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Este artigo aborda os defeitos do negócio jurídico, concentrando-se no erro, dolo e coação no contexto do direito civil. Além disso, discute a diferença entre erro e reserva mental, e analisa as diversas espécies de defeitos previstos no código civil. O artigo também aborda a anulabilidade e nulidade absoluta geradas por esses defeitos.
Tipologia: Esquemas
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Rafael Medeiros Antunes Ferreira^1
RESUMO: Este artigo discorre sobre os defeitos do negócio jurídico, mais especificamente o erro, o dolo e a coação, apontando, ainda, para a diferença entre o erro e a reserva mental.
PALAVRAS-CHAVE: Defeitos do negócio jurídico. Erro. Dolo. Coação. Reserva mental.
O estudo do negócio jurídico é um dos pontos nodais do Direito Civil, já que consubstancia a essência da relação entre indivíduos em um sistema jurídico. Na classificação dos fatos jurídicos, o negócio jurídico situa-se na categoria dos atos jurídicos lícitos, ao lado do ato jurídico stricto sensu.
Um dos aspectos mais relevantes do estudo do negócio jurídico é a análise das diversas espécies de defeitos previstas no Código Civil. Estes são os casos que, com maior frequência, atormentam a jurisprudência e desafiam a doutrina.
No presente trabalho, abordaremos o erro, o dolo e a coação, incluindo a diferença entre erro e reserva mental, deixando a análise do estado de perigo, da lesão e da fraude contra credores para outra oportunidade.
2 DESENVOLVIMENTO
Os defeitos dos negócios jurídicos se dividem em duas categorias: vício de consentimento e vício social. No primeiro caso, há divergência entre a vontade declarada e a vontade interna. São vícios de consentimento previstos no Código Civil: erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão. Já no segundo caso, há divergência entre a vontade declarada e o ordenamento jurídico. O único vício social previsto no Código Civil é a fraude contra credores.
(^1) Juiz de Direito do Estado de Pernambuco. Ex-membro do Ministério Público de Minas Gerais.
Alguns autores, como SILVIO DE SALVO VENOSA^2 , incluem a simulação como vício social. No entanto, a doutrina majoritária rejeita essa classificação porque a simulação não é mais classificada como defeito de negócio jurídico no Código Civil de 2002. Os defeitos geram anulabilidade do negócio jurídico (art. 171, II, do Código Civil), mas, atualmente, a simulação gera nulidade absoluta (art. 167 do Código Civil).
2.1 ERRO
O erro está previsto nos artigos 138 a 144 do Código Civil. O estatuto civil fala em “erro” e “ignorância”. A distinção entre erro e ignorância é meramente doutrinária. No erro o desconhecimento é parcial, ao passo que na ignorância o desconhecimento é total. Os efeitos práticos do erro e ignorância são os mesmos.
Erro é comumente definido como a falsa percepção da realidade. Apesar de não estar equivocada, essa definição é insuficiente, por conta da desconsideração do erro de direito (art. 139, III, do Código Civil), no qual não há apenas a falsa percepção da realidade, mas sim a equivocada interpretação da norma jurídica.
O erro classifica-se em substancial (ou essencial) e acidental (ou não essencial).
O erro substancial é aquele que incide sobre elementos determinantes para celebração do negócio. Para gerar anulabilidade, o erro deve ser substancial (art. 139 do Código Civil). Apenas esse tipo de erro é relevante para o Direito, porque apenas ele caracteriza um vício do consentimento: se ele não existisse, o negócio não seria praticado.
Por outro lado, o erro acidental é aquele que incide sobre elementos desimportantes. O exemplo clássico é a compra de um carro de luxo, na qual incide em erro quanto à existência de rádio. Não há vício do consentimento porque o negócio jurídico seria praticado de qualquer forma.
(^2) VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2010.
declarante e passa a ser o declaratário. Esse é o entendimento do Enunciado nº 12 do Conselho da Justiça Federal – CJF.
