Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

diálogo entre biodança e o neotantra, Notas de aula de Energia

Tantra, bem como com as práticas da Terapia Tântrica Ociden- talizada ou do Neotantra. ... que participa do culto tântrico à feminilidade não necessita se ...

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Osvaldo_86
Osvaldo_86 🇧🇷

4.5

(163)

220 documentos

1 / 37

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
O RESGATE DA SEXUALIDADE SAGRADA: A DANÇA DE
SHIVASHAKTI - DIÁLOGO ENTRE BIODANÇA E O NEOTANTRA
Ainda no início da década de 90, nasceu o trabalho inti-
tulado Sexualidade Sagrada, obra idealizada pelas facilitadoras
Sônia Reis e Isa Freire. Tomadas pelo sentimento contra-cul-
tura subversivo e festivo da geração Woodstock, iniciadas na
arte do encontro afetivo - Biodança e, mergulhadas em leituras
como O Retorno da Deusa de Edward Whitmont e Deusa In-
terior de Jennifer Woolger e Roger Woolger, além dos estudos
em Mitologia Grega como Eros e Psiquê. Naturalmente, como
para a maioria de nós, também as experiências íntimas de prazer
empobrecidas tiveram um significativo lugar na idealização e
facilitação deste trabalho, partindo de uma motivação pessoal e
se estendendo, solidariamente, ao outro, provavelmente igual-
mente insatisfeito e aquém de sua potência sexual.
Em 2001, as imersões de Sexualidade Sagrada foram
suspensas devido a um acidente sofrido por Sônia. O trabalho,
até 2018, passou a acontecer somente dentro das Escolas de
Biodança do Brasil, quando em 2019, recebo o legado de Sônia,
minha mãe, e Isa, nossa amiga. O propósito deste trabalho me
toma o coração de sentido e passa a ser o meu tema de monogra-
fia e a minha “menina dos olhos”.
Eu, Clarissa Reis, idealizo-o a partir do que ele foi e,
também, deixo nele a minha própria identidade, meu ineditismo,
Clarissa Simões dos Reis
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12
pf13
pf14
pf15
pf16
pf17
pf18
pf19
pf1a
pf1b
pf1c
pf1d
pf1e
pf1f
pf20
pf21
pf22
pf23
pf24
pf25

Pré-visualização parcial do texto

Baixe diálogo entre biodança e o neotantra e outras Notas de aula em PDF para Energia, somente na Docsity!

O RESGATE DA SEXUALIDADE SAGRADA: A DANÇA DE

SHIVASHAKTI - DIÁLOGO ENTRE BIODANÇA E O NEOTANTRA

Ainda no início da década de 90, nasceu o trabalho inti- tulado Sexualidade Sagrada, obra idealizada pelas facilitadoras Sônia Reis e Isa Freire. Tomadas pelo sentimento contra-cul- tura subversivo e festivo da geração Woodstock, iniciadas na arte do encontro afetivo - Biodança e, mergulhadas em leituras como O Retorno da Deusa de Edward Whitmont e Deusa In- terior de Jennifer Woolger e Roger Woolger, além dos estudos em Mitologia Grega como Eros e Psiquê. Naturalmente, como para a maioria de nós, também as experiências íntimas de prazer empobrecidas tiveram um significativo lugar na idealização e facilitação deste trabalho, partindo de uma motivação pessoal e se estendendo, solidariamente, ao outro, provavelmente igual- mente insatisfeito e aquém de sua potência sexual.

Em 2001, as imersões de Sexualidade Sagrada foram suspensas devido a um acidente sofrido por Sônia. O trabalho, até 2018, passou a acontecer somente dentro das Escolas de Biodança do Brasil, quando em 2019, recebo o legado de Sônia, minha mãe, e Isa, nossa amiga. O propósito deste trabalho me toma o coração de sentido e passa a ser o meu tema de monogra- fia e a minha “menina dos olhos”.

