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A possibilidade de usucapião especial rural de imóveis com área inferior ao módulo rural, com base na jurisprudência do superior tribunal de justiça (stj). Aborda a legislação agrária, o conceito de módulo rural e a função social da propriedade, explorando a controvérsia sobre a aplicação do princípio da usucapião em áreas menores que o módulo rural.
Tipologia: Transcrições
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ele, ou seja, o trabalho realizado pelo possuidor e sua família, que torna a terra produtiva e lhe confere função social.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, após o voto-vista do Ministro Antonio Carlos Ferreira dando provimento ao recurso especial, no sentido da divergência, por maioria, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto divergente instaurado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, que lavrará o acórdão. Vencidos o Ministro Marco Buzzi (relator) e Ministra Maria Isabel Gallotti, que conheciam parcialmente do recurso e lhe negavam provimento.Votaram com o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão os Srs. Ministros Raul Araújo (Presidente) e Antonio Carlos Ferreira.
Brasília (DF), 02 de junho de 2015(Data do Julgamento)
Relator p/ Acórdão
Pretensão voltada à declaração da aquisição, por meio de usucapião pro-labore , da propriedade de imóvel rural de dimensões inferiores ao módulo rural previsto para a região. Instâncias ordinárias que reconheceram a impossibilidade jurídica do pedido.
1. O recurso não merece conhecimento pelo fundamento constante da alínea "c" do permissivo constitucional, porquanto ausente, nas razões recursais, qualquer desenvolvimento da tese, o que enseja a aplicação do disposto na Súmula 284/STF. 2. A legislação agrária visa impedir a divisão/desmembramento dos imóveis rurais em parcelas inferiores ao módulo rural ou à fração mínima de parcelamento, nos termos do artigo 65 do Estatuto da Terra e artigo 8º da Lei n° 5.868/72, ou seja, à área necessária à manutenção/subsistência e ao desenvolvimento econômico de uma família, o que não se distancia dos ditames preceituados pelo princípio constitucional da função social da
O presente recurso merece ser conhecido pela alínea "a" do permissivo constitucional e, nessa extensão, não provido, nos termos a seguir expostos.
1. Preliminarmente, no que concerne ao dissídio pretoriano, infere-se não ser cognoscível o presente apelo extremo, porquanto os recorrentes limitaram-se, em suas razões, a indicar o fundamento (alínea “c”), sem tecer quaisquer considerações ou explicitação do tema, não tendo sido realizado, tampouco, o necessário cotejo analítico. Com efeito, manifesta a deficiência na fundamentação do recurso no que concerne ao dissídio pretoriano, de modo a ensejar a aplicação, neste ponto, do óbice inserto no enunciado da Súmula 284/STF – “ é inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia". – cuja incidência se estende, por analogia, aos recursos especiais. Quanto ao fundamento estabelecido na alínea "a" do permissivo constitucional, observam-se presentes os requisitos autorizadores ao conhecimento do presente recurso, cuja tese passa a ser analisada. 2. A controvérsia instaurada neste recurso especial refere-se, pontualmente, à possibilidade de aquisição, por meio de usucapião especial rural - igualmente denominada de “usucapião rural pro labore ” -, da propriedade de imóvel rural cuja área é inferior ao módulo rural estabelecido para a região, neste caso, consoante afirmado pelas instâncias ordinárias, de três hectares (03 ha - 30.000m²). Os recorrentes pautam sua pretensão pela disciplina concedida ao instituto no âmbito do Código Civil de 2002, que, em verdade, teve como fonte precípua a disciplina constitucional. Argumentam, nesse sentido, que o artigo 1.239 do mencionado diploma legal, ao prever especificamente a possibilidade de usucapião especial, com prazo diminuto, não fez referência à dimensão mínima do imóvel, dispondo unicamente que: “ Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.” A temática, por sua relevância, reclama um maior aprofundamento, sendo necessário expor, de início, a evolução histórica, bem como as finalidades do instituto da usucapião especial rural, a fim de melhor elucidar/examinar o objeto do presente reclamo. Em um segundo momento, analisar-se-ão as implicações entre o instituto e as unidades agrárias, notadamente o módulo rural, para, ao final, delinear a conclusão atinente ao caso concreto.
