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Didática, compreender e transformar o ensino. disciplina de formação pedagógica, didática.
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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A função da escola, concebida como instituição especificamente configu- rada para desenvolver o processo de socialização das novas gerações, aparece puramente conservadora: garantir a reprodução social e cultural como requisito para a sobrevivência mesma da sociedade. Por outro lado, a escola não é a única instância social que cumpre com esta função reprodutora; a família, os grupos sociais, os meios de comunicação são instâncias primárias de convivência e intercâmbios que exercem de modo dire- to o influência reprodutor da comunidade social. No entanto, a escola, ainda que cumpra esta função de forma delegada, especializa-se precisamente no exercício exclusivo e cada vez mais complexo e sutil de tal função. A escola, por seus conteúdos, por suas formas e por seus sistemas de organização, introduz nos alunos/as, paulatina, mas progressivamente, as idéias, os conhecimentos, as concepções, as disposições e os modos de conduta que a sociedade adulta requer. Dessa forma, contribui decisivamente para a interiorização das idéias, dos valores e das normas da comunidade, de maneira que mediante este pro- cesso de socialização prolongado a sociedade industrial possa substituir os me- canismos de controle externo da conduta por disposições mais ou menos acei- tas de autocontrole. De qualquer forma, como veremos ao longo deste capítulo, o processo de socialização das novas gerações nem é tão simples, nem pode ser caracterizado de modo linear ou mecânico, nem na sociedade, nem na escola. A tendência con- servadora lógica, presente em toda comunidade social para reproduzir os com- portamentos, os valores, as idéias, as instituições, os artefatos e as relações que são úteis para a própria existência do grupo humano, choca-se inevitavelmente com a tendência, também lógica, que busca modificar os caracteres desta forma- ção que se mostram especialmente desfavoráveis para alguns dos indivíduos ou grupos que compõem o complexo e conflitante tecido social. O delicado equilí- brio da convivência nas sociedades que conhecemos ao longo da história requer tanto a conservação quanto a mudança, e o mesmo ocorre com o frágil equilíbrio da estrutura social da escola como grupo humano complexo, bem como com as relações entre esta e as demais instâncias primárias da sociedade.
Dentro deste complexo e dialético processo de socialização que a escola cumpre nas sociedades contemporâneas, é necessário aprofundar a análise para compreender quais são os objetivos explícitos ou latentes do processo de socialização e mediante que mecanismos e procedimentos ocorrem. Estudare- mos neste trecho os objetivos de tal processo, abordando as formas e os modos de sua realização. Parece claro para todos os autores e correntes da sociologia da educação que o objetivo básico e prioritário da socialização dos alunos/as na escola é prepará-los para sua incorporação no mundo do trabalho. Desde as correntes funcionalistas até a teoria da correspondência, passan- do pela teoria do capital humano, do enfoque credencialista ou das diferentes posições marxistas e estruturalistas, todos, ainda que com importantes matizes diferenciais, concordam em admitir que, ao menos desde o surgimento das so- ciedades industriais, a função principal que a sociedade delega e encarrega à escola é a incorporação futura ao mundo do trabalho, (uma análise detalhada dessas posições pode ser vista em Fernández Enguita, 1990b; Lerena, 1980).
As discrepâncias entre tais enfoques teóricos surgem quando se trata de definir o que significa a preparação para o mundo do trabalho, como se realiza este processo, que conseqüências tem para promover a igualdade de oportuni- dades ou a mobilidade social, ou para reproduzir e reafirmar as diferenças so- ciais de origem dos indivíduos e grupos. Como veremos ao longo deste capítu- lo, não é fácil definir o que significa, em termos de conhecimentos, disposições, habilidades e atitudes, preparar os alunos/as para sua incorporação não-confli- tante no mundo do trabalho, especialmente em sociedades pós-industriais, nas quais emergem diferentes postos de trabalho autônomos ou assalariados e nas quais o desenvolvimento econômico requer mudanças aceleradas nas caracte- rísticas do mercado de trabalho. De qualquer forma, é importante indicar que a preparação para o mundo do trabalho requer o desenvolvimento nas novas gerações, não só, nem princi- palmente de conhecimentos, idéias, habilidades e capacidades formais, mas também da formação de disposições, atitudes, interesses e pautas de comporta- mento. Estas devem ajustar-se às possibilidades e exigências dos postos de tra- balho e sua forma de organização em coletividades ou instituições, empresas, administrações, negócios, serviços... A segunda função do processo de socialização na escola é a formação do cidadão/ã para sua intervenção na vida pública. A escola deve prepará-los para que se incorporem à vida adulta e pública, de modo que se possa manter a dinâmica e o equilíbrio nas instituições, bem como as normas de convivência que compõem o tecido social da comunidade humana. Como afirma Fernández Enguita (1990a):
“O estado responde pela ordem social e a protege em última instância e, em sua forma democrática, é um dos principais eixos do consenso coletivo que permite a uma sociedade, marcada por antagonismos de todo tipo, não ser um cenário permanente de conflitos” (p. 34).
