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Simbolismo e Comunicação em Casas de Venturi e Scott-Brown, Notas de aula de Comunicação

Este documento analisa as mudanças observadas na produção de arquitetos robert venturi e denise scott-brown, com ênfase nas casas unifamiliares. A partir de análises críticas de alan colquhoun e rafael moneo, examinamos quatro projetos residenciais para relacioná-los com a obra teórica dos arquitetos. O documento explora como as ideias de venturi sobre arquitetura foram influenciadas por obras anteriores, como a de palladio e claes oldenburg, e como essas influências se manifestaram em suas obras.

O que você vai aprender

  • Como se manifestaram essas influências em projetos residenciais de Robert Venturi e Denise Scott-Brown?
  • Quais projetos residenciais de Robert Venturi e Denise Scott-Brown foram examinados na análise?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Havaianas81
Havaianas81 🇧🇷

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usjt • arq.urb • número 21 | janeiro - abril de 2018 89
Dely Soares Bentes | De Palladio a Oldenburg: simbolismo e comunicação nos projetos de casas de Robert Venturi e Denise Scott-Brown
Resumo
A partir das análises críticas realizadas por Alan
Colquhoun, em 1978, e Rafael Moneo, em 2004,
sobre a produção dos arquitetos Robert Venturi e
Denise Scott-Brown, propomos uma investigação
das modificações observadas na produção dos ar-
quitetos, em especial nas casas unifamiliares. Para
tanto, examinaremos quatro projetos residenciais
procurando relacioná-los com a obra teórica dos
arquitetos, desde as primeiras ideias lançadas por
Venturi em Complexidade e contradição em arqui-
tetura até a virada populista que, já em parceria
com Scott-Brown e Steven Izenour, se corporifica
no texto pop de Aprendendo com Las Vegas. Bus-
caremos também nos condicionantes culturais da
época – olhando principalmente através da lente
comunicativa de Marshall McLuhan – justificativas
para as mudanças observadas nos fundamentos
conceituais e a maneira com que se traduziram
em operativas projetuais que eventualmente im-
pactaram na produção da dupla de arquitetos.
Palavras-chave: Venturi e Scott-Brown. Arquite-
tura pop. Sociedade de consumo. Arquitetura re-
sidencial.
* Doutoranda no PROARQ
– FAU/UFRJ, desde 2017.
Possui Mestrado em Arqui-
tetura na mesma instituição
desde 2006. Graduação em
Arquitetura e Urbanismo
pela Universidade Santa Úr-
sula (1999). Tem experiência
profissional e acadêmica na
área de Arquitetura, com ên-
fase em projetos, teoria e crí-
tica. Professora desde 2009
na Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro.
De Palladio a Oldenburg: simbolismo e
comunicação nos projetos de casas de
Robert Venturi e Denise Scott-Brown
From Palladio to Oldemburg: symbolism and communication
in Robert Venturi and Denise Scott-Brown’s houses
Dely Soares Bentes*
Abstract
From the critical analyses conducted by Alan
Colquhoun in 1978 and Rafael Moneo in 2004 on
the production of the architects Robert Venturi and
Denise Scott-Brown, we propose an investigation
of the modifications observed in their work, espe-
cially in single-family homes. For this purpose, we
will examine four residential projects in an attempt
to associate them with the theoretical production
of those architects, from the first ideas expressed
by Venturi in Complexity and contradiction in ar-
chitecture to the populist turn that, in partnership
with Scott-Brown and Steven Izenour, is embodied
in the pop text of Learning from Las Vegas. We will
also search, in the cultural determinants of the time
- looking mainly through the communicative lens of
Marshall McLuhan - justifications for the changes
observed in the conceptual foundations and the
way in which they translated into projective opera-
tives that eventually impacted on the production of
the couple of architects.
Keywords: Venturi e Scott-Brown. Pop architec-
ture. Consumer society. Popular culture.
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Resumo A partir das análises críticas realizadas por Alan Colquhoun, em 1978, e Rafael Moneo, em 2004, sobre a produção dos arquitetos Robert Venturi e Denise Scott-Brown, propomos uma investigação das modificações observadas na produção dos ar- quitetos, em especial nas casas unifamiliares. Para tanto, examinaremos quatro projetos residenciais procurando relacioná-los com a obra teórica dos arquitetos, desde as primeiras ideias lançadas por Venturi em Complexidade e contradição em arqui- tetura até a virada populista que, já em parceria com Scott-Brown e Steven Izenour, se corporifica no texto pop de Aprendendo com Las Vegas. Bus- caremos também nos condicionantes culturais da época – olhando principalmente através da lente comunicativa de Marshall McLuhan – justificativas para as mudanças observadas nos fundamentos conceituais e a maneira com que se traduziram em operativas projetuais que eventualmente im- pactaram na produção da dupla de arquitetos. Palavras-chave: Venturi e Scott-Brown. Arquite- tura pop. Sociedade de consumo. Arquitetura re- sidencial.

