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Dejour fala sobre o suicidio e auxilia a entender o conceito
Tipologia: Teses (TCC)
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Não perca as partes importantes!
Prefácio à edição brasileira Laerte Idal Sznelwar, Selma Lancman & Seiji Uchida 7
Introdução 11
Primeira Parte O suicídio no trabalho, sua frequência, suas consequências 15
Segunda Parte Uma intervenção em uma indústria após vários suicídios 57
Terceira Parte Comentário metodológico 105
Posfácio Heliete Karam 125
Bibliografia 127
Dejours e Florence Bègue, suscita muitas questões. Já havíamos nos defrontado com várias delas ao intervirmos em situações de trabalho, onde o elevado sofrimento de trabalhadores demonstrava as situações de impasse e os dilemas com os quais conviviam cotidianamente. Patogêni- co, insuportável, este sofrimento tinha a ver com maneiras de organizar e avaliar o trabalho e com as relações de trabalho tão deterioradas que, apesar de não necessariamente ter resultado em casos de suicídio, nos levou a refletir, inspirados na psicodinâmica do trabalho, em como melhor intervir e como ajudar esses trabalhadores a recuperarem seu poder de refletir e, consequentemente, de agir no sentido da transformação do trabalhar.
A partir desta leitura instigante, mais especificamente do caso relatado e da inevitável analogia que fizemos com outras experiências fundadas em abordagens clínicas do trabalho e daquilo que nós mesmos já havíamos vivenciado ao tratar dessas questões e, em especial as relacionadas à saúde mental dos trabalhadores, fica evidente que, apesar de o livro lidar com uma questão extrema como a do suicídio, na realidade, trata-se de uma obra que tem uma abrangência maior e que suscita reflexões mais amplas.
Trabalho e suicídio
são na França, não se pode afirmar que seja um problema de menor monta. Aqui, como lá, não é possível basear-se somente nas estatísticas oficiais, uma vez que, na maior parte das vezes, não se estabelece relações que liguem o ato do suicídio com questões do trabalho. Este tema ainda está revestido de um véu, quase um pacto de silencio, uma espécie de tabu no interior das organizações e instituições. Falar do suicídio, um ato extremo contra a vida, sempre é doloroso, e deixa-se para as famílias e para a esfera privada o trabalho do luto, retirando desse ato qualquer relação com o coletivo ê o' social no âmbito do trabalhar.
Todavia, há casos sim de suicídios que são considerados publicamente como ligados ao trabalho, estes são mais evi- dentes quando acontecem nas empresas ou ainda aqueles que prevalecem em categorias profissionais, consideradas "de risco", tais como profissionais da saúde, policiais ou trabalhadores do sistema bancário. Há ainda casos, menos conhecidos e não relatados na mídia, tratados de forma discreta, mas que chegam aos ouvidos dos estudiosos desse campo.
A incompreensão, a negação das relações entre suicídios com as questões relacionadas ao trabalho, o não entendimento da determinação do trabalho sobre a saúde mental, podem ser considerados como fatores que desmobilizam as pessoas, reduzindo as possibilidades de se construir ações políticas que pudessem rumar para a mudança dessas realidades.
Tudo isso nos mostra que ' necessário avançar muito em termos da questão da saúde no trabalho, em especial, no que diz respeito aos seus aspectos psíquicos. Os processos de trabalho são dinâmicos, mudam com rapidez e seus efeitos nem sempre são detectados e compreendidos com a mesma velocidade. Muito já se fez, a partir dos trabalhos em psicopatolo-
Christophe Dejours & Florence Bègue
gia e em psicodinâmica do trabalho, para se trazer estas questões para o espaço público, no âmbito das instituições e das empresas, da academia e da mídia de uma maneira mais ampla. Muito já se mostrou com relação à importância do trabalho para a construção da saúde, ou ainda para colocá-la em risco. Risco esse, sobretudo, quando as pessoas perdem a sua capacidade de pensar sobre o seu trabalho, de refletir, principalmente de construir coletivamente pontos de vista e espaços de troca, de cooperação, que os ajudem a se apropriar do desejo de trabalhar, de mudar, de recuperar o poder de agir sobre a maneira como o trabalho é organizado, numa dinâmica que leve à emancipação.
Todavia, este processo de emancipação é dificultado pelo isolamento, pela solidão. Quando não é possível se falar so- bre, quando não é possível desvelar as dinâmicas que ocor- rem no cotidiano do trabalho, o manto do silêncio se impõe.
