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da - guerra - carl - von - clausewitz, Manuais, Projetos, Pesquisas de Cultura

livro de estratégia militar , filosofia e geopolitica

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2013

Compartilhado em 08/08/2013

nivaldo-muniz-4
nivaldo-muniz-4 🇧🇷

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CARL VON CLAUSEWITZ
________________________________________________
DA GUERRA
_____________________________
Tradução para o inglês
MICHAEL HOWARD e PETER PARET
Tradução do inglês para o português
CMG (RRm) Luiz Carlos Nascimento e Silva do Valle
Ensaios Introdutórios por PETER PARET,
MICHAEL HOWARD e BERNARD BRODIE
com um Comentário de BERNARD BRODIE
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CARL VON CLAUSEWITZ

________________________________________________

DA GUERRA

_____________________________

Tradução para o inglês

MICHAEL HOWARD e PETER PARET

Tradução do inglês para o português

CMG (RRm) Luiz Carlos Nascimento e Silva do Valle

Ensaios Introdutórios por PETER PARET,

MICHAEL HOWARD e BERNARD BRODIE

com um Comentário de BERNARD BRODIE

SUMÁRIO

___________________________________________________________________________________

Ensaios Introdutórios

A Gênese de Da Guerra PETER PARET 2

A Influência de Clausewitz MICHAEL HOWARD 27

A Importância Duradoura de Da Guerra BERNARD BRODIE 47 Da Guerra

Prefácio do Autor 63 Comentário do Autor 65 Prefácio MARIE VON CLAUSEWITZ 66

Duas Notas do Autor 70

LIVRO UM Da Natureza da Guerra

1 O que é Guerra? 75 2 O Propósito e os Meios na Guerra 94 3 Do Gênio Militar 107 4 Do Perigo na Guerra 125 5 Do Esforço Físico na Guerra 127 6 A Inteligência na Guerra 129 7 A Fricção na Guerra 131 8 Observações Finais Sobre o Livro Um 134

LIVRO DOIS

Da Teoria da Guerra ii

LIVRO CINCO

LIVRO SEIS

21 Invasão 671 22 O Ponto Culminante da Vitória 672

LIVRO OITO Planos de Guerra 1 Introdução 683 2 Guerra Absoluta e Guerra Real 686 3 A. A Interdependência dos Elementos da Guerra 690 B. A Dimensão do Propósito Militar e do Esforço a ser Realizado 693 4 Uma Definição mais Precisa do Propósito Militar: A Derrota do Inimigo 705 5 Uma Definição mais Precisa do Propósito Militar - Continuação: Propósitos Limitados 713 6 A. O Efeito do Propósito Político sobre o Propósito Militar 715 B. A Guerra É um Instrumento da Política 718 7 O Propósito Limitado: A Guerra Ofensiva 725 8 O Propósito Limitado: A Guerra Defensiva 728 9 O Plano de uma Guerra Destinada a Levar à Destruição Total do Inimigo 733

UM COMENTÁRIO

Um Guia para a Leitura de Da Guerra BERNARD BRODIE 760

Índice 838

NOTA DO EDITOR

___________________________________________________________________________________

O leitor poderá se perguntar porque é preciso fazer uma outra tradução para o inglês de Vom Kriege , quando já existem duas. A primeira, feita pelo Coronel J. J. Graham em 1874, foi republicada em Londres em 1909. A segunda, pelo Professor O. J. Matthijs Jolles, surgiu em Nova York em 1943.