  • Doutoranda no PROARQ
  • FAU/UFRJ, desde 2017. Possui Mestrado em Arqui- tetura na mesma instituição desde 2006. Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Santa Úr- sula (1999). Tem experiência profissional e acadêmica na área de Arquitetura, com ên- fase em projetos, teoria e crí- tica. Professora desde 2009 na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

De Palladio a Oldenburg: simbolismo e

comunicação nos projetos de casas de

Robert Venturi e Denise Scott-Brown

From Palladio to Oldemburg: symbolism and communication

in Robert Venturi and Denise Scott-Brown’s houses

Dely Soares Bentes*

Abstract From the critical analyses conducted by Alan Colquhoun in 1978 and Rafael Moneo in 2004 on the production of the architects Robert Venturi and Denise Scott-Brown, we propose an investigation of the modifications observed in their work, espe- cially in single-family homes. For this purpose, we will examine four residential projects in an attempt to associate them with the theoretical production of those architects, from the first ideas expressed by Venturi in Complexity and contradiction in ar- chitecture to the populist turn that, in partnership with Scott-Brown and Steven Izenour, is embodied in the pop text of Learning from Las Vegas. We will also search, in the cultural determinants of the time

  • looking mainly through the communicative lens of Marshall McLuhan - justifications for the changes observed in the conceptual foundations and the way in which they translated into projective opera- tives that eventually impacted on the production of the couple of architects. Keywords: Venturi e Scott-Brown. Pop architec- ture. Consumer society. Popular culture.

Duas publicações são o ponto de partida para

o que propomos neste artigo. Em momentos dife- rentes e através de narrativas distintas, dois auto- res - Alan Colquhoun e Rafael Moneo - observam a mudança que ocorre na produção, tanto teórica quanto prática, de Robert Venturi. Portanto, ten- do como elementos norteadores os textos “Sign and Substance: Reflections on Complexity, Las Vegas, and Oberlin” publicado por Colquhoun originalmente na revista Oppositions 14, de 1978, e o capítulo que Moneo dedica ao casal Venturi e Scott Brown no seu livro de 2004, Inquietação teórica e estratégia projetual, construiremos o enredo que dará estrutura à nossa narrativa. Buscaremos, ainda, rever os condicionantes cul- turais que possam ter influenciando nessa mu- dança de postura, além de alterações internas e conceituais dos próprios arquitetos. Nesse caso, o filtro que iremos aplicar é o da comunicação, em especial através da publicação de Marshall Dois autores e uma intriga McLuhan, Os meios de comunicação como ex- tensões do homem, de 1964. O sociólogo canadense, nesse livro que se tor- naria um ícone da sociedade capitalista midiática que se firmava cada vez mais a partir da segunda metade do século XX, propõe que o meio através do qual a mensagem é transmitida é, ele próprio, o conteúdo da mensagem em si. Desse modo, o carro, a casa, a roupa, são reconhecidos como potentes meios de comunicação, o que Pierre Bourdieu (1992) reiteraria, anos mais tarde, ao dis- sertar sobre o capital simbólico, igualmente con- tido nesse grande sistema de signo e significado. Tendo apresentado os personagens e o cenário, passaremos à exibição das provas que concluem a nossa investigação. Através da análise dos proje- tos de quatro casas: Casa de praia, de 1959; Casa Vanna Venturi, de 1961; Casas Trubek e Wislocki, de 1970 e a Casa Delaware, de 1978, serão bus-

ção ao funcionalismo e expressionismo formal, que pressupunha, à arquitetura modernista do período da reconstrução, a ideia de que a forma do edifício deveria expressar a sua função. Na década de 60 (...) disponibilizou-se uma arma de ataque contra o funcionalismo (...). Era o “estruturalismo” inaugurado por Ferdinand de Saussure e desenvolvido de várias maneiras por Roman Jakobson, Claude Lévi-Strauss e Roland Barthes. De acordo com essa abordagem, a ca- pacidade dos signos de transmitir significado, em qualquer que seja seu sistema, depende de uma estrutura arbitrária e convencional de rela- ções dentro de um determinado sistema (...). A aplicação desse modelo linguístico à arquitetura permitiu que a “função” fosse vista como a fal- sa reificação e naturalização de um conjunto de valores culturalmente determinados que podem ou não ser considerados como parte do siste- ma de significação constituído por um edifício. (COLQUHOUN, 2004, p.232) A partir da influência do linguista e filósofo Ferdi- nand de Saussure, o pensamento estruturalista vem propor a aplicação dos códigos de funcio- namento da própria língua de maneira a construir sistemas de pensamento baseados na linguagem e na significação. Assim, termos derivados da linguística, como gramática, semântica, sintaxe, metáfora, analogia entre outras, passam a fazer parte do vocabulário utilizado para formulação de hipóteses que termina por se estender à teoria da arquitetura. A arte Pop de certa maneira antecipa as modifi- cações que viriam a acontecer na arquitetura e, desse modo, também termina por contextualizá- -las. Claro que a sua aparição está igualmente possibilitada pelos antecedentes anteriormente elencados. Mike Featherstone enumera algumas características que definem a pós modernidade nas artes: (...) a abolição da fronteira entre arte e vida co- tidiana, a derrocada da distinção hierárquica entre alta-cultura e cultura de massa/ popular; uma promiscuidade estilística, favorecendo o ecletismo e a mistura de códigos; paródia, pas- tiche, ironia, diversão e a celebração da “ausên- cia de profundidade” da cultura; o declínio da originalidade/ genialidade do produtor artístico e a suposição de que a arte pode ser somente repetição. (FEATHERSTONE, 1995, p.25) A partir de uma sociedade de consumo plenamen- te instalada, estabelece-se a lógica da Indústria Cultural - pela definição de Adorno, a exploração, com fins comerciais e econômicos, de bens con- siderados culturais. (ADORNO e HORKHEIMER, 1973). Olhando por esse prisma, nada mais natural que a arte tome esse atalho e, ainda que por um viés crítico a esse funcionamento, passe a incor- porar, elevando à categoria de obra de arte, obje- tos cotidianos e banais, como as latas de sopa de Andy Wahrol, as histórias em quadrinhos de Roy