Preparar para a vida pública nas sociedades formalmente democráticas na esfera política, governadas pela implacável e às vezes selvagem lei do mer- cado na esfera econômica, comporta necessariamente que a escola assuma as vivas contradições que marcam as sociedades contemporâneas desenvolvidas. O mundo da economia, governado pela lei da oferta e da procura e pela estrutu- ra hierárquica das relações de trabalho, bem como pelas evidentes e escandalo- sas diferenças individuais e grupais, impõe exigências contraditórias aos pro- cessos de socialização na escola. O mundo da economia parece requerer, tanto na formação de idéias como no desenvolvimento de disposições e condutas, exigências diferentes às que demanda a esfera política numa sociedade formal- mente democrática na qual todos os indivíduos, por direito, são iguais perante a lei e as instituições. Acompanhando Fernández Enguita (1990a) em sua excelente análise, a sociedade é mais ampla do que o Estado. Na esfera política, efetivamente, todas as pessoas têm, em princípio, os mesmos direitos; na esfera econômica, no en- tanto, a primazia não é dos direitos da pessoa mas os da propriedade. Dessa forma, a escola encontra-se frente a demandas inclusive contraditórias no pro- cesso de socialização das futuras gerações. Deve provocar o desenvolvimento de conhecimentos, idéias, atitudes e pautas de comportamento que permitam sua incorporação eficaz no mundo civil, no âmbito da liberdade do consumo, da liberdade de escolha e participação política, da liberdade e responsabilidade na esfera da vida familiar. Características bem diferentes daquelas que requer sua incorporação submissa e disciplinada, para a maioria, no mundo do trabalho assalariado.
De uma perspectiva idealista, habitualmente hegemônica na análise pedagó- gica do ensino, geralmente se descreveu a escola e suas funções sociais, o processo de socialização das gerações jovens, como um processo de inculcação e dou- trinamento ideológico. Dentro desta interpretação idealista, a escola cumpre a fun- ção de impor a ideologia dominante na comunidade social mediante um processo mais ou menos aberto e explícito de transmissão de idéias e comunicação de men- sagens, seleção e organização de conteúdos de aprendizagem. Dessa forma, os alu- nos/as, assimilando os conteúdos explícitos do currículo e interiorizando as men- sagens dos processos de comunicação que se ativam na aula, vão configurando um corpo de idéias e representações subjetivas, conforme as exigências do status quo, a aceitação da ordem real como inevitável, natural e conveniente. No entanto, o processo de socialização da escola, apesar da importância do doutrinamento ideológico e da inculcação de representações particulares e idéias dominantes foi e é, sobretudo nas sociedades com fórmulas políticas de representação democrática, muito mais sutil, sinuoso e subterrâneo. Isto ocorre para fazer frente às contradições crescentes entre seus objetivos político-sociais e os estritamente econômicos. Como afirma Fernández Enguita (1990b), desde o funcionalismo de Durkheim ao estruturalismo de Althusser, passando pelas análises realizadas por Foucalt ou a teoria da correspondência de Bowles e Gintis, apesar de suas diferentes concepções, todos eles consideram que:
“A escola é uma trama de relações sociais materiais que organizam a ex- periência cotidiana e pessoal do aluno/a com a mesma força ou mais que as relações de produção podem organizar as do operário na oficina ou as do peque- no produtor no mercado. Por que então continuar olhando o espaço escolar como se nele não houvesse outra coisa em que se fixar além das idéias que se transmitem?” (Fernández Enguita, 1990b, p. 152).
