Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Desafios para a Antropologia: Rompendo o Exotismo e Compreendendo Práticas Locais, Exercícios de Antropologia

Este texto discute a importância de um enfoque crítico na antropologia, rompendo o exotismo e analisando as práticas de pesquisa concretas e resultados obtidos. Ele aborda a importância de considerar as antropologias periféricas e suas complexidades, além da necessidade de evitar a simples cópia de conceitos e métodos das antropologias hegemônicas. O texto também destaca a importância de estudar as tradições etnográficas e inter-relações sociais.

O que você vai aprender

  • Como podemos evitar a simples cópia de conceitos e métodos das antropologias hegemônicas?
  • Quais desafios existem para a antropologia em termos de exotismo e compreensão de práticas locais?
  • Como as antropologias periféricas podem ser analisadas de forma crítica?
  • Qual é a importância de estudar as tradições etnográficas e inter-relações sociais na antropologia?
  • Quais são as complexidades das antropologias periféricas e como elas se diferem das antropologias hegemônicas?

Tipologia: Exercícios

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Bossa_nova
Bossa_nova 🇧🇷

4.6

(228)

447 documentos

1 / 20

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS PARA A ANTROPOLOGIA NO BRASIL
SINAIS DE UMA NOVA TRADIÇÃO ETNOGRÁFICA E DE UMA RELAÇÃO DISTINTA COM
OS SEUS OUTROS
JOÃO PACHECO DE OLIVEIRA
1
RESUMO
Nas antropologias hegemônicas o desafio para o pensamento crítico é romper com o exotismo e ter capacidade
de compreender as práticas e a vida cotidiana. Para os antropólogos brasileiros se impõe além disso uma
atenção especial à dimensão reflexiva e as condições sociais de produção de conhecimento. O pesquisador não
pode jamais imaginar-se como um sujeito radicalmente exterior às disputas e classificações sociais, supondo
haver feito tabula rasa das múltiplas representações e interesses que estão em torno de sua etnografia. A
produção científica precisa ser analisada não por meio de auto-representações engendradas a partir da
importação descontextualizada de conhecimentos, mas sim através de uma análise minuciosa das práticas
concretas de investigação postas em prática, dos resultados obtidos e buscando tomar consciência do campo de
possibilidades em que se movimenta e de seus limites. Pensar as tradições etnográficas de maneira plural,
como resultado de uma autoconsciência progressiva quanto à eficácia, limites e singularidade dessas práticas
específicas de investigação, pode representar uma forma positiva e criativa de frepensar a história e as
perspectivas dessa disciplina.
PALAVRAS CHAVE
Antropologia do Conhecimento; Tradições Etnográficas; Antropologias Periféricas;
Reflexividade
CONTEMPORARY CHALLENGES FOR AN ANTHROPOLOGY IN BRAZIL: SIGNS OF A NEW
ETHNOGRAPHIC TRADITION AND OF A DIFFERENT RELATIONSHIP WITH THEIR "OTHERS"
ABSTRACT
In hegemonic anthropologies, the challenge for critical thinking is to break with exoticism and understand the
practices of everyday life. For Brazilian anthropologists, special attention is also given to the reflexive
dimension and social conditions of knowledge production. The researcher can never imagine himself as a
subject radically foreign to social disputes and classifications and make a clean sweep of the multiple
representations and interests that surround his ethnography. The scientific production needs to be analyzed
not by means of the self-representations generated from the decontextualized import of knowledge, but
through a careful analysis of the concrete research practices, the results produced and trying to be aware of the
field of possibilities and its limits. Thinking about ethnographic traditions in a plural way, as a result of a
progressive self-consciousness regarding the effectiveness, limits and singularity of specific research practices,
can represent a positive and creative way to rethink the history and perspectives of the discipline.
KEY WORDS
Anthropology of Knowledge; Ethnographic Traditions; Peripheral Anthropologies;
Reflexivity
1
Museu Nacional - UFRJ
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12
pf13
pf14

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Desafios para a Antropologia: Rompendo o Exotismo e Compreendendo Práticas Locais e outras Exercícios em PDF para Antropologia, somente na Docsity!

DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS PARA A ANTROPOLOGIA NO BRASIL

SINAIS DE UMA NOVA TRADIÇÃO ETNOGRÁFICA E DE UMA RELAÇÃO DISTINTA COM

OS SEUS “OUTROS”

JOÃO PACHECO DE OLIVEIRA

RESUMO

Nas antropologias hegemônicas o desafio para o pensamento crítico é romper com o exotismo e ter capacidade de compreender as práticas e a vida cotidiana. Para os antropólogos brasileiros se impõe além disso uma atenção especial à dimensão reflexiva e as condições sociais de produção de conhecimento. O pesquisador não pode jamais imaginar-se como um sujeito radicalmente exterior às disputas e classificações sociais, supondo haver feito tabula rasa das múltiplas representações e interesses que estão em torno de sua etnografia. A produção científica precisa ser analisada não por meio de auto-representações engendradas a partir da importação descontextualizada de conhecimentos, mas sim através de uma análise minuciosa das práticas concretas de investigação postas em prática, dos resultados obtidos e buscando tomar consciência do campo de possibilidades em que se movimenta e de seus limites. Pensar as tradições etnográficas de maneira plural, como resultado de uma autoconsciência progressiva quanto à eficácia, limites e singularidade dessas práticas específicas de investigação, pode representar uma forma positiva e criativa de frepensar a história e as perspectivas dessa disciplina.

