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Análise de Sociedades Coligadas e Controladoras no Direito Commercial, Notas de aula de Direito

Este documento discute as sociedades coligadas e controladoras no direito comercial, suas origens, características e implicações legais. O texto cita autores italianos e brasileiros, explorando a natureza de controle e coligação entre sociedades, e as dificuldades legais associadas. Além disso, o documento aborda a perspectiva do acionista e a proteção à minoria.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Jorginho86
Jorginho86 🇧🇷

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DAS SOCIEDADES COLIGADAS E CONTROLADAS
Darcy Bessone de Oliveira Andrade
Professor Catedrático de Direito Comercial da
Faculdade de Direito da Universidade do Brasil.
oDireito Comercial vive agora um momento histórico,
decisivo para os seus destinos.
Nascido nas corporações medievais, como um direito de
classe, marcadamente subjetivista, procurou, mais tarde, des-
ligar-se da pessoa do comerciante para objetivar-se no ato de
comércio. A era industrial, entretanto, colocando a empl'êsa no
centro da fenomenilogia econômica, criou condições para novas
formulações, derivadas de revisões básicas. Surgiu, em con-
sequência, um novo Direito Comercial, como direito da própria
economia e envolvendo os fenômenos da produção e da circula-
ção das riquesas. Muitos prenunciam a substituição ào secu-
lar Direito Mercantil pelo Direito da Emprêsa.
De qualquer modo, é certo, todavia, que o caráter privatís-
tico do Direito oriundo dos costumes das antigas praças de co-
mércio italianas perde a nitidez, sob a pressão de sua progressi-
va publicização ou, para alguns, até mesmo de certa administra-
tivização, relacionada com a economia dirigida que agora se
pratica. Tal evolução sofre, assim, a influência saudável, da
compreensão de que, nas atividades produtivas, o social prima
sôbre o individual.
ninguém controverte a predominância da nota publicis-
fica no direito falimentar, por exemplo. Envolvendo, em larga
nledida, matéria processual e penal, desloca-se a falência do
plano do direito privado para o do direito público. Logo e con-
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DAS SOCIEDADES COLIGADAS E CONTROLADAS

Darcy Bessone de Oliveira Andrade Professor Catedrático de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade do Brasil.

o Direito Comercial vive agora um momento histórico, decisivo para os seus destinos. Nascido nas corporações medievais, como um direito de classe, marcadamente subjetivista, procurou, mais tarde, des- ligar-se da pessoa do comerciante para objetivar-se no ato de comércio. A era industrial, entretanto, colocando a empl'êsa no centro da fenomenilogia econômica, criou condições para novas formulações, derivadas de revisões básicas. Surgiu, em con- sequência, um novo Direito Comercial, como direito da própria economia e envolvendo os fenômenos da produção e da circula- ção das riquesas. Muitos já prenunciam a substituição ào secu- lar Direito Mercantil pelo Direito da Emprêsa. De qualquer modo, é certo, todavia, que o caráter privatís- tico do Direito oriundo dos costumes das antigas praças de co- mércio italianas perde a nitidez, sob a pressão de sua progressi- va publicização ou, para alguns, até mesmo de certa administra- tivização, relacionada com a economia dirigida que agora se pratica. Tal evolução sofre, assim, a influência saudável, da compreensão de que, nas atividades produtivas, o social prima sôbre o individual. Já ninguém controverte a predominância da nota publicis- fica no direito falimentar, por exemplo. Envolvendo, em larga nledida, matéria processual e penal, desloca-se a falência do

plano do direito privado para o do direito público. Logo e con-

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sequentemente, os credores perdem a influência que antes exer- ciam tão intensamente no desenvolvimento do processo falimen- tal' e, sobretudo, na concordata. Os transportes aéreos e marí- timos marcam-se pelo interêsse coletivo, relacionando-se com a economia geral e até mesmo internacional. Por isso, mesmo, o Direito Marítimo e o Aeronáutico não se deixam conter na área individualista do direito privado. Os problemas de câmbio e o de comércio exterior repercutem na vida de todo o país, sub- traindo-se decididamente a qualquer pretensão de natureza pri. vatistica. Para desligar a sociedade, principalmente a anônima, das efemeras pessoas dos sócios, uma doutrina lhe confere ca- ráter institucional, vinculando-a Inais à emprêsa do que aos ho- mens, cada vez mais transitórios na vida empresária.. Em suma, a atual geração de comercialistas testemunha o histórico momento da desagregação das estruturas jurídicas oriundas de economia artezanal. Mas também se orgulha de par- ticipar da elaboração de novas dogmáticas, que atuarão como componentes de uma disciplina jurídica inédita, pelo menos sob muitos aspectos..