Por fim, GUSTAVO TEPEDINO^8 e ZENO VELOSO^9 acreditam que o erro tem ser escusável e perceptível pelo declaratário. Essa corrente concorda que o dispositivo legal adota o princípio da confiança, mas entende que a adoção do princípio da confiança não é incompatível com a exigência de escusabilidade do erro. Ao se exigir que o erro seja perceptível, pretende-se proteger a legítima expectativa do declaratário. Mas, para que a expectativa seja legítima, é necessária a observância, por parte do declaratário, dos deveres anexos resultantes da boa-fé objetiva, sendo um deles o dever de cuidado. Se o declaratário não sabia, mas deveria saber do erro, há respeito à boa-fé subjetiva, mas há violação da boa-fé objetiva. Por outro lado, quando se exige a escusabilidade, impõe-se também ao declarante o dever anexo de cuidado. A boa-fé objetiva envolve ambas as partes.
Essa última corrente distancia-se da lógica do Código Civil de 1916, na medida em que reinterpreta a escusabilidade do erro à luz da boa-fé objetiva. A escusabilidade não está mais baseada na análise da culpa do declarante, mas sim no seu dever de cuidado.
As hipóteses de erro substancial estão listadas no art. 139 do Código Civil. Primeiramente, é possível identificar o error in negotio (art. 139, I, 1ª parte, do Código Civil), que incide sobre a própria natureza do negócio. É a hipótese do sujeito que supõe estar celebrando um contrato de empréstimo, quando, na verdade, está celebrando uma doação.
Além disso, há o error in corpore (art. 139, I, 2ª parte, do Código Civil), que incide sobre a própria identidade do objeto, como, por exemplo, no caso do sujeito que supõe estar comprando a casa no nº 45 de determinada rua, quando, na realidade, está comprando a casa nº 54. Ou do sujeito que supõe estar comprando um imóvel na rua XYZ de determinado município, quando está comprando um imóvel na rua XYZ, localizada em outro município. Estes são exemplos acadêmicos, meramente ilustrativos, mas de difícil observância prática. Contudo, é possível vislumbrar um caso mais comum, na situação em que um sujeito compra uma obra de arte falsificada.
(^8) TEPEDINO, Gustavo. Comentários ao novo Código Civil. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. São Paulo:
9 Forense, 2008. v. X. VELOSO, Zeno. Condição, termo e encargo. São Paulo: Malheiros Ed, 1997.
Há, ainda, o error in substantia ou error in qualitate (art. 139, I, 3ª parte, do Código Civil), que incide sobre as qualidades do objeto. Há alguns exemplos clássicos trazidos pela doutrina: sujeito compra estátua de osso, supondo ser de marfim; sujeito compra um relógio dourado, supondo ser de ouro.
O error in substantia assemelha-se ao vício redibitório, mas com ele não se confunde, podendo ser apontadas as seguintes diferenças:
Error in substantia Vício redibitório O defeito tem natureza subjetiva. O defeito oculto tem natureza objetiva.
É um vício do consentimento. É um elemento natural do negócio jurídico (ao lado daevicção).
Gera anulabilidade do negócio jurídico. Gera redibição do contrato ou abatimento. Exemplo: sujeito compra um relógio prateado, supondo ser de prata.
Exemplo: sujeito compra um relógio que não funciona bem, atrasando sempre. Quadro 1. Principais diferenças entre o error in substantia e o vício redibitório.
Num julgado recente interessante, o Superior Tribunal de Justiça – STJ tratou da diferença entre erro e vício do produto (Código de Defesa do Consumidor – CDC). As características do vício do produto se assemelham ao vício redibitório. A diferença é que vício do produto pode ser oculto ou aparente. Na hipótese, um sujeito havia comprado um carro simples supondo ser o mais luxuoso da categoria. Para o STJ, o prazo decadencial de vício do produto só começa a correr após o prazo de garantia contratual. Mas, como a hipótese era de erro (o carro funcionava normalmente), o prazo começou a contar desde a prática do negócio (REsp nº 1.021.261).
Por sua vez, o error in persona (art. 139, II, do Código Civil) incide sobre a pessoa. Ele tem relevância em casos de contratos personalíssimos, contratos gratuitos e casamento. Exemplos típicos de contratos personalíssimos: mandato e sociedade. No caso de casamento, há regra especial a respeito do tema no art. 1557, I, do Código Civil.
Por fim, há o erro de direito (art. 139, III, do Código Civil), que representa o desconhecimento da norma ou a sua equivocada interpretação.
perceptividade do erro deve ser analisada com cautela. Se o erro conduzir ao enriquecimento sem causa do declaratário, a perceptividade do erro pelo declaratário pode ser dispensada.