Lichtenstein ou os hambúrgueres hiper dimensio- nados de Claes Oldenburg. Quando McLuhan postula a indissociabilidade entre o homem e esse caldo cultural e posiciona a sociedade midiática como amplamente defini- da pelo consumo de imagens e de mensagens codificadas, não resta muita alternativa à arquite- tura senão sucumbir à posição de mercadoria, de objeto consumível e comunicável. Solá- Morales identifica de maneira muito clara esse fenômeno: Marshall McLuhan completou este quadro teó- rico com uma afirmação da comunicação por meio de imagens como o novo núcleo da reali- dade em uma cultura que passou da produção de objetos para a produção de mensagens. O chamado à conversão pansemiótica proporcio- nou, em McLuhan, o suporte teórico para a pro- dução de arquiteturas efêmeras, instantâneas, em mudança, puramente comunicacionais. (SOLÀ-MORALES, 1997, p.126)^2 O resultado em termos de teoria e prática arquite- tônica se configuraria na polifonia de respostas e possibilidades interpretativas convenientemente organizadas sob o rótulo unificador do pós-moder- nismo. O que propomos agora é demonstrar de que maneira esses antecedentes forjaram a resposta americana a esses questionamentos e mudanças, em especial na figura do arquiteto Robert Venturi. Colquhoun identifica na tese da Complexidade e contradição de Robert Venturi os ecos do que Lyo- tard enxerga nas sociedades pós-industriais. Se- gundo acredita, a fragmentação, o pluralismo e a indeterminação se revelam na atitude de Venturi em relação à tradição e reverberam, de forma contun- dente, na sua arquitetura. (COLQUHOUN, 2004). O Venturi de Complexidade e Contradição Além dos condicionantes da época, é possível identificar em Robert Venturi influências pessoais que ajudam a definir seu pensamento teórico e a manifestação do mesmo em sua prática. Dentre elas, algumas são explícitas e Venturi as referen- cia sem pudor. De T.S. Eliot assimila a ideia de crítica e de tradição artística como sendo uma continuidade filtrada das preexistências herda- das, o que o próprio autor aponta no prefácio de sua primeira publicação (VENTURI, 1995). Também de um poeta e crítico literário, William Empson, autor de Seven Types of Ambiguity, pu- blicado em 1930, Venturi retira parte da constru- ção de seu pensamento sobre a complexidade e a ambiguidade que acredita serem necessárias para a arquitetura. Essa é mais uma referência confessa do que propõe em Complexidade e Contradição (VENTURI, 1995). No capítulo em que trata da ambiguidade, se apoia em Empson para discorrer sobre essa qualidade, comparan- do a arquitetura à poesia. Não por acaso, tendo em vista o exposto anteriormente, duas das im- portantes inspirações confessas de Venturi estão 2 No orginal: “Marshall McLuhan completed this theoretical picture with an affirmation of communication by means of images as the new core of reality in a cul- ture that had moved from the production of objects to the production of messages. The call to pansemiotic conver- sion provided, in McLuhan, the theoretical support for the production of ephemeral, ins- tant, changing, purely com- municational architectures.”

aparente frivolidade do dia-a-dia a sua maior fon- te de significados. A pop art demonstrou que esses elementos vul- gares são, com frequência, a principal fonte da variedade e da vitalidade ocasionais de nossas cidades e que não é sua banalidade ou vulgari- dade enquanto elemento que favorece a bana- lidade ou vulgaridade da cena toda, mas, pelo contrário, suas relações contextuais de espaço e escala. (VENTURI, 1995, p.50) Colquhoun, porém, é cauteloso ao fazer a leitura de Complexidade e Contradição. Ele questiona a maneira como Venturi trata os exemplos históri- cos, sem contextualizá-los, como se estivessem disponíveis em um catálogo para serem usados de acordo com o significado que o arquiteto pretendesse evocar. Nesse sentido, a dimensão semântica que ele quer enaltecer paira em uma categoria supra-histórica. (COLQUHOUN, 1998). Solá-Morales corrobora essa visão. Para Venturi, o contextualismo não encoraja mais do que pequenas mudanças de ênfase e a sobrevivência de uma espécie de classicismo difuso - popular, cultural, cortês ou domésti- co - não é senão a manifestação, em termos linguísticos, da condição central da arquitetura como uma meditação reflexiva em um mun- do de palavras já escritas. (SOLÁ-MORALES, 1997, p.99)^4 A leitura crítica que Colquhoun e Morales fazem anos mais tarde, em 1978 e 1997 respectivamen- te, pode ter validade, mas é importante enxer- gar a proposta de Venturi no momento em que é apresentada. Como se refere Moneo, uma “bri- sa fresca que varria a dependência da doutrina estabelecida pelas vanguardas” (MONEO, 2008, p.54), uma possibilidade de lançar novos olhares à teoria e à prática arquitetônica. É, portanto, o amálgama formado por todas aquelas influências e inspirações que forjam o Venturi inicial de Complexidade e Contradição. Os seus projetos anteriores e concomitantes ao período que reúne seus pensamentos na siste- matização desse texto seminal se prestam para colocar em xeque a difícil tarefa de construir um pensamento e uma obra que sejam compatíveis e coerentes. O Venturi com Scott-Brown Contudo, como é natural em todo processo de amadurecimento de ideias, Venturi se transfor- mou. Novos olhares e conhecimentos se soma- ram e ele próprio, ao escrever a nota à segunda edição de seu primeiro livro, adverte que o mes- mo deveria ser lido como “um documento de seu tempo, mais histórico do que tópico” (VENTU- RI, 1995). Do mesmo modo, seus comentado- res também atentaram para essa modificação. Colquhoun, em 1978, portanto seis anos após a publicação de seu segundo escrito, Aprendendo 4 No original: “For Venturi, contextualism similarly en- courages no more than sli- ght shifts of emphasis, and the survival of a species of diffuse classicism – popular, cultured, courtly, or domes- tic – is nothing other than the manifestation, in linguistic terms, of the central condi- tion of architecture as a refle- xive meditation on a world of already written words.”