. É o direito da economia moderna que desponta, como obra . do século XX, depois da vigência quase milenar do velho' Direi- to Mercantil. A economia moderna suscitou combinações novas. Interessando, antes apenas à ordem econômica, agora elas estão a instar por concepções, formas e normas que lhes as- segurem condições de funcionamento regular. . Dentre elas, vamos isolar, para análise, as chamadas so- ciedades coligadas, bem como as controladoras e controladas. Tôdas estas, embora não reguladas ainda pelo direito positivo pátrio, alí se acham mencionadas (Ver a lei das sociedades por ~.ções,ar~. 135, § 2.°; a lei do impôsto de renda; arte 69, pará- grafo único; o regulamento do impôsto sôbre lucros extraor- dinários, arte 8, parágrafo único; a lei do impôsto do consumo, obs. n. 3, letra b, da tab. A). A referência da lei a essa figura nascente opera a sua transposição do plano econômico para o plano jurídico.

~

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suddeta attività, che viene esercitata individualmente" (obr. cit., n. 25). O próprio Salandra salientara, entretanto, a mani- festa dificuldade de se reunirem em um único conceito jurídico fenômenos tão vários como são todos aquêles que produzem uni- ões de emprêsas (obr. cit., n. 19). Em magnífico artigo dou- trinário, de crítica a essa tentativa de conceituação unitária, considerou Tullio Ascarelli que não haveria apenas dificuldades em reunir em um conceito único fenômenos tão diversos: ha- veria, sim, evidente impossibilidade de determinar-se um con- ceito capaz de abranger os consórcios e os grupos, categorias que se prestam a numerosas subdivisões. Admitiu que as duas ordens de fenômenos apresentam notáveis afinidades do pon- to de vista econômico, comportando, inclusive, formas inter- nlediárias, de transição. Mas, de outra parte, é também certo, acrescentou Ascarelli, que, se os consórcios visam disciplinar a recíproca concorrência dos empresários que dêles participam, os grupos se organizam para concorrer com outros grupos ou emprêsas isoladas, valendo-se de formas que aparentemente asseguram autonomia às emprêsas que os integram. Essa dife- rênça de objetivos impede, no sentir do jurista, a elaboração de um conceito único que abrace os grupos e os consórcios ("Le unioni di imprese ", in Rivista del Diritto Commerciale, voI. XXXIII - parte I, p. 152).

Dispensamo-nos da análise do conceito formulado por Sa- landra e da impugnação oposta por Ascarelli, porque não é a definição da união das emprêsas, mas, sim, a coligação ou o con- trôle de sociedades que nos preocupa. A emprêsa, corno ativida- de econômica organizada, pode, com efeito, ser exerci da por pessoa física (firma individual) como por pessoa jurídica {so- ciedade mercantil). Esta, a sociedade, é urna forma de estru- tu ração jurídica do agente ou empreendedor e se destina prin- cipalmente a separar patrimônios e campos de responsabilida- de (Ver Mário Casanova - Estudios sobre Ia teoria de Ia ha- cienda mercantil - Trad. de Navas, n. 14). Não seria correto, pois, identificar-se o problema da união de emprêsas, assunto predoD;linantemente econômico, com o da coligação ou contrô- Zede 8Qciedades, que é questão eminentemente jurídica. Os as-

