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Guias e Dicas
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Comunhão Divina entre Pai, Filho e Espírito Santo: A Relação de Amor Procedente, Notas de estudo de Comunicação

Este texto discute a comunhão total entre a trindade (pai, filho e espírito santo) e as duas ações de autocomunicação integral: geração (do filho) e espiração (do espírito santo). O espírito santo é descrito como o amor procedente, o ato de amor que procede do ato de amor do pai e do filho. O texto explora a natureza da relação entre as pessoas divinas e a comunhão de amor entre elas.

O que você vai aprender

  • Qual é a importância da comunhão total entre a Trindade na teologia cristã?
  • Como a teologia cristã explica a comunhão de pessoas entre Pai, Filho e Espírito Santo?
  • O que é a geração e a espiração na teologia cristã?
  • Qual é a relação entre o amor do Pai, Filho e Espírito Santo na Trindade?
  • Como o Espírito Santo é descrito na teologia cristã?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

VictorCosta
VictorCosta 🇧🇷

4.7

(47)

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Deus Uno e Trino e a Sua Obra:
Autocomunicação e Comunhão
Resumo
Partindo de uma breve análise do mistério de Deus como
amor, sendo um mistério de autocomunicação integral e comu-
nhão total, o autor expõe a obra de Deus como um “prolonga-
mento” desta autocomunicação intratrinitária para “fora”. Isto
vale, embora de modo diferente, tanto para o ato criador de Deus
como para a Sua autocomunicação através da missão conjunta do
Filho e do Espírito Santo. O efeito desta autocomunicação é uma
participação da comunhão da Santíssima Trindade por parte das
criaturas. Uma posição singular tem a imaculada Virgem Maria,
Mãe de Deus, como “obra-prima” dessa autocomunicação divina.
A Igreja se origina da autocomunicação do Filho encarnado, no
Espírito Santo, e é o “sacramento” da mesma. Por isso, “por todo
o seu ser e em todos os seus membros, a Igreja é enviada a anun-
ciar e testemunhar, atualizar e difundir o mistério da comunhão
da Santíssima Trindade” (CIC n. 738). Tal comunhão se realiza
pela comunhão com Cristo, o Filho feito homem. Por isso, toda
a autocomunicação divina às criaturas tem por meta as “núpcias
do Cordeiro”, a perfeita união do “Esposo”, que é o homem-
-Deus Jesus Cristo, e da “Esposa”, que é a Igreja chegada à sua
última perfeição. A esta esposa perfeita pertencem então também
os santos anjos, pois a presença perfeita do Espírito Santo neles
se ordena à união com Cristo; não somente à união com Cristo
como Deus, mas também como homem, como “Esposo” daquelas
“núpcias” que são a meta de toda a autocomunicação divina
às criaturas pela missão conjunta do Filho e do Espírito Santo.
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Baixe Comunhão Divina entre Pai, Filho e Espírito Santo: A Relação de Amor Procedente e outras Notas de estudo em PDF para Comunicação, somente na Docsity!

Deus Uno e Trino e a Sua Obra:

Autocomunicação e Comunhão

Resumo

Partindo de uma breve análise do mistério de Deus como amor, sendo um mistério de autocomunicação integral e comu- nhão total, o autor expõe a obra de Deus como um “prolonga- mento” desta autocomunicação intratrinitária para “fora”. Isto vale, embora de modo diferente, tanto para o ato criador de Deus como para a Sua autocomunicação através da missão conjunta do Filho e do Espírito Santo. O efeito desta autocomunicação é uma participação da comunhão da Santíssima Trindade por parte das criaturas. Uma posição singular tem a imaculada Virgem Maria, Mãe de Deus, como “obra-prima” dessa autocomunicação divina. A Igreja se origina da autocomunicação do Filho encarnado, no Espírito Santo, e é o “sacramento” da mesma. Por isso, “por todo o seu ser e em todos os seus membros, a Igreja é enviada a anun- ciar e testemunhar, atualizar e difundir o mistério da comunhão da Santíssima Trindade” (CIC n. 738). Tal comunhão se realiza pela comunhão com Cristo, o Filho feito homem. Por isso, toda a autocomunicação divina às criaturas tem por meta as “núpcias do Cordeiro”, a perfeita união do “Esposo”, que é o homem- -Deus Jesus Cristo, e da “Esposa”, que é a Igreja chegada à sua última perfeição. A esta esposa perfeita pertencem então também os santos anjos, pois a presença perfeita do Espírito Santo neles se ordena à união com Cristo; não somente à união com Cristo como Deus, mas também como homem, como “Esposo” daquelas “núpcias” que são a meta de toda a autocomunicação divina às criaturas pela missão conjunta do Filho e do Espírito Santo.