Eu, Clarissa Reis, idealizo-o a partir do que ele foi e, também, deixo nele a minha própria identidade, meu ineditismo,

Clarissa Simões dos Reis

mantendo as vivências de Biodança na íntegra e, agora, expan- dindo-o para uma conversa com a escola filosófica-espiritual do Tantra, bem como com as práticas da Terapia Tântrica Ociden- talizada ou do Neotantra. Então, o nomeio como o Resgate da Sexualidade Sagrada: Dança de ShivaShakti. O trabalho passa a ser oferecido para pessoas aprofundadas em Biodança, inde- pendentemente se essas eram vinculadas às Escolas e se torna o campo de pesquisa para meu trabalho de conclusão, o qual me daria o título de facilitadora de Biodança mais tarde.

Ao longo do trabalho nos deparamos com os conhe- cidos, sofridos e, infelizmente, não tão incomuns transtornos sexuais - frigidez, anorgasmia, impotência sexual, ejaculação precoce, compulsão sexual. No entanto, o que não esperávamos era o frisson e o ibope que receberíamos de alguns do nosso próprio coletivo. A resistência de alguns dentro da comunidade Biodanceira. Nesse sentido, o recorte deste trabalho privilegia os fenômenos que ocorreram na comunidade de Biodança. Para quem se interessar em conhecer os resultados e análise do traba- lho vivencial dos participantes, sugiro a leitura da monografia O Resgate da Sexualidade Sagrada.

Considerando o público aprofundado em Biodança e, também, a proposta ousada de seu mentor Rolando Toro, logo de início, fomos surpreendidas com dificuldades que imagi- návamos estarem superadas, indicando para nós sintomas de adoecimento neurótico como sentimentos de medo, vergonha e preconceitos. Os motivos para que isso ainda ocorra dentro da nossa abordagem estão explanados ao longo de nossas discus- sões e conclusões acerca do tema e do presente trabalho.

Cabe nesse momento lembrar da conceituação edifican- te da Organização Mundial de Saúde – OMS, quando se diz:

“A sexualidade é ‘uma energia que nos motiva a procu- rar amor, contato, ternura e intimidade, que se integra no modo como nos sentimos, movemos, tocamos e somos toca- dos, é ser-se sensual e ao mesmo tempo sexual; ela influen-

em roda de amigos, na intimidade do lar, nos espaços de traba- lho, nas igrejas, filas dos mercados.

Sinto a presença do medo a ser instalado. Percebo rea- ções defensivas e combativas. Nasce um corpo assustado, sem espaço vital, encolhido e encurtado e com sua capacidade de gozar a vida gravemente comprometida. Pergunto-me: concebe- mos a vida pelo seu avesso? (Sobre)Vivemos numa cultura que desqualifica, maltrata e sacrifica a vida? E o mais assustador: sentir num nível visceral, que existe uma certa dose de satisfa- ção masoquista inconsciente, pré-consciente ou consciente no estilo de viver mortificado (Freud, 1972).

Porém, nem sempre foi assim. Longe do puritanismo hipócrita e da libertinagem adoecida de uma boderlização gene- ralizada, a educação sexual para além do controle de natalidade e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, mas, so- bretudo, incluindo, também, a conscientização de sua dimensão sagrada é a nossa alternativa segura para a vivência da sexuali- dade saudável e plena. Paradoxalmente (e para alguns é óbvio, para outros é retrocesso), poderemos avançar bastante acerca de nossa compreensão de sexualidade bebendo na fonte de nossa ancestralidade.

Em algum momento da história da humanidade, homens e mulheres viviam em maior harmonia entre si e integrados com a natureza. A relação entre religiosidade e sexualidade era es- treita (Zeldin, 1996). O ser humano gozava de sua relação com toda a manifestação da natureza livre de sentimentos neuróticos, como a culpa e a vergonha.

De forma didática, faremos uma visita à história da se- xualidade para compreender seu caráter sagrado vivenciado por nossos ancestrais e nossas alternativas de caminhos pelos quais podemos retornar a vivência da sexualidade espiritualizada.

No período paleolítico, quando se tem os primeiros re- gistros do homo-sapiens, os casamentos aconteciam de forma coletiva. As crianças eram responsabilidade de todos do clã e não se sabia quem eram os genitores masculinos, mesmo porque não se sabia que os homens teriam alguma participação na pro- criação da espécie (Navarro, 2007).