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pectos de um e de outro tema são obviamente diversos. Con- vém deixá-Ios logo discriminados, inclusive como meio de de- terminação e delimitação do objeto da presente palestra, na qual não se incluem as atividades econômicas realizadas atra- vés dos ca1'teis, t1'uste ou kozerns. Limita-se êsse objeto à ma- téria especificamente jurídica. Entenda-se, porém, -que, com a presente delimitação, não pretendemos negar caráter jurídico a certas relações decorrentes das uniões de e1np1'êsas, tão penew trantemente analisadas por Vittono Salandra. Desejamos tão so- mente restringir o tema ao seu enunciado. Voltemos, porém, ao problema da coligação. Êsse têrmo tem sido usado para indicar um gênero, do qual o c.ontrôle seria espécie, o que quer dizer que, havendo con- trôle, haveria coligação, mas também vpoderia haver coligação

  • sem que existisse - cont1'ôle.

Com razão, salienta Salandra, em um outro livro (Manuale di Diritto Commerciale, voI. I, p. 283), que "i due concetti non ,sono identici, perche il collegamento pua esistere anche in con- dizioni di parità", enquanto que "il cosidetto controllo implica Ia dominazione di una società su di un'altra". A relação de gênero e espécie não se compadece, supomos, com o-nosso direito positivo. A lei das sociedades por ações fa- la em "sociedades controladas ou coligadas" (art. 135, § 2.°),

  • não incluindo as primeiras (como espécie) nas segundas (co-

mo gênero). Leis tributárias (art. 69, da lei do ímpôsto de renda, e art. 8, parágrafo único, do regulamento do impôsto de consumo) , ainda mais nitidamente, excluem tal relação, pois que, mencionando" as firmas ou sociedades coligadas, bem comn as controladoras e controladas", deixam certo que estas não são espécies daquelas, isto é, das coligadas. Aliás, lexicamente, o vocábulo coligação, do latim colli- gatio, significa aliança de várias pessoas, confederação, envol- vendo a idéia de reciprocidade. Quando uma sociedade-é contro- lada por outra, caracteriza-se a sujeição, a dependência, a posi-~

ção verticalmente inferiQr.

15Ô DASSOCIÊDAbÊscótiGAbAS

'.,

mo controlada. Antes do ponto decisivo, entretanto, a parti- cipação será apenas um fato, sem consequências jurídicas es- pecíficas. A unidade de gestão, por Vito denominada de união pessoal, é freqüênte nos grupos financeiros. Sendo os mesmos os gran- des acionistas de várias sociedades, êles, dispondo do poder de prover os orgãos diretivos de tôdas elas, escolhem pessoas afi- lladas por um mesmo pensamento, obtendo, assim, uma ges- tão uniforme ou unitária. Nêsse caso, não há uma sociedade controladora de outras, situadas em planos inferiores, mas so- ciedades dispostas em um só plano e com o comando substan- cialmente unificado, a despeito da autonomia formal ou sim- plesmente aparente. A p'aridade e a reciprocidade são traços en- contradiços na espécie. As sociedades são, por isso mesmo, co- ligadas, sob a égide de um destino econômico comum, que é pre- cisamente o do grupo financeiro por elas formado. Pode-se atingir resultado idêntico através da convenção que, como instrumento normativo, vincule várias sociedades no tocante a interêsses que lhes sejam comuns. Formam-se, assim, os chamados consórcios. Ainda aqui, não haverá domínio de uma sociedade por outra, mas paridade e reciprocidade entre as pac- tuantes. Haverá coligação, portanto. O contrôle produz relação vertical, hierarquica, enquanto que a coligação suscita relação horizontal, porque recíproca e paritária. Entendidas assim, sob o aspecto conceitual, as duas figu- ras, logo se apresenta uma outra questão: será o assunto do interêsse apenas do economista ou também está a reclamar a atenção do jurísta? Uma resposta singela poderia ser dada à indagação: se a lei menciona as sociedades coligadas e as controladas, ela mes- ma as inclue no mundo jurídico. Não se tratará, então, de sim- ples fatos econômicos, com efeitos apenas na esfera interna de um determinado sujeito, mas, sim, de atos que, interessando a váriais esferas patrimoniais, produzem relações jurídicas. Aprofundando a análise, logo se percebe, ainda um fato por si mesmo suficiente para atrair a atenção do jurista: a for-