A atenção exclusiva à transmissão de conteúdos e ao intercâmbio de idéi- as supôs um corte na concepção e no trabalho pedagógico induzido pela prima- zia da filosofia idealista e da psicologia cognitiva como bases prioritárias da teoria e da prática pedagógica. O influência crescente da sociologia da educação e da psicologia social no terreno pedagógico provocou a ampliação do foco de análise, de modo que se compreenda que os processos de socialização que ocor- rem na escola acontecem também, e preferencialmente, como conseqüência das práticas sociais, das relações sociais que se estabelecem e se desenvolvem em tal grupo social, em tal cenário institucional. Os alunos/as aprendem e assimilam teorias, disposições e condutas não apenas como conseqüência da transmissão e intercâmbio de idéias e conheci- mentos explícitos no currículo oficial, mas também e principalmente como con- seqüência das interações sociais de todo tipo que ocorrem na escola ou na aula. Além disso, normalmente, o conteúdo oficial do currículo, imposto desde fora para a aprendizagem dos alunos/as, como veremos depois com mais profundi- dade, não cala nem estimula os interesses e preocupações vitais da criança e do adolescente. Converte-se assim numa aprendizagem acadêmica para passar nos exames e esquecer depois, enquanto que a aprendizagem dos mecanismos, estratégias, normas e valores de interação social, que requer o êxito na comple- xa vida acadêmica e pessoal do grupo da aula e do colégio, configura paulatina- mente representações e pautas de conduta que estendem seu valor e utilidade além do campo da escola. Esta vai induzindo assim uma forma de ser, pensar e agir, tanto mais válida e sutil quanto mais intenso seja o isomorfismo ou seme-
lhança entre a vida social da aula e as relações sociais no mundo do trabalho ou na vida pública. Assim, para compreender a extensão, a complexidade e a especificidade dos mecanismos de socialização na escola se requer uma análise exaustiva das fontes e fatores explícitos ou latentes, acadêmicos ou sociais, que exercem influência relevante na configuração do pensamento e ação dos alunos/as. De pouco ou nada serve restringir o estudo aos efeitos explícitos dos conteúdos tam- bém explícitos do currículo oficial. O que o aluno/a aprende e assimila mais ou menos consciente, e que condiciona seu pensamento e sua conduta a médio e longo prazo, se encontra além e aquém dos conteúdos explícitos nesse currículo. Acompanhando a interessante análise do modelo ecológico de Doyle (Doyle, 1977; Pérez Gómez, 1983b), que se desenvolverá mais amplamente no capítulo dedicado ao ensino, é importante indicar que os mecanismos de socia- lização na escola se encontram no tipo de estrutura de tarefas acadêmicas que se trabalhe na aula e na forma que adquire a estrutura de relações sociais da escola e da aula. Convém não esquecer que ambos os componentes da vida da aula e da escola encontram-se mutuamente inter-relacionados, de modo que uma forma de conceber a atividade acadêmica requer uma estrutura de relações sociais compatíveis e convergentes. De modo inverso, uma forma de organizar as rela- ções sociais e a participação dos indivíduos e dos grupos exige e favorece uns e não outros modos de conceber e trabalhar as tarefas acadêmicas. Nesse sentido, não querendo ser exaustivo, já que será objeto de análise ao longo dos próximos capítulos, pode-se afirmar que alguns aspectos do de- senvolvimento do currículo, que indicamos a seguir, são especialmente rele- vantes para entender os mecanismos de socialização que a escola utiliza:
Enfim, a análise deve abarcar os fatores que determinam o grau de parti- cipação e domínio dos próprios alunos/as sobre o processo de trabalho e os modos de convivência, de maneira que se possa chegar a compreender o grau de alienação ou autonomia dos estudantes quanto a seus próprios processos de produção e intercâmbio no âmbito escolar. Somente assim se poderá enten- der os conhecimentos, as capacidades, as disposições e as pautas de conduta
“Existe nas escolas (...) mulheres e homens que tratam de modificar as instituições educativas em que trabalham. Para que essas modificações tenham efeito duradouro é necessário vincular tais atos a uma série de análises das rela- ções entre a escolaridade e a dinâmica de classe social, raça e sexo que organiza nossa sociedade” (Apple,1989, p. 9).