O estudo do erro também passa pela análise do falso motivo. Quando expresso como razão determinante, o falso motivo vicia o negócio jurídico (art. 140 do Código Civil). Nesse caso, o falso motivo deixa de ser subjetivo, pois é exteriorizado. Esta é a hipótese do sujeito que faz doação pelo fato de o donatário ter salvado o filho do doador. Se for constatado que o donatário não salvou o filho do doador, é possível anular a doação por erro.
Exige-se que o falso motivo seja expresso como razão determinante. A doutrina afirma que o termo “expresso” não significa “forma escrita”. O falso motivo pode ter sido exteriorizado de forma verbal. Trata-se de matéria probatória.
A transmissão errônea por meios interpostos também gera anulabilidade do negócio jurídico (art. 141 do Código Civil). Parte-se da premissa de que o declarante não esteja na presença do declaratário. Os meios interpostos podem ser uma pessoa ou os meios de comunicação, como fax, email e telégrafo. Então, por exemplo, se o fax sai ilegível provocando a interpretação errônea da mensagem, o declarante pode anular o negócio. Da mesma forma, se o núncio (ou mensageiro) equivoca-se ao exteriorizar a vontade do declarante, é possível que este anule o negócio jurídico.
SILVIO RODRIGUES^12 assevera que, se o núncio for absolutamente desqualificado para celebrar o negócio jurídico, o negócio não pode ser anulado, pois houve culpa in eligendo. O núncio não pode ser desqualificado para celebração de negócios complexos. Indo mais além, GUSTAVO TEPEDINO^13 afirma que, se o núncio age de má-fé, também não há anulabilidade, pois também há culpa in eligendo.
O núncio (ou mensageiro) age sem nenhuma autonomia. Ele é um mero veículo de transmissão da vontade do declarante. Logo, núncio não é sinônimo de representante convencional (ou mandatário), que possui regras próprias do contrato de mandato. Assim, o advogado, apesar de representar a parte, tem autonomia para usar as melhores técnicas e
(^12) RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1. (^13) TEPEDINO, Gustavo. Comentários ao novo Código Civil. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. São Paulo: Forense, 2008. v. X.
invocar os melhores argumentos. Na sistemática do mandato, se o advogado atuar além dos limites outorgados, o mandante não responde perante terceiros, mas sim o mandatário (artigos 662 e 665 do Código Civil).
Nada obstante, a teoria da aparência pode mitigar essa regra, como na hipótese da parte contrária não ter como identificar que o mandante atua além dos poderes. Assim, salvo a teoria da aparência, o negócio é válido entre mandatário e terceiro, mas é ineficaz entre mandante e terceiro.
No entanto, se o mandatário atua dentro dos poderes, mas em desacordo com as instruções do mandante, o mandante se vincula (art. 679 do Código Civil), surgindo a possibilidade de ajuizar ação de responsabilidade civil contra o mandatário. Nesse caso, o negócio jurídico é válido e eficaz entre mandante e terceiro, mas o mandante tem ação de regresso contra o mandatário.
O erro ainda pode ser dividido em erro-motivo e erro obstativo (ou erro impróprio). Aquele incide na formação da vontade, é o erro que gera anulabilidade. Este incide na declaração da vontade, é um erro profundo, mais grave, que obsta a formação do negócio.
No direito comparado, o erro obstativo abrange as hipóteses de error in negotio e error in corpore. No direito alemão, ele gera nulidade absoluta, enquanto que, nos direitos italiano e francês, ele gera inexistência. Entende-se que só há vício de consentimento quando ele surge no momento da formação da vontade. Se o vício surgir no momento da declaração de vontade, a hipótese é de vício na declaração da vontade, que não gera apenas a anulabilidade. A dicotomia entre erro obstativo e erro-motivo foi desprezada pelo Código Civil brasileiro. Portanto, no direito pátrio, ambas as espécies de erro geram anulabilidade.
2.2 RESERVA MENTAL
A reserva mental está prevista no art. 110 do Código Civil. É sinônimo de reticência: o sujeito declara algo com a reserva mental de não querer o que manifestou, ou seja, o sujeito é reticente em relação àquilo que declara. Nesse caso, há divergência entre a vontade declarada e a vontade interna. O exemplo típico é a celebração de mútuo com um suicida endividado,
Para o entendimento predominante, defendido por CARLOS ROBERTO GONÇALVES^14 , CRISTIANO CHAVES DE FARIAS, NELSON ROSENVALD^15 e JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES^16 , trata-se de negócio inexistente. O fundamento se extrai da interpretação, a contrario sensu , do art. 110 do Código Civil: a manifestação de vontade não subsiste.
