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Crimes Passionais: Análise de Desdêmona e Otelo e Suas Raízes no Brasil, Notas de estudo de Medicina

Uma pesquisa sobre a personagem desdêmona da tragédia shakespeariana otelo, o mouro de veneza, e seu assassinato motivado pelo ciúme. A pesquisa utiliza referências teóricas de freud e kott para auxiliar na compreensão da recorrência de crimes passionais no brasil. O texto também explora a natureza do amor e a violência, e as estatísticas sobre crimes de gênero no brasil.

O que você vai aprender

  • Quais estatísticas sobre crimes de gênero no Brasil são apresentadas no documento?
  • Qual é a motivação por trás do assassinato de Desdêmona em Otelo?
  • Como Freud descreve o ciúme e como isso se relaciona com o assassinato de Desdêmona?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Rio890
Rio890 🇧🇷

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NASCIMENTO, Fernanda Cunha. Amores que matam: Desdêmona e a
recorrência dos crimes passionais. Natal: Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Programa de s Graduação em Artes Cênicas PPGArC/
UFRN; Mestranda; CAPES/ CNPq.
RESUMO
A presente pesquisa consiste numa análise da personagem Desdêmona, da
obra trágica Shakespeariana Otelo, o mouro de Veneza, e seu assassinato,
motivado por ciúmes, em um suposto episódio crime passional. Estuda-se
Desdêmona em uma comparação anacrônica aos casos de crimes passionais
no Brasil registrados no Mapa da violência de 2013. O objetivo deste estudo é
tomar a personagem shakespeariana como base para a compreensão da
recorrência desse crime. No que concerne ao ciúme de Otelo, utiliza-se como
referencial teórico os estudos de Freud (1976). Para auxiliar a desvendar a
personagem de Desdêmona, que figura como uma personagem que desperta a
paixão dos homens, utiliza-se a análise de Jan Kott (2003).
Palavras-chaves: Crimes passionais. Dramaturgia. Desdêmona. Tragédia.
Resumé
La recherche consiste en une analyse de le perssonage Desdemona, de
loeuvre tragique shakespearien, Othello, de son assassinat, qui as eté
motivaté pour un crime passionnel. On etudié Desdemona em comparaison
anérotique des cas de crimes passionnels au Brésil, registre en Mapa da
violência de 2013. Pas en ce qui concerne la jalousie d'Othello, on utilise
comme référence théorique les études de Freud (1976). Pour aider à démêler
un personnage de Desdemona, qui a figuré comme un personnage qui éveille
la paix des hommes, on utilise l'analyse de Jan Kott (2003).
Mots-clés: Crimes passionnés. Dramaturgie. Desdemone. Tragédie.
Comecemos por um exercício de imaginação: suponhamos que todos os
personagens tenham vida eterna, pois criados nas letas, se firmam na
imortalidade. Desdêmona é uma dessas personagens e, permanecendo
imortal, tornou-se parte do imaginário e da cultura. Assim sendo, Desdêmona
existia em mim mesmo antes de tornar-me consciente de sua existência
imaterial. Ano passado terminei um relacionamento, no qual me envolvi com
um rapaz extremamente dócil, e meu avô me disse “ainda bem que vocês
acabaram, ele ia bater em você”. Não havia nada no meu antigo companheiro
que incitasse a violência, e ele jamais sequer havia levantado a voz para mim,
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NASCIMENTO, Fernanda Cunha. Amores que matam: Desdêmona e a recorrência dos crimes passionais. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas – PPGArC/ UFRN; Mestranda; CAPES/ CNPq. RESUMO A presente pesquisa consiste numa análise da personagem Desdêmona, da obra trágica Shakespeariana Otelo, o mouro de Veneza , e seu assassinato, motivado por ciúmes, em um suposto episódio crime passional. Estuda-se Desdêmona em uma comparação anacrônica aos casos de crimes passionais no Brasil registrados no Mapa da violência de 2013. O objetivo deste estudo é tomar a personagem shakespeariana como base para a compreensão da recorrência desse crime. No que concerne ao ciúme de Otelo, utiliza-se como referencial teórico os estudos de Freud (1976). Para auxiliar a desvendar a personagem de Desdêmona, que figura como uma personagem que desperta a paixão dos homens, utiliza-se a análise de Jan Kott (2003). Palavras-chaves: Crimes passionais. Dramaturgia. Desdêmona. Tragédia. Resumé La recherche consiste en une analyse de le perssonage Desdemona, de l’oeuvre tragique shakespearien, Othello , de son assassinat, qui as eté motivaté pour un crime passionnel. On etudié Desdemona em comparaison anérotique des cas de crimes passionnels au Brésil, registre en Mapa da violência de 2013. Pas en ce qui concerne la jalousie d'Othello, on utilise comme référence théorique les études de Freud (1976). Pour aider à démêler un personnage de Desdemona, qui a figuré comme un personnage qui éveille la paix des hommes, on utilise l'analyse de Jan Kott (2003). Mots-clés: Crimes passionnés. Dramaturgie. Desdemone. Tragédie. Comecemos por um exercício de imaginação: suponhamos que todos os personagens tenham vida eterna, pois criados nas letas, se firmam na imortalidade. Desdêmona é uma dessas personagens e, permanecendo imortal, tornou-se parte do imaginário e da cultura. Assim sendo, Desdêmona existia em mim mesmo antes de tornar-me consciente de sua existência imaterial. Ano passado terminei um relacionamento, no qual me envolvi com um rapaz extremamente dócil, e meu avô me disse “ainda bem que vocês acabaram, ele ia bater em você”. Não havia nada no meu antigo companheiro que incitasse a violência, e ele jamais sequer havia levantado a voz para mim,

