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Este documento aborda a questão da eficácia de normas constitucionais no estado democrático de direito, utilizando o caso brasileiro como exemplo. O texto discute a importância da distinção entre regras e princípios jurídicos, a interpretação criativa da lei e a classificação de normas constitucionais em relação à eficácia. Além disso, o documento apresenta a teoria de dworkin e sua relação com a interpretação constitucional.
Tipologia: Notas de aula
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Haradja Torrens Hélcio Corrêa
RESUMO Aborda a promessa democrática do estado social sob o prisma das igualdades e das peculiaridades de cada cidadão. Traça o confronto entre os direitos constitucionais e as limita- ções circunstanciais a partir da análise de teorias econômicas, jurídicas e filosóficas de inspiração de Ralws, Perelman, Härbele, Verdú e Dworkin. Indica ainda o paralelismo com a doutrina brasileira vertida em Paulo Bonavides para, ao final, realçar a resposta pós-positivista da principiologia jurídica na abordagem dos julgamentos políti- cos pelos tribunais, por meio da análise jurisprudencial. PALAVRAS-CHAVE Direito Constitucional; democracia; direito fundamental; teoria crítica; pós-positivismo jurídico; jurisprudência; princípio. ABSTRACT The author broaches the subject of the social state democratic promise in the scope of each citizen’s equalities and peculiarities. She outlines the conflict between constitutional rights and circumstantial limitations based on the analysis of economic, juridical and philosophical theories inspired in Ralws, Perelman, Härbele, Verdú and Dworkin. She points out its similiarity to the Brazilian Doctrine followed by Paulo Bonavides, stressing, at last, the post- positivist response to the legal principles for addressing political court trials through case law analysis. KEYWORDS Constitutional Law; democracy; basic right; critical theory; legal post-positivism; case law; principle.
46 A gente não quer só comer A gente quer comer E quer fazer amor A gente não quer só comer A gente quer prazer Prá aliviar a dor... A gente não quer Só dinheiro A gente quer dinheiro E felicidade A gente não quer Só dinheiro A gente quer inteiro E não pela metade... Titãs: Desejo, necessidade, vontade. 1 INTRODUÇÃO A existência humana é permeada e assolada por tudo o quanto almejamos, o que nos é imprescindível, por aquilo que nos move. Assim como aquele a quem fitamos, somos movidos por dese- jos, necessidades e vontades. Na poética musicalidade de Marisa Monte, entoando os versos fortes do titã Arnaldo Antunes “desejo, necessidade e vontade”, as pul- sões humanas se fizeram arte, e da arte impulsionaram reflexões sobre a aliena- ção da vontade ao Estado constitucional, da supressão do agir humano em prol da Nação. Torna-se absolutamente impres- cindível e imediato perguntar se existem motivos determinantes para alienarmos nossas liberdades originais e posicionar- nos como seres normatizados ou “norma- tizáveis” pelo Estado. Não seriam as justas expectativas de paz e felicidade proporcio- náveis por meio do Estado os motivos que incentivam cada um de nós a alienar as necessidades, vontades e desejos indivi- duais em favor de um modelo de Estado? E, depois? Como exigir do Estado a satisfa- ção de desejos e necessidades? des individuais sob a constância da paz so- cial. Em uma observação mais detalhista, a promessa se perfaz concreta quando o Estado possibilita a cada cidadão a parce- la de dignidade estampada nos direitos à liberdade, igualdade, solidariedade, uni- versalidade e paz – tal qual a formulação internacional das sucessivas gerações de direitos humanos^1. O exame deste pacto constitucional remete à vertente contemporânea da te- oria liberal explanada por John Rawls ao ressaltar que o sistema natural de justiça impulsiona o cidadão à obediência das leis na proporção em que a lei garante o tratamento igualitário entre os cidadãos, onde o próprio Direito se torna a medida da liberdade. Direito e justiça são distintos e com- plementares, e a realização da justiça consiste na convergência do Direito e das instituições vigentes em um dado Estado em favor do cidadão. Para Ralws, a justiça formal é o domínio da lei, já as instituições são responsáveis pela justiça material. Assim, apenas se forem justas as leis de um Estado, surge o dever na- tural de obediência, pois os sacrifícios pessoais (dentre os quais a alienação da liberdade) só se justificam em razão dos benefícios que proporcionem. Nesse sentido, um governo democrático está sujeito à desobediência civil. Uma teoria sobre a justiça deve prever a desobedi- ência: ato político, não-violento de con- trariedade à lei para efetivação de uma mudança política. Assim como