com Las Vegas, faria a seguinte observação no artigo publicado na revista Oppositions: Não foi dada atenção suficiente à mudança no pensamento de Robert Venturi entre sua publi- cação de Complexidade e Contradição em Ar- quitetura em 1966 e sua publicação, com Denise Scott-Brown e Steven Isenour (sic), de Apren- dendo com Las Vegas, em 1972. (...) A mudança não é total. Há muitos conceitos comuns aos dois livros; A alteração do ponto de vista é mui- tas vezes mais uma ênfase do que a introdução de pensamentos radicalmente novos. As ideias secundárias no primeiro livro tornaram-se princi- pais no segundo. Mas essa mudança de ponto de vista é, no entanto, significativa, e está refleti- da no trabalho. (COLQHOUN, 1998, p.177)^5 Montaner é categórico em creditar a mudança no modo de pensar de Robert Venturi à influência de Denise Scott-Brown (MONTANER, 2015). Em sua opinião, foi a arquiteta sul africana quem aproxi- mou Venturi das questões urbanas e sociológi- cas, a que o trabalho teórico e projetual, agora da dupla, passaria a responder. De fato, a formação de Scott-Brown na efervescente Londres da dé- cada de 1950, seu contato com o Independent Group^6 durante o período que esteve concluindo a sua graduação na AA (Architectural Associa- tion), não deve ser desconsiderado. De fato, foi Scott-Brown quem primeiro teve contato com Las Vegas, enquanto lecionava pla- nejamento urbano na UCLA, na California. E foi depois de apresentar a cidade a Venturi que, já como professores em Yale em 1968, resolveram, juntamente com Steven Izenour, organizar o se- minário que daria origem ao livro Aprendendo com Las Vegas. A metodologia, sistematicamen- te dividida em etapas, incluía, além de extensa revisão bibliográfica, um período de imersão de dez dias em Las Vegas. Os professores, acompanhados de 13 alunos buscavam então respostas para um modelo de ocupação que era novo e desconhecido para os arquitetos e urbanistas – os urban sprawls (espa- lhamentos urbanos). Dado o ineditismo do fato, procuravam em campo pistas para o que estava acontecendo e o modelo de cidade e de arquite- turas que vinham se configurando nessas áreas recém-ocupadas. O que propunham, além disso, era uma nova meto- dologia de ensino, que visava a transformar o ateliê tradicional e prover os arquitetos de um olhar menos preconceituoso e mais aberto a “aprender com” os ambientes construídos. Apesar de terem recebido muitas críticas, o resultado dessa pesquisa foi final- mente publicado no livro homônimo de 1972 (VEN- TURI, SCOTT- BROWN, IZENOUR, 2003). Tanto Alan Colquhoun quanto Rafael Moneo identificam a virada populista na obra de Venturi entre a primeira e a segunda publicações; porém, Moneo nos relembra que a declaração em favor 5 No original: “Sufficient attention has not been gi- ven to the change in Robert Venturi´s thought between his publication of Comple- xion and Contradiction in Architecture in 1966 and his publication, with Denise Scott-Brown and Steven Ise- nour (sic), of Learning from Las Vegas in 1972. (...) The change is not total. There are many ideas that are common to the two books; the alte- ration of viewpoint is often more one of emphasis than of the introduction of radi- cally new concepts. Ideas wich were secondary in the first book become guiding ideas in the second. But this shift of viewpoint is nonethe- less significant, and it is re- flected in the work.” 6 O Independent Group foi uma associação de artistas e arquitetos, capitaneados por Alison e Peter Smithson (ar- quitetos ingleses ligados ao neobrutalismo britânico) que se estabeleceu em Londres entre 1952 e 1956. Além de- les, outros nomes como Rey- ner Banham também fizeram parte do coletivo que tinha por objetivo levar a arte para as grandes massas, espe- cialmente através dos novos meios de produção gráfica.