Summary

Starting from a brief analysis of the mystery of God as love, which is a mystery of integral self-communication and total com- munion, the author exposes the work of God as an “extension” of this intra-trinitarian self-communication to the “outside.” This applies, albeit differently, to both the creative act of God and His self-communication through the joint mission of the Son and the Holy Spirit. The effect of this self-communication is a sharing in the communion of the Holy Trinity by creatures. A unique position has the immaculate Virgin Mary, Mother of God, as the “master- piece” of this divine self-communication. The Church stems from the self-communication of the incarnate Son, in the Holy Spirit, and is its “sacrament”. Therefore, “in her whole being and in all her members, the Church is sent to announce, bear witness, make present, and spread the mystery of the communion of the Holy Trinity” (CCC 738). Such communion is accomplished through communion with Christ, the Son of God made man. Therefore, all the divine self-communication to creatures is aimed at the “nuptials of the Lamb”, the perfect union of the “Spouse”, the God-man Jesus Christ, and the “Bride”, the Church in her ulti- mate perfection. To this perfect bride belong also the holy angels, for the perfect presence of the Holy Spirit in them is ordained to union with Christ; not only to union with Christ as God but also as man, as the “Bridegroom” of those “nuptials”, which are the goal of all divine self-communication to creatures by the joint mission of the Son and the Holy Spirit.

e do Filho por “espiração”. Come entender estas duas origens, a geração e a espiração?

Não como um vir-a-ser, quer dizer: o Filho ou o Espírito Santo não começam a existir pela ação de “gerar” ou “espirar” por parte do Pai ou, respectivamente, por parte do Pai e do Filho. As duas pessoas procedentes são eternas como a pessoa da qual procedem. Portanto, existe eternamente a pessoa do Filho, mas como “Filho”, isto é, como a pessoa cuja origem eterna é o Pai; e a pessoa do Espírito Santo existe eternamente como a pessoa cuja origem são o Pai e o Filho.

Ora, esse “gerar” ou “espirar” é uma autocomunicação integral. O que o Pai, “gerando”, comunica é todo o Seu Ser divino, tudo o que significa ser Deus, toda a divindade, todo o oceano infinito de ser, vida, luz, conhe- cimento e amor. O mesmo se deve dizer da “espiração”: é autocomuni- cação integral do Pai e do Filho. Falando de “comunicação”, porém, não se deve pensar o Filho ou o Espírito Santo como um tipo de recipiente preexistente ao ato de comunicar. Não é que o Pai comunica todo o Seu Ser divino “ ao Filho” que preexiste a esta comunicação. O Filho existe como “o Gerado do Pai”, como aquele que tem Sua origem no Pai, como quem “procede” do Pai. Aqui se pode notar alguma semelhança desse ato de gerar com o ato de criar. Mas este gerar divino é essencialmente diferente da criação. Por isso, o Símbolo niceno-constantinopolitano diz do Filho: “ nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado , con- substancial ao Pai”. É, portanto, uma verdadeira “geração” (pois a pessoa procedente é “Filho”), mas – digamo-lo mais uma vez – é geração eterna , sem um “antes” e “depois”, sem um vir-a-ser do Filho; Ele é eternamente o Gerado do Pai, Aquele que tem Sua origem no Pai. Eis a “geração” eterna como um ato de autocomunicação integral do Pai. O mesmo se diga, então, da processão do Espírito Santo como uma autocomunicação integral por parte do Pai e do Filho, a qual, no entanto, não é “geração”; o Espírito Santo não é um segundo “Filho”.

Uma vez que as duas autocomunicações são integrais , a união entre as pessoas divinas é uma comunhão total entre três pessoas realmente distintas. Sem dúvida, para a nossa inteligência limitada, fica um mis- tério como são possíveis as duas coisas: a comunhão total das pessoas (têm tudo em comum) e, ao mesmo tempo, a verdadeira e real distinção

das pessoas. Não é, porém, uma contradição afirmar que Deus Pai não Se distingue de Deus Filho como Deus , mas Se distingue realmente do Filho como Pai. A paternidade se distingue claramente da filiação, pois é a relação oposta à filiação, e vice-versa.

Deste modo, o mistério de Deus se apresenta a nós como uma re- alização perfeita – além daquilo que podemos entender com a nossa limitada inteligência humana – do que deseja quem ama ardentemente outra pessoa: tornar-se um com ela, o quanto for possível. Ora, Deus nos revelou que n’Ele é possível uma perfeição de união que não é possível entre pessoas criadas.