o neo-contratualismo de John Rawls, as teorias que fundamentam a alienação das liberdades iniciais tomam por base a formulação hipotética do pacto social, que,para Rawls, pressupõe três mo- mentos: o momento inicial em que, sob o “véu da ignorância” a sociedade opta pela eqüidade como valor central deste para a sociedade uma nova possibilidade: a perspectiva plural sob a qual se discutem políticas de bem-estar da sociedade, eco- nomia e justiça social. Urge ressaltar: a aparente igualdade é oportuna para socializar os homens e as mulheres de uma nação sob o mes- mo patamar. Contudo, é necessário contemplar as desigualdades iniciais, os diferentes sexos, as variadas aptidões fí- sicas e intelectuais e as situações econô- micas díspares, como se fossem posições sociais em um jogo de tabuleiro. Neste jogo, os participantes iniciam a partida em patamar de desigualdade. Em ou- tras palavras: a vida em sociedade não se perfaz na possibilidade de colocarmos todos os cidadãos no mesmo patamar, pois cada ser humano contempla parti- cularidades biológicas bem como situa- ções socioeconômicas peculiares. Assim, passamos a conhecer um John Rawls que traz princípios aparente- mente antagônicos, mas que se comple- tam como todos os conceitos contrários, dialéticos: o princípio da igualdade e o princípio da diferença. O primeiro, o da igualdade, reside na atribuição a cada pessoa dos direitos equivalentes ao mais extenso sistema de liberdades básicas possíveis, limitado mediante a existência de semelhante sistema de liberdades para as outras pessoas. O segundo prin- cípio, da diferença, dispõe que as desi- gualdades econômicas e sociais devem ser distribuídas de modo que simulta- neamente seja possível esperar que elas estejam dispostas razoavelmente em be- nefício de todos, e decorram de posições e funções às quais todos tenham acesso. Eis um dos padrões de refreamento da tríade – desejo, necessidade, vontade: a possibilidade de o Estado prover a todos os cidadãos, leis e instituições justas, per- mitindo a cada ser humano o desenvolvi- mento integral de suas potencialidades. Ademais, as instituições políticas seguem soerguidas por meio de um estratégico cenário democrático, onde, individualmente, cada partido ou tendên- cia dispõe da possibilidade de chegar ao poder, e, conjuntamente estão co-obriga- das a cumprir a fórmula política do Esta- do democrático de Direito, enquanto se revezam no jogo político por intermédio de regras impostas a todos os partidos, indistintamente. O Estado democrático de Direito
2 NECESSIDADES SOCIAIS, DIREITOS CONSTITUCIONAIS E A PROMESSA DO ESTADO DEMOCRÁTICO A fórmula política do Estado de Direito assumida pela totalidade das democracias constitucionais promete-nos a possibilida- de de desenvolvimento das potencialida- acordo. O momento seguinte, quando a assertiva universal pela equidade já está concretizada no acordo inicial. Neste, os pactuantes podem deliberar sobre as di- retrizes sociais por meio do instrumento que assumirá o papel da Lei Fundamental. E o terceiro momento, no qual se revela
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DE CLASSE - ADMISSIBILIDADE - writ CONCEDIDO. DIREITO DE GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO: O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em con- seqüência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição. A mera outorga constitucio- nal do direito de greve ao servidor público civil não basta - ante a ausência de auto-aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição - para justificar o seu imediato exercício. O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta Política. A lei complemen- tar referida - que vai definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público - constitui requisito de aplicabilidade e de operatividade da norma inscrita no art. 37, VII, do texto constitucional. Posteriormente, o mesmo Tribunal concluiu julgamento de outros três Mandados de Injunção impetrados, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Espírito Santo – Sindipol, pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Mu- nicípio de João Pessoa – Sintem, e pelo Sindicato dos Trabalha- dores do Poder Judiciário do Estado do Pará – Sinjep. Todos tencionavam garantir aos seus associados o exercício do direito de greve previsto no art. 37, VII, da CF: o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica. Agora, o Su- premo Tribunal propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação, no que couber, da Lei n. 