Às mulheres era conferido o status de Deusas exata- mente por sua capacidade misteriosa de gerar a vida. Assim, apenas se reconhecia a linhagem materna. Fertilidade era causa atribuída a elas e não havia nenhuma relação de entendimento entre sexo e procrição. Em tempos remotos, ainda no período paleolítico, os monumentos e esculturas com teor sexual, mega- líticos representando a Deusa na figura da mulher de seios fartos e ancas largas, indicando sua fertilidade e, possivelmente, a re- lação com a corporeidade de forma consciente e natural (https:// pt.slideshare.net/cresac/a-sexualidade-no-tempo-1)

Encontramos sincretismos do culto à Grande-Mãe nas sociedades mais diversas ditas primitivas, onde os rituais eram, essencialmente, sexuais: a Deusa Vênus de Willendorf; Ishtar da Babilônia; Isis do Egito; Astarte da Fenícia; Cibele, na Frí- gia; Inana, na Suméria; Nukua, na China; Yemanjá, na África; e Shakti, na Índia, para citar algumas. Múltipla e universal, era a Deusa entendida e reverenciada como a própria força propulso- ra de tudo que é vivo (Navarro, 2007).

Nessa época, a relação sexual acontecia entre pessoas de sexos opostos e de mesmo sexo. As chamadas orgias primitivas eram experienciadas sem tabus e seu exercício estava, essen- cialmente, vinculado ao prazer e à fertlização da terra, uma vez que se acreditava que tais relações nutriam os campos, fazendo -os frutificar, florir e chover, ou seja, as cerimônias sexuais eram verdadeiras oferendas à Deusa (Engelsman, 1979).

ginar que a sexualidade vivenciada nesse período fosse bastante diferente do que observamos e vivemos nos tempos atuais.

E é nesse lugar das sociedades matrifocais, onde nasce o Tantrismo, na Ìndia antiga e profunda, a Índia Dravidiana, há mais de 7500 anos antes de nossa Era (Lysebeth, 1994). Nessa tradição esotérica proveniente do hinduísmo, o culto à Deusa- Mãe, a Grande Ancestral, a Shakti, iniciadora de toda a vida e encarnada por toda mulher. O Kaulâvalî-Tantra diz:

“É preciso reverenciar diante de qualquer mulher, seja ela no esplendor juvenil, seja velha, seja bela ou feia, boa ou má. Nunca se deve enganá-la, nem calúnia-la, nem fazer-lhe mal algum. Esses atos tornam qualquer siddhi (realização) impossível” (apud, Lysebeth, 1994, pg. 99).

A civilização matriarcal marcou toda a nossa pré-histó- ria, da bacia do Mediterrâneo à Índia dravidiana, nos períodos neolítico e paleolítico. A Deusa-Mãe ou a Mãe-Natureza perso- nificada em toda a mulher - as sacerdotisas, magas, bruxas, fei- ticeiras, curandeiras, iniciadoras e sacerdotisas na arte de fazer amor, benzedeiras, entre outras, é a religião original da humani- dade. São as mulheres as guardiãs dos segredos da natureza, da- quilo que provê vida e saúde, além de compreender os abissais da alma humana. O Tantra é a religião viva, dotada de corpo, movimento, som, expressão, respiração, matéria, completamen- te de acordo com a religião original. Isto quer dizer que o Tantra é, essencialmente, feminino (Rajneesh, 1977). Na contramão está o Deus Pai das religiões e do paradigma patriarcal - dog- mático, doutrinário, abstrato, colonizador e que intelectualiza Deus, O tornando separado de nós.

Ao contrário do que o leitor possa imaginar, o homem que participa do culto tântrico à feminilidade não necessita se

desvirilizar. Ele deve reconhecer a mulher como sua verdadei- ra iniciadora. Isso significa que nossos ancestrais primitivos ti- nham uma consciência absolutamente revolucionária, pela qual todo o homem (e toda a mulher também) devem passar por Ela (a mulher, a Deusa) para passar a ser, para passar a existir, para que o ser possa ter alma. Para se tornar um verdadeiro homem, ele precisará redescobrir sua feminilidade oculta e reprimida (Feuerstein, 1994).