2. Deus: mistério de amor

Deus é, por conseguinte, mistério de amor ; é o mistério do amor de perfeição infinita. O Apóstolo João no-lo diz com clareza: “Deus é amor” ( 1 Jo 4,8). Considerando o amor humano, podemos reconhecer que o amor tem ou é uma força unitiva ; é próprio do amor desejar a união com o amado, se esta união não já existe. Se existe, o amor, ou seja, a pessoa que ama, goza desta união. Como esta característica do amor se aplica a Deus?

Deus é amor; o Pai, o Filho e o Espírito Santo são um eterno e infinito ato de amor. É o mesmo e idêntico ato de amor; não são três atos realmente distintos. No entanto, este único ato de amor, enquanto se identifica com a relação de paternidade, enquanto, portanto, é a pessoa do Pai, é ato de amor “paterno” , quer dizer: é ato de amor de quem é origem do Filho, e também o é do Espírito Santo.

Este único ato de amor, enquanto se identifica com a relação de filiação, isto é, enquanto é a pessoa do Filho ou, em outras palavras, enquanto esta relação de filiação é ato de amor, tal ato de amor é ato de amor “filial” , ou seja: é ato de amor que procede do Pai por “geração”^2. O Filho ama, portanto, o Pai com o mesmo e idêntico amor com o qual é amado pelo Pai, mas Ele é amor “filial”; o Filho é amor que tem sua origem no Pai. Por

(^2) Na teologia latina ou ocidental – a partir de Santo Agostinho, que desenvolveu a teologia trinitária dos Padres orientais do século IV –, esta “geração” é reconhecida, sob o aspecto determinante, como ato de conhecimento do Pai: o Filho gerado é a “Palavra” (o Logos) do Pai, comparável ao conceito (a “palavra” da mente) que nós formamos com o ato de conhecimento intelectual; o conceito procede do nosso ato de entendimento.

Quando se trata do amor entre duas pessoas humanas, falamos de “união afetiva”. São Tomás de Aquino 5 diz muito bem que a união pode ser

  1. a causa do amor;
  2. essencialmente o próprio amor ;
  3. o efeito do amor. A união que é essencialmente o próprio amor é a união “afetiva” (“unio secundum coaptationem affectus”^6 ). Se duas pessoas se amam verda- deiramente, existe essa união de amor ou união no amor. Quando duas pessoas realizam um ato de amor, há ipso facto união afetiva entre elas, pois do ato de amor procede algo (logo no início do ato, não como um efeito conclusivo do ato) que – como já vimos – chamamos “amor”. Da união afetiva provém o desejo da união real.

O Espírito Santo é em Deus o que é, entre pessoas criadas, o “amor” como união afetiva. Em Deus, porém, este amor é uma pessoa , um ser subsistente e eterno. Por isso, o Espírito Santo é, em pessoa, a união de amor entre o Pai e o Filho. Ele é, como pessoa, a comunhão perfeita, total entre Eles; é o Amor - Comunhão , como também é Amor- Dom.^7

Sendo a comunhão absolutamente perfeita , isto é, total, como também eterna , nas pessoas divinas não pode haver, quanto ao amor entre elas, nada de desejo de união – que pressupõe a união real ainda não perfei- tamente realizada –, mas somente a felicidade do amor: o gozo da união com o amado.

É a felicidade do Pai como amor paterno: a felicidade de quem, conhe- cendo e amando, Se comunica a Si mesmo pela geração do Filho e pela “espiração” do Espírito Santo, e assim Ele é o que é: “a fonte e a origem de toda a divindade”^8. Também é a felicidade daquele que tem como Seu bem o Filho, Se compraz em Seu Filho, o qual é a resposta perfeita ao

(^5) Cf. S.Th. I-II, q. 28, a. 1; q. 25, a. 2, ad 2. (^6) S.Th. I-II, q. 28, a. 1, ad 2. (^7) O Papa João Paulo II escreveu do Espírito Santo como do “Amor-Dom incriado”, e explicou: “Pode dizer-se que, no Espírito Santo, a vida íntima de Deus uno e trino se torna totalmente dom, permuta de amor recíproco entre as Pessoas divinas; e ainda, que no Espírito Santo Deus «existe» à maneira de Dom. O Espírito Santo é a expressão pessoal desse doar-se, desse ser-amor. É Pessoa-Amor. É Pessoa-Dom“ (Encíclica Dominum et vivificantem , n. 10). (^8) CIC n. 245, citando o sexto Concílio de Toledo: DS 490.

Seu amor; assim também tem como Seu bem o Espírito Santo como a pessoa que, como tal, é a comunhão ou união de amor com Seu Filho.