PALAVRAS CHAVE

Antropologia do Conhecimento; Tradições Etnográficas; Antropologias Periféricas;

Reflexividade

CONTEMPORARY CHALLENGES FOR AN ANTHROPOLOGY IN BRAZIL: SIGNS OF A NEW

ETHNOGRAPHIC TRADITION AND OF A DIFFERENT RELATIONSHIP WITH THEIR "OTHERS"

ABSTRACT

In hegemonic anthropologies, the challenge for critical thinking is to break with exoticism and understand the practices of everyday life. For Brazilian anthropologists, special attention is also given to the reflexive dimension and social conditions of knowledge production. The researcher can never imagine himself as a subject radically foreign to social disputes and classifications and make a clean sweep of the multiple representations and interests that surround his ethnography. The scientific production needs to be analyzed not by means of the self-representations generated from the decontextualized import of knowledge, but through a careful analysis of the concrete research practices, the results produced and trying to be aware of the field of possibilities and its limits. Thinking about ethnographic traditions in a plural way, as a result of a progressive self-consciousness regarding the effectiveness, limits and singularity of specific research practices, can represent a positive and creative way to rethink the history and perspectives of the discipline.

KEY WORDS

Anthropology of Knowledge; Ethnographic Traditions; Peripheral Anthropologies;

Reflexivity

(^1) Museu Nacional - UFRJ

Desafios contemporâneos para a antropologia no Brasil 141 DÉFIS CONTEMPORAINS POUR L’ ANTHROPOLOGIE AU BRÉSIL: SIGNES D'UNE NOUVELLE TRADITION ETHNOGRAPHIQUE ET D'UNE RELATION DIFFÉRENTE AVEC LEURS "AUTRES" RÉSUME Dans les anthropologies hégémoniques, le défi pour la pensée critique est de rompre avec l'exotisme et de mieux comprendre les pratiques et la vie quotidienne. Pour les anthropologues brésiliens, une attention particulière est accordée à la dimension réflexive et aux conditions sociales de la production du savoir. Le chercheur ne peut jamais s'imaginer en tant que sujet radicalement en dehors des conflits et des classifications sociales, à supposer qu'il soit invisible pour les multiples représentations et intérêts qui entourent son ethnographie. La production scientifique doit être analysée non par des autoreprésentations engendrées par l'importation décontextualisée des connaissances, mais par une analyse approfondie des pratiques de recherche concrètes mises en pratique, des résultats obtenus et en prenant conscience du champ des possibles dans lequel il s´inscrit. Penser les traditions ethnographiques d'une manière plurielle, en raison de la conscience de soi progressive quant à l'efficacité, aux limites et à l'unicité de ces pratiques de recherche particulières, peut représenter une manière positive et créative d´aborder l'histoire et les perspectives de cette discipline. MOTS CLÉS

Anthropologie de la connaissance; Traditions ethnographiques; Anthropologies

périphériques Réflexivité

DESAFÍOS CONTEMPORÁNEOS PARA LA ANTROPOLOGÍA NO BRASIL: SIGNOS DE UNA NUEVA TRADICIÓN ETNOGRÁFICA Y DE UNA RELACIÓN DISTINTA CON SUS "OTROS" RESUMEN En las antropologías hegemónicas el desafío para el pensamiento crítico es romper con el exotismo y comprender lo cotidiano. Para los antropólogos brasilenõs se impone además una atención especial a la dimensión reflexiva y a las condiciones sociales de la producción de conocimientos. El investigador no puede jamás imaginarse como un sujeto radicalmente extraño a las disputas y clasificaciones sociales y hacer tabla rasa de las múltiples representaciones e intereses que rodean su etnografía. La produción científica precisa ser analizada no por medio de las auto-representaciones engendradas a partir de la importación descontextualizada de conocimientos, sino a través de un análisis cuidadoso de las prácticas concretas de investigación, de los resultados producidos y procurando tomar conciencia del campo de posibilidades y de sus límites. Pensar las tradiciones etnográficas de manera plural, como resultado de una autoconciencia progresiva en cuanto a la eficacia, limites y singularidad de prácticas específicas de investigación, puede representar una forma positiva y creativa para repensar la historia y las perspectivas de la disciplina. PALAVRAS-CLAVE

Antropología del Conocimiento; Tradiciones Etnográficas; Antropologías Periféricas;