Por fim, GUSTAVO TEPEDINO^17 e FÁBIO ULHOA COELHO^18 afirmam que se trata de negócio nulo. Há, de fato, uma simulação, que é caso de nulidade absoluta. FÁBIO ULHOA COELHO apresenta o seguinte exemplo: dois sócios administram uma pessoa jurídica com expressivas dívidas fiscais. Com intenção de se esquivarem dessas dívidas fiscais, os sócios transferem suas quotas a terceiros. Posteriormente, as dívidas fiscais são anistiadas. Se os adquirentes das quotas não tinham ciência da reserva mental, é evidente que o negócio permanecerá intacto. Mas, se os adquirentes tinham conhecimento da reserva mental, há uma hipótese de simulação, tendo em que vista que os adquirentes e os alienantes, em conluio, tinham por objetivo fraudar o Fisco.
GUSTAVO TEPEDINO^19 entende que a diferença entre reserva mental e simulação é o fato de que, na reserva mental, o declarante tem por objetivo enganar o declaratário. Essa é a solução prevista no art. 244 do Código Civil português.
O renomado autor parte da premissa de que, se o declaratário sabe da reserva mental, ele está em conluio com o declarante. Mas, nem sempre isso é verdade. Pode existir uma situação em que um tio perdulário peça constantemente dinheiro emprestado ao sobrinho, que sempre lhe nega. Mas, num jantar de família com muitas pessoas presentes, o sobrinho aceita emprestar dinheiro, como forma de evitar um constrangimento. Nesse caso, o declaratário tem plena ciência da reserva mental, mas não há de se cogitar de conluio, já que, ao contrário, o declarante é vítima do declaratário. Logo, entendemos que a análise do conluio deve ser casuística.
(^14) GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Parte geral. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1. (^15) FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito civil. Teoria Geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen
16 Juris, 2006. 17 ALVES, José Carlos Moreira.^ A Parte Geral do Projeto do Código Civil brasileiro.^ São Paulo: Saraiva, 1986. TEPEDINO, Gustavo. Comentários ao novo Código Civil. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. São Paulo: 18 Forense, 2008. v. X. 19 COELHO, Fábio Ulhoa.^ Manual de Direito Comercial. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. TEPEDINO, Gustavo. Comentários ao novo Código Civil. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. São Paulo: Forense, 2008. v. X.
A hipótese do casamento de estrangeiro com mulher local para se esquivar da expulsão seria outro exemplo que se encaixaria na posição do GUSTAVO TEPEDINO.
NELSON NERY JUNIOR^20 apresenta uma exceção ao princípio da confiança no art. 1899 do Código Civil: no testamento, prevalece a interpretação que assegure a observância da vontade do testador. Esse dispositivo consagra a teoria da vontade. É uma exceção à regra geral da reserva mental.
A reserva mental pode ser absoluta ou relativa. Ela é absoluta quando existe a declaração sem a intenção de celebrar qualquer negócio jurídico, como no caso de realização de mútuo ao suicida. Por outro lado, ela é relativa quando o sujeito declara a intenção de celebrar o negócio X, quando pretende celebrar o negócio Y. É o caso do sujeito que declara estar doando quando pretende vender. Esta é a mesma classificação atribuída à simulação.
No mandato em causa própria, o sujeito celebra o mandato com a intenção de transferir a propriedade. Há um negócio jurídico indireto: há utilização consciente de um tipo negocial diferente daquele que é usualmente utilizado para atingir o objetivo desejado. A vontade de ambas as partes é livre e consciente. Logo, não há divergência entre a vontade declarada e a vontade interna. Eventualmente, pode haver reserva legal no mandato em causa própria, mas ela não é da essência do instituto.
2.3 DOLO
O dolo é a provocação intencional do erro. O dolo está previsto nos artigos 145 a 150 do Código Civil.
Há diversas espécies de dolo relevantes para a exata compreensão do instituto.
Em primeiro lugar, o dolo pode ser principal (ou essencial ou determinante) ou acidental. O dolo principal incide sobre elementos decisivos do negócio jurídico. Se ele não existisse, o
(^20) NERY JUNIOR, Nelson. Vícios do ato jurídico e reserva mental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983.