2.1 Evolução Legislativa e Finalidades da Usucapião Especial Rural
Inicialmente, cumpre destacar que toda temática relacionada às questões
agrárias é bastante sensível à realidade brasileira, cujos problemas fundiários
remontam ao início da tentativa de colonização do território pela metrópole portuguesa,
isto é, com a criação das capitanias hereditárias e o sistema de sesmarias.
Nesse contexto, insta ressaltar que apenas em 1850, com a edição da Lei de Terras (Lei nº 601), procedeu-se a uma tentativa de ordenação do espaço territorial brasileiro. De acordo com suas disposições, eram quatro as modalidades para o reconhecimento da propriedade: i) revalidação das cartas de sesmaria; ii) legitimação das posses, iii) compra das terras devolutas; iv) doação (este último instituto aplicável só na faixa de fronteira). Nesse sentido, assevera Luiz Rodrigues Wambier,
Em 18 de setembro de 1850, o Imperador D. Pedro II sancionou a Lei nº 601, que representou uma tentativa de organização e regularização do panorama fundiário vigente à época no país, com a definição daquilo que se entendia por terra devoluta e, ainda mais, com a proposta de legitimação das situações de fato existentes, tanto no que se referia às sesmarias concedidas e não regularizadas, quanto no que dizia respeito às áreas havidas por mera ocupação, em que a posse não deriva de qualquer título. (Regime da Lei de Terras: aspectos atuais. Revista Semina. Londrina/PR, v. 9, n. 1, p. 10, 1988; grifou-se) A par das críticas que podem ser tecidas em relação à lei em comento, interessante ressaltar que, em seu artigo 5º, houve a positivação da legitimação da posse - instituto por meio do qual os posseiros poderiam adquirir o domínio das glebas devolutas que ocupassem desde que comprovassem cultura efetiva, bem como morada habitual, in verbis : “Serão legitimadas as posses mansas e pacificas, adquiridas por occupação primaria, ou havidas do primeiro occupante, que se acharem cultivadas, ou com principio de cultura, e morada, habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente, guardadas as regras seguintes: [...]” A esta disposição é possível atribuir a ideia remota do instituto do usucapião especial rural, que surgiu, efetivamente, no ordenamento jurídico brasileiro, com a promulgação da Constituição de 1934. No âmbito desta Carta Constitucional, caracterizada por uma maior preocupação social e com o escopo de tutelar o pequeno
esta Lei, para o módulo de propriedade, adquirir-lhe-á o domínio, mediante sentença declaratória devidamente transcrita. Frise-se, por oportuno, a expressa determinação de área mínima, consistente no módulo rural, que, segundo o legislador, representa o “imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com ajuda de terceiros”, nos termos do artigo 4º do citado diploma. Com a edição da Lei nº 6.969/81, a conceder disciplina específica ao instituto, houve a redução do prazo concernente à posse aquisitiva, além de permissão à usucapião de terras devolutas, dispondo, em seu artigo 1º:
Art. 1º. Todo aquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, possuir como sua, por 5 (cinco), anos ininterruptos, sem oposição, área rural contínua, não excedente de 25 (vinte e cinco) hectares, e a houver tornado produtiva com seu trabalho e nela tiver sua morada, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de justo título e boa-fé, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para transcrição no Registro de Imóveis. Parágrafo único. Prevalecerá a área do módulo rural aplicável à espécie, na forma da legislação específica, se aquele for superior a 25 (vinte e cinco) hectares. (grifou-se) Observe-se que, conquanto a redação acima transcrita não preceitue qualquer área mínima ao imóvel usucapiendo, é possível inferir a preocupação com o desmembramento de áreas inferiores ao módulo rural, notadamente pelo disposto no parágrafo único, ao permitir a usucapião de imóvel com dimensões superiores a 25 (vinte e cinco) hectares quando o módulo rural fosse superior a esta dimensão. A seu turno, a Carta Constitucional de 1988, em seu artigo 191, disciplinou a usucapião especial rural, nos seguintes termos: “Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho e de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.” Por fim, o Código Civil de 2002, em seu artigo 1.239, “[...] reproduz integralmente o disposto no art. 191 da Constituição Federal. Na verdade, a Constituição Federal reproduziu o texto do então projeto do Código Civil, elaborado na década de 1970.” (PELUSO, Cezar (coord). Código Civil Comentado. Doutrina e Jurisprudência. 5. ed. rev. e atual. Barueri/SP: Manole, 2011. p. 1239).