Reflexividad

Desafios contemporâneos para a antropologia no Brasil 143 Nos cursos temáticos a bibliografia teórica também é exclusivamente externa, enquanto os autores nacionais figuram apenas como contribuições recentes à investigação. No máximo, servem para dar uma cor local às escolas e às correntes (supostamente universais), em função de exercícios concretos de aplicação. Teorias, métodos de investigação e legitimidade científica são vistos unicamente como se fossem bens de importação. De uma condição periférica surge então uma antropologia subalterna, inserida em uma divisão internacional do trabalho e dentro de uma hierarquia bem definida que lhe é profundamente adversa. É necessário um esforço crítico quanto às modalidades concretas de existência destas antropologias periféricas. Ao qualificá-las assim, o meu objetivo é chamar a atenção para uma relação de dependência com outras modalidades (imperiais ou nacionais) de antropologia, supostamente mais legítimas e universais. Mesmo a chamada crítica pós- colonial, ainda centrada no mundo anglófono, fala de uma perspectiva bastante específica. As formas concretas e o grau de intensidade da incorporação dos reinos e estados da Índia e do Oriente não foram os mesmos que aqueles registrados com as populações autóctones na América. A paradoxal coexistência entre, por um lado, a presença de tradições pré-coloniais em estruturas cotidianas (religiosas, linguísticas e sociais) e, por outro, o uso da língua inglesa como canal principal de comunicação implicam condições bastante diferentes daquelas observadas nas Américas para o desenvolvimento de antropologias. O domínio colonial dos espanhóis e dos portugueses nesta parte do planeta foi muito distinto, com a desestruturação de impérios preexistentes e uma reconfiguração muito mais profunda do modo de vida das populações originárias. Tampouco lhes deixou como legado linguístico sua inserção em uma comunidade hegemônica (de língua inglesa), tornando distintas suas estratégias e seus projetos de futuro. Caracterizar tais antropologias (que por definição são “segundas”) como periféricas, destacando com isso sua dependência em face das antropologias hegemônicas, é sem dúvida um passo importante. Entretanto, no meu modo de ver, para entendê-las em seu dinamismo, é necessário um esforço etnográfico, teórico e epistemológico para evidenciar as condições sociais em que elas se desenvolvem, quer dizer, os contextos nos quais adquirem funções e significados específicos. Para que a relação colonial seja uma ferramenta de análise sociológica, é imprescindível que sejamos capazes de entendê-la em sua variabilidade e nas contradições que lhes são constitutivas. No meu entender, cabe aqui a mesma crítica que fazemos ao conceito genérico de “situação colonial”, ferramenta fundamental para permitir a importação de uma concepção não europeizante da alteridade:

Oliveira Revista Mundaú, 2018 , n.4, p. 140 - 159 “Se em lugar de tratar o “nativo” e o “colonizador” como categorias que são totalizantes, autoevidentes e opostas diametralmente explorássemos sua variabilidade interna, os contextos historicamente diferentes pelos quais se conectam e a multiplicidade de conexões que estão estabelecidas entre estas categorias, poderíamos abrir um novo campo de investigação. Possivelmente então a noção de uma voz indígena singular (“ou modelo nativo”) poderia ser substituída por um esforço para evidenciar as diferentes estratégias sociais que fazem esta voz tão diversa e contraditória” (PACHECO DE OLIVEIRA, 2009, p. 101). Avançar na investigação requer mudar a unidade redutora de uma situação colonial mediante a identificação das múltiplas situações históricas que realmente podem ajudar na compreensão das diferentes formas de organização social e da multiplicidade de estratégias dos colonizados. As antropologias periféricas também são produtos históricos e sociais, que cruzam por variadas redes de circulação internacional de ideias e que assumem os mais distintos usos e aplicações locais. Falar de antropologias nacionais sem dúvida corresponde a avançar no reconhecimento prévio da diversidade, mas também pode sugerir uma unidade das práticas de produção de conhecimentos que em realidade se atribui desde o exterior, fazendo caso omisso da diversidade de significados e das aplicações que a antropologia tem dentro de cada contexto nacional. Para evitar isto, trabalhamos aqui com a noção de tradição etnográfica (PACHECO DE OLIVEIRA, 2006, 2013), inspirada pela análise das "tradições de conhecimento" de Barth (1993), dirigindo nossa atenção para o campo da prática (PELS; SALEMINK, 1999) e da inter- relação entre os atores sociais (BOURDIEU, 1997), entendendo que tais processos podem e devem ser objeto de estudos empíricos e descrições etnográficas (STOCKING JR., 1968, 1974, 1984, 1988, 1996, 2006). É necessário ir mais além do discurso normativo e homogeneizador das autorrepresentações acadêmicas (procedam estas das antropologias centrais ou periféricas). As importações de conceitos e métodos das antropologias metropolitanas não podem ser tomadas como se engendrassem espontaneamente sua demanda e regulassem as formas de seu próprio consumo, impondo uma racionalidade e um dinamismo que seriam induzidos do exterior por um sujeito supostamente universal. É fundamental considerar a antropologia enquanto prática, tratando de perceber como ocorre o enraizamento social desta disciplina e dos conhecimentos que possibilita. Isto deve ser observado principalmente por meio de dois fatores cruciais. Primeiro, a associação que tal antropologia mantém com outros saberes que frequentemente precedem a institucionalização da disciplina, com os quais ela se apresentará como ligada ao contexto nacional. É o caso dos saberes administrativos, morais e cartográficos, bem como suas identificações e limites com outras disciplinas dos estudos das humanidades (história, arqueologia, geografia, sociologia, linguística).