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve na iniciativa privada. vontade política e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad Hesse, foi no sentido da erradicação da miséria in- telectual que assola o país. O direito à creche é consagrado em regra com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado. (BRASIL, STJ, Resp n. 575.280/SP). Tornou-se emblemática a decisão que determinou a distri- buição gratuita de remédios como decorrência do direito funda- mental à vida e à saúde, que pode ser acrescido do princípio da dignidade da pessoa humana. Importante marco jurisprudencial e teórico, tanto pelo gesto humanitário, como pela irretorquível interpretação concretizadora de normas constitucionais gené- ricas e abstratas, conforme se deflui da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal: PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, Caput, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊN- CIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela pró- pria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular
- e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que vi- sem garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - repre- senta conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. O caráter programáti- co da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irrespon- sável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDI- CAMENTOS A PESSOAS CARENTES. O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. (BRASIL, STF, AG no RE 271.286/RS). Seguidas interpretações conduziram o processo de demo-
Felizmente a licença-maternidade foi destacada como nor- ma de eficácia plena. Em julgamento anterior à própria regula- mentação do benefício o Supremo Tribunal Federal decidiu obrigar o Estado a efetivá-la independente de lei que especifi- casse a fonte de custeio: EMENTA: LICENÇA-MATERNIDADE. ART. 7º, XVII, DA CF. NORMA DE EFICÁCIA PLENA. Benefício devido desde a promulgação da Carta de 1988, havendo de ser pago pelo empregador, à conta da Previdência Social, inde- pendentemente da definição da respectiva fonte de custeio. Entendimento assentado pelo STF. Recurso não conhecido. (BRASIL, STF, RE n. 220.613/SP). A ênfase doutrinária na eficácia normativa dos dispositivos constitucionais influenciou julgados do Superior Tribunal de Jus- tiça que reiteraram a concretização de políticas públicas citando inclusive a expressão doutrinária de Konrad Hesse: Prometendo o Estado o direito à creche, cumpre adimpli-lo, porquanto a
49 cratização de direitos para garantir a uni- versalidade do princípio da dignidade da pessoa humana nos mais variados aspec- tos da realidade social e fomentaram a concretização dos princípios constitucio- nais. Exemplificativamente, ressaltamos o momento quando foi concedido o saque do FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – para incremento das condi- ções de saúde de dependente, a despeito de inexistência de hipótese legal especí- fica^4 , bem como a caracterização de bem imóvel sob a proteção legal do “bem de família” à pessoa viúva^5 ; a designação de leitos dos hospitais particulares para re- ceberem pacientes oriundos dos hospi- tais públicos e para os quais não existiam mais leitos nos hospitais conveniados ao SUS (BRASIL, AC n. 2003.81.00.009206- 7); e a proibição de serem editados e vendidos livros, pretensamente científi- cos, para fins de apologia ao ódio e de discriminação contra judeus^6. Em todos esses casos, o compro- misso para com a realização das normas constitucionais superou os limites fáticos e a abertura conceitual do texto consti- tucional. Seguiu-se privilegiando o com- promisso ético do intérprete constitucio- nal com a garantia de eficácia da própria constituição, suplantando, em muitos casos, a inércia administrativa, e, em ou- tros, o preconceito e o aprisionamento do ser humano em modelos lógico-for- mais oriundos da doutrina clássica. 5 AS FORMULAÇÕES POLÍTICAS DO TEXTO CONSTITUCIONAL Na presença das aspirações e von- tades individuais e coletivas formam-se novas concepções do Direito, muito mais afeitas com o que “deve ser o Direito” do que preocupadas em se adequar com a literalidade dormente. A evolução das teorias do raciocínio jurídico dá-se para- lelamente às transformações da ideolo- gia predominante sobre o papel do juiz na sociedade. A cada momento histórico torna-se imponderável uma análise deti- da sobre o paradigma hermenêutico da jurisdição pela observância do avanço das teorias jurídicas ocidentais. As sociedades ocidentais pós-Revo- lução Francesa mantiveram os primados da legalidade e segurança jurídica indis- sociáveis da atuação jurisdicional. No en- tanto, o modo de conceber a legalidade difere daquele consagrado no paradigma exegético positivista no que passa a signi- ficar uma solução justa, eqüitativa e razo- ável que será aferida mediante o devido processo legal, além de necessariamente fundamentada pela racionalidade. O re- curso aos tópicos argumentativos permi- te a conciliação do Direito com a justiça e ainda com a razão por meio da Nova Retórica perelmeniana. de que as partes encerrem as divergên- cias, e ainda, de que a sociedade legitime a aplicação do Direito: a paz judicial só se restabelece definitivamente quando a solução, a mais aceitável socialmente, é acompanhada de uma argumentação jurídica suficientemente sólida. A busca de tais argumentações, graças aos es- forços conjugados da doutrina e juris-