Em segundo lugar, o processo de socialização na escola, como preparação para o mundo do trabalho, encontra hoje em dia fissuras que são importantes, que se referem às características plurais e às vezes contraditórias entre os dife- rentes âmbitos do mercado de trabalho. A simplificação e especialização do tra- balho autônomo nas sociedades pós-industriais estabelecem para a escola, como já vimos, demandas plurais e contraditórias no processo de socialização. A escola homogênea em sua estrutura, em seus propósitos e em sua forma de funcionar dificilmente pode provocar o desenvolvimento de idéias, atitudes e pautas de comportamento tão diferenciadas para satisfazer as exigências do mundo do trabalho assalariado e burocrático (disciplina, submissão, padroniza- ção) ao mesmo tempo que as exigências do âmbito do trabalho autônomo (ini- ciativa, risco, diferenciação). Dessa forma, nas sociedades avançadas contemporâneas, a escola enfrenta um processo de socialização com demandas diferenciadas e contraditórias na própria esfera da ocupação econômica. Começa a aparecer com força a quebra em alguma medida do isomorfismo entre as relações sociais na aula e as que se cons- troem no âmbito da produção. Aquelas têm correspondência em grande medida com as relações que se mantêm no mundo da empresa e das instituições burocrá- ticas, mas não com as que emergem em outros âmbitos da economia. Em terceiro lugar, a correspondência da socialização escolar com as exi- gências do mundo do trabalho dificultam a compatibilidade com as demandas de outras esferas da vida social, como a esfera política, a esfera do consumo e a esfera das relações de convivência familiar nas sociedades formalmente democráticas. Ao menos em aparência e no terreno teórico se manifesta uma grande contradição entre a sociedade que requer para seu funcionamento político e social a participação ativa e responsável de todos os cidadãos considerados por direito como iguais, e essa mesma sociedade que na esfera econômica, ao me- nos para maioria da população, induz à submissão disciplinada e à aceitação de escandalosas diferenças de fato. A contradição evidenciada entre as exigências das diferentes esferas da sociedade dissolve-se em grande parte, quando se comprova que também na prática a esfera política e o âmbito civil requerem apenas a aparência de comportamentos democráticos ou, em outras palavras, quando os mecanismos formais de participação, independente da eficácia e ho- nestidade de seu funcionamento, são garantia suficiente para manter o equilí- brio instável de uma comunidade social assolada pela desigualdade e pela in- justiça. Pense-se como as estruturas democráticas formais podem funcionar por meio de mecanismos de delegação distanciada, os parlamentos escolhidos a cada quatro ou cinco anos, sem outra necessidade de contatos e controles so- ciais intermediários, inclusive quando não participem nem sequer 50% do elei- torado ou 30-40% da população nos processo eleitorais. Convém considerar, neste sentido, a tendência crescente à abstenção eleitoral nas sociedades ociden- tais, cujo expoente mais escandaloso são os EUA. Da mesma forma, na escola, os processos de socialização para as diferen- tes, e na aparência contraditórias, esferas da vida social devem assumir um certo grau de hipocrisia e esquizofrenia em relação às peculiaridades da socie- dade. Mediante a transmissão ideológica – e em especial mediante a organiza- ção das experiências acadêmicas e sociais na aula –, o aluno/a começa a com-
preender e interiorizar idéias e condutas que têm correspondência com a aceita- ção da dissociação do mundo do direito e do mundo da realidade factual. Aceitar a contradição entre aparências formais e realidades factuais faz par- te do próprio processo de socialização na vida escolar, na qual, sob a ideologia da igualdade de oportunidades numa escola comum para todos, se desenvolve len- ta mas decisivamente o processo de classificação, de exclusão das minorias e do posicionamento diferenciado para o mundo do trabalho e da participação social. A função compensatória da escola em relação às diferenças sociais de ori- gem dilui-se no terreno das declarações de princípio, pois, como bem demons- traram Bernstein, Baudelot e Establet, Bowles e Gentis..., a orientação ho- mogeneizadora da escola não suprime senão que confirma – e além disso legiti- ma – as diferenças sociais, transformando-as em outras de caráter individual. Diferente grau de domínio na linguagem, diferenças nas características cultu- rais, nas expectativas sociais e nas atitudes e apoios familiares entre os grupos e classes sociais, transformam-se na escola uniforme, em barreiras e obstáculos intransponíveis para aqueles grupos distanciados socialmente das exigências cognitivas, instrumentais e de atitudes que caracterizam a cultura e a vida aca- dêmica da escola. As diferenças de origem consagram-se como diferenças de saída, a origem social transforma-se em responsabilidade individual. Quando se evita esta análise em profundidade, aceitam-se as aparências de um currículo e certas formas de organizar a experiência dos alunos/as co- muns e iguais para todos, é fácil aceitar a ideologia da igualdade de oportunida- des, confundir as causas com os efeitos, aceitando a classificação social como conseqüência das diferenças individuais em capacidades e esforços. Viver na escola, sob o manto da igualdade de oportunidades e da ideolo- gia da competitividade e meritocracia, experiências de diferenciação, discrimi- nação e classificação, como conseqüência do diferente grau de dificuldade que tem para cada grupo social o acesso à cultura acadêmica, é a forma mais eficaz de socializar as novas gerações na desigualdade. Deste modo, inclusive os mais desfavorecidos aceitarão e assumirão a legitimidade das diferenças sociais e econômicas e a mera vigência formal das exigências democráticas da esfera po- lítica, assim como a relevância e utilidade da ideologia do individualismo, a concorrência e a falta de solidariedade.