É a felicidade do Filho como amor filial: a felicidade de quem existe como pessoa pela autocomunicação do Pai e tem como Seu bem o Pai, por quem é amado. Também é a felicidade de quem, dando a resposta de amor ao Pai, Se comunica a Si mesmo , juntamente com o Pai, pela “espiração” do Espírito Santo, tendo assim também como Seu bem o Espírito Santo como quem é, em pessoa, a comunhão ou união de amor com Seu Pai.

É a felicidade do Espírito Santo como amor- comunhão: a felicidade de quem existe como pessoa pela autocomunicação do Pai e do Filho e tem como Seu bem o Pai e o Filho, de cujo ato de amor mútuo e comum procede. Certamente, o Espírito Santo também é amado pelo Pai e pelo Filho, mas a característica própria da Sua pessoa não é a de ser o amado do Pai e do Filho. A característica do Filho é a de ser o amado do Pai que, “respondendo”, ama o Pai, enquanto a característica do Pai é a de ser aquele que ama como a origem de todo o amor e é amado por quem d’ele procede. Neste sentido – empregando pronomes pessoais para indicar a posição própria na vida divina trinitária – o Pai é o “Eu” , ao passo que o Filho é o “Tu” do Pai (um “Eu” que procede de outro “Eu” é o “Tu” do primeiro). E o Espírito Santo? Ele é o “Nós” do Pai e do Filho, a comunhão d’Eles, em pessoa. Por isso, pode também ser caracterizado como “uma pessoa em duas pessoas”^9. Sendo assim, a felicidade do Espírito Santo é, sim, a de ser amado pelo Pai e pelo Filho e de amar amá-los, mas a felicidade característica deste amor ao Pai e ao Filho é de ser para Eles a Sua comunhão de amor. Se “amar é querer algo de bom para alguém” 10 , o bem que o Espírito Santo quer ao Pai e ao Filho é Ele mesmo como a comunhão de amor d’Eles.

(^9) A propriedade pessoal do Espírito Santo é a de ser relação de origem subsistente ao Pai e ao Filho (“espiração passiva”). Por isso, quando se considera a “pericorese” das pessoas divinas (uma pessoa estar totalmente na outra, uma penetrar totalmente a outra) em virtude das relações de origem , o Espírito Santo é “ uma pessoa em duas pessoas”, ao passo que o Filho é, em virtude da relação de filiação, uma pessoa (Filho) em outra pessoa (Pai). (^10) Cf. CIC n. 1766, citando São Tomás, S.Th. I-II, q. 26, a. 4: “amare est velle alicui bonum”.

do ato de conhecimento do qual (enquanto este se identifica com a relação de paternidade, ou seja, com a pessoa do Pai) procede o Filho, a Palavra, como não se distingue do ato de amor do qual (enquanto este se identi- fica com a pessoa do Pai e a pessoa do Filho) procede o Espírito Santo. Estamos, portanto, diante do fato das “processões” intradivinas (o Filho e o Espírito Santo procedem na divindade) e da “processão” extradivina das criaturas (a processão “para fora”, ou seja, aquilo que procede não é Deus). Nisto se reconhece a grande diferença: a processão do Filho e do Espírito Santo é processão na unidade da essência , ao passo que a processão das criaturas é processão na diversidade da essência.

Na processão intradivina, o que é comunicado é o próprio ser divino e, por isso mesmo, a comunicação é integral e a comunhão é total e imediata, eterna; não precisa, de modo algum, ser alcançada.

Na processão das criaturas de Deus não é comunicado o ser divino. A criatura que surge com o divino ato criador é infinitamente inferior ao ser divino, embora este seu ser criado não deixe de ser alguma partici- pação do ser divino. Deus é, existe ; também a criatura é, tem existência, mas existe de um modo totalmente diverso de como existe Deus. Uma consequência deste fato é a seguinte: a criatura que assim – isto é, pelo ato criador de Deus – surge não está já, imediatamente, em comunhão com as três pessoas divinas, não participa já do mistério da vida divina de perfeita autocomunicação e comunhão. Com o ato criador, as pessoas divinas ainda não Se doam a Si mesmas às pessoas criadas para uma comunhão interpessoal; ainda não se realiza propriamente a auto comu- nicação de Deus às criaturas. Simplesmente se faz existir aqueles aos quais Deus Se quer comunicar por alguma extensão da autocomunicação e comunhão intradivina.