mas meu avô me disse que homens que amam também batem. Com esta suposição sem fundamento, me vi Desdemona tomada carne pela primeira vez. O amor na mulher (sobretudo no relacionamento heterossexual) deveria vir então acompanhado de um aviso de cautela e do sentimento de medo? Quão próximo do medo o amor está e quão semelhante a violência ele é? Ferreira Gullar escreve que: O verdadeiro amor é suicida. O amor, para atingir a ignição máxima, a entrega total, deve estar condenado: a consciência da precariedade da relação possibilita mergulhar nela de corpo e alma, vivê-la enquanto morre e morrê-la enquanto vive, como numa desvairada montanha-russa, até que, de repente, acaba. E é necessário que acabe como começou, de golpe, cortado rente na carne, entre soluços, querendo e não querendo que acabe, pois o espírito humano não comporta tanta realidade, como falou um poeta maior. E enxugados os olhos, aberta a janela, lá estão as mesmas nuvens rolando lentas e sem barulho pelo céu deserto de anjos. O alívio se confunde com o vazio, e você agora prefere morrer. (GULLAR, 2004) Talvez se Desdemona soubesse essa definição, preferiria jamais ter amado Otelo, porque, para além de um impulso suicida, nos homens (sobretudo heterossexuais), o amor também se manifesta como um impulsa assassino. Tenho observado isto: o amor, nos homens, recorrentemente, mata. O que será que pensava Shakespeare sobre crimes passionais? Em 2013, segundo o mapa da violência no Brasil, 1.583 mulheres, pelos dados registrados, foram mortas por parceiros ou ex-parceiros, isto representa 33,2% dos homicídios femininos do ano. É um número alto quando se pensa que 4 mulheres, em média, foram mortas por dia. Entretanto, se considerarmos apenas as mulheres com mais de 18 anos, “a proporção sobe para 43% do total de homicídios: acima de 4 em cada 10 mulheres, com 18 ou mais anos de idade, foram vítimas de feminicídio cometido pelo parceiro ou ex-parceiro” (Mapa da Violência de 2015, p. 75). E isto em um só país. No mundo, segundo Dados da Organização Mundial de Saúde em parceria com a Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, o percentual de assassinato de mulheres por um parceiro íntimo é de 35%, em comparação à 5% dos assassinatos de homens que são cometidos por uma parceira. Talvez isso seja reflexo da velha máxima que diz que amor rima com dor.