bARCYBESSON~hÊ OLiv~tftAAN'nRADÊ 181

rna jurídica, nas coligações e contrôles societários, não corres- ponde à substância que se propõe a revestir, porque, se formal- n1ente as sociedades se apresentam autonomas, substancialmen- te elas se integram, unificam-se, formam um grupo. Ontologi- mente, não se discriminam. Há mais de vinte anos, Carnelutti, tratando do novo pro- blema da coligação e do cont1'ôle societários, observava que o "controllo di Iegalità formale" não era suficiente para salva- guardar os fins visados pela lei. Sugeria que êle fôsse completa- do através do "controllo della legalità sostanziale" ("Exces- so di potere nelle deliberazioni dell'assemblea delle anonime", in Rivista deI Diritto Commerciale, voI. XXIV parte I p. 176). O mesmo pensan1ento inspirou o artigo de crítica ao livro de Re- né David - "La protection des minorités dans les sociétés par actions" - de autoria de Tullio Ascarelli e publicado em 1930 ("sulIa protezione delle minorange nelle società per azioni", in Rivista deI Diritto Corúmerciale, voI. XXVIII, parte I, p. 735). EnTico Finzi, logo depois, em 1932, viria integrar-se na cor- rente carnelutiana, observando que "la persona società ha un'autonomia soltanto formaIe; sostanzialmente e schiava, mer- cê l'asservimento degli aministratori, della società dominante". Registrando que uma só vontade domina e guia o todo, pergun- ta: "deve prevaIere Ia pluralità formaIe o l'unità sostanziale?" Rematando, Finzi ainda considerou que, se a concentração in- dustrial exprime necessidade econômica, "Ia igiene delle socie- tà non costituisce necessità minore" ("Società controIlate", in Rivista deI Dirito Commerciale, voI. XXX, parte I, p. 462).

Em 1935, Salandra também se mostrava sensível ao pro- blema, notando que uma legislação obsoleta concebeu a anônima "atomisticamente e democraticamente come società di iguali, mentre Ia 101"0vera natura e oligarchica o addirittura autocra- tica". o caráter prevaIentemente formalistico do ordenamento jurídico ignora essas realidades subjacentes ("I diritti degli azionisti di minoranza nelIe società controllate", in Rivista deI

piritto Commerciale, voI. XXXIII, parte 11, p. 352).

Ainda no mesmo ano, erguia-se a autorizada voz sare Vivante, propugnando por uma nova construção

de Ce- jurídi-


DARCY BÉSSÓNÊ DE ottvEUíA AND:RA1>Ê 153

d) - a legislação alemã (1923, 1930 e 1933) ; e) - a legisla- çãó italiana (leis ns. 834, de 1932, e n. 163, de 1934) ; f) - a lei argentina n. 11.210, etc.'

Mais de perto falariam ao tema certas leis estaduais ame- ricanas (New York - 1811, Illinois - 1840, Maryland - 1806 e Pensilvânia - 1874) que, reproduzindo principio da com- mon law, estabeleceram que, salvo o caso de autorização legis- lativaespecial, uma corporation não podia ser acionista de ou- tra ou que, ao contrário, autorizaram expressamente a tomada por uma sociedade de ações de outra (New Jersey - 1892 e 1899, seguida por outros Estados). Também impõem-se aqui

. a menção do Clayton Act (1914) que proibiu a uma sociedade tornar-se acionista de outra, quando a tomada. das ações im- porte em restrição à concorrência ou crie monopólio e, ainda, estabeleceu que nenhuma pessoa pode ser, simultâneamente, diretor ou funcionário de mais de um banco ou companhia de tr'ust, quando .reunidas certas condições.

Os preceitos dessas leis, meramente autorizativos ou proi- bitivos, não fornecem, porém, elementos que possam ser úteis à contrução jurídica ou à disciplina legislativa do assunto, su- geridos por Vivante. O terreno é baldio. Tudo está por cons- truir.

Apenas convém assinalar que a tendência de combate indis- criminado às combinações societárias ora em exame deixou-se substituir pela inclinação, agora generalizada, no sentido de distinguir entre os expedientes abusivos e os legítimos ou, pe- lo menos, toleráveis, para cingir-se a repressão tão somente aos primeiros.