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Mas a tradução de Graham, fora o seu estilo ultrapassado, contém um grande número de imprecisões e de trechos obscuros e, embora a tradução de Jolles seja mais precisa, tanto a sua versão como a de Graham basearam-se em textos alemães que continham importantes alterações em relação à primeira edição publicada em 1832. O crescente interesse verificado nos últimos anos pelos escritos teóricos, políticos e históricos de Clausewitz indicou que havia chegado o momento de fazer uma tradução totalmente nova. Baseamos o nosso trabalho na primeira edição de 1832, complementada pelo texto alemão comentado, publicado pelo Professor Werner Hahlweg em 1952, exceto onde os trechos obscuros existentes na edição original - que o próprio Clausewitz nunca revisou - fez com que parecesse recomendável que ela recebesse correções posteriores. Em todos os aspectos, menos um, seguimos a disposição original do texto. A primeira edição continha quatro notas escritas por Clausewitz sobre as suas teorias, datadas de diversos períodos entre 1816 e 1830, como introduções ao próprio Da Guerra - uma prática adotada pela maioria das edições alemãs e estrangeiras posteriores. Abandonamos a disposição um tanto desorganizada na qual aquelas notas sempre surgiram e, em vez dela, as editamos na seqüência em que acreditamos que tenham sido escritas. Lê-las de uma maneira seqüencial ajuda a revelar como Da Guerra tomou forma na mente de Clausewitz e indica como o livro poderia ser mais aperfeiçoado se ele tivesse vivido para terminá-lo. Incluímos também o Prefácio de Marie von Clausewitz à primeira edição das obras póstumas de Clausewitz, que acrescenta informações sobre a gênese de Da Guerra e sobre a maneira pela qual o manuscrito foi preparado para ser publicado. Uma nota curta que ela introduziu no início do terceiro volume das Obras de Clausewitz, antecedendo imediatamente o Livro Sete de Da Guerra , foi suprimida, uma vez que diz respeito principalmente a outros escritos históricos e teóricos, e não a Da Guerra. Tentamos apresentar as idéias de Clausewitz da maneira mais precisa possível, permanecendo ao mesmo tempo o mais próximo do seu estilo e do seu vocabulário que o emprego do idioma inglês moderno poderia permitir. Mas não hesitamos em traduzir o mesmo termo de maneiras diferentes, se o contexto parecesse exigir isto. Por exemplo, traduzimos Moral e moralische Kraft de maneira diversa, como “moral” e como “psicológico”. O próprio Clausewitz estava longe de ser constante em sua terminologia, como poderíamos esperar de um escritor que estava menos preocupado em criar um sistema ou uma doutrina formal do que em obter entendimento e clareza de expressão. Algumas vezes ele escreve Geisteskrafte, Seelenkrafte , e até mesmo Psychologie , em vez de moralische Kraft ou