No caso do suicídio, poderíamos trazer uma questão para reflexão. Ao não se construir uma ação transformadora, so- bretudo inspirada na que é proposta neste livro, continua-se na mesma. Continua-se no mesmo círculo vicioso, ou talvez ainda na "espiral do sofrimento", do silêncio ao silêncio. Isto porque, como demonstrado no livro, não houve palavras sobre o sofrimento patogênico e, em seguida não houve e não há palavras sobre o suicídio, o que gera um aprofundamento, um agravamento dos problemas. Este livro propõe uma ruptura dessas relações perversas e destruidoras.
Laerte Idal Sznelwar Selma Lancman Seiji Uchida
Christophe Dejours & Florence Bègue
O tema já havia sido evocado alguns anos antes, no mo- mento dos suicídios ocorridos especificamente na categoria profissional dos policiais. Mas para estes, os gestos suicidá- rios ocorriam em um meio profissional submetido a constrangimentos profissionais tão particulares que o observador os considerava como fatos "exóticos". Em realidade, os suicídios nos locais de trabalho ocorrem hoje nos meios socioprofissionais os mais distintos: são homens e mulheres que trabalham nos hospitais, nas instituições de ensino, na construção civil, nas indústrias eletroeletrônicas, nos serviços bancários, que trabalham com novas tecnologias, nos serviços comerciais, nas empresas multinacionais, entre outros.
Após a ocorrência desses dramas, um mal-estar toma conta de todos que, de alguma forma, mantiveram algum tipo de relacionamento com a vítima.
A diretoria da empresa procura isentar-se de sua respon- sabilidade, imputando, geralmente, o gesto suicidário a um "temperamento" depressivo ou psicopatológico próprio ao suicida, ou ainda a conflitos afetivos que o mesmo desenvolvia na esfera privada.
Os colegas, quase sempre consternados, evitam comentar o ocorrido, porque evoca fatos fortemente axiogênicos.
detalhadamente pelos pesquisadores do setor (cf., particularmente, os trabalhos de Michèle Salmona, Les paysans français (le travail, les métiers, la transmission des savoirs), Paris, L.Harmattan, 1994).
A complexa teia da atividade de trabalho - não só em relação ao espaço privado, mas ainda quanto à transmissão da herança e das tradições culturais, bem como em relação aos conflitos entre gerações - propiciou o surgimento de situações para as quais distinguir os processos causais, pela psicopatologia do suicídio, sempre constituiu uma tarefa clínica difícil.
Trabalho e suicídio
As organizações sindicais, os CHSCT^2 encontram-se diante de questões para as quais não estão suficientemente apare- lhados. O médico do trabalho está, frequentemente, submetido a pressões da diretoria da empresa que o dissuadem energicamente de tomar partido e de pronunciar- se sobre o evento.
Em suma: as investigações sobre o suicídio, e tudo o que precedeu o trágico desfecho, terminam, geralmente, antes mesmo de iniciadas. E se toda a série de obstáculos é excepcionalmente vencida, um grande número de atores recorre a diferentes estratégias, em um jogo bastante imbricado, para impedir que se recorra a um clínico competente. Contratam-se, preferencialmente, profissionais sem qualquer experiência específica no campo da psicopatologia, sejam eles ergonomistas, sejam sociólogos... Enfim, e isso é ainda mais deplorável, os clínicos ficam, no mais das vezes, atordoados por suas próprias angústias frente ao que se anuncia como uma investigação muito carregada afetivamente e, socialmente, explosiva. Por fim, contribuem, mais ou menos conscientemente, ao fracasso das negociações que antecedem as diligências.
Não se busca acusar - no tratamento deste quadro sombrio composto de resignações ou deserções de toda sorte em relação à procura da Inteligibilidade -, mas sobretudo evi- denciar a extraordinária força de resistência que os suicídios no trabalho imprimem na busca da verdade.
E qual a razão dessa resistência?
É possível que estes suicidas tenham sobre a desorganização do pensamento um efeito proporcional à gravidade de sua significação frente à evolução da condição humana con-
1 Comitê de higiene, segurança e condições de trabalho.
Trabalho e suicídio
As incógnitas sobre a frequência, os conhecimentos sabre o sentido
suicídio no trabalho também é encontrada nas instâncias do poder público e do Estado. Ao se apoiarem em um número pouco significativo de ocorrências, objetivam minimizar seu significado e evitar que o problema, ao emergir, traga em seu bojo a responsabilidade de adequar as políticas públicas ao novo flagelo que desponta.