A tópica trouxe para a Ciência do Direito as técnicas de argumentação ju- rídica que permitem elaborar uma lógica dos juízos de valor por intermédio de longo e árduo processo de discussão e deliberação sobre opiniões controverti- das, assim como preconizadas pelo mito do Juiz Hércules de matriz dworkiniana. Principalmente, esse novo paradig- ma jurídico proporcionou a formação de uma metodologia ou procedimento intelectual, razoável e equânime, para atingir resultado justo e proporcional so- bre casos controvertidos. Privilegiou-se a racionalidade enquanto se retirou a de- cisão do âmbito do arbítrio individual. A partir desse momento, a solução justa só é aferível mediante discussão metodolo- gicamente orientada, visto que o suplan- tado legalismo não foi capaz de garantir a segurança jurídica, pois a realidade sem- pre trouxe o julgamento de litígios não contemplados pela lei, tampouco cogitá- veis no momento de elaboração da lei. Mais profundamente que a Revolução Industrial, a Revolução Tecnológica hoje é determinante para a crescente complexi- dade das relações sociais diante das novas exigências do progresso científico, da indi- vidualização do homem e da especialida- de da conduta. Todos são fatores que não permitem a espera por uma regulação legislativa adequada e impõem aos tribu- nais a solução de conflitos inusitados por meio de critérios que enfatizem normas jurídicas mais abstratas e gerais que per- durem no tempo e no espaço. Ademais, a solução de um conflito jurídico requer a realização de uma tare- fa mais complexa do que a aplicação do Direito, pois implica atingir a paz judicial, uma vez que conjuga o objetivo imediato da solução do litígio e o objetivo mediato prudência é que favorece a evolução do direito. Essa é a principal razão de ser das novas teorias, das construções jurí- dicas aceitas ardorosamente pelos tribu- nais, para melhor justificar sua prática. (PERELMAN, 1999, p. 191). Assim, quando o exercício da função jurisdicional caminha para alcançar uma abertura hermenêutica que possibilite ao juiz a adaptação do texto da lei ao meio social a que se destina, o Poder Judiciário cresce em importância, não devido ao detrimento dos demais poderes, mas sim em virtude de novas perspectivas de atuação. Em especial, a sociedade fixa o olhar no Judiciário, aguardando a resposta para posteriormente julgá-la e, sucessivamente, julgar todo o sistema normativo, da legislação à sentença. A fórmula político-constitucional “Es- tado democrático de Direito” irradia a força política da constituição e constitui o Estado a partir do Direito, porém sem- pre sob a tutela da democracia: o Estado recebe a função de se estabelecer demo- craticamente como garante da dignidade da pessoa humana. O reconhecimento e o acolhimento da força política da Constituição torna- ram-se basilares para a utilização de uma doutrina de interpretação jurídica apta a realizar a ordem constitucional. Por outro lado, no que tange à Constituição Federal Brasileira de 1988, o eixo deste debate foi prejudicado pela assunção equivocada de que a interpretação política é uma in- terpretação contaminada por elementos político-partidários da força autoritária dos grupos políticos dominantes. Esta concepção desvia o debate de seu eixo, pois o que se propugna é a atua- ção renovadora (e não livremente inova- dora) do Poder Judiciário, tendo em vista
51 gridade ”. Tal se justifica por via da uni- versalização da tríade eqüidade, justiça e devido processo legal, em que a eqüi- dade é a característica estruturante do sistema, a justiça o objetivo e o devido processo legal o meio a obtê-la: O direi- to não é exaurido em um catálogo de regras e princípios, cada qual com seu próprio domínio sobre alguma esfera do comportamento. Nem por um corpo de oficiais e seus poderes sobre parte de nossas vidas. O império do Direito é definido por atitude, não por territó- rio, poder ou processo... É uma atitude interpretativa e reflexiva, endereçada à política no seu significado mais amplo. É uma atitude contestadora que torna cada cidadão responsável em imaginar quais os compromissos públicos da so- ciedade para os princípios e o que esses compromissos determinam em novas circunstâncias^7_._ Em Law’s Empire , Ronald Dworkin assinala que essa tríplice concepção do Direito – eqüidade, justiça e devido pro- cesso legal – corrobora a aceitação da legitimidade e relevância jurídica da in- terpretação do Direito pela sociedade, ou seja, a interpretação construída a partir da atuação juridicamente relevante levada a efeito pela própria comunidade. 