2. Princípio Biocêntrico: Uma Disciplina Tântrica

Receio apropriações estrangeiras. Contudo, acredito que podemos nos inspirar em outras tradições, no nosso caso as orientais, para nos ajudar a encontrar e incrementar o nosso pró- prio método, a nossa própria tradição, a nossa própria cerimônia e nossos próprios rituais nativos, pelos quais possamos comun- gar de um sentido pessoal e coletivo. Inclusive e especialmente, no que concerne à sexualidade, uma vez que estamos à deriva no que diz respeito a nossa energia primordial sexual. Se não fosse assim, Rolando Toro não teria desenvolvido uma teoria e me- todologia debruçando-se numa pesquisa antropológica ampla e intercambiante, criando um sistema de desenvolvimento hu- mano sofisticadíssimo - A Arte do Encontro Afetivo: Biodança. Partimos dele e avançamos conversando com outros conheci- mentos, inaugurando novos trabalhos vivenciais e integrativos.

Segundo Lloyd (1966, apud, Lysebeth, 1994), a primeira religião humana como experiência numinosa estava fundamen- tada na sexualidade e no culto à Deusa Mãe, face feminina do divino. Nossa aposta é que é por meio da religião original que poderemos reencontrar nossa verdadeira origem e, assim, paci- ficar os nossos seres e as nossas relações. Ao que tudo indica, o Tantrismo é o triunfo da religião raíz matrifocal, atravessando a Era do Patriarcado com bastante perdas e adulterações, não

emocionalidade-vivencial: nossos olhos extasiados pela beleza e graça de viver, nossa sensorialidade a experimentar o êxtase, nossos vínculos a se fortalecerem através de carícias verbais e corporais, e também pelas carícias a receber dos raios do sol, da brisa, da terra, do mar, ou seja, um estado de permanente cópula com o universo. A qualidade de nossa evolução consiste na dis- posição nata de nossos sistema viventes para entrar em fusão e permanente orgasmo com o cosmos - transcendência.

Diante do exposto, entendemos que a internalização do PB é a grande e melhor possibilidade de cura para uma cultura anti-vida, à qual estamos expostos. Este princípio entende que a vida se organiza em convivência e coexistência com o divino, pelo qual o sagrado se manifesta em qualquer situação onde a vida se faz presente. Os estudos sobre biologia celular, segundo o PB, são a própria manifestação do divino que revela a existên- cia de uma verdadeira comunicação inteligente e amorosa entre as comunidades celulares ao integrarem ações bioquímicas de afinidade e cooperação, evidenciando um espírito francamente matrifocal. Em cada partícula, átomo ou molécula, está, ali, a consciência onipresente. A vida é fruto dessa inteligência afeti- va e sexual (MOURA, 2017).

A vivência da sexualidade está presente em todas as es- pécies, em toda forma de vida, seja no acasalamento dos insetos, seja através da penetração das águas doces no oceano. Quanto à vida humana, se perpetua através do encontro entre dois seres, atraídos pela força de eros e pelo profundo pacto de amor entre duas células – o óvulo e o espermatozóide – quando ambos se unem no instante da concepção. Essa sabedoria biocósmica é anterior à cultura e gera os seres viventes (SANTOS, 2009).

Desse modo, podemos dizer que se estivermos sob a regência do PB, harmonizados com a nossa natureza, perce- beremos que somos concebidos para eros, para a vida plena

de prazer, para o gozo de viver. A espécie humana é funda- mentalmente sexual, capaz de conferir à sua sexualidade sen- tido maior que a procriação. Basta raciocinar que, na cadência razoável de dois contatos de relação sexual por semana, em vinte anos de relacionamento, teremos a grosso modo, dois mil coitos. Assim, uma mãe de uma criança, teria tido 1999 relações “inúteis” procriativamente, contra uma “útil”, ou seja, fecunda. Isso mostra o quanto a sexualidade humana não está vinculada apenas ao fim procriativo. O que queremos dizer é que a sexualidade é, sim, o instinto que garante a perpetua- ção das espécies; contudo seu sentido extrapola esse fim e se fundamenta, sobretudo, na experiência saudável da identidade humana. É, portanto, um eixo estruturante do psiquismo e da identidade humana: a graça de viver virtuosamente, em pleni- tude e alegria.