Não se sabe, ao certo, quantos suicídios relacionados ao trabalho ocorrem a cada ano na França. Essa falta de conhe- cimento decorre da inexistência, nas pesquisas epidemiológicas sobre o suicídio, de rubrica que permita detectar os eventos que poderiam estar relacionados com o trabalho ou com a situação profissional.
Em verdade, o número de suicídios no local de trabalho não tem uma importância crucial em relação aos desafios presentes para o clínico. Um único suicídio em uma empresa constitui, de facto, um problema que afeta toda a comunidade de trabalho, uma vez que sua ocorrência reflete uma profunda degradação do conjunto do tecido humano e social do trabalho.
Christophe Dejours & Florence Bègue
A depressão, no ambiente de trabalho, não é realmente uma novidade. Que um assalariado esteja subjugado por sentimentos ou intenções suscetíveis a conduzi-lo ao cometimento de atos violentos contra os outros - ou a voltar contra si esta violência - é, em suma, um fenômeno banal, e sempre foi assim, seja em razão de injustiças sofridas no local do trabalho, seja em decorrência de dificuldades pessoais graves, que atingem a esfera do trabalho produtivo.
Por que então não havia, no passado, suicídios no local de trabalho? Duas são as razões identificadas.
I
Até recentemente, nos ambientes ocupados predominan- temente por homens (construção civil, indústria química e nuclear, indústria automobilística, forças armadas...), eram elaboradas estratégias de defesa específicas coletivamente concebidas para combater o sofrimento. Eram estratégias ostensivamente demonstradas em público como expressão de coragem, de força, até mesmo de invulnerabilidade ou, no mínimo, de resistência ou de indiferença diante do sofrimento: toda uma dramaturgia que metamorfoseava o sofrimento e a dor em escárnio e excluía qualquer comportamento ambíguo que poderia evocar o medo; pois este é imediatamente denunciado como indigno de um homem e típico de um habitus afeminado e desprezível.
A expressão do sofrimento, os sintomas psicopatológicos, a depressão eram invariavelmente convertidos em chacota e denunciados em bloco com tudo o que relevava da doença mental, dos psicólogos, dos psiquiatras. Cada qual devia es- conder dos outros - à sua maneira - o sofrimento, uma espé- cie de ethos profissional.
Christophe Dejours & Florence Bègue
têm o poder de tornar o regresso ao trabalho impossível. São sintomas que, no fundo, protegem o trabalhador vítima de acidente de trabalho de voltar à situação geradora de medo, medo da mutilação ou da morte por acidente de trabalho. Mas como é possível fazer com que o medo sofra uma mutação-dissimulação que faz com que ele se manifeste como uma vertigem, por exemplo?
Por que o operário conseguia, antes do acidente, enfrentar sem titubear a situação de risco, todos os dias? Não havia, antes do acidente, qualquer manifestação de medo, nem qualquer razão de sentir medo? Não, decididamente, o medo estava sempre presente no dia a dia do canteiro de obra, mas estava, até o acidente, contido pela participação do operário em uma estratégia coletiva de defesa específica dos operários da construção civil, que consiste em converter o risco em escárnio, e isso por conta de provocações organizadas coletivamente e da constante exaltação demonstrada nos atributos comportamentais da coragem viril, da invulnerabilidade, da indiferença à dor etc.
Na conjuntura da síndrome subjetiva pós-traumática, o aci- dente de trabalho que vitimou o operário desestabiliza sua relação com a estratégia coletiva de defesa. Esta foi, de alguma maneira, desqualificada pelo acidente, e o risco até então renegado volta à consciência. E com a consciência do risco, volta o medo.
Mas, em razão da estratégia coletiva de defesa que, para os outros operários, continua funcionando no canteiro de obra, é simplesmente impossível para aquele que sente medo reconhecer o seu medo, sob o risco de perder seu sentimento de pertencimento à comunidade de operários da construção civil e de virilidade dos homens de coragem, assim como de colocar
Trabalho e suicídio
em causa sua própria identidade tendo, por consequência, o risco de uma depressão ou de outra forma de descompensação psicopatológica.