Esse olhar para a vontade dos clientes e do papel do arquiteto como um intérprete dos desejos de seus contratantes é o que os críticos assinalam como principal indício do novo viés populista que a publicação de Aprendendo com Las Vegas veio acrescentar ao trabalho do casal. Porém, além disso, a outra grande modificação que Alan Colquhoun aponta entre o Venturi inaugural e o que retira os ensinamentos de Las Vegas está re- lacionada justamente com a fraqueza que o próprio autor identifica na sua primeira teoria. A mea culpa que faz sobre a impossibilidade de aplicar o que preconizara em Complexidade e contradição em seus projetos posteriores, parece deferir um golpe mortal sobre toda sua especulação inicial. (VENTU- RI; SCOTT BROWN; IZENOUR, 2003). No entanto, o que Colquhoun observa, de maneira muito perspicaz, é que esse é apenas um artifício para reforçar a sua nova hipótese do “galpão de- corado”^9 “de acordo com a qual o arquiteto deve renunciar qualidades arquitetônicas de espaço e estrutura e concentrar-se em vez disso, no con- teúdo simbólico” (COLQUHOUN, 1998, p.17)^10. E ele completa reiterando que o argumento do “gal- pão decorado” já estava presente no primeiro livro. Lá Venturi havia estabelecido que a ligação entre um edifício e sua substância é apenas indireta, o que deixa por terra a máxima modernista de que a “forma segue a função”. Apesar disso, ele reconhece a interdependência dos dois. Mas o que Colquhuon observa é que em Aprendendo com Las Vegas, ao utilizarem a imagem do fron- tispício da catedral medieval como um outdoor totalmente independente do edifício que lhe se- gue – “a Catedral de Amiens é um outdoor com um edifício atrás” (VENTURI ET. AL., 2003, p.139) -, ocorre um enfraquecimento da tensão entre o real e o aparente, uma das possíveis complexida- des da arquitetura (COLQUHOUN, 1998, p.179). O “galpão decorado”, edifício em que função e significado estão resolvidos isoladamente, de maneira que ambos possam atender da melhor forma as necessidades programáticas, é uma crí- tica direta ao expressionismo de arquitetos como Paul Rudolph, que procuravam fazer com que a forma de cada edifício pudesse expressar o seu conteúdo, transformando, segundo Venturi, todo o edifício em um símbolo. Colquhoun, contudo, é muito incisivo ao identificar que alguns projetos daquele período (ele escreve em 1978) mais parecem “patos”^11 que “galpões”, o que lhe permite questionar a possibilidade de generalização da ideia do “galpão decorado”. Ele parece funcionar muito bem, diz o crítico, onde o programa demanda economia e racionalidade construtiva, mas que ainda assim seja necessário o simbolismo. Ou seja, edifícios comerciais, públi- cos, na opinião do teórico britânico. Contudo, o ponto central de sua análise em favor de nossa argumentação é quando ele sublinha a 9 O conceito do galpão de- corado é proposto no segun- do livro de Venturi, Apren- dendo com Las Vegas. A ideia é que as questões fun- cionais e programáticas do edifício sejam resolvidas da maneira mais conveniente ao espaço e à estrutura e que o simbolismo seja resolvido com a aplicação de adornos e ornamentos de forma inde- pendente. 10 No original: “according to witch the architect should abjure architectural qualities of space and structure and concentrate instead on sym- bolic content” 11 Os “patos” a que se refe- rem são a maneira que cha- mam o tipo de projetos em que o simbolismo está ex- presso no edifício como um todo, e não independente- mente como no “galpão de- corado” que propõem como alternativa melhor ao tipo de arquitetura que compromete a função e o programa em prol de conseguir uma forma que expresse o simbolismo do edifício.

mudança significativa que teria se apresentado entre os projetos iniciais e os posteriores no que diz respeito ao programa de casas. Algumas de suas casas recentes, ele diz, mais parecem “pa- tos”, o que não ocorria nos primeiros exemplos, onde “as referências históricas eram mais frag- mentárias e generalizadas, e se referiam menos ao romanticismo vernacular do que à tradição clássica.” (COLQUHOUN, 1998, p.181)^12. Nos projetos inaugurais, os edifícios públicos e privados pareciam ser pensados como veículos para uma maior complexidade em que espaço, estrutura e simbolismo, funcionavam de forma sistêmica. Nos mais recentes, Colquhoun iden- tifica um tratamento diferente para os progra- mas.^13 Mas sobre os projetos de residências, o foco de nossa investigação aqui, ele é categórico em identificar a mudança que ocorrera na produ- ção da firma de arquitetos: Em encomendas de um tipo mais doméstico há a impressão de que os arquitetos se iden- tificam com os sentimentos nostálgicos dos seus clientes e lhes oferecem edifícios cuja or- ganização interior e a expressão exterior falam a mesma língua e se esforçam em recriar uma mesma atmosfera. Os detalhes vernaculares e os chintzes^14 reconfortantes são o resultado de certa cumplicidade entre arquiteto e cliente, e se o arquiteto ainda reivindica alguma ironia, essa não é forte o suficiente para subverter os valores que o cliente vê refletidos e tornados possíveis no edifício. (COLQUHOUN, 1998, p.182)^15. É perceptível o tom irônico da fala do inglês dian- te do viés populista que os projetos passam a assumir. Venturi e Scott-Brown, por outro lado, parecem se esforçar para maximizar o simbolis- mo de seus edifícios, para tornar a comunicação mais fácil, ainda que para isso seja necessário projetar algo “feio e banal”^16. Quatro projetos e uma mensagem Na etapa final de nossa argumentação iremos discorrer sobre os projetos escolhidos para re- presentar o percurso que acreditamos que Ro- bert Venturi e Denise Scott-Brown empreende- ram para alcançar o nível de comunicação que almejavam. O que balizou a escolha dos quatro^17 projetos foi a proposta inicial de estabelecer uma comparação entre as fases, de maneira que os dois primeiros são anteriores à publicação de “Aprendendo com Las Vegas” e os dois seguin- tes, portanto, posteriores. Há poucos projetos de casas efetivamente cons- truídos ao longo da década de 1960, especial- mente nos anos iniciais. A maior parte é de pro- jetos não edificados, como é o caso da primeira residência que iremos analisar, o Projeto para uma Casa de Praia, de 1959. O fato de ilustrar o livro “Complexidade e contradição em arquite- tura” (VENTURI, 1995, p.153) torna-o especial- mente relevante. Do mesmo modo, uma escolha 12 No original: “witch the his- torical references are at once more generalized and more fragmentary, and refer less to vernacular romanticism than to the classical tradition” 13 Alan Colquhoun desen- volve a sua argumentação com uma crítica ao projeto da extensão do Allen Memorial Art Museum, em Ohio. Nos- so interesse recai mais sobre os projetos residenciais, por- tanto, não desenvolveremos aqui esse assunto. 14 Chintz é um tecido de ori- gem inglesa, brilhoso e nor- malmente com estampas ale- gres e florais, se popularizou no pós II Guerra e terminou associado ao gosto popular. 15 No original: “In commis- sions of a more domestic kind one has the impression that the architects identify with the nostalgic sentiments of their clients and provide them with buildings whose inte- rior organization and external expression speak the same language and attempt to reco- ver a unique atmosphere. The vernacular details and confor- ting chintzes are the result of a certain cumplicity between architect and client, and if the architect still lays claim for irony it is not strong enough to subvert the values which the client sees reflected and made possible in the building.” 16 Cf. VENTURI; IZENOUR; SCOTT-BROWN, 2003, p. 158-166. 17 Note-se que, dentro dos limites desse artigo, não se- ria possível estender a quan- tidade de objetos de análise, de forma que o escopo teve que ser restrito aos quatro exemplares utilizados.

