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e Alcenir Ribeiro Modro (in memorian), a minha irmã ... similaridades entre o filme ficcional Uma Prova de Amor (2009) e um caso real ocorrido.
Tipologia: Notas de estudo
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Tese de Doutoramento para a obtenção do grau de Doutor em Direito – Especialidade Ciências Jurídicas
Autor: Nielson Ribeiro Modro
Orientador: Professora Doutora Stela Marcos de Almeida Neves Barbas
Número do candidato: 20150223
Setembro de 2021 Lisboa
Tese de Doutoramento apresentada à Universidade Autónoma de Lisboa, Departamento de Direito, para a obtenção do grau de Doutor em Direito – Especialidade Ciências Jurídicas.
Autor: Nielson Ribeiro Modro
Orientador: Professora Doutora Stela Marcos de Almeida Neves Barbas
Setembro de 2021 LISBOA
MODRO, Nielson Ribeiro. REPRODUÇÃO HUMANA PARA DOAÇÃO DE ÓRGÃOS: QUESTÕES JURÍDICAS NUM ESTUDO DE CASO. (Doutorado em Ciências Jurídicas) - Universidade Autónoma de Lisboa, Lisboa, 2020.
Esta tese analisa questões jurídicas e bioéticas envolvendo a geração de seres humanos, manipulados geneticamente para serem doadores de órgãos e quais os limites que envolvem o biodireito neste procedimento. A metodologia adotada é a pesquisa bibliográfica, tendo como método o dedutivo. Possui caráter de análise comparativa por basear-se no uso de diplomas legais de países distintos, Portugal e Brasil, ao fim apresentando uma análise de caso num paralelo entre o mundo ficcional e real. Estruturalmente a presente tese possui uma introdução, três capítulos teóricos e uma conclusão. O primeiro capítulo traz definições de direito, bioética, biodireito, direitos e garantias fundamentais e direitos de personalidade. O segundo capítulo apresenta o cinema como fonte de discussões sobre os mais variados temas, incluindo-se questões juridicamente pertinentes quanto à eugenia, à clonagem e à doação de órgãos, por vezes sendo o ficcional de hoje o prenúncio da realidade do amanhã. O terceiro capítulo analisa similaridades entre o filme ficcional Uma Prova de Amor (2009) e um caso real ocorrido no Brasil, com limites éticos bastante tênues. Criou-se um ser humano com características previamente definidas e totalmente compatível geneticamente com outro para servir como doador a este, uma prática eventualmente questionável juridicamente quanto aos limites dos direitos fundamentais e de personalidade. Ao fim propõe-se uma análise quanto às novas possibilidades que se vislumbram no mundo atual frente à biotecologia. Objetiva- se assim realizar um estudo com entendimento doutrinário quanto a questões relativas ao biodireito e seus limites com fronteiras cada dia mais tênues entre ficção e realidade.
Palavras-chave: Direito luso-brasileiro; Biodireito; Clonagem; Doação de órgãos; Manipulação genética.
This thesis analyzes legal and bioethical issues involving the generation of human beings, genetically manipulated to be organ donors and what limits involve biolaw in this procedure. The methodology adopted is bibliographic research, using the deductive method. It has the character of comparative analysis because it is based on the use of legal diplomas from different countries, Portugal and Brazil, at the end presenting a case analysis in a parallel between the fictional and real world. Structurally, this thesis has an introduction, three theoretical chapters and a conclusion. The first chapter brings definitions of law, bioethics, biolaw, fundamental rights and guarantees and personality’s rights. The second chapter presents cinema as a source of discussions on the most varied subjects, including legally pertinent questions regarding eugenics, cloning and organ donation, sometimes being todays’s fiction the harbinger of tomorrow’s reality. The third chapter analyzes similarities between the fictional movie Uma Prova de Amor (2009) and a real case what happened in Brazil, whith very tenuous ethical limits. A human being with previously defined characteristics and fully genetically compatible with another one to serve as a donor to the latter, a practice that could de legally questionable as to the limits of fundamental rights and personality. At the end, an analysis of the new possibilities that be seen in the current world. In terms of biotechnology us proposed. The objective is thus to carry out a study with a doctrinal understanding of issues related to biolaw and its limits with increasingly blurred borders between fiction and reality.