Apesar da veracidade da argumentação sociológica sobre o caráter repro- dutor, embora complexo, da instituição escolar, a relativa autonomia da ação na escola não provém exclusivamente das contradições internas e externas são geradas no próprio processo de reprodução conservadora da cultura dominan- te. A função educativa ultrapassa, vai mais além da reprodução, pelo menos teoricamente. A mesma tensão dialética que aparece em qualquer formação so- cial, entre tendências conservadoras que se propõem garantir a sobrevivência mediante a reprodução do status quo e das aquisições históricas já consolidadas (socialização) e as correntes renovadoras que impulsionam a mudança, o pro- gresso e a transformação, como condição também de sobrevivência e enriqueci- mento da condição humana (humanização), acontece de forma específica e sin- gular na escola. A função educativa da escola ultrapassa a função reprodutora do proces- so de socialização, já que se apóia no conhecimento público (a ciência, a filoso-
cas e restringidas, não pode compensar as diferenças que uma sociedade de livre mercado provoca, dividida em classes ou grupos com oportunidades e possibilidades econômicas, políticas e sociais bem desiguais na prática. Nas sociedades industriais avançadas, apesar de sua constituição formal- mente democrática na esfera política, sobrevive a desigualdade e a injustiça. A escola não pode anular tal discriminação, mas sim atenuar seus efeitos e des- mascarar o convencimento de seu caráter inevitável, se se propõe uma política radical para compensar as conseqüências individuais da desigualdade social. Com este objetivo, deve-se substituir a lógica da homogeneidade, impe- rante na escola, com diferentes matizes, desde sua configuração, pela lógica da diversidade. A escola comum para todos e o currículo compreensivo que evita as diferenças e a classificação prematura dos indivíduos em ramos diferentes do sistema escolar, que dão acesso a possibilidades profissionais bem diferentes, não evitaram a classificação lenta mas também definitiva dos alunos/as em função quase mecânica de sua origem social (Skibeck, 1989). Embora seja certo que tanto nos modelos uniformes quanto nos diversificados pode-se fomentar e reproduzir a desigualdade e discriminação que existe na sociedade, uma vez consolidado o currículo comum e a organização escolar unificada, gratuita e obrigatória até os 16 anos, na maioria dos países desenvolvidos, o perigo de discriminação aloja-se de modo mais decisivo nos modelos uniformes de trabalho acadêmico. Defender a conveniência de um currículo comum e compreensivo para a formação de todos os cidadãos não pode supor de modo algum impor a lógica didática da homogeneidade de ritmos, estratégias e experiências educativas para todos e cada um dos alunos/as. Se o acesso destes à escola está presidido pela diversidade, refletindo um desenvolvimento cognitivo, emocional e social eviden- temente desigual, em virtude da quantidade e qualidade de suas experiências e intercâmbios sociais, prévios e paralelos à escola, o tratamento uniforme não pode supor mais do que a consagração da desigualdade e injustiça de sua origem social. A intervenção compensatória da escola deve revestir-se de um modelo didático flexível e plural que permita atender às diferenças de origem, de modo que o acesso à cultura pública se acomode às exigências de interesses, ritmos, motivações e capacidades iniciais dos que se encontram mais distantes dos có- digos e características em que se expressa. Assim, a igualdade de oportunida- des de um currículo comum na escola compreensiva obrigatória não é mais do que um princípio e um objetivo necessário numa sociedade democrática. Sua realização é um evidente e complexo desafio que requer flexibilidade, diversi- dade e pluralidade metodológica e organizativa. Como afirma Turner (1960), nas sociedades ocidentais a mobilidade patroci- nada foi substituída pela mobilidade competitiva. No primeiro caso, a sociedade seleciona desde o princípio os que gozarão das melhores oportunidades escola- res e sociais. No segundo, deixa que a seleção aconteça a partir dos próprios alunos/as, por meio de uma prolongada concorrência entre eles. Concorrência desigual desde o começo, pela diferente posição de partida em todos os aspec- tos, a partir do movimento em que se deparam com as tarefas escolares. A lógica da uniformidade no currículo, nos ritmos, nos métodos e nas expe- riências didáticas favorece os grupos que, precisamente, não necessitam da escola para o desenvolvimento das habilidades instrumentais que a sociedade atual re- quer: aqueles grupos que, em seu ambiente familiar e social, se movem numa cultura parecida à que a escola trabalha e que, por isso mesmo, no trabalho acadê- mico da aula só consolidam e reafirmam os mecanismos, as capacidades, as atitu- des e as pautas de conduta já induzidos “espontaneamente” em seu ambiente. Pelo contrário, para aqueles grupos sociais cuja cultura é bem diferente da acadêmica da aula, a lógica da homogeneidade não pode senão consagrar a