Oliveira Revista Mundaú, 2018 , n.4, p. 140 - 159 um conhecimento imaginado como superior e de natureza científica (EVANS-PRITCHARD; FORTES, 1970 [1940]). Os primeiros antropólogos brasileiros seguiram os rastros dos investigadores norte- americanos e franceses que estiveram no país entre as décadas de 1930 e 1950, dirigindo seu foco principal de interesse seja para as sociedades e culturas indígenas, seja para as tradições religiosas chamadas afro-brasileiras. Só que, neste caso, os “outros” não estavam distantes a milhares de quilômetros nem eram o objeto precípuo de uma ação de governos coloniais, estruturada no fundo por princípios militares (onde o “outro” era virtualmente sinônimo de “inimigo” ou de população subjugada). A construção de uma “alteridade interna”^4 não foi apenas um detalhe ou um acidente histórico, mas sim teve implicações profundas entre nós para o exercício de uma ciência hermenêutica como a antropologia. Nos países hegemônicos – onde tais formas de humanidade foram pensadas e sentidas como absolutamente exteriores e incompreensíveis, bem como naqueles em que a ação colonial parecia distante do cotidiano da maioria dos cidadãos – o desafio para o pensamento crítico foi romper com o exotismo como eixo propulsor da investigação antropológica (BENSA, 2006). É indispensável dissolver a invisibilidade da ação colonial, que deve passar a ser vista como parte indissociável da vida metropolitana, como nos recordava Jean Bazin (2002, p. 50): “Por mais afastado ou com acesso difícil que seja, o campo não é para nós jamais algo verdadeiramente alheio, uma vez que já estamos ali se localizados” (minha tradução). Nas antropologias periféricas, o desafio deveria ser o contrário – não se trata tanto de recuperar o distante embora próximo e o exótico como cotidiano, mas sim dirigir a atenção para coisas comuns e compartilhadas, carregadas com diferentes interpretações, objeto de paixões e interesses variados. O investigador não pode fazer tábula rasa das múltiplas representações e teorias sobre o que conduz sua etnografia, nem tão pouco imaginar-se a si mesmo como um sujeito radicalmente estranho às disputas sociais. As suas condições peculiares de produção impõe uma atenção especial à dimensão reflexiva, sem a qual é impossível compreender o tipo de conhecimento que produz. Tal conhecimento, assim como as teorias e as ferramentas da investigação, não resulta em uma simples cópia, reproduzida mecanicamente ou clonada das antropologias hegemônicas, já que está necessariamente está carregado de outras potencialidades que precisam ser identificadas pela etnografia da ciência e examinadas criticamente à luz de parâmetros teóricos, epistemológicos e políticos, que devem ser explicitamente formulados e assumidos. (^4) Veja-se Esteban Krotz (2002).

Desafios contemporâneos para a antropologia no Brasil 147 Um aspecto perverso e limitador da antropologia hegemônica e de suas cópias pelos colonizados é o abuso na utilização de termos como “nativos” e “selvagens”, assim como a insistência em caracterizá-los meramente como “informantes”. O pressuposto aqui contido é de que a sua humanidade (enquanto “selvagens”) está sempre expressa em modalidades autônomas e distintas de pensamento. Com isto se procede a um completo esquecimento das relações de força e sujeição, celebra-se o exotismo e implicitamente transforma-se modos de dominação e conflitos de classe, gênero e etnia puramente em “diferenças culturais”. Estas são práticas ainda bastante correntes na investigação e no ensino da antropologia no contexto da América Latina, sobretudo em programas de pós-graduação^5 , que tiveram que coexistir durante longos períodos com ditaduras militares, importando modelos de universidades prestigiosas do primeiro mundo. A implementação da antropologia como disciplina universitária em sociedades rigidamente estratificadas e muito exclusivas, teve como um corolário inevitável só permitir o acesso a jovens procedentes de elites econômicas e intelectuais. Tudo favorecia assim apropriar-se de protocolos de investigação da tradição etnográfica da primeira metade do século XX, apelidando-os de “antropologia clássica”, para legitimar o desapego e distanciamento que mantinham face aos principais problemas, autores e debates nacionais anteriores. Que frequentemente eram provenientes de outras disciplinas e formações intelectuais, mas que foram muito importantes na produção de conhecimentos em relação ao seu próprio país. Para a maioria dos intelectuais brasileiros, índios e sobretudo negros nunca foram objetos exóticos ou desconhecidos, mas sim pessoas que pertenciam a grupos sociais claramente delimitados, que integravam o seu horizonte político e econômico e muitas vezes partilhavam do seu cotidiano. Era a partir dessas classificações e experiências que os intelectuais refletiam sobre eles – em geral como objetos, muito raramente como sujeitos - usando as teorias científicas consagradas na sua época (que frequentemente eram contraditórias entre si e lhe deixavam ampla margem de escolhas possíveis). Em suas obras artísticas exploraram também intensamente, uma dimensão emocional e afetiva de suas relações com tais populações. Em diversos contextos públicos se manifestaram a respeito das classificações jurídicas e sociais de que índios e negros foram objeto. Finalmente dialogaram de maneira ativa e respaldaram linhas de atuação administrativa em relação a estas “alteridades internas”. Por mais que pensassem reproduzir as estratégias de

investigação, os tropos narrativos e as argumentações usuais nas antropologias

(^5) Ver Miceli (1993) para uma investigação muito atenta e rigorosa sobre o surgimento das pós- graduações no Brasil e a influência dos organismos de financiamento (públicos e privados, nacionais ou não) em tal processo.