Nosso mestre Rolando (1991) afirma imperativamente que a energia erótica é energia cósmica que gera vida. Todas as vezes que pudermos nos relacionar eroticamente estaremos nu- trindo todo o cosmos, prestando um serviço que gera vida. Com muita segurança podemos aproximar o PB à filosofia tântrica e às demais religiões primitivas que tinham como figura central de seu culto à Deusa.

Dito isso e para fins deste trabalho, ainda em se tratando de um revolucionário e profundo resgate da sacralidade da se- xualidade, se faz necessário conhecermos e integrarmos nossas partes ainda ocultas de natureza feminina e masculina. Tanto as mulheres reivindicarem o tanto de masculino que as habita, con- ferindo-lhes essa força misteriosa da virilidade, da capacidade de penetrar todo o universo com seu yang; quanto os homens acolherem o quanto de feminino há em si. O quanto podem ser doces, pacientes, ternos e amáveis e, assim, penetrar em uma mulher, e na vida, a partir de seu eros feminino, com triunfante vitalidade (Toro, 1991).

gem das funções originárias da vida, segundo a definição de seu próprio autor, Rolando Toro (1991). Sua metodologia consiste em induzir uma sequência de danças que desenham uma curva orgânica auto-reguladora através de movimentos de ativação e regressão, onde a arte do encontro humano deflagrado pela mú- sica e pela dança proposta é vivenciado como uma experiência plena de sentido existencial. Uma vivência de Biodança é facili- tada contando com o modelo teórico e metodológico e prescrita conforme os objetivos do que se quer trabalhar e alcançar.

Sendo assim, as vivência de Biodança foram pensadas, sentidas e facilitadas assumindo o potencial das cinco linhas de vivências - vitalidade, sexualidade, afetividade, criatividade e transcendência, porém com endereço especial à sexualidade - o despertar do desejo, de modo a criar maior sensibilidade aos estímulos de prazer em todo o corpo através da sensualidade e erotismo, ampliando a capacidade orgástica.

“Para desenvolver muito bem o trabalho da linha da sexua- lidade é necessário compreender sua relação com a vitali- dade (conservação da vida); com a criatividade (expressão do desejo e sedução); com a afetividade (capacidade de empatia); e com a transcendência (entrega e abandono do ego)”. Toro e Terren, Curso de Especialização em Sexuali- dade, Erotismo e Amor no Distrito Federal (junho, 2018).

Iniciamos o trabalho numa sexta-feira à noite, de forma cerimoniosa, com uma vivência de Biodança. O salão de vivên- cia ganhou um áurea de templo religioso, dispondo de imagens hindus como Shiva Nataraja (Deus da Dança), Lacksmi (Deusa da prosperidade e da beleza), a trindade hindu Shiva, Parvarti e Ganesha; decoração com panos de seda; mandalas; incenso e essências; velas; oferendas de frutas e flores. Todos dispostos perifericamente, de forma a priorizar o espaço interno do salão.

Minha mestra mãe e eu vestimos roupas confortáveis, e também, dotadas de elegância, dando um atmosfera solene, nos identifi- cando com as sacerdotisas da Deusa (Qualls-Corbett, 1990). Ela costuma estar toda de branco e eu, em tons de dourado e rosa.

Iniciamos com uma roda de compromisso, onde cada participante se dirige ao centro da roda e verbaliza sua promes- sa em ser uma guardiã e um guardião da sexualidade sagrada, honrando nossa capacidade inerente que dispomos em viver a vida em júbilo e contentamento. As palavras de cada partici- pante são próprias de sua subjetividade, mas o compromisso é pessoal, coletivo e único, no sentido de criar um clima de de atenção, presença, cuidado e vigilância com o tema, que é caro a todos nós e devemos, portanto, nos responsabilizar por ele, uma vez que é facilmente corrompido com atitudes levianas, pudicas e vulgares.

Abrir um trabalho à noite e lançando uma promessa, também remete ao mistério no nosso feminino profundo expres- so no período negro da noite, mais fria, mais úmida, enluarada, provocando, estimulando e acordando as profundezas ocultas de nosso inconsciente. Esse ato de compromisso mobiliza nosso ser inteiro, muitas vezes, revelando nossos temores e ansiedades com o tema e, simultaneamente, excitação, interesse genuíno e disponibilidade ao amor indiferenciado.