Mais adiante nessa descrição, Venturi fala da ambi- guidade que faz com que o telhado, como resultado das complexidades inerentes à distribuição do pro- grama em função da planta e das elevações seja ao mesmo tempo de três e de duas águas, como é possível verificar na figura 3, através das maquetes. Essa casa funciona como uma espécie de catálo- go das operativas que elenca ao longo do texto. A dicotomia entre interior e exterior é enfatizada pela diferenciação entre os materiais: cedro natu- ral no exterior e tábuas pintadas na parte interna, tal qual um “forro de uma capa” (VENTURI, 1995, p.155). Ele ainda se preocupa em enfatizar que as fenestrações, através das quais é possível en- xergar esse contraste, têm dimensões variáveis e se assemelham com janelas tradicionais - outra liberdade que vai buscar em negação aos panos envidraçados ou às aberturas em fita prescritas pelos arquitetos modernistas. Na planta baixa (figura 4) as diagonais resolvem tanto os espaços internos quanto as necessida- des funcionais distorcendo o programa em dire- ção à vista. Sem pudores, Venturi explode a forma em busca da vista do oceano, sem se preocupar em conseguir a ortogonalidade elegante das cai- xas miesianas. Ao contrário, o esforço é por rom- per com essa ideia e adicionar, em consequência, complexidade e contradição adaptada ao edifício. Ainda em relação à forma, a cobertura sem bei- ral e o uso do mesmo material no telhado e nas paredes externas reforça a ideia de um volume único, prismático. A lareira–chaminé, superdi- mensionada em sua verticalidade, encontra-se ligeiramente deslocada do eixo de simetria, in- tensificando a contradição e a ambiguidade. Casa Vanna Venturi O projeto da casa de praia, de 1959, parece ser uma preparação para a casa de Chestnut Hill, na Pensilvânia, a conhecida residência que Venturi, juntamente com John Rauch, projetou para a Sra. Vanna Venturi, mãe do arquiteto (figuras 5 a 8). Os primeiros estudos e a efetiva construção ocorreram entre 1961 e 1964. Desde a inauguração, o edifício foi amplamente documentado e exaustivamente analisado. Não vamos nos deter longamente em reproduzir o que já se falou sobre essa residência. Contudo, o seu projeto é especialmente relevante para os nossos argumentos, na medida em que de- monstra uma evolução em direção ao caminho que as casas que lhe sucedem vão tomar. Nela, as complexidades da planta atendem às ne- cessidades do programa; contudo, em compara- ção à casa de praia, são menos visíveis na facha- da e na volumetria resultante. Nesse caso Venturi e Rauch organizam as funções em um retângulo. Vê-se na planta baixa, especialmente a do térreo (figura 7), as diagonais e as concordâncias de retas e curvas. Nesse projeto, a percepção volu- métrica está diminuída se comparada ao projeto anterior. A parede que conforma a fachada frontal Figura 3. Maquetes da casa de praia. Fonte: VENTURI, SCOTT BROWN & ASSOCIATES,1992, p. Figura 4. Planta baixa da casa de praia. Fonte: The Architec- tural Archives, University of Pennsylvania by the gift of Robert Venturi and Denise Scott Brown.

é aplicada sobre o volume que se desenvolve por trás, tal como a fachada da Catedral de Amiens. Nota-se um jogo de ambiguidade e distorções na simetria. O volume da chaminé está premedita- damente deslocado do eixo central e embora o vão de acesso defina esta posição na fachada, no interior não ocorre o esperado e os cômodos ocupam os espaços necessários, desfazendo a “simetria quase palladiana” (VENTURI, 1995, p.178) esperada a partir do exterior. A casa possui ainda um aspecto iconográfico acentuado pela bidimensionalidade persegui- da nas duas fachadas. Há alusões à arquitetura clássica, porém o arquiteto se preocupa em fa- zer com que a imagem ofereça algo de familiar ao espectador. Segundo Moneo, “a construção é o espelho que reflete o eu do arquiteto” (2008, p.60). E completa: Pode-se dizer que a arquitetura se transforma, assim, em reflexão pessoal, intransferível: este Venturi inicial, que ainda não é o Venturi popu- lista, transfere ao indivíduo, ao arquiteto, toda a responsabilidade. (2008, p.60) Em um pós-escrito sobre a casa publicado na re- vista Architectural monographs em 1992, Venturi destaca as complexidades e contradições que havia perseguido no projeto e admite a referência explícita ao maneirismo palladiano. Entretanto, ele enfatiza as diferenças, como por exemplo, Figura 5. Fachada frontal Casa Vanna Venturi. Fonte: The Ar- chitectural Archives, University of Pennsylvania by the gift of Robert Venturi and Denise Scott Brown. Foto: Rollin LaFrance. Figura 6. Fachada posterior Casa Vanna Venturi. Fonte: Geor- ge Pohl Collection, The Architectural Archives, University of Pennsylvania. Figura 7. Planta Baixa do térreo

  • Casa Vanna Venturi. Fonte: The Architectural Archives, Universi- ty of Pennsylvania by the gift of Robert Venturi and Denise Scott Brown. Figura 8. Planta Baixa do 1º pav. - Casa Vanna Venturi. Fonte: The Architectural Archives, University of Pennsylvania by the gift of Robert Venturi and Denise Scott Brown.