No ponto, é importante consignar que as categorias clássicas de inadimplemento previstas no Código Civil são: mora e inadimplemento absoluto. Mas, à luz da boa-fé objetiva, surge outra categoria: a violação positiva do contrato. Uma de suas três manifestações é a violação dos deveres anexos. Então, aquele que viola um dever anexo também incorre em inadimplemento contratual. Por isso, GUSTAVO TEPEDINO^22 assevera que quem incorre em dolo por omissão viola o dever anexo de informação, causando a violação positiva do contrato.
O critério para se distinguir o dolo por omissão (causa de anulabilidade do negócio) da violação positiva do contrato (causa de inadimplemento contratual) é a fase contratual em que a omissão é praticada. O dolo por omissão é um vício de consentimento, que representa um vício na formação da vontade. A vontade se forma na fase pré-contratual. Após a celebração do contrato, se houver silêncio intencional de um dos contratantes, haverá inadimplemento contratual (violação positiva do contrato).
Por sua vez, o dolo de terceiro está previsto no art. 148 do Código Civil. Na prática, costuma ocorrer com o corretor, que intermedeia o negócio. Se o beneficiado não sabe, nem deveria saber do dolo de terceiro, há uma legítima expectativa de sua parte. Logo, o negócio é válido e o terceiro responde por perdas e danos perante o prejudicado.
Porém, se o beneficiado sabe ou deveria saber do dolo de terceiro, não há legítima expectativa de sua parte. Logo, o negócio jurídico pode ser invalidado, respondendo tanto o beneficiado como o terceiro por perdas e danos. Se o beneficiário sabe do dolo de terceiro, é possível atribuí-lo até mesmo um dolo próprio, um dolo por omissão.
No caso de perdas e danos devidas pelo beneficiado e pelo terceiro, parte da doutrina entende que não há solidariedade, pois a solidariedade não se presume (art. 265 do Código Civil). Além disso, no caso da coação por terceiro (art. 154 do Código Civil), em situação muito parecida, o legislador previu solidariedade passiva. Logo, parece haver um silêncio eloqüente do legislador.
(^22) TEPEDINO, Gustavo. Comentários ao novo Código Civil. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. São Paulo: Forense, 2008. v. X.
No entanto, outra corrente alega ser possível invocar a aplicação do art. 942 do Código Civil, que constitui uma cláusula geral de solidariedade passiva em sede de responsabilidade civil, o que nos parece mais razoável.
Importante destacar que, se o dolo de terceiro for acidental, não há anulabilidade. Ainda que o beneficiado saiba ou devesse saber do dolo acidental de terceiro, não há anulabilidade, pois o dolo acidental não gera anulabilidade (art. 146 do Código Civil). No caso, haverá apenas direito a perdas e danos por parte do prejudicado.
A sistemática do dolo de terceiro foi moldada com base no princípio da confiança, de forma a tutelar a legítima expectativa do contratante. Por isso, a doutrina entende que o dolo de terceiro não se aplica a negócios jurídicos unilaterais (testamento, promessa de recompensa, gestão de negócios), nos quais não há que se falar em legítima expectativa da outra parte. Assim, no negócio jurídico unilateral, deve-se aplicar a regra geral dos artigos 145 e 146 do Código Civil: se o dolo de terceiro for essencial, há anulabilidade; ao passo que se o dolo de terceiro for acidental, há perdas e danos.
O dolo do representante também é relevante para o estudo do dolo. Diversamente do Código Civil de 1916, o Código Civil de 2002, no art. 149, diferenciou as hipóteses de dolo do representante legal das hipóteses de dolo do representante convencional. A distinção é bem- vinda, pois na representação legal, é a lei que escolhe o representante, e não o representado. Assim, na representação legal, o representado só responde até a importância do proveito obtido, com fundamento no princípio da vedação ao enriquecimento sem causa. Já na representação convencional, o representado responde solidariamente com o representante.
Por fim, há o dolo recíproco (ou dolo compensado ou dolo enantiomórfico). Em caso de dolo recíproco, previsto no art. 150 do Código Civil, nenhuma das partes pode pretender a anulação do negócio jurídico. O dolo recíproco é um exemplo de tu quoque : aquele que viola a lei ou o contrato não pode exigir de outrem o cumprimento da regra por ele transgredida.