É muito pertinente não incorrermos no risco de roman- cear esse trabalho, uma vez que é na nossa sexualidade onde re- sidem os nossos maiores segredos, feridas e contradições; onde moram conteúdos de nossa sombra que não gostamos nem ao menos fazer uma visita rápida, quiçá conhecê-los intimamente. Talvez esse dado não seja nada publicitário ou comercial, mas a verdade é que a longa jornada rumo à origem da sexualidade

  • sua sacralidade –, exige de nós encararmos as feras aterrori- zantes que moram nos abissais de nossa alma.

oposto psicológico a essa posição ativa de luta e fuga é a regres- são infantil, na qual a necessidade ou o desejo sexual não é mais imperioso (LOWEN, 1982).

As danças que para sua maior potência pedem o desnu- damento, como: samba a cinco; sopro sobre o corpo; gozo cines- tésico; dança da serpente; acariciamentos diversos; percepção do outro com os cinco sentidos foram cuidadosamente costuradas dentro da vivência, considerando a progressividade tão caracte- rística do rigor da metodologia em Biodança. De forma criativa e prevenindo dogmas que mortificam a vivência com o sagrado, dispomos de recursos que nascem no aqui e agora do momento vivencial para que o ato de se desnudar pudesse acontecer dentro de um rito religioso tão qual os nossos ancestrais faziam quando a religião original, provida de sexualidade, era cultuada. Nesse mo- mento, cada peça de roupa retirada representava algo mais íntimo e simbólico - um gesto de desnudamento da alma: desnudar-se do medo, das dores, da violência, dos nossos vícios egóicos - vaida- de, arrogância, orgulho, sentimento de menos-valia, entre outros, conforme a vontade manifesta de cada participante.

Pudemos dançar nossas polaridades feminina e masculi- na através das danças de expressão da feminilidade e da mascu- linidade; danças de sedução das mulheres e dos homens; dança de integração yin-yang; danças sequenciais do amor, num nobre gesto de harmonização e integração de nossos opostos comple- mentares tão costumeiramente conflitantes em nossa civilização dicotômica. Algumas danças são citadas, aqui, apenas para fins de visualização para o leitor, que jamais alcançará, como bem sabemos, o esplendor da experiência vivida.

Esse recorte das vivências de Biodança é, notadamente, desenhado e facilitado para um grupo de aprofundamento. No entanto, fomos surpreendidas por alguns sintomas neuróticos e

normativos de quem esteve fora do salão de vivência. Sabemos que um trabalho desse porte começa muito antes do que a data oficial anunciada do trabalho de imersão, e seus desdobramen- tos podem reverberar para a posteridade. O que não imagináva- mos era toda a repercussão para além daqueles que vivenciaram o Resgate da Sexualidade Sagrada - Dança de ShivaShakti.

Ficamos também admiradas com o movimento dentro da própria comunidade de Biodança, em sua maioria, facilita- dores, didatas e diretores, chegando a envolver algumas “auto- ridades”, se é que assim podemos chamar pessoas de prestígio dentro do movimento de Biodança, uma vez que não dispomos de cargos, hierarquia, subordinados, salários e nada ao que se refere à ideia de carreira ou ao mundo organizacional. É verdade que recebemos apoio e incentivo, também, de muitos – a maio- ria, felizmente – em todo o país.

O alvoroço e a preocupação em torno do trabalho deu- se devido ao intercâmbio de conhecimentos e práticas entre as duas abordagens: Biodança e Terapia Tântrica. As possíveis massagens nas genitálias eram e são, sem dúvida, o maior temor. Além de todo o estigma e corrupção que sofre a palavra “Tantra” estando tão próxima ao nome da Biodança. Qual seria o custo deste consórcio? Entro nesse campo porque a controvérsia sobre o tema é, com muita certeza, uma fonte de pesquisa riquíssima.