Desafios contemporâneos para a antropologia no Brasil 149 pintores, escultores, músicos) e pensadores na segunda metade do século XIX penetrou em todas as camadas sociais, conformando as bases do que o brasileiro médio pensa e sente sobre os indígenas. Isso poderia ser resumido de maneira singela na seguinte postura: “Basicamente, todos os brasileiros descendem dos indígenas, que eram pessoas nobres e altivas antes da chegada dos colonizadores. O tratamento algumas vezes duro recebido por parte dos portugueses, associado às epidemias e a sua dificuldade em adaptar-se ao modo de vida da colônia, levou ao seu extermínio quase completo. Daquele passado glorioso apenas sobreviveram uns poucos grupos em situações remotas, enquanto se encontram vestígios dispersos e frequentes na toponímia, nas lembranças familiares e nos costumes”. O processo histórico da independência – realizado sem uma ruptura na forma política (monarquia), que se manteve vinculada à mesma dinastia portuguesa – parece ter ficado inconcluso. Paradoxalmente, coube à arte e ao pensamento social brasileiro promover aquilo que a política não tinha realizado, apartando no plano afetivo e simbólico a jovem nação de sua antiga potência colonizadora. Por meio da revalorização de um indígena como antepassado e de uma herança indígena – bastante dispersa mas bastante revalorizada (incluindo descendência, modos de afetividade e relações com a natureza tropical) - os brasileiros se distanciaram de uma origem portuguesa e construíram para si mesmos, ainda durante o Império, uma identidade nacional bem específica (PACHECO DE OLIVEIRA, 2009). O segundo aspecto a levar em conta é a existência de uma agência estatal específica (Serviço de Proteção ao Índio – SPI) criada em 1910, sob o controle de militares positivistas, a qual conduziu à consolidação de um verdadeiro saber administrativo, o chamado “sertanismo”^6 ou “rondonismo”^7. Mais que a observação dos costumes indígenas ou a incorporação de conhecimentos antropológicos em seus procedimentos práticos, valorizaram principalmente as experiências diretas de contato e “pacificação” dos indígenas realizadas por agentes governamentais. A visão romântica (herdada do indianismo) continuou inspirando as intervenções práticas, associada desde o começo a uma perspectiva autoritária e paternalista na qual se reafirmavam a incapacidade civil do indígena e a necessidade absoluta de uma tutela protetora. Apesar de suas fortes semelhanças com aquela exercida pelos missionários, tal tutela era pensada agora como uma atividade laica e influenciada pelo positivismo comtiano (portanto, com uma rigorosa exclusão das práticas religiosas). (^6) Por sertanismo me refiro ao conjunto de técnicas e saberes que, desde o século XVII, tem orientado as expedições de entrada pelo interior do Brasil (chamados “sertões”, desabitados pelo homem branco). Aqueles que as dirigem são chamados “sertanistas” ou “bandeirantes”. (^7) Por rondonismo me refiro à doutrina relativa à proteção do índio desenvolvida pelo marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, engenheiro militar de formação positivista, e suas equipes de colaboradores. Foi o fundador da agência indigenista oficial (SPI), dirigindo-a durante várias décadas. Seu ideário associa as técnicas do sertanismo à disciplina militar, apoiando-se em pensadores nacionais (principalmente do romantismo) e no evolucionismo de Auguste Comte.

Oliveira Revista Mundaú, 2018 , n.4, p. 140 - 159 Entretanto, nas décadas de 1940 e 1950, este panorama foi alterado. Através de mútuas visitas e de intercâmbios mais frequentes, as experiências que tiveram lugar no México e nos Estados Unidos conduziram a uma redefinição das formas de intervenção da agência oficial (SPI), cuja atuação a partir dali se apoiou em uma colaboração estabelecida entre administradores e antropólogos. A própria agência indigenista e seu fundador, o

marechal Rondon, foram classificados a posteriori por Darcy Ribeiro (1970) como

“indigenistas”^8 , passando supostamente a seguir bem de perto o modelo mexicano. A participação de antropólogos no SPI se tornou um fato estratégico e nada estranho. Na década de 50, três dos principais etnólogos brasileiros desenvolveram ali seus estudos e investigações: Darcy Ribeiro, Eduardo Galvão e Roberto Cardoso de Oliveira.^9 Em 1955, em reunião da recém-fundada Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Galvão falava sobre a necessidade de um ambicioso programa de pesquisas no qual os antropólogos desenvolveriam estudos que ajudariam a prover modelos de atuação do Estado a respeito de suas populações indígenas tradicionais. Ao concluir, enunciou um lema que seria muitas vezes repetido na antropologia brasileira, reafirmando a dupla lealdade do antropólogo – aos elevados princípios da ciência à qual pertence e ao compromisso com o destino das populações estudadas. Tal preocupação repercutirá igualmente na formação de um novo objeto de investigação para a antropologia brasileira, com os estudos de fricção interétnica desenvolvidos por Roberto Cardoso do Oliveira^10 e seus discípulos, inspirados nas formulações de Georges Balandier (“situação colonial”), e Rodolfo Stavenhagen e Pablo Casanova (“colonialismo interno”). A instauração de um governo militar em 1964 evidentemente anulou a possibilidade de qualquer diálogo entre os antropólogos brasileiros e a administração pública, tornando inviáveis, inclusive, aquelas investigações que estivessem explicitamente em sintonia com os ideais de amparo às sociedades e às culturas indígenas. Enquanto isso, os antropólogos egressos dos cursos de pós-graduação implantados no país em 1968 (no Museu Nacional do Rio de Janeiro e na Universidade de São Paulo) deram continuidade a esta vertente de análise em antropologia, elaborando dezenas de etnografias sobre os povos indígenas e realizando importantes aperfeiçoamentos teóricos e metodológicos. É importante notar que no caso dos estudos sobre a população negra e as tradições religiosas afro-brasileiras os processos cognitivos tiveram uma marca muito diferente. (^8) Veja-se especialmente a segunda parte do livro, dedicada a Rondon. (^9) Para uma descrição da inter-relação de antropólogos e indigenistas nesse período, ver Antonio Carlos de Souza Lima (2008). (^10) Entre outros igualmente importantes, ver os livros de Roberto Cardoso de Oliveira publicados em 1964 e 1978.

