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Elucidando O lustre de Clarice Lispector: uma análise da recepção e da escrita, Exercícios de Literatura

Após 73 anos da estreia de Clarice Lispector na literatura brasileira, ainda faltam avaliações críticas completas sobre "O Lustre". Neste texto, buscamos esclarecer pontos cegos da crítica e analisar a escrita do romance, marcada pelo embate entre vida e morte e pelo elemento da água. A discussão será feita pela interface entre literatura e psicanálise, explorando as teorias de Freud sobre as pulsões e os estudos de Bachelard sobre o psiquismo hidrante.

O que você vai aprender

  • Qual é a recepção crítica de O lustre de Clarice Lispector?

Tipologia: Exercícios

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Aldair85
Aldair85 🇧🇷

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Da recepção à pulsão: notas sobre
O lustre, de Clarice Lispector
Mariângela Alonso1
Resumo
Decorridos setenta e três anos da estreia de Clarice Lispector em nossas letras, conti-
nua insuficiente a avaliação crítica de O lustre, segundo romance da autora, publicado
em 1946. A partir dessa constatação, a discussão a ser desenvolvida nesta pesquisa divi-
dir-se-á em dois momentos. No primeiro, resgataremos ensaios e artigos críticos acer-
ca da recepção da obra. Embora seja constantemente comparado a Perto do coração
selvagem, primeiro livro da escritora, O lustre apresenta uma escrita deformante, ao
contrário de uma escrita fluida e derramada, conforme apontaram os estudiosos que,
na ocasião do lançamento, o equipararam ao livro de estreia, contribuindo, assim, com
a herança lacunar da crítica. Constantemente, os estudos atuais têm tomado por base
a leitura destes críticos, desconhecendo um grande número de textos que dão corpo à
fortuna crítica do romance, os quais compõem o inventário de Clarice Lispector loca-
lizado na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. Nesse sentido, procurare-
mos elucidar pontos cegos da crítica, relativizando algumas afirmações ao procurarmos
outros aspectos presentes na obra. No segundo momento, analisaremos a escrita de O
lustre, marcada pelo sema da água e o embate entre vida e morte. Matriz marcadamen-
te interventiva, a água surge como elemento estruturador e mediador dos movimentos
pulsionais de vida e morte na trajetória da personagem Virgínia. O discurso apresen-
ta-se de modo fragmentário e elíptico, e as mudanças bruscas difundem no texto uma
espécie de dinâmica que tensiona a liquidez deformante da água, cujo signo se acopla
a imagens grotescas, gerando a convivência entre vida e morte, fluxo e corte, fluidez e
embate, claridade e sombreamento. A discussão será empreendida pela interface entre
literatura e psicanálise, compreendendo especialmente as teorias de Sigmund Freud a
respeito das pulsões, e os estudos de Gaston Bachelard em torno do psiquismo hidrante.
Palavras-chave
Clarice Lispector; O lustre; pulsão; água
1 Doutora em Est udos Literários pela Unesp/Fcl ar. Atual mente desenvolve pe squisa de pós-doutorado em Literatu ra
Brasileira na Universidade de São Paulo (FFLCH/USP) sob supervisão da Profa. Dra. Yudith Rosenbaum. É docente
de Literatura Brasileira da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UEN P). E-mail: malonso924@gmail.com.
Anais do III Seminário do Programa de Pós-Graduação em Literatura Brasileira
FFLCH-USP, São Paulo, março de 2017
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Da recepção à pulsão: notas sobre

O lustre , de Clarice Lispector

Mariângela Alonso^1 Resumo Decorridos setenta e três anos da estreia de Clarice Lispector em nossas letras, conti- nua insuficiente a avaliação crítica de O lustre , segundo romance da autora, publicado em 1946. A partir dessa constatação, a discussão a ser desenvolvida nesta pesquisa divi- dir-se-á em dois momentos. No primeiro, resgataremos ensaios e artigos críticos acer- ca da recepção da obra. Embora seja constantemente comparado a Perto do coração selvagem , primeiro livro da escritora, O lustre apresenta uma escrita deformante, ao contrário de uma escrita fluida e derramada, conforme apontaram os estudiosos que, na ocasião do lançamento, o equipararam ao livro de estreia, contribuindo, assim, com a herança lacunar da crítica. Constantemente, os estudos atuais têm tomado por base a leitura destes críticos, desconhecendo um grande número de textos que dão corpo à fortuna crítica do romance, os quais compõem o inventário de Clarice Lispector loca- lizado na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. Nesse sentido, procurare- mos elucidar pontos cegos da crítica, relativizando algumas afirmações ao procurarmos outros aspectos presentes na obra. No segundo momento, analisaremos a escrita de O lustre , marcada pelo sema da água e o embate entre vida e morte. Matriz marcadamen- te interventiva, a água surge como elemento estruturador e mediador dos movimentos pulsionais de vida e morte na trajetória da personagem Virgínia. O discurso apresen- ta-se de modo fragmentário e elíptico, e as mudanças bruscas difundem no texto uma espécie de dinâmica que tensiona a liquidez deformante da água, cujo signo se acopla a imagens grotescas, gerando a convivência entre vida e morte, fluxo e corte, fluidez e embate, claridade e sombreamento. A discussão será empreendida pela interface entre literatura e psicanálise, compreendendo especialmente as teorias de Sigmund Freud a respeito das pulsões, e os estudos de Gaston Bachelard em torno do psiquismo hidrante. Palavras-chave Clarice Lispector; O lustre ; pulsão; água 1 Doutora em Estudos Literários pela Unesp/Fclar. Atualmente desenvolve pesquisa de pós-doutorado em Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo (FFLCH/USP) sob supervisão da Profa. Dra. Yudith Rosenbaum. É docente de Literatura Brasileira da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). E-mail: malonso924@gmail.com. FFLCH-USP, São Paulo, março de 2017