discriminação de fato. Para estas crianças, o trato de igualdade na aula supõe de fato a ratificação de um atraso imediato e de um fracasso anunciado a médio prazo, já que possuem códigos de comunicação e intercâmbio bem diferentes dos que a escola requer. Manifestam deficiências bem claras na linguagem e na lógica do discurso racional, assim como nas habilidades e capacidades que a vida acadêmica requer, não dispondo de apoio familiar nem quanto às expecta- tivas sociais e profissionais que a escola pode lhes abrir, nem quanto ao clima de interesses pelo mundo da cultura. O desenvolvimento radical da função compensatória requer a lógica da diversidade pedagógica dentro do marco da escola compreensiva e comum para todos. As diferenças de partida devem ser enfrentadas como um desafio pedagógico dentro das responsabilidades habituais do profissional docente. A escola obrigatória que forma o cidadão/dã não pode dar-se ao luxo do fracasso escolar. A organização da aula e da escola, e a formação profis1sional do docen- te, devem garantir o tratamento educativo das diferenças trabalhando com cada aluno/a desde sua situação real, e não do nível homogêneo da suposta maioria estatística de cada grupo de classe. O ensino obrigatório, que nos países desenvolvidos é, pelo menos, de 10 anos, deveria começar antes para cobrir os anos da infância, quando a maior plasticidade permite a maior eficácia compensatória. Se a escola se propõe o desenvolvimento radical da intervenção compensatória, mediante o tratamento pedagógico diversificado, tem tempo suficiente, respeitando os ritmos dos indi- víduos, para garantir a formação básica do cidadão/dã, o desenvolvimento dos instrumentos cognitivos, de atitude e de conduta que permitam a cada jovem se posicionar e intervir com relativa autonomia na complexa trama social. A igualdade de oportunidades não é um objetivo ao alcance da escola. O desafio educativo da escola contemporânea é atenuar, em parte, os efeitos da desigualdade e preparar cada indivíduo para lutar e se defender, nas melhores condições possíveis, no cenário social. Queremos abranger o conceito de igualdade tanto a que tem sua origem nas classes sociais como a que se cria nos grupos de marginalização, ou nas deficiências físicas ou psicológicas hereditárias ou adquiridas. Para todos eles, somente a lógica de uma pedagogia diversificada no marco da escola compre- ensiva tem a chance de provocar e favorecer um desenvolvimento até o máximo de suas sempre indefinidas possibilidades. Cabe fomentar, por outro lado, a pluralidade de formas de viver, pensar e sentir, estimular o pluralismo e cultivar a originalidade das diferenças individu- ais como a expressão mais genuína da riqueza da comunidade humana e da tolerância social. Assim, se se concebe a democracia mais como um estilo de vida e uma idéia moral do que como uma mera forma de governo (Dewey, 1967), onde os indivíduos, respeitando seus diferentes pontos de vista e proje- tos vitais, se esforçam através do debate e da ação política, da participação e cooperação ativa, para criar e construir um clima de entendimento e solidarie- dade, onde os conflitos inevitáveis se ofereçam abertamente ao debate público. No entanto, na situação atual, a divisão do trabalho e sua conseqüente hie- rarquização numa sociedade de mercado provoca a diferente valorização social dos efeitos da diversidade. Não é a mesma coisa, da perspectiva da considera- ção social, dedicar-se a atividades manuais do que a tarefas intelectuais, à eco- nomia que à arte. Por isso, e como teremos oportunidade de desenvolver nos capítulos seguintes, é delicado encontrar o equilíbrio perfeito entre o currículo comum e a estratégia didática da diversidade dentro da escola compreensiva, se nos propomos evitar na medida do possível os efeitos individuais da desi- gualdade social.