Keywords: Luso-Brazilian law; Biorights; Cloning; Organ donation; Genetic manipulation.
necessariamente em novos regramentos jurídicos pois podem eventualmente adentrar em campos que necessitem, como será visto à frente, sua regularização legal. Sem dúvida o mundo ficcional por inúmeras vezes esteve muito à frente de seu mundo historicamente presente ou, conforme Cláudio Cardoso de Paiva ao afirmar sobre esta antecipação do futuro por parte de visionistas ficcionais, cabe aos mesmos a decifração do significado das narrativas de ficção e cujo desafio imposto “é explorar o sentido dessa modernidade antecipada na literatura e na ficção do cinema, e hoje realizada, em grande parte, no atual cenário da vida cotidiana”. 3 É fato que nada impede que narrativas ficcionais de hoje possam ser uma realidade possível num futuro próximo, assim como já ocorreu com muito da ficção do passado. Por óbvio que, por se tratar de mudanças do cotidiano, em inúmeros casos há questões juridicamente pertinentes relativas a estas transformações, afinal o ser humano (con)vive em sociedade e faz-se necessário um ordenamento social para a sua própria manutenção harmônica e subsistência. Neste sentido, para uma definição bastante genérica de direito, pode-se usar a máxima aristotélica de que o homem é um “animal social” e por extensão é necessário que haja uma organização grupal que permita sua convivência e, por certo, com a existência de regras definidas para que isso ocorra harmonicamente, ou seja, que haja um ordenamento jurídico. Mais que isto, sem um ordenamento social mínimo, encontrado mesmo em grupos de animais irracionais, torna-se impossível a existência de uma convivência em comum. Acrescente-se ainda uma definição bastante simples, conforme afirma Miguel Reale, que “aos olhos do homem comum o Direito é lei e ordem , isto é, um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros".^4 Ainda, em relação a esta necessária organização social para uma convivência social pacífica e harmônica, conforme Oliveira Ascensão, pode-se complementar dizendo que “o direito é a ordem normativa vigente em cada sociedade, destinada a estabelecer os aspectos fundamentais da convivência que condiciona, a paz social e a realização das pessoas, que se funda em critérios com exigência absoluta de observância”.^5 Em outras palavras e de forma muito simplista e jusnaturalista pode-se dizer que o Direito pode ser definido como as regras de
(^3) PAIVA, Cláudio Cardoso de. O cinema, a realidade virtual e a memória do futuro. Unisinos, RS, Revista Fronteiras – estudos midiáticos Vol. IX Nº 3: 188-196, set/dez 2007, p. 189. [em linha]. Consultado em 15 jan. 2019. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/ index.php/fronteiras/article/view/5856/3042. 4 5 REALE, Miguel.^ Lições preliminares de direito.^ 27ª ed. São Paulo: Saraiva,^ 2002.^ p. 1. ASCENSÃO, José de Oliveira. Introdução à ciência do Direito. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 200.
coexistência social estabelecidas pela sociedade num dado momento histórico e localização geográfica, buscando uma convivência harmônica do grupo social que ali habita. Sua efetivação enquanto normas coercitivas a serem seguidas dá-se pela sua positivação, ou seja, a sua materialização em norma escrita. Neste sentido Brenda Almeida e outros, concluem que se por um lado os naturalistas voltam-se contra o direito positivado, haja vista haver princípios éticos que vão muito além da palavra formalmente escrita e que só haveria justiça caso houvesse consonância com tais princípios, por outro lado os positivistas separam o valor moral do conceito de justiça tendo como válidos apenas aquilo que é criado pelo Estado.^6 Há, de fato, uma distância significativa entre o que se pode considerar correto do ponto de vista moral e do ponto de vista jurídico. Nem sempre o que é justo moralmente também o é necessariamente juridicamente, e vice-versa. Com efeito, quanto às transformações advindas da tecnologia atual, pode-se afirmar que nunca houve um momento anterior na história da humanidade em que as palavras do ex-presidente norte- americano Abraham Lincoln fossem tão significativas. Conforme Vera dos Santos, “nesse sentido, vale a pena lembrar os dizeres de Abraham Lincoln (1809-1865): ‘Não se esqueça que o que é justo do ponto de vista legal pode não sê-lo do ponto de vista moral’”^7. Ou ainda, na premissa Aristotélica distinguindo a justiça e a moral, conforme explicada por Denis Silveira:
Nos capítulos 1- 5 do Livro V da EN, Aristóteles estabelece uma distinção entre a justiça entendida como virtude , que corresponde ao que é o moral (ou legal-moral), geralmente classificada como justiça universal e a justiça que é uma parte da justiça como virtude, que corresponde ao que respeita a igualdade , comumente classificada por justiça particular, especificando três tipos: distributiva, corretiva e comercial, com os critérios de igualdade geométrica, igualdade aritmética e reciprocidade, respectivamente. Esta homonímia da palavra justiça revela uma distinção entre uma moral privada, em que o que é justo é aquilo que é o moralmente correto, que deve ser determinado pelo agente através de um processo deliberativo e uma moral pública, em que o correto é determinado por princípios de
(^6) ALMEIDA, Brenda et al. Jusnaturalismo e juspositivismo: As duas correntes do Direito. In: Livro de Resumos Expandidos do IV Congresso Interdisciplinar, 2017 - Responsabilidade, Ciência e Ética, Volume 4, Número 1, 2018, ISSN: 2595-7732, Goianésia: FACEG, 2018. [em linha]. Consultado em 22 jan. 2020. Disponível em: http://anais.unievangelica.edu 7 .br/ index.php/cifaeg/article/view/824. SANTOS, Vera Lúcia Nunes dos. Manipulação de resultados e características do conselho de administração: Alemanha e Reino Unido. Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Contabilidade. Instituto Universitário de Lisboa, 2008. [em linha]. Consultado em 16 jul. 2019. Disponível em: https://repositorio.iscte-iul.pt/handle/10071/1372. p. 7.
Desta forma, a prerrogativa no uso do patrimônio genético é exclusivamente do próprio indivíduo que a possui. Mas, ressalte-se que no mundo ficcional, ora estudado em confronto com o mundo real, o que desperta a atenção é quanto à possibilidade infinita de probabilidades imagináveis no campo da manipulação genética e de suas possíveis consequências, incluindo-se a usurpação de patrimônio genético alheio. Pode-se afirmar, sem hesitação alguma, que hoje a engenharia genética pode realizar manipulações nitidamente sem limites com possíveis sérias ameaças que envolvam inclusive questões de biopoder. Diante desta possibilidade, Maria Helena Diniz afirma que:
Deveras, a ameaça da técnica sobre a humanidade gerou uma ética para a civilização biotecnológica a fim de que se pudesse preservar a dignidade da pessoa humana dos abusos do biopoder, da revolução biológica desencadeada pela descoberta do DNA, de geneterapia, das novas técnicas biomédicas e farmacológicas e do desenvolvimento da genética molecular, mediante uma reflexão, que é tipicamente bioética, sobre o fenômeno da vida e da morte.^11
Tem-se assim um novo paradigma no mundo atual, calcado numa priorização de extrema liberdade do sujeito e de seus desejos em detrimento do outro, do social. Em sendo assim, há que se pautar o desenvolvimento biotecnológico em firmes bases para que não se possibilite a usurpação da dignidade humana. Há hoje uma tendência perigosa de valorizar-se a liberdade irrestrita do indivíduo, satisfazendo todos seus anseios e esquecendo-se de que a base do direito é a sociedade, a relação entre os sujeitos e não a vontade do indivíduo. Neste sentido Diogo Leite de Campos afirma que “o dogma da vontade, extraído do domínio neutral do comércio das coisas, foi transferido para o domínio das pessoas. Excluindo-se qualquer interesse que não seja o interesse subjectivo. Excluindo-se o nós , o inter-relacionamento, em favor do eu em oposição ao tu ”.^12 Tem-se assim um mundo hoje no qual a liberdade, o desejo, a importância do sujeito eu apresenta-se como algo inatingível, ainda que a premissa social seja a mais importante. A liberdade do eu é a premissa para qualquer ato que se queira realizar, ainda que seja discutível do ponto de vista ético. Assim, importante salientar quanto ao perigo de alguém que possua um biopoder eventualmente, alheio a quaisquer mecanismos éticos, possa vir a utilizá-lo apenas conforme seu bel prazer e desejo.
(^11) DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 30. (^12) CAMPOS, Diogo Leite de. O estatuto jurídico da pessoa depois da morte. In: Revista Jurídica Luso- brasileira, Ano 2 (2016), nº 4, 477-487. p. 480.