Oliveira Revista Mundaú, 2018 , n.4, p. 140 - 159 antropólogos, alguns programas dirigidos a povos específicos (Yanomami, Ticuna, Rio Negro, Nambiquara, Guarani e Gavião). A partir dai os antropólogos formados pelos cursos de pós- graduação existentes só puderam intervir no destino das populações indígenas unicamente através de entidades civis criadas em algumas capitais a partir de 1978^14 e que mantinham ações coligadas com líderes indígenas e missionários católicos “progressistas” (reunidos no Conselho Indigenista Missionário – CIMI e na OPAN). No Brasil a trajetória acadêmica é iniciada com uma graduação genérica em Ciências Sociais, comportando áreas de concentração em sociologia, antropologia e ciências políticas^15. Uma formação específica em antropologia só tem lugar na pós-graduação (mestrado e doutorado). Isto é reconhecido até pela própria associação profissional (ABA), que só admite como sócios plenos os portadores de, no mínimo, um diploma de mestrado em antropologia. Só recentemente, com a grande expansão das pós-graduações (que, em 40 anos, passaram de apenas dois núcleos estabelecidos no eixo Rio de Janeiro/São Paulo a 17 programas distribuídos por todas as regiões do país), está se iniciando um debate sobre a criação de uma carreira acadêmica específica em antropologia. Nas décadas de 1980 e 1990, com o fim dos governos militares (1964-1984), o retorno à democracia e uma nova Carta constitucional (1988), surgiram novas demandas da sociedade em relação aos antropólogos. Estes, estimulados por linhas de investigação que recém se consolidavam nas antropologias hegemônicas (como os estudos de gênero, etnicidade, poder e sexualidade), criaram uma pauta de trabalhos extremamente diversificada na antropologia brasileira. Sob os rótulos genéricos de “minorias”, “direitos coletivos” e “novas identidades”, implicando numa reconfiguração da disciplina no país e instituindo novos objetos de conhecimento^16. Por sua vez tais antropólogos mantiveram uma permanente interlocução com movimentos sociais, organismos públicos, entidades não governamentais e agências internacionais. Deve se dedicar especial atenção aos chamados “laudos” ou “perícias” antropológicas, estudos encomendados a antropólogos por autoridades administrativas ou judiciais preocupadas em instruir processos e fundamentar suas decisões. Na esfera (^14) Foi o caso das Comissões Pró-Índio do Rio de Janeiro, São Paulo e Acre e da Associação Nacional de Apoio aos Índios/ANAI, de Porto Alegre, Ijuí, Salvador e Brasília. (^15) Até poucos anos atrás a única exceção era a Universidade de Brasília. Atualmente porém novos campi universitários estão instituindo graduações em Antropologia (Rio Tinto/PB, Tabatinga/AM e Pelotas/RS). (^16) Um exemplo desta nova forma de conceber e articular objetos distintos de conhecimento, enraizados todos em um contexto histórico preciso e referidos a uma problemática teórica, é a criação de nosso laboratório de investigação no Museu Nacional (Laced/Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento), cuja linha de investigação inclui os povos indígenas, os afrodescendentes, as questões de gênero e minorias, as políticas públicas, os movimentos sociais e as periferias urbanas.

Desafios contemporâneos para a antropologia no Brasil 153 administrativa, trata-se de estudos e trabalhos de campo realizados por antropólogos em função de uma solicitação formal da agência indigenista, tendo como objetivo a delimitação de terras para as coletividades indígenas. Na esfera jurídica, os antropólogos atuaram como peritos em assuntos indígenas, esclarecendo questões de teor antropológico. Como o reconhecimento dos direitos indígenas deve estar apoiado em considerações de ordem antropológica, são justamente os indígenas os primeiros interessados em mobilizar seus etnógrafos para a execução de tais trabalhos. Em algum momento de suas carreiras, perto de dois terços dos etnólogos brasileiros tiveram que dedicar inteiramente toda a sua energia e competência profissional à realização de tais laudos e perícias, que atualmente chegam a cerca de três centenas. Embora tais saberes tenham sido geralmente classificados pelos programas de pós-graduação como atividades de extensão ou trabalhos aplicados, foram fundamentais para a formação da maioria dos antropólogos brasileiros; além disso, ali aparecem dados e interpretações originais e de grande relevância para o conhecimento dos povos indígenas em sua contemporaneidade^17. Mas como são entendidas tais mudanças na antropologia, seja nos estudos sobre indígenas, seja nas novas áreas da disciplina? Uma perspectiva simplista, apoiada em uma visão positivista e evolucionista da história desta ciência, pretende que se trata tão somente da extensão da investigação antropológica a novos objetos. O que de fato acontece é algo bem diferente. Os trabalhos antropológicos que resultam destas novas linhas de investigação representam respostas a situações etnográficas múltiplas e bastante distintas do típico cenário colonial, implicando em uma reelaboração de métodos e objetivos da própria disciplina. Na realidade impõem uma transformação qualitativa da herança clássica e mantem também um diálogo intenso com perspectivas críticas surgidas nas antropologias hegemônicas. As verdades operacionais que geraram as condições de possibilidade da prática antropológica, que formaram seus gostos e valores e que no passado permitiram a cristalização de uma identidade própria para o antropólogo, vão sendo modificadas e substituídas a partir de experiências novas, as quais precisam ser verbalizadas através de parâmetros científicos não convencionais. Ocupar-se de forma rigorosa e consciente em analisar e tornar claras estas novas condições do trabalho antropológico, refletindo cuidadosamente sobre elas, é o melhor meio para fazer avançar o conhecimento. Trabalhar de forma científica não é reproduzindo acriticamente padrões científicos consagrados no (^17) Para uma análise dos laudos e seu impacto na renovação teórica da antropologia brasileira, veja-se Pacheco de Oliveira (2008), bem como uma recente compilação (PACHECO DE OLIVEIRA; MURA; BARBOSA, 2015).