No Código Civil de 1916, havia uma regra idêntica para o caso de simulação. O Código Civil de 2002 é omisso a respeito deste tema. À primeira vista, seria possível supor que a mesma sistemática do Código Civil de 1916 poderia ser aplicada no Código Civil de 2002, em respeito ao princípio da boa-fé objetiva (vedação ao tu quoque ), já que institutos de natureza
alguém segura a mão do analfabeto e assina um instrumento; alguém impede que sujeito levante o braço durante a votação em uma assembleia.
Por outro lado, na coação moral, há manifestação de vontade, porém viciada, caracterizando um vício do consentimento, que gera anulabilidade. Há uma margem de escolha para o coagido. É o caso do sujeito que assina um contrato sob ameaça de ter seu filho sequestrado.
A diferença entre coação física e coação moral é objetiva: enquanto numa, há margem de escolha para o coagido, na outra não há margem de escolha. No entanto, na prática, a tipificação da coação entre física ou moral deve ser casuística e levar em conta as características subjetivas do coagido, por força do art. 152 do Código Civil, descartando-se a análise objetiva que tem em conta apenas o homem-médio.
Doutrinariamente, aventa-se a hipótese de coação acidental, que é aquela que não é decisiva à celebração do negócio. O negócio seria praticado ainda que não houvesse coação. Esta espécie não está prevista expressamente no Código Civil e sua aplicação prática é extremamente difícil. A doutrina traz o exemplo em que há concomitância entre a ameaça e a livre formação da vontade do coagido. Nesse caso, o negócio jurídico é válido, cabendo apenas perdas e danos por eventual prejuízo suportado.
Há algumas situações que não caracterizam a coação, previstas no art. 153 do Código Civil. Assim é o caso do exercício normal de direito (art. 153, ab initio ), que se configura quando o credor exige pagamento de crédito, sob pena de impetrar ação executória; quando a mãe impõe o reconhecimento da paternidade do filho, sob pena de impetrar ação investigatória de paternidade.
Não obstante, é preciso destacar que o exercício abusivo ou irregular do direito pode configurar coação. Apenas o exercício normal do direito não configura coação. O abuso de direito restaria obviamente evidenciado caso o credor ameaçasse executar a hipoteca se a devedora não praticasse relação sexual com ele.
Da mesma forma, o simples temor reverencial (art. 153, in fine ) não configura coação. Em geral, afirma-se que nos casos de temor reverencial, há um impulso espontâneo em não desagradar, há uma relação de respeito peculiar entre as partes. São exemplos típicos:
empregador em relação ao empregado, filhos em relação aos pais, fiéis em relação à autoridade religiosa.
Assim, o fato de um fiel espontaneamente fazer doação à igreja não configura coação. Mas, se a autoridade religiosa valer-se da fé do indivíduo para lhe impor uma situação de desvantagem, no caso concreto, pode ser possível caracterizar a coação. O mesmo ocorre no caso do aluguel de uma casa de veraneio do empregado ao empregador: o simples aluguel não configura temor reverencial, mas, no caso concreto, se for demonstrado que o empregador valeu-se de sua posição profissional para impor uma desvantagem ao empregado, pode haver coação.
Na coação por terceiro (artigos 154 e 155 do Código Civil), aplica-se a mesma sistemática do dolo de terceiro, baseada no princípio da confiança. A única exceção é que não há controvérsia quanto ao regime jurídico aplicável às perdas e danos, devidas pelo beneficiado e pelo terceiro, no caso em que o beneficiado sabia ou deveria saber da coação, uma vez que a solidariedade passiva está expressamente prevista em lei (art. 154 do Código Civil).
SILVIO RODRIGUES^23 apresenta uma hipótese inusitada de coação em que o mal se dirige ao próprio coator: o filho ameaça suicídio para obter doação do pai. Nesse caso, é cabível a anulabilidade por vício de consentimento do pai.
3 CONCLUSÃO
Conforme demonstrado ao longo deste trabalho, o erro, o dolo e a coação possuem diversas peculiaridades que merecem atenção redobrada do operador do direito, em razão da grande repercussão prática que possuem no cotidiano jurídico.
Apesar de constituírem institutos civilistas centenários, tais espécies de defeito dos negócios jurídicos desafiam os doutrinadores até os dias atuais, o que se comprova pelas divergentes correntes de pensamento que se formaram em torno dos assuntos mais sensíveis a respeito do tema.
(^23) RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1.