em que o aluno/a teve a oportunidade de conhecer os fatores e influências que condicionam seu desenvolvimento, de comparar diferentes propostas e modos de pensar e fazer, de descentrar e ampliar sua limitada esfera de experiência e conhecimento e, enriquecido pela comparação e pela reflexão, chegar a opções que sabe provisórias. Enfim, a escola, ao provocar a reconstrução das preocu- pações vulgares, facilita o processo de aprendizagem permanente, ajuda o in- divíduo a compreender que todo conhecimento ou conduta encontram-se con- dicionados pelo contexto e, portanto, requerem ser comparados com represen- tações alheias, assim como com a evolução de si mesmo e do próprio contexto. Mais do que transmitir informação, a função educativa da escola contem- porânea deve se orientar para provocar a organização racional da informação fragmentária recebida e a reconstrução das pré-concepções acríticas, formadas pela pressão reprodutora do contexto social, por meio de mecanismos e meios de comunicação cada dia mais poderosos e de influência mais sutil. Agora, não se consegue a reconstrução dos conhecimentos, atitudes e modos de atuação dos alunos/as, nem exclusiva, nem prioritariamente, me- diante a transmissão ou intercâmbio de idéias, por mais ricas e fecundas que sejam. Isto ocorre mediante a vivência de um tipo de relações sociais na aula e na escola, de experiências de aprendizagem, intercâmbio e atuação que justifi- quem e requeiram esses novos modos de pensar e fazer. De acordo com o primeiro objetivo educativo anteriormente proposto, colo- car a exigência de provocar a reconstrução por parte dos alunos/as, de seus conhe- cimentos, atitudes e modos de atuação requer outra forma de organizar o espaço, o tempo, as atividades e as relações sociais na aula e na escola. É preciso transformar a vida da aula e da escola, de modo que se possam vivenciar práticas sociais e intercâmbios acadêmicos que induzam à solidariedade, à colaboração, à expe- rimentação compartilhada, assim como a outro tipo de relações com o conhecimen- to e a cultura que estimulem a busca, a comparação, a crítica, a iniciativa e a criação. Provocar a reconstrução crítica do pensamento e da ação nos alunos/as exige uma escola e uma aula onde se possa experimentar e viver a comparação aberta de pareceres e a participação real de todos na determinação efetiva das formas de viver, das normas e padrões que governam a conduta, assim como das relações do grupo da aula e da coletividade escolar. Apenas vivendo de forma democrática na escola pode se aprender a viver e sentir democraticamen- te na sociedade, a construir e respeitar o delicado equilíbrio entre a esfera dos interesses e necessidades individuais e as exigências da coletividade. Como veremos nos próximos capítulos, a função da escola, em sua ver- tente compensatória e em sua exigência de provocar a reconstrução crítica do pensamento e da ação, requer a transformação radical das práticas pedagógicas e sociais que ocorrem na aula e na escola e das funções e atribuições do profes- sor/a. O princípio básico que se deriva destes objetivos e funções da escola contemporânea é facilitar e estimular a participação ativa e crítica dos alunos/as nas diferentes tarefas que se desenvolvem na aula e que constituem o modo de viver da comunidade democrática de aprendizagem.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
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