De fato, com os avanços tecnológicos da atualidade percebe-se que o mundo da ficção científica está cada vez mais próximo do mundo real e há nisto nítidos reflexos e implicações jurídicas incluindo-se quais seriam seus limites, até mesmo quanto a serem utilizados para satisfação de anseios pessoais. Esta situação gera inúmeras dúvidas e questões éticas como: Qual o limite entre o que pode ser aparentemente justo e o que ainda é moralmente aceito? Quais os limites quanto ao uso do DNA? Quais os limites no uso da manipulação genética, incluindo-se a de humanos? Quais os limites entre a disposição do próprio corpo ou parte dele em detrimento de outro ser humano? Ainda, quais os limites quanto ao uso da clonagem e da eugenia, pela busca de uma realidade mais desejável? Enfim, pode-se gerar um ser humano com o objetivo de prover órgãos para outro ser humano e qual a sua liberdade em poder aceitar ou não tal função? Quais os limites quanto aos direitos de personalidade no que se diz respeito à vontade individual? Quais são os limites ético-morais e jurídicos das novas tecnologias sem afrontar os direitos fundamentais e a individualidade do ser? Os avanços científicos são contínuos e velozes, gerando profundas mudanças, sendo que muitas vezes não são acompanhadas no mesmo ritmo pelo Direito, gerando um descompasso entra a realidade possível e o seu ordenamento regulatório. Ou ainda, perceba-se as implicações jurídicas mesmo num caso concreto, aparentemente simples, numa já quase cotidiana realidade do uso do DNA para fins de identificação criminal, com eventuais limites aos direitos individuais, à integridade física e à liberdade eventualmente sendo usurpados. Poder-se- ia impor uma identificação genética para uma investigação criminal ou neste caso não haveria a violação da intimidade e da liberdade do investigado? Conforme alertado por Stela Barbas, quanto ao uso de DNA para identificar a culpabilidade ou não de um investigado, necessário observar que “a execução deste processo tem que ter em conta princípios fundamentais como a dignidade do homem, o respeito ao corpo humano, os direitos de defesa, a autonomia, etc”.^13 A utilização do DNA no auxílio da identificação de possíveis criminosos é um caminho em que se busca proteger a sociedade com uma justiça eficaz, ainda que possa esbarrar em limites das liberdades individuais e direitos de defesa do acusado, pois ainda que haja o consentimento deste tal procedimento invade sua esfera íntima. Porém, como argumenta Stela Barbas, como lidar com tal inviolabilidade da esfera íntima em se tratando de um caso de violação, seria na prática a “inviolabilidade da pessoa do violador?!”^14
(^13) BARBAS, Stela. Direito do genoma humano. Lisboa: Almedina, 2007. p. 644. (^14) Idem. p. 650.
na tua pessoa como na do outro, sempre e ao mesmo tempo, como um fim e nunca simplesmente como um meio”.^16 Em outras palavras, pode-se afirmar que se trata de sentir e expressar a dignidade humana pelo corpo humano como o suporte biológico da própria existência e, desse modo, quando se tratam de questões no campo da bioética é difícil uma delimitação quanto ao seu conceito e quanto a práticas que ofendam ou não este princípio. É neste mesmo diapasão que Helena Pereira Melo indica um critério de “não instrumentalização do ser humano”^17 o que força cada ser humano a ser considerado como um fim em si mesmo, sempre, em detrimento de ser considerado como mero meio para se alcançar algum objetivo, impedindo desta forma que seja tratado como mero objeto, ou coisa. Por certo, quanto aos limites no uso da tecnologia, não há respostas completas e acabadas justamente porque a legislação atual ainda apresenta lacunas quanto ao atual avanço científico no campo da biologia humana e a cada dia, inevitavelmente, surgem ainda outras dúvidas com os novos avanços científicos. Por consequência, nem sempre o ordenamento jurídico acompanha estas mudanças com a mesma velocidade. De fato, conforme Antônio Machado Neto, “o direito deve acompanhar a evolução da sociedade e sanar eventuais conflitos, garantindo assim uma melhor organização social“^18 , mas por certo que a velocidade da evolução tecnológica hoje é muito superior às mudanças e adaptações legais possíveis e necessárias. Porém é também certo que as mudanças sociais implicam em mudanças legislativas para ordenar as novas configurações da sociedade. Pois, segundo Aluisio Schumacher e Mariana Braga, “uma mudança legislativa é uma mudança imposta pelo Estado. Reflete a relação Estado-coletividade. Em virtude de imposição legal, o Estado força mudanças sociais”^19 e, sem dúvida, há a constante obrigação de revisar conceitos jurídicos em consonância com as mudanças sociais, adaptando-os às novas realidades, mas sem olvidar de seus limites ético-morais. Trata-se assim de uma via de mão dupla na qual uma é inerente à outra e ainda necessariamente interligadas.