No direito brasileiro, à própria referência de algutl1as leis (lei das sociedades por ações, lei do impôsto de renda, regu- lamento do impôsto de lucros extraordinários, lei do impô&- to do consumo) às sociedades coligadas e controladas as torna legitimas.

Como reminicência histórica, cabe recordar o decreto-lei 11.7.666, de 22 de junho de 1945, que declarava contrários aos

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154 hAs sócíÉbAD~SêóLiGAÍ)As

intérêsses da economia nacional, "a incorporação, fusão, trans- formação, associação ou agrupamento de emprêsas comerciais, industriais ou agrícolas, ou a concentração das respectivas co- tas, ações ou administração nas mãos de uma emprêsa ou nas lllãos de uma pessoa ou grupo de pessoas~', desde que de tais atos resultasse ou pudesse resultar elevação de preços, restrição, cer- ceamento ou supressão da liberdade econômica de. outras emprê- sas ou influência no mercado de modo favorável ao estabeleci-

lnento de um monopólio (art. 1.°, V). Criou o mesmo decreto- -lei a Comissão Administrativa de Defesa Econômica (CADE), que poderia decretar a intervenção" em tôdas as emprêsas en- volvidas nos atos ou fatos julgados contrários à economia na- cional" (art. 3.°). A Exposição de Motivos do aludido diploma indicou, como fontes de suas disposições, a legislação america- na anti-trust e, ainda, leis do Canadá, da Austrália, da Alema- nha, da Suécia, da Noruega e da Nova Zelândia. O decreto-lei TI. 7.666, baixado quando se achava mais acêsa a luta contra o regíme de 1937, foi arguido de inoportuno e suspeito. O novo regíme, antes que êle fôsse aplicado, o revogou (decreto-lei n. 8.167, de 9-11-1945). No ano seguinte, a Constituição de 1946, nessa parte sob a influência do eiltão deputado e antigo Ministro da Justiça que referendara o decreto-lei n. 7.666, o Sr. Agamenon Maga- lhães, trouxe uma formula ampla de impugnação ao abuso do 1)oder econômico, ao dispor:

"A lei reprimirá tôda e qualquer forma de abu- so do poder econômico, inclusive as uniões ou agru- pamentos de emprêsas individuais ou sociais, seja qual fôr a sua natureza, que tenham por fim domi- nar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitráriamente os lucros" (art. 148). Logo depois, o mesmo deputado Agamenon Magalhães ofe- l'ecia à Câmara o projeto de lei, que tomou o ~. 122, destinado a regular e reprimir os abusos do poder econômico. O autor do projeto definiu o seu pensamento sôbre o tema em várias opor- tuniqades, especialmente na conferência que, em 22 de junho de 1942, proferiu no Clube Militar (Revi~ta Forense, 124/601).

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15~ bAS^ SOCIEDADES^ COLiGADAS^ ~

téria de produção, transporte ou comércio" (art. 2.°, 111), bem como Hexercer funções de direção, administração ou gerência de mais de uma emprêsa ou sociedade do mesmo ramo de indús- tria ou comércio com o fim de impedir ou dificultar a concor- rêcia" (Art. 2, VIII). Êsses, textos, que a ,atual lei sôbre crimes contra a economia popular reproduziu (lei n. 1521, de 26 de dezembro de 1951), inspiraram-se em preceitos, parcialmente semelhantes, do Clayton Act americano (1914). Tais normas, como excelentemente demonstrou o j uris- consulto Antão de Morais (Revista Forense, 121/45), somente se opõem às combinações societárias quanto estas se reali- zem com o fim de impedir ou dificultar a concorrência e para e efeito de aumento arbitrário de lucros, elementosêsses indis- pensáveis à caracterização do crime. A repressão penal, preocupando-se especialmente com os abusos do poder econômico que lesem os interêsses populares, sitúa-se no plano do direito público. Outros aspectos das aludidas combinações, especialmente as que envolvam os interêsses dos acionistas ou do Fisco, atraem a atenção do Direito Comercial e do Direito Tributário. Dêles, ainda que sumàriamente, vamos nos ocupar dentro em pouco. Antes, porém, torna-se oportuno o exame da fisionomia jurídica de tais combinações. Messineoviu na sociedade controlada uma simulação, ten- do por objeto menos O'ato cOl1stitutivo do que os efeitos da so- ciedade, porque, embora existindo a sociedade, os efeitos dela seriam fictícios, já que a sociedade-filha, sem liberdade real de movimentos, constituiria apenas uma projeção ilusória da sociedade-mãe. Faltar-lhe-ia, em suma ,vontade própria. Paola Greca entende que, se llf essineo admite a realidade do ato cons- titutivo e, portanto, a existência do ente, o só fato de sofrer êste uma influência externa não pode convertê-Io em sirnulado, nem mesmo quanto aos efeitos tão somente ("Le società di como do i il negozio indiretto" - In Rivista del Diritto Com- merciale, voI. XXX parte I, p. 757). .Melhor, no tocante ao assunto, parece ser a posição de Túl- lia Ascarelli, que descobre em tais arranjos societários uma