7 A TAREFA DA PÓS-MODERNIDADE Por conseqüência desse processo histórico e deontológico de afirmação do Direito em face de crises e paradigmas, as decisões judiciais passam a ser fun- damentadas em princípios jurídicos que, além de presentes em uma ordem jurí- dica específica, pertencem a uma ordem jurídica universal – ou melhor, ocidental. As teorias pós-positivistas enfatizam reconhecimento (e acolhimento) da força política presente na Constituição por meio das regras e dos princípios expressos no texto constitucional, bem como em princí- pios pressupostos, endossados em função de escolhas políticas fundamentais, tais como a forma de Estado, a organização política e o regime jurídico constitucional- mente consagrado. Não obstante, um dos alicerces do Estado democrático de Direito é o sistema de tripartição de funções, no- tadamente um obstáculo teórico e político à adoção de um sistema jurisdicional que permita a atuação política do magistrado. Portanto, transpor esse obstáculo con- sistirá em aferir a possibilidade de incor- poração das teorias jurídicas pós-positivis- tas para assim habilitar decisões fundadas em princípios sem desgastar a sistemática de tripartição do poder estatal. As doutrinas jurídicas que abordam o papel do Judiciário na atual formulação do Estado e no sistema de tripartição de funções que lhe é decorrente têm bus- cado fundamentar a atuação jurisdicional de um conteúdo axiológico que defira legitimidade ao exercício funcional da ju- risdição. Assim, a legitimidade do Poder Judiciário será relacionada à atuação des- se Poder, e não ao sistema de investidura de seus membros, portanto, trata-se de uma legitimidade adquirida no exercício da judicatura em vez de uma legitimida- de pressuposta pela forma de investidura na função por meio do sistema eleitoral. validade objetiva ou positividade. Paulo Bonavides, no Curso de Direito Constitucional, apresenta a prevalência de uma teoria jurídica-constitucional-va- lorativa em que normas principiológicas assumem o mais alto grau de juridi- cidade ao tempo em que condena as omissões sociais mascaradas pela teoria da programaticidade. A supremacia das normas constitucionais e dos valores que consagram implica substancial alteração do papel do Estado, do conceito de cons- tituição e da metodologia interpretativa do Direito. A universalidade transforma- se no ápice do “humanismo político da li- berdade” e as constituições passam a ser compreendidas a partir da harmonização com as declarações internacionais de direitos do homem, de “sistema de nor-
Em Taking Rights Seriously, Dworkin sustenta a idéia de que, em qualquer processo judicial, mesmo nos casos de solução difícil, os direitos de cada uma das partes podem ser “descobertos” no lugar de “inventados”; e que a justificativa polí- tica desse processo depende da ressonân- cia da caracterização daqueles direitos no processo, ou seja, mediante a estrita ob- servância da garantia do devido processo legal em todos os atos processuais, serão aferidos os direitos dos litigantes, locali- zando-os na ordem jurídica preexistente. A tese jurídico-interpretativa de Dworkin tem ressonância no paradigma do papel do Poder Judiciário perante a comunidade, pois permite uma constante evolução do Direito, consubstanciada na superação de paradigmas jurisdicionais. Reportando-se à teoria de Dworkin, Willis S. Guerra Filho, em Processo Cons- titucional e Direitos Fundamentais, relata que a superação dialética entre o posi- tivismo e jusnaturalismo trouxe para a Teoria do Direito a distinção das normas jurídicas que são regras daquelas que são princípios. As primeiras possuem uma “estrutura lógica-deôntica”, em que há descrição de uma hipótese fática e pre- visão da conseqüência jurídica. Os prin- cípios não descrevem situações fáticas ou jurídicas, mas valores que adquirem mas” passam a ser compreendidas como “sistema de valores”. Por conseqüência, deve-se exigir do Estado contemporâneo o cumprimento de tais valores sociais. E, nas palavras do democrata brasi- leiro, Paulo Bonavides, assim como se modifica aquilo passível de ser compre- endido e aferido como conteúdo jurídico também se transforma a interpretação do Direito: Com efeito, na Velha Herme- nêutica interpretava-se a lei, e a lei era tudo, e dela tudo podia ser retirado que coubesse na função elucidativa do intér- prete, por uma operação lógica, a qual, todavia, nada acrescentava ao conteú- do da norma; em a Nova Hermenêutica, ao contrário, concretiza-se o preceito constitucional, de tal sorte que concre- tizar é algo mais do que interpretar, é em verdade interpretar com acréscimo, com criatividade. Aqui ocorre e prevale- ce uma operação cognitiva de valores que se ponderam. Coloca-se o intérprete diante da consideração de princípios, que são as categorias por excelência do sistema constitucional. Do confronto entre a constituição real e a constituição normativa há uma relação de coordenação: enquanto a or- dem normativa consagra possibilidades, a ordem real impõe limites. A força mo- tivante do presente está inserida na rea-