(^16) KANT, Immanuel. Fundamentação da metafisica dos costumes (1785). Tradução: Paulo Quintela. São Paulo: Edições 70, Almedina Brasil, 1991. p. 69. 17 18 MELO, Helena Pereira.^ Manual de biodireito. Coimbra: Almedina, 2008. p. 212. 19 MACHADO NETO, Antônio Luiz.^ Sociologia jurídica.^ 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 412. BRAGA, Mariana Moron Saes; SCHUMACHER, Aluisio Almeida. Direito e inclusão da pessoa com deficiência: uma análise orientada pela teoria do reconhecimento social de Axel Honneth. Sociedade e Estado, vol. 28, nº 2, Brasília, May/Aug. 2013. [em linha]. Consultado em 21 maio. 2019. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69922013000200010 &script=sci_arttext&tlng=pt.
No presente trabalho, o recorte realizado será mais especificamente uma abordagem quanto a questões relativas à bioética, fundamentando-as juridicamente (biodireito) e serão abordadas questões ficcionais que podem eventualmente virar fatos no mundo real num futuro próximo, gerando lacunas e dúvidas jurídicas, para ao fim realizar um estudo de caso em que literalmente a vida (caso real) imita a arte (obra cinematográfica). Em vista disso, no terceiro e último capítulo será analisado um caso real no qual uma família optou e decidiu por gerar uma nova filha, eugenicamente com material genético manipulado em laboratório, para que fosse geneticamente idêntica e compatível com uma filha já existente mas enferma para, assim, ser a futura doadora de órgãos para a irmã mais velha com a finalidade de curá-la de uma doença hereditária. Legalmente houve tutela jurídica estatal e o final da história, até o presente momento, é feliz. Mas, reitera-se a pergunta, quais seriam os limites ético-jurídicos para tais procedimentos? Aparentemente, até o momento, o que houve foi um procedimento simples, eficaz e com final desejável. Mas, a questão que se busca analisar é se em um futuro próximo, poderia haver algumas outras possibilidades que juridicamente poderão ser questionáveis assim como já o foram em um passado recente da humanidade. Veja-se por exemplo ementa de ação impetrada no Brasil quanto aos experimentos eugênicos realizados na Alemanha Nazista no período da Segunda Guerra Mundial:
DIREITO PROCESSUAL E DIREITO INTERNACIONAL. PROPOSITURA, POR FRANCÊS NATURALIZADO BRASILEIRO, DE AÇÃO EM FACE DA REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA VISANDO A RECEBER INDENIZAÇÃO PELOS DANOS SOFRIDOS POR ELE E POR SUA FAMÍLIA, DE ETNIA JUDAICA, DURANTE A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO FRANCES NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. SENTENÇA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU QUE EXTINGUIRA O PROCESSO POR SER, A AUTORIDADE JUDICIÁRIA BRASILEIRA, INTERNACIONALMENTE INCOMPETENTE PARA O JULGAMENTO DA CAUSA. REFORMA DA SENTENÇA RECORRIDA.^20
Observe-se, como neste caso acima, a abertura para uma infinita possibilidade de futuras discussões jurídicas advindas de experimentos realizados através de manipulação genética, ainda que voltados para uma melhora biológica.
(^20) BRASIL. Acórdão 3º Turma STJ – RO , 13 de maio de 2008. [em linha]. Consultado em 15 jun. 2019. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/780951/recurso-ordinario-ro-64-sp-2008- 66-4?ref=serp.