Desafios contemporâneos para a antropologia no Brasil 155 populações autóctones já não se fazem representar exclusivamente por líderes locais ou tradicionais articulados com estruturas coloniais, mas sim dispõem cada vez mais de seus próprios intelectuais (professores bilíngues, estudantes universitários, técnicos, pastores etc.), articulando-se progressivamente em associações integradas em redes, que vão desde a aldeia até uma representação continental ou mundial. O que o jovem antropólogo investigará no campo já não pode mais ser o fruto exclusivo de um interesse acadêmico, puramente justificado por sua relevância científica e decidido entre ele, seu orientador de tese e a instituição universitária ou equipe de investigação à qual está vinculado. É necessário que os líderes da comunidade investigada

compreendam as finalidades e o modus faciendi da investigação, aprovando-a ou exigindo

reformulações. Invadir a intimidade de grupos e famílias, revelar fórmulas privativas de certos segmentos, coletar indiscriminadamente artefatos ou espécies naturais são práticas daninhas que não devem ser atualizadas. Qualquer forma de registro deverá ser objeto de uma negociação direta com os indígenas bem como com todos os demais “outros” dos antropólogos, precedida de uma “consulta informada” que lhes apresente minuciosamente as implicações que podem estar em jogo. Atualmente, já não se trata de um compromisso ou responsabilidade pessoal (“personal accountability”) exigida ao antropólogo por seus pares, como acontecia há quase quatro décadas atrás (JORGENSEN; WOLF, 1970; CONDOMINAS, 1973; BARTH, 1974). Hoje em dia, o que mais importa aos indígenas é o tema do controle sobre os múltiplos usos que podem chegar a ter os dados resultantes da investigação etnográfica. É fundamental saber em que medida as análises e as interpretações elaboradas podem afetar seu modo de vida, seus direitos e as representações sobre eles mesmos. Como uma premissa essencial a esta nova relação, o investigador é convidado a abandonar qualquer simulação de neutralidade, envolvendo-se extensamente com as demandas mais urgentes dessas coletividades. Se anteriormente isto foi firmado através de um documento político (Declaração de Barbados, 1971), hoje se fundamenta em novos pressupostos analíticos^18 e importantes consensos estabelecidos entre diferentes “saberes regionalizados” (africanistas, orientalistas, oceanistas e americanistas). Nas últimas décadas do século passado aconteceram mudanças importantes no contexto brasileiro, com um processo de redemocratização e fortes investimentos em programas de inclusão social por parte de mecanismos de cooperação internacional. O sistema de “chefias” supostamente tradicionais, articuladas com o poder das agências oficiais e dentro do horizonte político das “administrações indiretas”, começou a demonstrar sua fragilidade, ficando evidente que se tornava cada vez mais difícil e questionada a unidade de (^18) Como a teoria do discurso, a crítica hermenêutica e a antropologia do colonialismo.

Oliveira Revista Mundaú, 2018 , n.4, p. 140 - 159 ação e pensamento de qualquer das antes chamadas “etnias”. De agora em diante, os antropólogos têm que estudar povos e culturas cuja existência se manifesta de forma mais fragmentada e diversificada, e que coexistem com o dinamismo das disputas por representatividade em múltiplos níveis (gerações, facções, religiões etc.). Em relação à perspectiva dos indígenas, nota-se uma modificação progressiva. Uma vez superada a etapa de afirmação e reconhecimento básico dos direitos indígenas, a condição de “especialista” que um antropólogo pode chegar – equivocadamente - a assumir no que concerne a uma determinada cultura, incomoda cada vez mais àqueles que acionam essas identidades em suas disputas cotidianas. O fato de que uma pessoa de fora, que pode escapar aos mecanismos locais de controle, venha a ser colocada em uma posição de autoridade (logrando de algum modo arbitrar sobre questões que são objeto de discussão e reformulação coletiva), pode constituir-se em uma ameaça para os novos intelectuais e líderes indígenas. Aqui se registra uma crescente reivindicação para que os investigadores e os etnógrafos sejam os próprios indígenas, o que desnivelaria menos as disputas por consenso, por interpretações autorizadas ou por autenticidade. A possibilidade de que os indígenas comecem a disputar um espaço de representação, onde anteriormente o antropólogo transitava com relativa liberdade e com inquestionável legitimidade científica, certamente trará muitas consequências importantes para as novas formas do “fazer antropológico”. O antropólogo precisará explicar melhor a especificidade de seu olhar e de seu conhecimento, tanto diante das coletividades que estuda como diante das diferentes esferas governamentais e da opinião pública. Considerando também a enorme ampliação de seu campo de investigação, o surgimento de novos temas e métodos, assim como a existência de elos importantes com outras disciplinas, impõe-se uma reflexão que possa fundamentar novas posturas científicas. Sobretudo é preciso repensar as autorrepresentações estáticas e confortáveis da disciplina, pois o que está em debate é a própria natureza do conhecimento antropológico. Para encerrar, eu gostaria de reiterar o meu desconforto com a autorrepresentação habitual da Antropologia, seja em contextos periféricos, ou metropolitanos, associada a uma visão normativa e homogeneizadora da ciência e limitada por uma perspectiva eurocêntrica^19. Os projetos de formação institucional nas antropologias periféricas precisam ser analisados não por meio das autorrepresentações engendradas a partir da importação descontextualizada de conhecimentos, mas sim através de uma análise cuidadosa das práticas concretas de investigação atualizadas, observando os resultados produzidos e procurando tomar consciência do campo de possibilidades que instauraram e também de seus limites. (^19) Ver Ribeiro e Escobar (2006), Restrepo e Escobar (2005), cujas elaborações apontam firmemente nesta direção.