Apesar da grande diferença entre a processão das pessoas divinas e a processão das criaturas, existe também alguma semelhança ou uma conexão entre elas, como acima já ficou indicado. Por isso, São Tomás de Aquino podia afirmar que as processões intradivinas são “causa” e “ratio”, causa e razão das processões extradivinas, isto é, da processão das criaturas da mão criadora de Deus.^12 Em outras palavras: as proces-

(^12) S.Th. I, q. 45, a. 7, ad 3: “as processões das Pessoas são, de certa forma, causa e razão da criação ( causa et ratio creationis aliquo modo )”; cf. S.Th. I, q. 45, a. 6, ad 1. Igualmente: In I Sent. d. 2, q. 1, prooemium: “Exitus enim personarum in unitate es-

sões extratrinitárias aparecem à razão iluminada pela fé como o “pro- longamento” e a “exteriorização” das processões intratrinitárias, isto é: o entender e o querer divinos, antes de estarem na origem da criação e do governo das criaturas , estão em Deus na origem do Verbo e do Es- pírito Santo. Se as criaturas são contingentes, o ato divino criador, ato de amor, não é contingente. Não é um segundo ato, acrescentado àquele pelo qual Deus ama a Si mesmo e amando-Se “espira” o Espírito Santo. É o mesmo ato, considerado em relação a objetos contingentes. Desde toda a eternidade, Deus pensa no Verbo o universo de criaturas , quer este universo no Espírito, com um ato que n’Ele é necessário , enquanto não é necessário o seu objeto.

Recapitulando: Deus-Trindade, na alegria de Sua comunhão total por autocomunicação integral, em absoluta liberdade , quer estender esta maravilha de comunhão e autocomunicação a outros seres. Para isso, em primeiro lugar, os faz existir , por um ato Seu de conhecimento e vontade.

Com a existência de criaturas, começa a existir outro tipo de distinção e união , diverso da distinção e união em Deus mesmo. Agora a distinção é de essência : as criaturas não têm a essência divina e também entre elas existe a diferença de essência. Existe, portanto, distinção vertical : entre Deus-Criador e as criaturas, e distinção horizontal : entre criatura e criatura ou também entre um tipo de criatura e outros tipos de criatura, a saber: o ser criado meramente espiritual : os anjos; o ser criado meramente material : o cosmo material; o ser criado ao mesmo tempo espiritual e material : o homem^13.

A distinção fundamental é aquela entre a criatura e Deus; esta é a fundamental e a maior. Mas Deus criou as criaturas para a união consigo ; criou as criaturas que são pessoas para uma participação na Sua própria comunhão trinitária. Deste modo, Ele criou as criaturas também para uma união entre elas , em Deus.

sentiae est causa exitus creaturarum in essentiae diversitate”. “ Postquam determinavit Magister de processione divinarum personarum in unitate essentiae, quae est principium creaturarum et causa ” ( In I Sent. , d. 35, q. 1, prooemium). (^13) Neste nível da distinção “horizontal” (distinção entre as criaturas) existem também distinções “verticais” entre as criaturas: os diversos níveis de perfeição, pela diversidade de essência (natureza).

tureza divina, é enviado para ser também pessoa que possui uma natureza humana ; o Filho é enviado “para também ser homem” 14.

Também para o envio do Espírito Santo vale o seguinte: Seu envio é a Sua processão do Pai e do Filho , mas com um termo temporal : a Sua nova presença nas pessoas criadas (anjos, homens).

Esquematicamente, estes dados podem ser apresentados do seguinte modo:

Pai Filho Filho encarnado entre os homens na terra geração termo eterno termo temporal

Pai e Filho Espírito Santo Espírito Santo na pessoa criada espiração termo eterno termo temporal Quando se pergunta como Deus Se comunica a Si mesmo às Suas criaturas, deve-se, por conseguinte, responder:

  • O Pai comunica a Si mesmo às criaturas enviando o Filho e o Espírito Santo , que d’Ele procedem ; no ou pelo Filho e no Espírito Santo , Ele comunica a Si mesmo a elas.
  • O Filho comunica a Si mesmo sendo enviado pelo Pai. Também Se comunica enviando, com o Pai, o Espírito Santo , que d’Ele procede; no Espírito Santo , Ele Se comunica a Si mesmo às criaturas.
  • O Espírito Santo comunica a Si mesmo sendo enviado pelo Pai e pelo Filho , dos quais procede. Uma vez que do Espírito Santo não procede outra pessoa divina, Ele não Se doa em outra pessoa divina, mas, sob este aspecto, de modo imediato. Ele é a pessoa na qual as outras duas pessoas divinas Se doam. Cada pessoa divina Se doa em Sua distinção das outras duas pessoas e, ao mesmo tempo, em Sua união com elas; doa-Se como pessoa distinta das outras, ou seja, de acordo com Sua propriedade pessoal, que, no caso do Pai , é a de ser origem sem origem, enquanto as outras duas pessoas têm origem n’Ele. Por isso, a autocomunicação que o Pai faz de Si mesmo às criaturas não se distingue, como ato divino, da Sua autocomunicação pela geração do Filho e a espiração do Espírito Santo. Portanto, Ele Se