Desta forma, para atingir o objetivo proposto, que é a análise sobre questões bioéticas e jurídicas que envolvem temas relativos à doação de órgãos, mais especificamente quanto à possiblidade da geração de seres humanos unicamente com esta finalidade e quais são os limites bioéticos na geração de seres humanos com a finalidade de serem doadores de órgãos, serão desenvolvidos três capítulos. Especificamente um capítulo de introdução teórica e juridicamente embasado em diplomas legais atuais, um capítulo de embasamento teórico sobre o uso da ficção/filmes como base para comparação/análise do mundo real e um terceiro e último capítulo no qual se faz um estudo de caso, buscando associar ficção e realidade e fomentar possíveis desdobramentos, bem como consequências jurídicas, do caso real analisado. A metodologia do presente trabalho de pesquisa tem por base a pesquisa bibliográfica, ou seja, um procedimento sistemático de coleta e disposição de informações de forma organizada e não aleatória. De fato, qualquer pesquisa se pauta em essência, ainda que enquanto embasamento teórico para práticas experimentais, pela busca de referências já publicadas. Ou seja, segundo Antonio Henriques e João Bosco Medeiros, trata-se de pesquisa elaborada “com material já publicado, recolhendo informações da leitura de livros, teses de doutorado, dissertações de mestrado, artigos científicos, anais, documentos, leis, artigos de jornal, revistas, discos, CDs, textos da Internet”.^24 A pesquisa bibliográfica realizada terá ainda como base o método dedutivo, ou seja, utilizar-se-á uma cadeia de raciocínio descendente, da análise geral para a particular, até chegar a uma conclusão. Parte-se de duas proposições para se inferir uma terceira, conclusiva. Também conforme os mesmos autores acima “o método dedutivo parte de enunciados gerais (princípios) tidos como verdadeiros e indiscutíveis para chegar a uma conclusão. É um método puramente formal, que se vale apenas da Lógica”.^25 Também pelo seu objeto de pesquisa basear-se no uso de diplomas legais de países distintos, principalmente Portugal e Brasil, terá ainda um caráter de análise comparativa do ponto de vista jurídico e uma abordagem quanto a um estudo de caso real ocorrido no Brasil comparativamente quanto ao mundo ficcional apresentado em um filme norte- americano da década de 90. Trata-se assim de estudo pautado na busca por entendimento doutrinário quanto a questões relativas à bioética e seus limites jurídicos, fundamentando-se teoricamente o
(^24) HENRIQUES, Antonio; MEDEIROS, João Bosco. Metodologia científica na pesquisa jurídica. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 147. 25 Idem. p. 36.
mesmo para posteriormente buscar analisar um caso real ocorrido no Brasil, comprovando que os limites entre ficção e realidade ficam cada dia mais tênues e podem impactar no mundo jurídico. O estudo de caso é uma das metodologias mais comuns no campo da construção de conhecimento, sendo utilizada para fornecer subsídios quanto a fenômenos sócio- políticos individuais ou grupais e nos mais variados campos científicos na busca por se entender a complexidade dos fenômenos sociais. Robert Yin afirma, quanto ao estudo de caso, que o mesmo permite ao investigador focar determinada situação buscando reter uma perspectiva abrangente e real “como no estudo dos ciclos individuais da vida, o comportamento dos pequenos grupos, os processos organizacionais e administrativos, a mudança de vizinhança, o desempenho escolar, as relações internacionais e a maturação das indústrias”.^26 Ou seja, justifica-se aqui a análise de um caso específico que serve como paradigma para uma eventual realidade futura, complexa e que exigirá por certo novas medidas legislativas e ordenamento jurídico adequado. Em relação aos estudos desenvolvidos nas áreas jurídicas a busca é quanto a enfocar seus resultados de forma funcional e quanto aos seus possíveis reflexos no mundo real. Complemente-se ainda que o presente trabalho pode ser definido na categoria de pesquisa básica, a qual não necessariamente tem uma aplicabilidade imediata, mas que eventualmente num futuro próximo pode servir como base de pesquisas aplicadas, com a busca pela construção de soluções jurídicas que envolvam os temas aqui propostos. Sendo assim, em suma, o primeiro capítulo da presente tese apresentará algumas questões introdutórias referentes ao direito, à bioética, ao biodireito e aos direitos fundamentais e de personalidade. Tema amplo e que merece uma breve consideração do que será matéria a ser discutida nos capítulos vindouros. Quanto a uma breve definição de bioética, a “ética da vida” e de sua aplicabilidade, de suas perspectivas de avanço tecnológico e de possíveis perigos é em suma o estudo de questões relativas à vida de forma ética. Trata-se de tema de suma importância, com interesse cada vez maior a partir do Século XX seja em seu início com a criação de muitas sociedades eugênicas ao redor do mundo, seja próximo à sua metade, com a concretização do programa nazista de melhoria da raça ariana, passando ainda pela possibilidade da criação de armas biológicas. A base é sempre pautar-se o
(^26) YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 5ª ed. Tradução: Cristhian Matheus Herrera. Porto Alegre: Bookman, 2015. p. 4.