No que toca à finalidade do instituto, destaca Arnaldo Rizzardo a consagração do princípio agrarista, segundo o qual deve ser o proprietário da terra aquele que a tiver frutificado/laborado, bem como feito dela seu lar e de sua família. Nas palavras do autor:
Mais do que qualquer outra forma de aquisição da propriedade, constitui o usucapião rural a consagração do princípio agrarista de que deve ser o dono da terra rural quem a tiver frutificado com o seu suor, quem nela se estabeleceu com a família morando habitualmente, ali construindo seu lar. ( Direito das Coisas. Lei n° 10.406, de 10.01.2002. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 279; grifou-se) Sob essa mesma perspectiva, isto é, ressaltando o objetivo de fixação do homem ao campo, ao conferir a propriedade àquele que tornou a terra produtiva, nela fixando residência, consolidando, enfim, a sua função social, transcreve-se o seguinte excerto doutrinário:
A usucapião especial rural, conhecida também como pro labore , está inserida no capítulo da política agrícola e fundiária da Constituição Federal e tem nítido escopo de fixar o homem ao campo, conferindo a possibilidade de, em curto espaço de tempo, atribuir propriedade ao possuidor que pessoalmente deu função social à gleba rural, tornando-a produtiva e nela fixando moradia. De um lado, o prazo é exíguo, com fim de estimular essa modalidade de usucapião. De outro lado, limita-se a categoria destinatária do benefício, mediante a criação de uma série de requisitos objetivos e subjetivos. (PELUSO, Cezar (coord).Código Civil Comentado. Doutrina e Jurisprudência. 5. ed. rev. e atual. Barueri/SP: Manole, 2011. p. 1240; grifou-se)
Neste particular, também se destacam as razões que deram origem à Lei nº 6.969/81, as quais, segundo assevera José Carlos Moraes Salles, estão consubstanciadas na Mensagem do Executivo que acompanhou o projeto de lei então elaborado. Nos excertos abaixo transcritos, evidencia-se o caráter social do instituto, destinado à tutela dos possuidores de imóveis rurais e à denominada “posse-trabalho”, bem como a preocupação acima já comentada com o módulo rural, consolidada no parágrafo único do artigo 1º da lei em questão:
Excelentíssimos Senhores Membros do Congresso Nacional: Nos termos do § 2º do art. 51 da Constituição, tenho a honra de submeter à elevada deliberação de Vossas Excelências o anexo Projeto de Lei, que dispõe sobre aquisição, por usucapião especial, de imóveis rurais, e dá outras providências.
2. O estudo deste Projeto de Lei, versando matéria de direito civil,
à sua família. O instituto em comento, portanto, transforma uma situação factual em direito, concedendo estabilidade e segurança àquela propriedade que cumpra/observe sua utilidade social, capaz de garantir ao possuidor a subsistência, bem como a promoção do progresso econômico da propriedade, o que será melhor explicitado na seção subsequente. Estabelecidos, assim, os fundamentos que ensejaram a concepção do instituto da usucapião especial rural, bem como sua evolução histórica, no direito brasileiro, procede-se ao exame da tese sobre a qual versa a controvérsia instaurada no âmbito do recurso especial.
2.2 Usucapião Especial Rural e o Módulo Rural
Neste ponto, cumpre destacar, de início, que a figura descrita no artigo 191
da Constituição Federal de 1988 e, no âmbito infraconstitucional, no artigo 1.239 do
Código Civil de 2002, demanda, à sua configuração, a observância de requisitos de
ordem subjetiva e objetiva, concernentes aos aspectos pessoais do prescribente, à
coisa hábil, à posse e ao decurso do tempo.