(^14) Cf. São Tomás, S.Th. I, q. 43, a. 2: “Filius ab aeterno processit ut sit Deus ; tem- poraliter autem ut etiam sit homo , secundum missionem visibilem; vel etiam ut sit in homine, secundum invisibilem missionem”.

comunica a Si mesmo às pessoas criadas enviando as pessoas que d’Ele procedem.

O Espírito Santo, por Sua vez, não pode doar-Se às pessoas criadas a não ser como aquele que é, isto é, como aquele que procede do Pai e do Filho, como aquele, portanto, que se pode caracterizar com a expressão “duas pessoas numa só pessoa”^15 ; por isso, como aquele no qual também estas duas pessoas, o Pai e o Filho, Se doam.

E o Filho? Evidentemente também Ele Se comunica a Si mesmo de acordo com Sua característica pessoal, diferente daquela(s) do Pai e da- quela do Espírito Santo. Esta característica (determinante da Sua perso- nalidade própria) é que Ele, de um lado, procede do Pai, mas também é pessoa da qual procede o Espírito Santo. Sendo assim, Ele é, de um lado, enviado pelo Pai e, por outro lado, juntamente com o Pai envia o Espírito Santo. Quanto a esta última característica de enviar o Espírito Santo, sendo origem eterna d’Ele, o Filho Se doa, com o Pai, no Espírito Santo. Enviar outra pessoa divina, doá-la a uma pessoa criada, significa, de fato, doar-Se na pessoa divina enviada a essa pessoa.

Mas o fato de o Filho ser origem eterna do Espírito Santo não constitui uma característica própria d’Ele, isto é, não é só d’Ele, pois Ele a tem em comum com o Pai. A propriedade pessoal do Filho se encontra no fato de que Ele procede do Pai , é o Gerado do Pai. Ora, como vimos, o envio do Filho é um “prolongamento” da Sua geração por parte do Pai. Por isso, como enviado por parte do Pai, o Filho Se comunica a Si mesmo às criaturas de um modo próprio , distinto do modo do Espírito Santo. A missão do Filho é distinta daquela do Espírito Santo, como são distintas as duas pessoas. E como as pessoas estão unidas, assim também a missão do Filho e a do Espírito Santo estão unidas, são uma missão conjunta.

A missão do Filho corresponde à Sua característica pessoal de ser o “Tu” do Pai, isto é, de proceder do Pai e do Pai. Por tal processão existe a relação recíproca de “Eu”–“Tu”; é a reciprocidade das relações ontológicas de paternidade e filiação (“Pai”–“Filho”). Podemos, então, descrever o envio do Filho da seguinte maneira:

Ele é enviado pelo Pai, em primeiro lugar, para ser homem , para ser, como homem , o “Tu” do Pai , isto é, uma só pessoa, mas que é ao mesmo

(^15) Cf. Jean Galot, Chi è lo Spirito Santo? , em: Civiltà Cattolica 3023 (1976) 442.

Eis, portanto, a razão porque, para realizar tal comunhão, a missão do Filho comporta e inclui a missão do Espírito Santo. 16 Esta missão corresponde à característica pessoal do Espírito Santo. Ele é o “Nós” do Pai e do Filho, a comunhão de amor d’Eles; é “uma pessoa em duas pessoas”, é, como pessoa, o vínculo de união do Pai e do Filho. Por isso, o envio do Espírito Santo é diretamente às pessoas criadas; é enviado para estar nas pessoas. As pessoas recebem assim aquele que é na divindade a comunhão de amor, o vínculo de união. Pelo envio, o Espírito Santo, que na divindade é “uma pessoa em duas pessoas”, é então “uma pessoa em muitas pessoas”, e assim se estende a maravilha da comunhão divina trinitária a estas pessoas.

Vimos que o envio de uma pessoa divina significa a Sua processão com uma nova presença (diferente da onipresença divina) nas criaturas. Como se realiza esta nova presença da pessoa divina? Por uma determinada mudança na realidade criada , causada por Deus. Qual é esta mudança?