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forma de negócio indireto, que ocorre quando as partes recor- rem a um determinado tipo de negócio jurídico não para alcan- çarem o escôpo que lhe é peculiar, mas, sim, para obterem re- sultados que normalmente não são próprios da estrutura jurí- dica adotada (Ver "Contratto misto, negozio indiretto, nego- zio mixto curo donatione - ln Rivista del Diritto Commerciale, vaI. XXVIII, parte II, p. 462, e também o citado artigo doutri- nário de Paolo Greco). Especialmente na holding pura, a socie- dade, assumindo um papel puramente financeiro, não se desti- na a exercer atividade própria. Existe apenas para governar outros entes societários, o que não é próprio das sociedades. Va- lem-se, assim, os fundadores de sociedades controladoras de uma forma jurídica para alcançarem resultados diferentes da- quêle que normalmente se destinam a produzir. Trata-se,- as- sim, de típico negócio indireto. Problema relevante é o da proteção à minoria, em face dos expedientes que estamos analisando. Convém considerar, en- tretanto, que êle não se apresenta apenas nas sociedades coliga- das e controladas. Ocorre sempre que um grande acionista, um grupo majoritário ou um sindicato de acionistas domirie a so- ciedade, dispondo de meios para governá-Ia mais sob a inspi- ração dos próprios interêsses do que segundo as conveniências do interêsse social ou da totalidade dos acionistas. O caso extremo de domínio da vida societária é, sem dúvi- da, o das sociedades que, pela concentração das ações nas mãos de um só acionista, se tornem fictícias. Mas logo passou a cau- sar preocupações uma outra espécie, próxima da sociedade fic- tícia, que é a sociedade anônima dita de comodo. Nesta, embora permaneça o número mínimo de sócios exigido pela lei, a par- ticipação dêles no capital social, excetuada a do grande acionis- ta, é tão reduzida que substancialmente a sociedade é de um só acionista. Isso ocorre na holding company, arranjo fundado na con- centração das ações da sociedade-filha nas mãos da sociedade- -mãe.

A mesma concentração se verifica nas 80ciedadesde eco- nomia rnixtat com a diferença de quet nêste caso, o controlador

DARCY BESSONE DE OLIVEIRA ANDRADE 159

ção da lei, ainda que de apuração mais sutH, porque dependente da determinação do fim da lei e do fim do ato, para confrontá- -los. Nota ainda Carnelutti que a lei pode conceder poderes ao