No que concerne especificamente ao objeto passível de aquisição por meio de usucapião especial rural, alguns pontos se apresentam relevantes e, sobretudo, aquele ao qual se refere a controvérsia veiculada neste apelo, isto é: as dimensões do imóvel rural usucapiendo. O artigo 191 da Constituição Federal bem assim o artigo 1.239 do Código Civil alteraram o artigo 1º da Lei 6.969/81, ao dispor “[...] área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares.” Ressalta-se, neste particular, que os artigos em comento, seja na redação concedida pela Lei n° 6.969/81, seja por aquela constante do novo Código Civil [artigo 1.239] e da Constituição Federal [artigo 131], não estabeleceram um limite mínimo para a dimensão da propriedade. Nesse contexto, situa-se a questão pertinente à possibilidade de o usucapião especial rural, nos moldes atualmente delineados, ter por objeto área inferior ao módulo rural ou à fração mínima de parcelamento, tendo em vista a disposição do artigo 65 da Lei n° 4.504/64 (Estatuto da Terra), qual seja: “O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural”. O enunciado da norma acima transcrita complementa-se com o disposto no
artigo 8º da Lei n° 5.868/1972, a qual instituiu o Sistema Nacional de Cadastro Rural, criando uma nova unidade de medida agrária, a saber:
Para fins de transmissão , a qualquer título, na forma do Art. 65 da Lei número 4.504, de 30 de novembro de 1964, nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento fixado no § 1º deste artigo, prevalecendo a de menor área. § 1º - A fração mínima de parcelamento será: a) o módulo correspondente à exploração hortigranjeira das respectivas zonas típicas, para os Municípios das capitais dos Estados; b) o módulo correspondente às culturas permanentes para os demais Municípios situados nas zonas típicas A, B e C; c) o módulo correspondente à pecuária para os demais Municípios situados na zona típica D. (grifou-se) Diante do quadro legislativo acima delineado, mister esclarecer em que consistem as duas unidades mencionadas e que servem de parâmetro para divisibilidade do imóvel rural, quais sejam (i) o módulo rural e (ii) a fração mínima de parcelamento – FMP. Frise-se que, nos termos do artigo 8º da Lei nº 5.868/72, o imóvel não é divisível em área inferior ao módulo rural ou à fração mínima de parcelamento, a prevalecer o de menor área. O conceito de módulo rural, de acordo com o Estatuto da Terra (art. 4º), está intrinsecamente relacionado à ideia de propriedade familiar, concebida como o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico. Nesse sentido é a definição apresentada por Paulo Torminn Borges, O conceito de módulo está ínsito no de propriedade familiar, definida como o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorve toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente contando com a ajuda de terceiros (Estatuto da Terra, art. 4º, II; Decreto n. 55.891, de 31-3-1965, art. 6º, I, e arts. 11 a 23). O módulo rural é esta área da propriedade familiar, suporte necessário para o progresso social e econômico do grupo familiar. (Divisibilidade e indivisibilidade do imóvel rural. Módulo e Fração Mínima de Parcelamento. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Uberlândia. v. 1. n° 2, 1972, p. 57; grifou-se) Enquanto unidade de medida agrária, consoante as disposições do Decreto nº 55.891/1965, o referido módulo “[...] tem como finalidade primordial estabelecer uma unidade de medida que exprima a interdependência entre a dimensão, a situação
módulo rural, foi estabelecida nova unidade de medida agrária, isto é, a fração mínima de parcelamento (FMP), definida como a menor dimensão que um imóvel rural poderá conter - cujos índices são fixados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, para cada município. Consoante assevera Fernando Pereira Sodero, este diploma legal foi redigido após o estudo dos dados colhidos no recenseamento de 1970, o qual “ofereceu ao Poder Público elementos que permitiram o conhecimento da área dos imóveis rurais, regime de exploração, terras próprias, arrendadas, exploradas em parceria, ocupadas, ou outro qualquer tipo, atividade econômica predominante, cooperativismo rural e uso atual do solo. ( O Módulo Rural e suas Implicações Jurídicas. São Paulo: LTr, 1975, p.
A fração mínima de parcelamento define-se como a área mínima passível de ser desmembrada de um imóvel rural para a constituição de uma nova unidade agrícola (cf. art. 8.º da Lei n.º 5.868/72). Esta unidade, constante do Certificado de Cadastro do Imóvel Rural - CCIR, corresponde ao módulo da exploração hortigranjeira da Zona Típica de Módulo (ZTM) - regiões delimitadas pelo INCRA, com características ecológicas e econômicas homogêneas, baseada na divisão microrregional do IBGE - do município de localização do imóvel rural. Assim, o imóvel, ao ser parcelado para fins de transmissão a qualquer título, não poderá permanecer com área remanescente inferior à fração mínima de parcelamento - FMP. Sobre as modificações no conceito de módulo rural, procedidas pela adoção de novas unidades de medida agrárias, quais sejam o módulo fiscal e a fração mínima de parcelamento, salienta-se o seguinte excerto doutrinário, em que o autor Paulo Guilherme de Almeida pontua as distinções e as alterações operadas no conceito de módulo rural:
[...] o conceito de módulo rural, na forma inicialmente concebida e instituída pelo Estatuto da Terra (art. 4º, III), correspondia ao de propriedade familiar, servindo de critério para a adoção de medidas normativas sobre importantes seguimentos do Direito Agrário. No entanto, o instituto do módulo rural, como originariamente formulado, foi quase totalmente substituído por dois outros, o da fração mínima de parcelamento (medida prefixada para cada Município) e o do módulo fiscal. [...] Com a implantação na sua forma original, mediante a primeira emissão do ITR, referente ao exercício de 1966, o módulo rural, como parâmetro limitativo do desmembramento, consistia na media correspondente às atividades eventualmente exercidas pelo contribuinte dentre as hortifrutigranjeira, de lavoura temporária, lavoura permanente, pecuária e de exploração florestal. O Sistema de Cadastro Rural (Lei n.