O lustre representa uma das obras menos estudadas, comentadas e traduzidas de Clarice Lispector, jamais recebendo da crítica uma avaliação mais completa e satisfa- tória, tal como ocorre com os outros romances da autora. A narrativa aborda a história de Virgínia, desde sua infância em Granja Quieta até sua maturidade e ida para a cida- de grande, onde morrerá tragicamente por atropelamento. Na obra, a trajetória da personagem é marcada pelos deslocamentos espaciais entre o campo e a cidade e sua inadaptação a qualquer um desses lugares. A discussão desenvolvida nesta pesquisa dividir-se-á em dois momentos. No primeiro pretendemos resgatar ensaios e artigos críticos acerca da recepção do romance. Embora seja cons- tantemente comparado a Perto do coração selvagem , primeiro livro da autora, O lustre apresenta uma escrita deformante, ao contrário de uma escrita fluida e derramada, conforme apontado pela crítica de Álvaro Lins, Sérgio Milliet e Gilda de Mello e Souza, estudiosos que, na ocasião do lançamento do romance e a partir de certa rigidez norma- tiva, o equipararam ao livro de estreia, contribuindo com a herança lacunar da crítica. Constantemente, os estudos atuais têm tomado por base a leitura canônica destes críti- cos, desconhecendo um grande número de textos que dão corpo à fortuna crítica do romance, os quais compõem o inventário de Clarice Lispector localizado na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. Escritos em jornais de diversas localidades do país, alguns destes recortes, guardados pela própria escritora, revelam opiniões diver- sas acerca da obra. É o caso dos textos de Maurício Vasques, Reynaldo Moura, José João de Oliveira Freitas, Luiz Delgado, entre outros. Desse modo, procuraremos eluci- dar pontos cegos da crítica, relativizando algumas afirmações ao procurarmos outros aspectos presentes na narrativa. Assim, no segundo momento, analisaremos a escrita deste segundo romance, marcada pelo sema da água e o embate entre vida e morte. A cena inicial é construída em torno da sugestão de um afogamento, uma vez que Virgínia e o irmão Daniel obser- vam do alto de uma ponte um chapéu arrastado pela correnteza do rio e decidem calar- se a respeito, pactuando um segredo. Tem início, então, um processo vertiginoso vivido FFLCH-USP, São Paulo, março de 2017

as imagens substanciais da água, no que estas têm de profundidade, mistério e verti- gem, além de traçar os aspectos que rondam a metáfora da “água imaginária” e sua liga- ção com outros elementos, especialmente com a terra. Pela ambivalência que carrega, a água pode ser vista como uma via de retorno às forças pulsionais, conjugando os papéis simbólicos de vida e morte. O aspecto híbrido de vida e morte contido no sema da água parte em O lustre do segredo acerca do afogamento, fato que habita o pensamento de Virgínia durante toda a narrativa. A história de Virgínia é feita de regressão às formas e mundos pulsionais, à água como princípio ou arché da busca pela compreensão de algo lacunar, inalcançável e inenarrável, anterior à própria linguagem. Tal como a dinâmica entre Eros e Thanatos, construção e desconstrução são aqui complementares e parecem proporcionar um jogo de espelhos invertidos e estilhaçados, balizado pela atuação do sema da água no plano da expressão. Nesse labirinto especular, a protagonista, sujeito errante entre o campo e a cidade, torna e retorna a si mesma como a água que corre para a nascente, encontrando simultaneamente vida e morte, escuridão e luz. Nossa proposta consiste, basicamente, no questionamento e esclarecimento do lugar que O lustre ocupa no horizonte ficcional de Clarice Lispector. O resgate dos ensaios e artigos mencionados tem como uma de suas finalidades aprofundar a compreensão da obra O lustre e, concomitantemente, engendrar uma discussão mais completa e aprofun- dada acerca das leituras críticas da época de lançamento do livro de Clarice Lispector, especialmente no que toca à concepção de escrita fluida, visão perpetuada pela crítica em torno desse romance. FFLCH-USP, São P aulo, março de 2017

Referências bibliográficas BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos : ensaio sobre a imaginação da matéria. Tradução Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. DELGADO, Luiz. Mundo trágico. Jornal do Comércio , Recife, 4 de agosto de 1946. FREITAS, José João de Oliveira. O existencialismo na obra de Clarice Lispector. Correio do Povo , Porto Alegre. Não datado. FREUD, Sigmund. Além do princípio de prazer, psicologia de grupo e outros trabalhos. Tradução Jayme Salomão. In: FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Vol. XVIII) (1925-1926). ______. O ego e o id e outros trabalhos. In: In: FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira Rio de Janeiro: Imago, 1976. (Vol. XIX) (1923-1925). LINS, Álvaro. Jornal de crítica: romances. Correio da Manhã , Rio de Janeiro, 17 de maio de 1946. LISPECTOR, Clarice. O lustre. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. MILLIET, Sérgio. Diário crítico. Vol. 4. São Paulo: Martins, 1981. MOURA, Reynaldo. O lustre. Província de São Pedro. Rio de Janeiro/Porto Alegre: Publicações da Editora Globo, 1947. p. 42-45. SOUZA, Gilda de Mello e. O lustre. Remate de males. n. 9. 1989. p. 171-175. VASQUES, Maurício. O lustre : um romance não como os outros. Dom Casmurro , Rio de Janeiro, 6 de abril de 1946. p. 2. FFLCH-USP, São Paulo, março de 2017