homem para a defesa dos próprios interê8se8 ou para a defesa de interêsses alheio8, distinguindo-se, em consequência, ospa- dê1'es-direitos e os podêres-deveres. O acionista conta com am- bos, mas, sendo a assembléia um orgão da sociedade, não dos acionistas individualmente, o acionista, ao deliberar em assem- bléia, está investido de um poder-dever para votar no interês- se de outra pessoa, que é a sociedade. Por isso mesmo, a maioria não pode orientar-se pelo próprio interêsse, mas, sim, pelo in- terêsse da totalidade dos acionistas, quer dizer: da sociedade. Se sotopõe êsse interêsse ao próprio, comete exceS80 de poder e, cometendo-o, viola a lei, por desrespeito ao fim do que ela per- segue. Pode, portanto, o acionista arguir a ilegitimidade do ato, com base no vício do exceS80 oude8vio de poder (" Excesso di potere nelle deliberazioni dell assemblea anonime - In Rivis- ta deI Diritto Commerciale, vol. XXIV, parte I, p. 176). A tese carnelutiana foi aceita, com algumas modificações secundárias, por A8carelli (" Sul1a protezione delIe minoranze nelIe società per azioni - in Rivista deI Diritto Commerciale, voI. XXVIII, parte I, p. 735), FerT'i (" Excesso di potere e tutela delle mino- ranze" - in Rivista deI Diritto CommerciaIe, voI. XXXII, par- te I, p. 723) e outros. Também encontrou impugnações, opos- tas por Scorza ("L' excesso di potere come causa di invalidità delle deliberazione d'assemblea delle anonime" - in Rivista deI Diritto CommerciaIe, voI. XXXI, parte I, p. 645), Landi ("il cosi detto accesso di potere nelle società anonime" - in Rivista deI Diritto CommerciaIe, voI. XXXV, parte I, p. 131), Salandra (" I diritti degli azionisti de minoranza nel1e società controlla- te" - in Rivista deI Diritto CommerciaIe, voI. XXXIII, parte 11, p. 352) e outros. Objetam êsses doutores que a teoria do exce880 de poder está intimamente ligada a predominância do interêsse público no campo do direito público, não comportan- do transposições para o do direito privado. Acrescentam que o interêsse da sociedade é livremente definido pela assembléia geral, porque só êsse orgão pode apreciar as conveniências eco- nômicas da emprêsa. O controle de legitimidade, proposto por

160 DAS^ SOCIEDADES^ COLIGADAS

Carnelutti, dizem por fim, autorizaria o juiz a intrometer-se em assuntos que só os próprios interessados poderiam condu-. zir de modo satisfatório. Através, inclusive, da análise da jurisprudência francêsa, René David ("La protection des minorites, dans les sociétes par action"), percorrendo outros caminhos, chegou a conclu- sões não muito distantes das propostas por Carnelutti., afir- mando que o sócio vota como orgão social e exerce, ao fazê-Io,

. função social, pelo que deve ter em vista o interêsse da sociedade, com o qual há de conformar-se o interêsse dêle próprio. Vivante, insurgindo-se também contra o abuso de poder cometido pela controladora, ao converter a controlada em ins- trumento de sua própria vontade, com o sacrifício dos interês- ses dos acionistas da última, pretende encontrar na teoria da . culpa a base jurídica para o ressarcimento dos prejuízos de- correntes ("Le società finanziare - holdings - e Ia 101'0 res- ponsabilità" - in Rivista deI Diritto Commerciale, voI. XXXIII, parte I,p. 593). Referindo-se a um mandato de 1naioria, conferido pelos fundadores e subscr~tores dos estatutos aos acionistas, Saverio Janneentende que os poderes dos mandatários são restritos às deliberações vantajosas para o interêsse social. A delegação não é de caráter absoluto e deve exercer-se de bôa fé. Podem ser reprimidos, pois os abusos cometidos pela maioria ("il di- ritto delle minoranze nelle società anonime" - ln Rivista deI Diritto Commerciale, voI. XXVIII, parte I, p. 78). Não é necessário alongar mais a pesquisa. As opiniões re- feridas trazem uma nota constante: a preocupação de encon- tt'ar-se um meio técnico idoneo para resguardar os interêsses da minoria, também quando as decisões da maioria, embora formalmente perfeitas, se mostrem substancial1nente ilegíti- filas, como sucede no caso de solução adotada em proveito da t'ontroladora e desatenta aos interêsses dos acionistas minoritá- rios. A separação formal dos patrimônios e das responsabilida- des das sociedades coligadas, ou controladoras e cQntrQlada~, constitue outra fonte de graves dific~ldades.