Ora veladamente, ora explicitamente, recebíamos acu- sações a respeito de nossa “afronta” em unir duas abordagens que, segundo entendimento dos que não compreendem ou sim- plesmente resistem, não convergem. Um dos pontos centrais da discussão era a polêmica quanto ao controle da ejaculação es- timulado pelo universo tântrico e a suposta defesa de Rolando em relação às respostas naturais e reflexas do corpo. A crítica era fundamental: o problema da domesticação do corpo. Rece- bemos também a atribuição de estar alterando a própria curva

dagem que tem, entre suas linhas de vivência, a sexualidade, a qual foi incluída por Rolando Toro, ser humano notoriamente conhecido por sua ousadia no campo da sexualidade também, impiedosamente criticado e devotamente aplaudido por essa mesma motivação. Em menor grau, mas presente, obviamente, aproveito para responder “supostas denúncias” com o fim de esclarecimento. Todos temos o direito fundamental de natureza constitucional ao contraditório e ampla defesa. Isso também nos ajuda a avançar no conhecimento para se produzir ciência.

“Ouvimos tanto sobre o dever de um soldado sacrificar a vida pelo seu país e ouvimos tão pouco sobre o dever de todo o cientista expor a verdade logo que é reconhecida como tal, custe o que custar” (REICH,1979, pg. 24).

A princípio, o trabalho recebeu o nome de Biodança com Tantra e o título da minha monografia seria algo próximo com “Diálogos entre Biodança e a Filosofia Espiritual do Tantra” ou “Alguns Fundamentos do Tantrismo no Desenvolvimento da Teo- ria em Biodança”. Logo, isso gerou perturbações e precisei fazer supressões e edições no texto como no trabalho vivencial. O tí- tulo do trabalho gerou, até mesmo, ameaças de processo judicial, uma vez que Biodança estava sendo defendida como uma marca que não poderia ser comercializada sem as devidas autorizações. Ingenuamente, acreditava ser o nome Biodança com Tantra uma grande homenagem à Biodança. Esse foi o primeiro susto. Ama- durecemos e evoluímos para o nome O Resgate da Sexualidade Sagrada, que me pareceu mesmo mais apropriado e mais honroso àquilo que minha mestra mãe começara lá atrás. O nome tam- bém nos traria maior liberdade para atuar com as abordagens de integração humana, das quais estaríamos habilitadas (psicologia como formação acadêmica, pós-graduação em Sexualidade Hu- mana e Terapia Tântrica e Psicologia Analítica, Psicodinâmica, Psicoterapia Sistêmica, Psicodrama Triádico e Moreniano, Psico-

logia Analítica, Hipnoterapia Clássica e Ericksoniana, Programa- ção Neurolinguística). O público em geral é quem vem outorgan- do a qualidade, validade e pertinência do trabalho.

Um sistema de desenvolvimento humano com as qualida- des da Biodança sofre, esperadamente, fortes preconceitos e, nem todo o tempo, estamos imunes a eles. Quando, na década de 90, a Biodança ficou estigmatizada por ser considerada uma prática “im- pura”, exatamente por sua proposta vivencial de liberação sexual, não era incomum os relatos de tantos que fugiam dos salões de Bio- dança porque essa seria uma abordagem dada à “promiscuidade”. O movimento de Biodança sente, naturalmente, a força opressora na linha da sexualidade e passa a tomar certos cuidados para ser tratada em sua importância e potencial de integração do sujeito hu- mano. Estes cuidados não devem, contudo, serem impeditivos para avançarmos no tema, tão caro à humanidade. O que quero dizer aqui é que aproximar o Tantra da Biodança num trabalho de Sexua- lidade Sagrada foi sentido como uma ameaça à credibilidade do Sistema Biodança. Afinal, foi devido a muitos esforços e sacrifícios que a Biodança conseguiu encontrar o seu lugar ao sol. O custo? A sexualidade, o prazer erotizado e sensual. A quem beneficiaria? À ordem vigente patriarcal castradora e punitiva. E assim, cegamente, vamos perpetuando um sistema perverso, que não cultua a vida em sua natureza orgásmica biocentrada, mas se presta à obediência in- consciente de uma vida morna para alguns, indiferente para outros, cruel para tantos outros e banalizada para quase todos - a anti-vida.

O termo latino sacrificium (um sacrifício) derivado do latim sacrificus (realizar funções sacerdotais ou sacrifí- cios), que combinava os conceitos sacra (coisas sagra- das) e facere (fazer ou executar). “Sacrifice”. https:// www.etymonline.com/. 11 de fevereiro de 2021.