No caso da missão do Espírito Santo , essa mudança é uma transforma- ção sobrenatural, divinizante do espírito criado (anjo, alma espiritual do homem), que chamamos de “graça santificante”, ou seja, a transformação divinizante, santificadora do ser (substância) e das potências ativas (in- telecto, vontade)^17. Por esta transformação divinizante, a pessoa criada é capaz de “possuir”, de “degustar”^18 em si mesma a própria pessoa do Espírito Santo e, com Ele, também a do Filho e do Pai. Como dissemos, a pessoa que envia está na pessoa enviada e Se doa nesta e com esta. Trata- -se, portanto, da autocomunicação da própria pessoa divina, de todas as três em Sua distinção das outras duas e em Sua união com elas.

No caso da missão do Filho , a mudança é mais profunda , mais radical: é o vir-a-ser da natureza humana individual (pela fecundação da Virgem Maria e pela criação da alma humana ), enquanto pertencente , desde o

(^16) Como mais adiante será esclarecido, também sem pensar já na autocomunicação do Filho encarnado aos homens, a encarnação do Filho comporta a missão do Espírito Santo. (^17) Cf. N. Thanner, La grazia, mistero dell’autocomunicazione di Dio uno e trino alle persone create , em: Sapientia Crucis 13 (2012) 45-91, esp. 63-74. (^18) São Tomás de Aquino fala de “frui ipsa persona divina” (cf. S.Th. I, q. 43, a. 3: “Habere autem potestatem fruendi divina persona , est solum secundum gratiam gratum facientem”).

primeiro instante de sua existência, à Pessoa de Deus Filho. Trata-se, portanto, do ato de fazer existir a natureza humana individual e, ao mesmo tempo, de uni-la à Pessoa divina do Filho, de modo que não começa a existir uma nova pessoa humana, mas sim, que a Pessoa divina do Fi- lho começa a ser a pessoa desta natureza humana individual, isto é, um homem. Pois o Filho não é enviado para, simplesmente, estar entre os homens ou nos homens, mas para ser homem. “O Verbo Se fez carne” ( Jo 1,14). É uma presença totalmente nova de Deus Filho no mundo criado, ou seja, mais diretamente, no mundo dos homens.

Sobre a maneira de o Filho encarnado Se doar a Si mesmo aos homens, já refletimos um pouco e a exporemos ainda – também em relação aos santos anjos. Agora convém examinar mais, embora brevemente, a co- nexão entre a missão do Filho e a do Espírito Santo.

Se a missão é a processão eterna com um termo temporal, pode-se supor que a conexão entre as duas missões divinas será conforme àquela que existe entre as duas processões intradivinas. Ora, logicamente, a processão do Espírito Santo pressupõe a processão do Filho, uma vez que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho. Assim, de fato, a missão do Espírito Santo pressupõe a missão do Filho. Pelo testemunho da Sagrada Escritura não pode haver dúvida de que o Espírito Santo é enviado por Cristo ou em vista da vinda de Cristo; portanto, em vista da missão do Filho, em dependência desta missão. Isto vale não somente para os homens a serem redimidos (todos os homens após o pecado de Adão), mas também para Adão e Eva antes do pecado, bem como para os próprios anjos.^19 A dou- trina da Sagrada Escritura sobre a posição de Cristo no desígnio eterno de Deus a respeito do universo das criaturas – isto é, sobre a Sua posição na autocomunicação de Deus às criaturas – não combina com a teoria de que, no universo das criaturas de fato existente (não num universo que poderia existir, mas não existe), há ou tenha havido uma missão do Espírito Santo independente da missão do Filho (encarnação).^20

(^19) Cf. a este respeito: N. Thanner, La relazione di Cristo con i santi angeli, em: Sapientia Crucis 19 (2018) 5-77, esp. 23-63. (^20) Seria uma missão do Espírito Santo que depende da missão do Filho apenas no seguinte sentido: o Espírito Santo procede também do Filho e Sua missão é esta Sua processão do Pai e do Filho, com um termo temporal. A “missão” do Filho consistiria somente no fato de que Ele, como pessoa divina, procede do Pai e, no Espírito Santo ,

intratrinitária, o Espírito Santo é, em pessoa, a comunhão entre o Pai e o Filho, enquanto procede do ato de amor de ambos. No Filho encarnado, a Sua presença (com a graça santificante, a visão imediata, a virtude do amor) possibilita a perfeita comunhão interpessoal do Filho como homem (“Filho do homem”) com o Pai.

O envio do Filho realiza unidade ou identidade : este homem é Deus, Deus (o Filho) é homem. 22 O envio do Espírito Santo realiza comunhão entre pessoas. “Jesus Cristo” ou, melhor, “Jesus, o Cristo”, é ao mesmo tempo e inseparavelmente realização da missão do Filho e do Espírito Santo , de uma missão conjunta.