162 DAs SOCIEDADEScótíGADAê .-

f) - constituição de sociedade controlada, para ne-

la descarregar a controladora obrigações suas. Em direito fiscal, também as combinações em exame po- dem engendrar embaraços. A lei do impôsto de renda dispõe que" as firmas ou socie- dades coligadas, b~m como as controladoras e as controladas, deverão apresentar declaração em separado, quanto ao resulta- do de sua atividade" (art. 69, parágrafo único). Idêntica dis- posição consta do regulamento do impôsto sôbre lucros extraor- dinários (art. 8.°, parágrafo único). O art. 19, § 2.° do mesmo regulamento, dispõe ainda que, "no caso das coligadas, contro- ladoras ou controladas, o lançamento será feito em nome de ca-

. da uma delas".

Atende-se, nessas normas, à autorwmia formal das ~ocieda- des, com abstração de sua unidade econômica ou substancial, base do grupo que integram. A lei inglêsa, para efeito tributá- rio, trata como uma sociedade única as sociedades agrupadas quando a sociedade-mãe possúa 9070 das ações das sociedades- -filhas. Nos Estados Unidos, a controladora deve fazer uma declaração única, abrangendo as controladas. Como notam Tullio Ascarelli,' Rubens Gomes de Souza e ~ João Batista Pereira de Almeida Filho ("Lucros extraordiná- rios e impôsto de renda", p. 222), a diversidade jurídica das so- ciedades, economicamente unidas, pode propiciar ao contribuin- te oportunidade à prática de fraudes, dificilmente reprimiveis enquanto, em homenagem ao aspecto formal, forem considera- das autonomas e patrimonialmente distintas. Não poderiamos alimentar a pretensão de oferecer uma solução para o novo problema suscitado pela economia moder- na, de tipo capitalista. Julgamos que prestaríamos algum serviço colocando o as~ sunto em pauta, porque, entre nós, medíocre é a atenção que

. se lhe tem dedicado.. Aspiramos principalmente a provocar o debate do tema, pata que os caminhos se iluminem, espancando-se as trevas que agora o envolvem..

DÀRCYB~SSONEDE ÓLt~tkÀ ÁNDRAbÊ lêà

Repitamos aqui a alta palavra de Vivante, a propósito da nova realidade que está a desafiar a argúcia do jurista: "Probabilmente si formerà per qpera deIl'espe- rienza e del1a dottrina una nuova constrazione giu- ri dica che prenda in considerazione l'intero gruppo economico nessa sua costituzione e nel suo esercizio; forse si formerà una nuova disciplina legislativa in corrispondenza con. questa funzione unitaria, ani- mata dallo scopo di regolare coIlettivamente Ia pro- duzione. Si imporrà alIora probabilmente aI gruppo una sppeciale denomninazione che non sia queIla og. gi imposta alIe anonime, ad evitare una pericolosa confusione fra le singole società che esercitano un'in- dustria, e quelIa centrale che si occupa deI finanzia- mento e deI regolamento di tutto quelIe comprese nel gruppo; si darà aI gruppo una solá direzione, si formerà anche un solo bilancio, eguali i benefici dis- tribuibili fra gli azionisti reggruppati, un solo e to- tale controllo" (" Le società finanziarie - holdings

  • e Ia loro responsabilità" - in Rivista deI Diritto Commerciale, voI. XXXIII, parte I, p. 593).

Eis aí algumas sugestões de um eminentíssimo comercialis-:, ta. Poderão elas constituir-se em ponto de partida. O conteúdo econômico do novo fenômeno vem sendo anali- sado pelos economistas, principalmente nêste século e em conse- quência da importância que êle assumiu na América do Norte e em relação à própria economia mundial. A sua projeção no plano jurídico, entretanto, não tem atrai- do as atenções com idêntica intensidade. Vivante profecía uma nova construção jurídica e uma no- va disciplina legislativa como obra da experiência e da doutri- na. Melhor diria, talvez, por meio de uma doutrina trabalhada pela experiência. ,,#.; ~fi" Então, São Paulo, onde se concentram e se desenvoivem as

~:. forças produtivas mais importantes do país, é o campo natural

~~.- e espontâneo da experiência e da doutrina consequente. É nês-