5.868/72) manteve o critério mas introduziu a alternativa da fração mínima de parcelamento, conforme dispõe o art. 8º acima reproduzido. A mesma orientação foi adotada pelas Instruções Especiais INCRA ns. 5/ e 14/78. Foi definitivamente a fração mínima de parcelamento, aplicável a cada Município, independentemente da particularidade de cada imóvel, abolindo-se, assim, a sistemática da média ponderada individual para o cálculo do módulo rural. Desta forma, desnaturou-se, com a adoção da fração mínima de parcelamento (FMP), a ideia correta de vincular a regra proibitiva do desmembramento a um padrão (módulo), cujo conceito sabiamente o Estatuto da Terra equiparou ao da propriedade familiar e que, evidentemente, deve sofrer variações consistentes nos tipos de exploração agropecuária somadas às características regionais. (ALMEIDA, Paulo Guilherme de. Aspectos Jurídicos da Reforma Agrária no Brasil. 1. ed. São Paulo: LTR, 1990; grifou-se)
Acerca do tema, leciona, outrossim, Benedito Ferreira Marques:
Além do "módulo rural", criado no ventre do Estatuto da terra, o legislador brasileiro introduziu, depois, outras duas figuras jurídicas que, igualmente, têm muito a ver com a dimensão do imóvel rural. Tais foram: (a) a Fração Mínima do Parcelamento; e (b) o Módulo Fiscal. Essas inovações surgiram através das Leis n. 5.868, de 12.12.72, e 6.746, de 10.12.79. Os analistas consideram que esses novos institutos vieram, de certa maneira, reduzir a importância do "módulo rural", no contexto geral da legislação agrária, a ponto de PAULO GUILHERME DE ALEMIDA afirmar que tal instituto foi substituído por essas novas figuras, resumindo-se a sua aplicação prática no enquadramento sindical, quando é utilizado como fator de delimitação entre as categorias econômicas e profissional da agricultura... Para a compreensão dessas colocações, vale transcrever os seguintes trechos [...] Aprimorando o sistema de composição do módulo rural, com novos elementos e alíquotas, o módulo fiscal, em cotejo com a fração mínima de parcelamento, é o que mais atende aos requisitos para a elaboração de um padrão mais adequado e consentâneo com a realidade. Basta examinar o art. 50, § 2º, do Estatuto da Terra, com a nova redação dada pela Lei nº 6.746/79. Por força deste dispositivo, o módulo fiscal sofre várias influências, tais como: a da individualidade de cada Município do tipo de exploração predominante; a da renda obtida nesta exploração; a de outras explorações expressivas em função da renda e da área utilizada; e, por último, a do conceito de propriedade familiar. [...] Assim, com as alterações até hoje introduzidas, temos o seguinte quadro:
notadamente o módulo rural e a fração mínima de parcelamento. Sobre o tema, convém destacar o acórdão proferido no julgamento do Recurso Extraordinário n° 78.048/SP, de Relatoria do Ministro Aliomar Baleeiro, julgado em 17/05/1974, oportunidade em que se analisou a possibilidade de divisão de imóvel rural, em áreas inferiores ao módulo rural, para fazer cessar o condomínio sobre ele existente. Argumentava-se, na ocasião, que a pretensão almejada, consistente na divisão do imóvel para fazer cessar o condomínio, não se tratava de hipótese de “transmissão” do imóvel, e, por isso, não se submetia às limitações dos módulos. No entanto, referida pretensão foi rechaçada pela Corte Suprema, salientando o dever de combate à proliferação dos minifúndios ínsito à política agrária, o que se evidencia nos excertos ora transcritos:
Razoável, por igual, a interpretação do venerado Acórdão recorrido, que abandona a literalidade e busca a luz no fim da lei. Entre duas interpretações razoáveis, uma necessariamente é a melhor e impõe-se se confrontadas ambas. Nesse caso, desaparece a tolerância da súmula que, considerando uma inteligência isolada, a admite ainda que não seja a melhor, se razoável. É incontestável que o Estatuto da Terra tem como finalidade precípua uma reforma agrária e uma política rural que evite os dois males geminados, da estrutura agrícola brasileira: - a convivência do latifúndio com o minifúndio. Nesse padrão, dois casais, era os únicos proprietários duma gleba e um deles e um deles pediu a divisão impugnada pelo outro, porque cada metade não atingiria o módulo local. Não conheço do recurso, em obediência aos artigos 305, 308-IV e 22, § º do Regimento Interno. Mas, se os eminentes juízes dele conheceram, nego-lhe provimento. É certo que o dispositivo diz: “Para fins de transmissão a qualquer título, nenhum imóvel poderá ser desmembrado ou dividido, etc.”. Poder-se-á, razoavelmente, interpretar como fez o padrão, que, a contrario sensu, é divisível a gleba se o co-proprietário não visa a transmissão. Em Santa Catarina, por exemplo, os lotes iniciais eram de 25 h. da colonização alemã de há um século, como a do Dr. Blumenau, geraram, por efeito das patilhas C.C., parvifúndios que não bastam a ocupar a atividade duma família, nem alimentá-la. A extrema divisão engendrou a lavoura de mera subsistência de tipo caboclo das áreas empobrecidas do Nordeste. O Estatuto da terra pretende impedir essa pulverização do fundo agrário, estabelecendo aqueles módulos indivisíveis. No caso dos autos, cada co-proprietário viria a receber menos de 7h. e menos de 400 laranjeiras, quinhão tão exíguo que não se conciliaria com a atividade econômica racional. Isso aliás, já reconhecia um marxista, como Karl Kautsky, quando analisou a reforma agrária ao apagar das luzes do século IXI. Dividida a gleba pelos 8 comunheiros, nenhum dos quais se poderia
manter nela, nada impediria a transmissão dos quinhões. O Estatuto da Terra quer impedir esse fracionamento e, a meu ver, tanto para a transmissão imediata, quanto para a posterior em 2 etapas. O que a lei quer evitar diretamente, também o quer por via olíqua. (grifou-se)
O aresto em comento apresenta a seguinte ementa:
ESTATUTO DA TERRA – ART. 65 – DIVISÃO DA GLEBA.
Partindo-se das premissas acima delineadas, procede-se à análise pontual da controvérsia veiculada neste apelo extremo, qual seja a possibilidade de usucapir imóvel rural com dimensões inferiores ao módulo rural, ou, consoante já ponderado, à fração mínima de parcelamento. Não obstante a existência de desenvolvimentos doutrinários favoráveis à usucapião de imóveis com área inferior às unidades de medida em comento - módulo rural ou fração mínima de parcelamento -, fundamentados no fato de que a observância às limitações estabelecidas pela legislação agrária impediria o instituto constitucional de atingir seu desiderato, conclui-se em sentido diverso. Neste ponto, repisa-se que a finalidade da usucapião especial rural, nos moldes estabelecidos pela Mensagem 458/81 - transcrita na primeira seção deste voto - foi a de solucionar o problema daqueles que, não sendo proprietário de outro imóvel, rural ou urbano, ocupassem, por determinado tempo, sem contestação, uma área rural e a afastassem do quadro de improdutividade e abandono. Salientou-se, outrossim, o anseio de alcançar-se, o quanto possível, o progresso social e econômico do trabalhador que, sozinho ou com sua família, torne viável/produtiva a extensão de terra que possui. Neste particular, destaca-se que a porção de terra inferior ao módulo rural traduz-se em minifúndio, vale dizer, imóvel rural de tamanho e possibilidades inferiores àquelas da propriedade familiar (art. 4º, inciso IV, Lei 4.504/64), sendo, portanto, antieconômico, de modo a ensejar a redução do minifundiário a estado deficitário. Desse modo, permitir a usucapião desses imóveis representaria afronta às finalidades perseguidas pelos princípios do direito agrário, notadamente àquele que preceitua a