Em outros termos, os sintomas aparentemente somáticos - como a vertigem ou a sensação de embriaguez, incompatí- veis com a retomada do trabalho sob-risco - mascaram, para o próprio operário, que o medo é a verdadeira causa de sua incapacidade. Este volta, mascarado e irreconhecível, sob a forma de sintoma "médico" e não "psicológico".
No plano clínico, é importante observar que esta síndrome não é apenas observável nos histéricos que teriam uma disposição particular a este tipo de mascaramento, graças à conversão. Observam-se síndromes subjetivas pós-traumáti- cas em todas as estruturas psíquicas, incluindo-se as não neuróticas. Conclui-se, assim, que:
as estratégias coletivas de defesa são capazes de acarretar variações da personalidade que engajam toda a economia psíquica, ao ponto de escamotear a sintomatologia psíquica emergente, dissimulando-a sob uma- máscara "médica"; a síndrome, com seus sintomas "medicalizados", mesmo se falseadores tem uma função protetora contra uma ameaça muito mais séria: a da depressão (ou de outra forma ainda mais grave de descompensação psicopatológica). A exclusão ou o fim do sentimento de pertencimento à comunidade constituída pelos profissionais dos diferentes ofícios da construção civil implicaria no questionamento, pelo operário, de todo o seu passado, até mesmo de sua biografia social e profissional e, consequentemente, de sua própria identidade. Daí o risco de cair em depressão.
Trabalho e suicídio
A segunda razão é que, quando um assalariado sofria ao ponto de não poder mais dissimular o seu mal-estar, ou quando o seu mal-estar manifestava-se independentemente de seu esforço para dissimulá-lo, os colegas se davam conta e, passados os primeiros momentos de grande zombaria e de escárnio, brotavam os sentimentos de solidariedade e atenção para com o colega.
Partia-se assim ao encontro do colega em maus lençóis e indagava-se: "Por que esta cara· feia já há vários dias, algum problema, amigo?"; "Bom, vamos almoçar juntos e você se explica...” Em suma, forçava-se a barragem defensiva e impunha-se a passagem à fala. O infeliz não se encontrava mais só, era reconfortado, recebia provas de boa vontade, era protegido, amparado.
Que um suicídio possa ocorrer no local de trabalho indica que todas essas condutas de ajuda mútua e solidariedade que não era nem mais nem menos que uma simples prevenção das descompensações, assumida pelo coletivo de trabalho - foram banidas dos costumes e da rotina da vida' de trabalho. Em seu lugar, instalou-se a nova fórmula do cada-um-por- si; e a solidão de todos tornou-se regra. Agora, um colega afoga-se e não se lhe estende mais a mão.
Em outros termos, um único suicídio no local de trabalho - ou manifestamente em relação ao trabalho - revela a deses- truturação profunda da ajuda mútua e da solidariedade. Ou seja: a intensa degradação do viver-junto em coletividade.
Quando um assalariado se suicida por razões que estão relacionadas ao trabalho, é toda a comunidade de trabalho que já está sofrendo. É por isso que o número de suicídios, aqui, não tem grande relevância. Um único gesto desta espécie
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é, em si, um sinal da gravidade da situação indicando um estado de degradação muito avançado no tecido humano e social do trabalho onde tal evento se produz.
Em muitos casos que tomamos conhecimento, nenhuma investigação clínica pôde ser realizada após o suicídio de um assalariado no local de trabalho. Só a polícia interveio para soltar o enforcado ou registrar as características do cadáver e seus ferimentos.
O inquérito policial limita-se ao laudo pericial: morte na- tural, suicídio ou homicídio. Depois, se limpa o ambiente, uma boa faxina no canteiro ou no escritório, e o trabalho dos colegas sobreviventes volta à rotina de sempre.
A falta de reação coletiva, logo após o suicídio, pode ter consequências desastrosas. Seria possível retomar o trabalho normalmente, em seguida ao espetáculo de um suicídio? O que significa o silêncio que impera então? Se o suicídio é um ato de acusação indicando que o trabalho está em causa neste desfecho fatal, a ausência de reação significa, de facto, que nada será feito para elucidar a mensagem, que nada será feito para transformar a organização do' trabalho e extirpar o que pode levar ao suicídio. Ademais, isso significa que a situação é a mesma, permanece intocada, que o risco perdura. "Quem é o próximo?" é a pergunta inevitável que todos os sobreviventes confessam deparar-se.
Qual é então o significado social do suicídio? Deve-se con- siderar este ato como banal, ordinário? O suicídio deve então.