam o contraste científico e prático, adquirem valores de au- toridade que nem sempre têm e fixam opções que deveriam competir com muitas outras alternativas. Se essas recomendações pedagógicas fossem acom- panhadas de controles eficazes, as margens de liberdade profissional que os professores/as deveriam ter garantidas ficariam muito comprometidas. Su- põem, obviamente, uma intervenção sem necessidade, que desqualifica profis- sionalmente, já que são propostas por via burocrática, e não por ensaio prático, ou ignoram que seu poder profissionalizador é muito fraco para que os docen- tes passem desses enunciados às práticas congruentes com os mesmos. São enunciados que se desgastam rapidamente no tempo porque não fa- zem parte da experiência real de inovação do sistema educativo. O poder real que essas linguagens pedagógicas têm de intervir na prática de criação de materiais e no ensino dos professores/as é bastante escasso, pois, como mostraram reite- radamente as experiências de inovação e evolução da profissionalidade docente, inclusive oferecendo materiais muito mais estruturados para os professores/as, esses códigos pedagógicos difundidos nesse âmbito não têm eficácia prática.

“A habilidade na apresentação escrita desse tipo de documentos (os currí- culos oficiais) é muito valorizada e seguidamente confere considerável poder aos que a possuem. No entanto, a preocupação por este tipo de documentação e sua apresentação pode inibir o plano genuíno para uso interno na prática e de- senvolver mais uma perspectiva centralizadora” (Erault, 1990, p. 547).

É um intervencionismo que se realiza em muitos casos como forma de controlar a eficácia do sistema educativo. Acontece que enquanto é duvidoso que essas regulações e orientações externas consigam uma melhora do ensino, é óbvio que repercutem, debilitando o compromisso profissional dos docentes e sua criatividade pedagógica (Louis e Smith, 1990, p. 25). A importância histórica dessas táticas deveria originar a distinção de que uma coisa são as regulações que a administração deve fazer e outra são movimen- tos, teorias e correntes que interpretam os processos pedagógicos e a forma de orientar a aprendizagem dos alunos/as, o que deve ficar em nível de plano que os professores/as realizam ou para que sirvam de orientação para experiências e exemplos de criação de materiais. A confusão de níveis de decisão ocasiona que quando se questiona a linguagem legitimadora usada pela administração, por exemplo, entra em crise toda a construção curricular. Ou que, também, quando a administração acredita que deve mudar as áreas do currículo, introduzir alguma nova, etc., se ponha em discussão toda a prática de desenvolvimento curricular para todos os níveis. Ou que as mudanças importantes dos materiais didáticos – textos sobre tudo – sejam propostas não como táticas permanentes de melhora de um produto, mas com o ar de “grande reformas”, para depois ficar estabilizadas. Outra transferência analógica incorreta se produz quando alguns especialis- tas querem ordenar todos os níveis de decisão curricular, desde o político até o técnico, com esquemas que não consideram nem as dimensões políticas, sociais e culturais das decisões gerais nem as formas de funcionamento dos professores/as em sua prática. Nos currículos espanhóis prescritos pela administração trabalhou- se muito mais, por exemplo, em raciocínios técnicos – de tipo pedagógico e psico- lógico – do que em argumentos sociais, econômicos e culturais, sendo esses os campos específicos nos quais deveriam tomar e justificar suas decisões. O ocultamento de tais decisões se deve, em parte, a que assim o poder mascara suas