Oliveira Revista Mundaú, 2018 , n.4, p. 140 - 159

EVANS-PRITCHARD, E.E.; FORTES, M. Introduction. In: ___ (eds.). African Political Systems. London:

African International Institute/Oxford University Press, 1970 [1940].

FARDON, R. Localizing strategies: regional traditions of ethnographic writing. Edimburgh e

Washington: Scottish Academic Press/Smithsonian Institution, 1990.

FERNANDES, FLORESTAN - O negro no mundo dos brancos. São Paulo, Difusão Européisa do Livro,

________________.A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo, Atica, 1978.

GRUNBERG, Georg (org.). Articulación de la diversidad: Tercera reunión de Barbados. Quito: Abya Yala,

IANNI, OCTAVIO – Raças e classes sociais no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966.

JORGENSEN, Joseph G.; WOLF, Eric. Anthropology on the Warpath in Thailand. The New York Review of Books , v. 15, n. 9, p. 26-35, 19 /11/1970. Disponível em: http://www.nybooks.com/articles/10763.

Acesso em: 20/02/2010.

KUPER, Adam. Anthropology and anthropologists: The British School 1922-1972. London: Allan Lane,

________________.Culture: the anthropologist’s account. Cambridge: Harvard University Press, 1999.

KROTZ, Esteban. La otredad cultural entre utopia y ciencia: Un estudio sobre el origen, el desarrollo y

la reorientación de la Antropología. Madrid: Fondo de Cultura Económica de España, 2002.

L´ÉTOILE, Benoit. L´Afrique comme laboratoire: expériences réformatrices et révolution

anthropologique dans l´empire colonial britanique (1920- 19 50). Tese (Doutorado em Anthropologia

Social) – Paris, École des Hautes Études en Sciences Sociales, 2004.

LIMA, Antonio Carlos de Souza. Indigenism in Brazil: migration and reapropriation of an

administrative knowledge. In: L´ESTOILE, B.; NEIBURG, F.; SIGAUD, L. (eds.). Empires, Nations, and

Natives. Anthropology and State-making. Duham: Duke University Press, 2008.

MICELI, Sergio. A Fundação Ford no Brasil. São Paulo: Sumaré, 1993.

PACHECO DE OLIVEIRA, João. Pluralizando tradiciones etnográficas: Sobre un cierto mal estar en la

Antropologia. In: ___. Hacia una Antropología del Indigenismo. Lima e Rio de Janeiro: CAAAP/Contra

Capa, 2006. p. 201 - 218.

________________.The anthropologist as expert: Brazilian Ethnology between indianism and indigenism.

In: L´ESTOILE, B.; NEIBURG, F.; SIGAUD, L. (eds.). Empires, Nations, and Natives. Anthropology and

State-making. Duham: Duke University Press, 2008. p. 223 - 247.

________________.Contemporary indigenous politics in Brazil: Three modes of indigenous political

performance. In: SINGH, Priti (ed.). Indigenous Identity and Activism. Delhi: Shipra, 2009. p. 80-103.

Desafios contemporâneos para a antropologia no Brasil 159 ________________.As mortes do indígena no Império do Brasil: o indianismo, a formação de

nacionalidade e seus esquecimentos. In: AZEVEDO, Cecília et al. (orgs.). Cultura política, memória e

historiografia. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2009.

________________.Etnografia enquanto compartilhamento e comunicação. Desafios atuais às

representações coloniais da Antropologia. In: FELDMANN-BIANCO, Bela (ed.). Desafios da

Antropologia Brasileira. ABA Publicações, 2013.

PACHECO DE OLIVEIRA, J.; MURA, F.; BARBOSA, A. (eds.). Laudos Antropológicos em Perspectiva. ABA

Publicações, 2015.

PELS, Peter; SALEMINK, Oscar. Colonial subjects: essays on the practical history of anthropology. Ann

Arbor: University of Michigan Press, 1999.

RESTREPO, Eduardo; ESCOBAR, Arturo. “Other anthropologies” and “anthropology otherwise”: steps

to a world anthropology network. Critique of Anthropology , 25 (2), p. 99 - 128 , 2005. RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970.

RIBEIRO, Gustavo Lins; ESCOBAR, Arturo. World Anthropologies: Disciplinary Transformations in

Systems of Power. In: ___ (eds.). World Anthropologies: Disciplinary Transformations in Systems of

Power. Oxford: Berg, 2006. p. 1-25.

STOCKING, George W. Race, culture, and evolution: essays in the history of Anthropology. Chicago The

University of Chicago Press, 1968.

________________.Shaping of American Anthropology, 1883- 1911. Chicago: The University of Chicago

Press, 1974.

________________.Functionalism historicized: Essays on British social anthropology. Madison: The

University of Wisconsin Press, 1984.

________________.Observers observed: essays on ethnographic field work. Madison: The University of

Wisconsin Press, 1984.

________________.Colonial situations: essays on the production of anthropological knowledge. Madison:

The University of Wisconsin Press, 1988.

________________.Volkgeist as method and ethic: essays on boasian ethnography and the German anthropological tradition. Madison: The University of Wisconsin Press, 1996. ________________.Unfinished business: Robert Gelstom Armstrong, the Federal Bureau of Investigation,

and the history of Anthropology in Chicago and at Nigeria. In: HANDLER, Richard (ed.). Central sites,

peripheral visions: cultural and institutional crossings in the history of anthropology. Madison:

University of Wisconsin Press, 2006. p. 99-247.

Recebido em 10 de março de 2018.

Aprovado em 10 de junho de 2018.