Figura 10. Plantas Baixas casa Trubek. Fonte: The Architec- tural Archives, University of Pennsylvania by the gift of Robert Venturi and Denise Scott Brown. Figura 11. Plantas Baixas casa Wislocki Fonte: The Architec- tural Archives, University of Pennsylvania by the gift of Robert Venturi and Denise Scott Brown. tal como já havia sido aplicado nos projetos apre- sentados anteriormente. A concordância de pla- nos e curvas e as diagonais estão presentes, em especial na casa maior, Trubek, ainda que toda a organização espacial esteja inscrita em um retân- gulo, como na casa Vanna Venturi. Na casa Wislocki, a menor, as complexidades da planta são definitivamente deixadas de lado e a or- ganização espacial atende de forma estrita o pro- grama funcional. Embora nessas casas também haja a questão da vista para o oceano, a forma não se distorce, tal como no projeto da casa de praia de

  1. A imagem do telhado encontra-se bastante destacada seja pelo material, seja pela presença de um pequeno beiral que cumpre a função de separar visualmente as partes que compõem o edifício. Aqui, a vontade de reproduzir uma casa vernacu- lar facilmente identificável, “banal”, se sobrepõe aos questionamentos formais e às operações de simetria e deslocamentos, diagonais e concor- dâncias de curvas e retas. O simbolismo cifrado e sutil vai sendo substituído pelas associações mais diretas. Os autores descrevem o uso do simbolismo da seguinte maneira: Uma razão essencial para se usar o simbolismo hoje é que ele pode proporcionar uma diversi- dade de vocabulários arquitetônicos apropria- dos para uma pluralidade de gostos e sensíveis a qualidades de patrimônio e lugar. Este uso se adequa à necessidade de responder em nos- so tempo tanto à cultura de massa como à ex- pressão pluralista. (VENTURI, SCOTT BROWN & ASSOCIATES, 1992, p.14)^19. A menção à cultura de massa deixa claro que os arquitetos assumem de forma consciente a nova postura comunicativa que adotam nos projetos. A busca pela identificação dos usuários e clien- tes torna-se o mote das operativas que passam a adotar a partir da virada populista a que se refe- rem igualmente os dois comentadores em quem baseamos esta análise. Casa em Delaware No projeto de Delaware, de 1978, a menção ao simbolismo apresenta-se cada vez mais epidérmi- ca. A reinterpretação da arquitetura popular acaba tornando-se mais trivial e as referências do passa- do – descoladas, como apontara Colquhoun, de seu contexto original – são manipuladas e trans- formadas até atingir sua simplificação mais banal. Quase não mais há referência ao que foram.

19 No original: “An essential reason for using symbolism today is that it can provide a diversity of architectural vocabularies appropriate for a plurality of tastes and sen- sitive to qualities of heritage and place. This use suits the need to respond in our time to both mass culture and plu- ralist expression.” Tanto na fachada (figura 12), quanto no seu inte- rior (figura 14) é possível ver como as colunas são resumidas a seções de seus perfis, reduzindo o volume tridimensional a um plano recortado em duas dimensões, sem função estrutural. A bidi- mensionalidade é bastante evidente neste projeto. Os elementos planos desenhados, recortados e aplicados tal como na tradição inglesa do arts and crafts (MONTANER, 2001) preenchem os espaços e se encarregam ainda de conferir-lhes simbolismo. Ainda na fachada, é possível observar o esfor- ço para romper a simetria do conjunto, ecos de complexidade e contradição que ainda atraves- sam os projetos da dupla. Assim, tomando como eixo o cume do frontão em madeira aplicado so- bre o edifício, as falsas colunas e seus capitéis em duas dimensões (também elementos recorta- dos em madeira), não são igualmente rebatidas e à direita uma delas é abruptamente interrompida, bem como um dos vértices do frontão, que não chega a se completar e se funde com o plano das janelas de caixilhos da cozinha que avançam por sobre o alpendre. O simbolismo é cada vez mais trivial e popular, como se vê na utilização da cerca e do arco tre- liçado de madeira (figura 13). Esses elementos, que poderiam estar em um subúrbio do tipo Levittown, terminam por conferir à arquitetura de Venturi e Scott-Brown uma potência comu- nicativa absolutamente cosmética e superficial, porém de acentuada identificação imagética com a cultura popular. A aplicação sem pudor de elementos decorativos torna a assimilação mais direta e evoca imagens familiares ao ima- ginário popular. Vincent Scully, na revista Architectural Digest de março 1985 descreve o projeto como uma casa de bonecas saída de um livro infantil (SCULLY, Vincent apud VENTURI, SCOTT BROWN & AS- SOCIATES, 1992, p.89). Os autores afirmam que a inspiração do projeto vem dos antigos celeiros do século XVIII, tradicionais do estado de Dela- ware, onde se localiza. O que pretendem com isso é que a casa se acomode ao local como se pudesse sempre ter estado ali. Figura 12. Fachada da Casa em Delaware. Fonte: The Archi- tectural Archives, University of Pennsylvania by the gift of Ro- bert Venturi and Denise Scott Brown. Foto: Matt Wargo. Figura 13. Vista lateral da Casa em Delaware (New Castle County). Fonte: The Architectural Archives, Uni- versity of Pennsylvania by the gift of Robert Venturi and Denise Scott Brown.