“Jesus Cristo”, eis o nome que designa o ápice absoluto e o centro da autocomunicação divina ao que é criado, a missão conjunta do Filho e do Espírito em sua realização central e fundamental.^23 Toda outra autocomu- nicação divina às criaturas atua-se a partir deste centro e ponto culminante.

III. A imaculada Virgem e Mãe de Deus: a obra-prima da missão do Filho e do Espírito Santo A encarnação do Filho de Deus realiza-se em Maria e através dela. Diferentemente do ato de criar, que não pressupõe, de modo algum, um ato de acolhida da ação divina por parte da criatura, a autocomunicação do Filho não se realizou sem o “sim” por parte da criatura. Se a encar- nação do Filho de Deus, com a concomitante presença do Espírito Santo em Jesus, é o centro, o ápice e o fundamento de toda a autocomunicação divina às criaturas, Maria é o centro, o ápice e o fundamento de toda a acolhida do dom que as pessoas divinas fazem de Si mesmas às pessoas criadas. Em Maria se realizou, com toda a perfeição, a missão do Filho e do Espírito Santo. Por isso, o Catecismo da Igreja Católica pode chamá- -la “a obra-prima da missão do Filho e do Espírito”: “Maria, a Mãe de Deus toda santa, sempre Virgem, é a obra-prima da missão do Filho e do Espírito na plenitude do tempo” ( CIC n. 721).

(^22) É a “ unidade hipostática”: uma só pessoa de duas naturezas, um único sujeito é, ao mesmo tempo, Deus e homem. (^23) O Catecismo da Igreja Católica diz muito bem: “Toda a missão do Filho e do Espírito Santo na plenitude do tempo está contida no fato de o Filho ser o Ungido do Espírito do Pai desde a sua Encarnação: Jesus é o Cristo, o Messias“ ( CIC n. 727).

Como ela é esta obra-prima da autocomunicação de Deus às criaturas pelo envio do Filho e do Espírito Santo? Cronologicamente, ela é em primeiro lugar a obra-prima da missão do Espírito Santo. Depois de Jesus Cristo, “o Ungido” pelo Espírito Santo, a Virgem imaculada é o ponto culminante da missão do Espírito Santo. A sua união com o Espírito Santo é inefável; ela é “a toda santa”, a “plasmada pelo Espírito Santo”^24. Por isso é chamada de “sacrário” e “esposa” 25 do Espírito Santo. Assim tam- bém é possível a mais íntima cooperação de Maria com o Espírito Santo.

Se, porém, a missão do Espírito Santo nela precede cronologicamente à do Filho, isto não quer dizer que seja independente da missão do Filho. Ocorre exatamente o contrário. Em Maria se vê com toda a clareza que a missão do Espírito Santo se realiza em inseparável conexão com a missão do Filho , ou seja, que a missão do Espírito Santo está sempre conjugada e ordenada à do Filho. “O Espírito Santo é enviado para santificar o seio da Virgem Maria e fecundá-la divinamente” ( CIC 485).

Em vista da sua maternidade divina, realizou-se em Maria, já no pri- meiro instante da sua existência, a missão (invisível) do Espírito Santo: ela começa a existir com a presença do Espírito Santo nela, portanto com a graça santificante. É a sua “imaculada conceição”, sendo assim preservada imune de toda mancha do pecado original e enriquecida de uma “santidade resplandecente, absolutamente única” ( LG 56), que lhe vem inteiramente de Cristo : “Em vista dos méritos de seu Filho, foi redimida de um modo mais sublime” ( LG 53). A este respeito, o Catecismo da Igreja Católica faz uma afirmação profunda e iluminadora:

Convinha que fosse “cheia de graça” a mãe daquele em quem “habita corporalmente a Plenitude da Divindade” (Cl 2,9). Por pura graça, ela foi concebida sem pecado como a mais humilde das criaturas, a mais capaz de acolher o Dom inefável do Todo-Poderoso. ( CIC n. 722) O Catecismo afirma uma conexão entre a presença perfeita do Espí- rito Santo em Maria, a obra-prima da missão do Espírito Santo , e o fato de ela ser entre todas as criaturas “a mais humilde” e “a mais capaz de acolher o Dom inefável” de Deus. Qual é o fundamento desta conexão? Notemos que, na divindade, o Espírito Santo procede do Pai e do Filho,

(^24) Expressões dos Padres da tradição oriental (cf. CIC n. 493). (^25) A palavra “esposa” quer exprimir a íntima união entre Maria e a pessoa do Espírito Santo.