52 lidade social das elites, da classe média e dos pedintes, e faz-se pulsante na força cultural erudita e popular, está viva na ordem econômica brasileira bem como na atuação política do povo e de seus representantes. Desses recortes da realidade os olhos partem para apreciar as possibilidades do futuro com o fito de construir uma sociedade mais justa e fraterna: são os limites e as possibilidades decorrentes da vontade da constituição em face da ordem social vigente. A Constituição Federal aponta caminhos para renovação social por meio da especial proteção deferida à infância, família, educação, cultura e trabalho sob o prisma da universalidade dos direitos do homem. Neste sentido, o direito serve à sociedade na medida em que esteja a serviço de uma ordem justa. Os intérpretes da Constituição Federal não podem sucumbir diante da realidade social, pois naquele documento há uma pretensão de eficácia dos valores e princípios, das políticas públicas e pro- gramas sociais que consagra – esta é a tarefa e o desafio dos juristas e da sociedade na pós-modernidade. NOTAS 1 Em recente reformulação doutrinária, Paulo Bonavides acrescenta a 5ª gera- ção, o direito à paz, como categoria distinta ante a necessidade de proteção à vida, da própria preservação da espécie humana. 2 O art. 5º da Constituição Federal de 1988 prometeu eficácia imediata às normas definidoras de Direitos Fundamentais logo no primeiro parágrafo deste artigo. Tal situação gerou controvérsia interpretativa quando, na in- terpretação dos demais direitos e garantias fundamentais inscritos após a rubrica do artigo quinto ao logo do documento constitucional, havendo divergência inicial quanto a eficácia imediata dos demais direitos. 3 Segundo José Afonso da Silva, as normas constitucionais se classificam quanto à eficácia como: (1) normas constitucionais de eficácia plena e apli- cabilidade imediata; (2) normas constitucionais de eficácia contida e aplica- bilidade imediata, mas passíveis de restrição; (3) normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida; e (4) normas programáticas. Posteriormente, a mesma classificação foi reeditada para contemplar no item 3 (normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida) as definidoras de princípio institutivo (3.1); e, definidoras de princípios programáticos (3.2). A aplicação das normas constitucionais ganhou novos contornos na classificação de Luiz Roberto Barroso, no que enfatizou as características das normas constitucio- nais em relação ao conteúdo sem redução da eficácia para classificá-las em: (1) normas constitucionais de organização; (2) normas constitucionais de- finidoras de direitos; e, (3) normas constitucionais programáticas. Contudo não abandonaram a inscrição de normas como programas. 4 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n. 560.777/PR. Julg. 4/12/2003. Relatora: Ministra Eliana Calmon (FGTS. LEVANTAMENTO DO SALDO. TRATAMENTO DE SAÚDE. AQUISIÇÃO DE APARELHO AUDITIVO PARA FILHA MENOR. POSSIBILIDADE). 5 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n. 420.086/SP. Julg.27/8/2002. Relator Ministro Ruy Rosado (EXECUÇÃO. Penhora. Bem de família. Viúva. É im- penhorável o imóvel residencial de pessoa solteira ou viúva. Lei n. 8.009/90). 6 Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus n. 82.4242/RS. Julg.17/9/2003.Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus n. 82.4242/RS. Julg.17/9/2003. Relator: Ministro Maurício Corrêa (EMENTA: HABEAS-CORPUS. PUBLICA- ÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EX- PRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA). 7 Tradução livre, de Law’s Empire, p. 413: law is not exhausted by any cata- logue of rules or principles, each with its own dominion over some discrete theater of behavior. Nor by any roster of officials and their powers each over part of our lives. Law’s empire is defined by attitude, not territory or power or process… It is an interpretative, self-reflective attitude addressed to politics in the broadest sense. It is a protestant attitude that makes each citizen responsible for imagining what his society’s public commitments to principle are, and what these commitments require in new circumstances. REFERÊNCIAS BARROSO, Luís Roberto. 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