uma atitude intencional que antecipam na con- clusão do livro: (...) Mas quando há pouco dinheiro para gastar com arquitetura, deve-se ter certamente maior imaginação arquitetônica. Os modelos para os edifícios modestos e imagens com propósito so- cial não virão do passado industrial, mas da cida- de cotidiana que nos cerca, de prédios e espaços modestos com apêndices simbólicos. (VENTURI; SCOTT-BROWN; IZENOUR, 2003, p.200). Não se pode esquecer que já no começo dos anos 1970 a euforia consumista do Pós II Guerra havia arrefecido. A crise do petróleo, que aca- baria sendo detonada efetivamente em 1973, já se anunciava com as mudanças nas relações comerciais com os produtores. Porém, a socie- dade já estava modificada e de fato era neces- sário encontrar outra forma de expressão para a arquitetura. Venturi e Scott-Brown acreditavam que “aprender com a cultura popular não retira o arquiteto do seu status na alta cultura. Mas pode alterar a alta cultura para torná-la mais sensível às necessidades e questões atuais.”^20 (VENTURI; SCOTT-BROWN; IZENOUR, 2003, p.200). Não por acaso, Denise Scott-Brown lançara um chamado na proposta metodológica para a pes- quisa de Levittown: “Vamos fazer pela habitação o que Oldenburg fez pelo hambúrguer”. (VENTU- RI, SCOTT-BROWN & ASSOCIATES, 1992, p.57). A proposta é a de reinterpretação do gosto po- pular, de trazer para a discussão acadêmica, da alta cultura, esses achados e transformá-los em operativas projetuais que garantam uma dimen- são semântica para a arquitetura. De fato, o que se verifica tanto no trabalho teó- rico, como nos projetos de Venturi, é que as re- ferências a Palladio, Borromini e mesmo Kahn parecem estar cada vez mais distantes ou, no mínimo, distorcidas pela lente comunicativa e populista que as infantiliza e as torna facilmente assimiláveis pela cultura de massa a que reve- renciam. O contexto das mudanças, como demonstramos no início da exposição, se insere no âmbito do desenvolvimento da cultura de massa e do que McLuhan chamava da “era da informação elétri- ca” (1971). A grande mudança que o autor iden- tifica é que os bens de consumo também assu- mem caráter de informação. Portanto, nessa sociedade amplamente visual, a casa se torna também uma extensão de pele, como o vestuário, e passa a informar sobre os habitantes, como um meio de comunicação que já possui intrinsecamente o seu conteúdo, a men- sagem. É a este sentido que o teórico canadense se refere quando fala dos meios de comunicação como extensões do homem, o que anuncia des- de o título da publicação, ou mesmo através da máxima que cunhou, de que “o meio é a mensa- gem” (McLUHAN,1971). 20 No original: “Let´s do for housing what Oldenburg did for hamburgers”.

(...) nas novas roupas e moradias, a nossa sen- sibilidade unificada se diverte em meio às mais variadas sortes de consciência de materiais e cores, o que faz com que a nossa era seja uma das maiores da História – em Música, Poesia, Pintura e Arquitetura. (McLUHAN,1971, p.143). Em verdade, todos os bens de consumo adqui- rem, em maior ou menor grau de significação, uma função comunicativa na nova sociedade midiática que se consolidou a partir da euforia consumista desencadeada a partir do final da II Grande Guerra. E foi esse cenário que tornou possível o desenvolvimento da arte pop, a partir do questionamento irônico acerca da adoração aos objetos de consumo presente na organiza- ção social, e também do deslocamento desses mesmos objetos de seu contexto original, cultua- dos e celebrados como obras de arte. Na esteira desses acontecimentos, ao que tudo indica, o chamado de Scott-Brown foi atendido. Na fase tardia estão mais visíveis, através das ferramentas projetuais que passam a fazer uso, o exagero pop de artistas como Andy Warhol e Claes Oldenburg, com sua estética satírica, obje- tos deslocados de sua função original e retirados de suas proporções naturais. O enorme e trivial hambúrguer de Oldemburg parecia ter encontrado seu equivalente na ar- quitetura. As casas banais e triviais de Venturi e Scott-Brown, guarnecidas com elementos arqui- tetônicos descontextualizados e fora de esca- la, mas com enorme apelo popular – quem não reconhece uma lata de sopa campbell´s ou uma construção tipo shingle – passaram a representar com maestria o viés comunicativo da era elétrica exaltada por McLuhan. Ainda que o produto de seu trabalho tenha sido alvo de críticas, é inegável que exista uma con- sistência entre os escritos e os projetos, especial- mente nas casas. Não é necessário muito esforço para identificar a forma como a interpretação que fazem do complexo ambiente de mudanças so- ciais reverberaram nas construções e como isso possibilitou ao campo da teoria da arquitetura uma renovação e uma abertura de possibilidades certamente libertadoras. Referências ADORNO, T. W. e HORKHEIMER, M. Dialetic of enlightenment. Nova Iorque: Allen Lane, 1973. BOURDIER, Pierre. A economia das trocas sim- bólicas. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1992. COLQUHOUN, Alan. Sign and substance: refle- xitions on Complexity, Las Vegas and Oberlin. In: Oppositions Reader. Ed. Hays, Michael. New York: Princeton Architectural Press, 1998, p. 176-187. ___________. Modernidade e tradição clássica. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.