a à morte (LEVIT; DUBNERT, 2010). Uma matéria do jornal New York Times relatou que: Durante mais de meia hora, 38 cidadãos respeitáveis, cumpridores da lei, no Queens, viram um assassino perseguir e esfaquear uma mulher, em três investidas separadas e sucessivas, no Kew Gardens… Ninguém chamou a polícia durante o assalto; uma testemunha telefonou depois que a mulher estava morta… (LEVIT; DUBNERT, 2010, p.90) Trinta e oito pessoas ouviram uma mulher gritar em súplica e dor e ninguém fez nada. As justificativas foram muitas: a luz do quarto havia dificultado a visão da rua; o cansaço havia impedido de locomover-se da cama e, sobretudo isto: os vizinhos pensaram se tratar de uma briga de namorados. Há um ditado que diz: em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher. Há de se meter a colher sim, porque quando não, pode-se terminar com uma mulher morta no chão de casa. Monseley não era o marido de Genovese, mas os vizinhos pensaram que era. Neste momento ele tornou-se Otelo carne e ela Desdêmona, e nenhuma súplica poderia deter este direito postiço e irrevogável de um homem sobre a vida de uma mulher, porque se essa mulher pode viver sem o seu parceiro, melhor seria ela não viver de forma alguma. Voltemos a Otelo. Ele, que complexado por ser estrangeiro, ao imaginar- me apaixonada por Cassio, homem de lisura inegável, transformou sua insegurança em raiva e seu medo de ser trocado, em violência. Uma pessoa com auto-estima reduzida nutrirá por si mesma um sentimento exacerbado de ansiedade e incerteza (FERREIRA-SANTOS, 20 03). E qual o problema disto? Explico-vos: Quando uma pessoa tem uma auto-estima rebaixada, provavelmente é tomada por fortes ilusões com respeito ao que pode esperar dos outros, tem tendência a abrigar fortes temores, além de ter uma forte predisposição para manifestar desapontamentos e desconfiar das outras pessoas. (ALMEIDA, 2008, p. 87) Otelo não confiava em Desdêmona, porque não era capaz de confiar em si próprio. Além disso, ele passou a perceber nela o que Iago via desde o

início, um ser erótico, e aqui pego de empréstimo as palavras de um homem sobre a personagem Desdêmona. Jan Kott escreve: Desdêmona é ao mesmo tempo dócil e obstinada. Dócil até o ponto em que a paixão começa. É a mais erótica de todas as figuras femininas de Shakespeare. Mais silenciosa que Julieta ou Ofélia, parece absorvida no fundo de si mesma, e desperta somente para a noite. Não suspeita sequer que sua simples presença provoca inquietação e promessa. Otelo saberá isso mais tarde, mas Iago sabe desde o começo. Desdêmona é fiel, mas certamente tem dentro dela alguma coisa de puta. Virtualmente. Não in actu , mas in potentia. Caso contrário não haveria drama, Otelo seria ridículo. E Otelo não pode ser ridículo. Desdêmona é contaminada por Otelo, mas todos os homens – Iago, Cássio, Rodrigo – são contaminados por Desdêmona. Movem-se dentro de seu clima erótico. (KOTT, 2003, p.118) “Tem dentro dela alguma coisa de puta”. Isso me soa agressivo, porque a puta e a moça recatada são desdobramentos de uma mesma mulher, de uma mesma Adalgisa^1 , de uma mesma Desdêmona. O conhecimento do erotismo de uma mulher assusta os homens. A partir do momento que Iago projetou a dúvida sobre Otelo, o erotismo de Desdêmona, que antes o satisfazia, passou então a assustá-lo. O Eros da personagem, que era luminoso, passou a representar para Otelo uma armadilha, onde ele se perdeu nas próprias trevas e passou a enxergar o amor e o ciúme, desejo e repulsa como coisas inseparáveis (KOTT, 2003). A partir destas reflexões, escrevo minha dissertação, onde a primeira parte do segundo capítulo é uma carta de Desdêmona para Shakespeare perguntando o que o Bardo pensa sobre crimes passionais. Quase tudo aqui escrito eu retirei de lá. Por fim, termino a carta de Desdêmona e este artigo dizendo o seguinte: Já morta, vejo que as Desdêmonas são muitas. Centenas, milhares, milhões de Desdêmonas ganham a morte porque seus Otelos são tomados de ciúme. “O amor é fogo, mas se vai aquecer seu coração ou incendiar sua casa, nunca se sabe”, disse uma vez o poeta Joan Crawford, eu afirmo que amei esperando não ser consumida pelo amor. Amei (^1) Referência ao poema de Caros Drummond de Andrade.

SOARES, Ana Lis. Violência contra a mulher. Uol Online. Disponível em: http://noticias.terra.com.br/mundo/violencia-contra-mulher/. Acesso em: 21 out.