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ENSAIOS INTRODUTÓRIOS

_______________________________________________________________________

Por Peter Paret, Michael Howard

e Bernard Brodie

PETER PARET

interpretação realista do presente e do passado. Ao longo de uma década, ele escreveu seis das oito partes planejadas e esboçou as outras duas. Em 1827, entretanto, ele havia elaborado uma nova hipótese sobre o que ele chamou de “dupla” natureza da guerra, cuja investigação sistemática exigiu uma ampla revisão de todo o manuscrito. Ele morreu antes que pudesse rescrever mais do que os primeiros capítulos do Livro Um.^1 Da Guerra apresenta portanto os pensamentos do seu autor em diversos estágios de conclusão. Vão desde a excelente seqüência inicial de proposições que se são reveladas de uma maneira lógica, até as magníficas, mas algumas vezes parciais ou contraditórias, análises dos Livros de Dois a Seis e aos capítulos no estilo de ensaios dos dois últimos livros, que indicam com pinceladas brilhantes o que poderia ter contido uma versão definitiva. Nada pode tomar o lugar destas versões não escritas, mas devemos nos lembrar de que a decisão de Clausewitz, tomada em 1827, de rever o seu manuscrito, não significou uma rejeição das teorias anteriores - ele só pretendia ampliá-las e aperfeiçoá-las. À medida em que lemos o texto atual de Da Guerra , podemos pelo menos nos aproximar da intenção de Clausewitz, mantendo claramente em mente as suas hipóteses, intimamente relacionadas, da dupla natureza da guerra e do seu caráter político. Será proveitoso, ao fim desta exposição, voltar às suas hipóteses definitivas e apresentar em linhas gerais os seus aspectos mais importantes, principalmente porque ele nunca desenvolveu plenamente as suas implicações na teoria. O poder criativo dos métodos e das idéias de Clausewitz indica que, apesar da irregularidade da sua execução, Da Guerra oferece uma teoria de conflitos essencialmente coerente. Qualquer pessoa que esteja disposta a penetrar em sua maneira de argumentar compreenderá os seus pensamentos sobre os ___________ 1 Uma grande parte da literatura mais antiga sobre as diferentes fases da elaboração de Da Guerra baseia-se em fontes inadequadas e pode ser desprezada. O pequeno livrocomo o sugestivo artigo escrito por H. Rosinski, “Die Entwicklung von Clausewitz Werk ´Vom Kriege´ im Lichte seiner ´Vorrenden´ und Clausewitz (Berlim, 1905), escrito por R. v. Caemmerer, ainda tem valor nos dias de hoje, bem ´Nachrichten,´” Historische Zeitschrift , 151 (1935), pag. 278 a 293, que foi aprimorado em aspectos importantes através da resposta de E. Kessel, “Zur Entstehungsgeschichte von Clausewitz´ Werk vom Kriege,”de W. M. Schering, em sua antologia dos escritos de Clausewitz, Geist und Tat Historische Zeitschrift, (Stuttgart, 1941), estão cheias de contradições e de erros 152 (1935), pag. 97 a 100. As reflexões concretos, mas como Schering conhecia bem os rascunhos não publicados de Clausewitz e parece ter sido o último intelectual a trabalharneles antes que desaparecessem no fim da Segunda Guerra Mundial, as suas interpretações não podem ser ignoradas. Num ensaio inteligente, “Clausewitz”, publicado emRothfels escreve (pag. 108, n. 65): “Clausewitz fez a revisão do Livro Oito e de pelo menos algumas partes do Livro Um (provavelmente Formuladores da Estratégia Moderna por E. M. Earle (Princeton, 1943), pag. 93 a 113, H. dos Capítulos de Um a Três) e do Livro Dois (certamente do Capítulo Dois)”. Mas ele acrescenta que Clausewitz só considerava concluído o Capítulo Um do Livro Um. Creio que Rothfels superestimou consideravelmente a amplitude das revisões de Clausewitz após1827. Ele não apresenta qualquer motivo para as suas opiniões, a não ser os indícios inerentes a elas, mas o trecho do Livro Oito que ele cita como uma prova de uma revisão posterior pode ser encontrado de forma quase idêntica no manuscrito de Clausewitz sobre estratégia,de 1804. A avaliação mais bem informada de toda a questão, incluindo as descobertas de um século de cultura, está contida no brilhante “Zur Genesis der modernen Kriegslehre” Wehrwissenschaftliche Rundschau , 3 (1953), nº 9, pag. 405 a 423, de E. Kessel.

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aspectos permanentes da guerra. Mas a nossa leitura de Da Guerra só pode ser beneficiada por um conhecimento da sua gênese e do seu contexto intelectual. Que experiências políticas e militares influenciaram o seu autor? Quais foram as premissas e as teorias contra as quais ele reagiu? Quais eram, em sua opinião, os requisitos metodológicos de uma análise bem fundada? Até mesmo um rápido exame destas questões lançará uma luz sobre a evolução das idéias de Clausewitz e sobre as formas que elas assumiram nas diversas fases de Da Guerra.^2

Clausewitz, o filho de um Tenente da reserva que exercia uma função secundária no serviço de fazenda prussiano, deparou-se pela primeira vez com a guerra em 1793, como um soldado de doze anos de idade. No ano anterior, a Assembléia Legislativa francesa havia declarado guerra à Áustria, com quem a Prússia tinha concluído recentemente uma aliança defensiva. A ação francesa foi causada menos por considerações relativas aos interesses nacionais do que pela política interna, mas iniciou um conflito de 23 anos entre a França revolucionária, e posteriormente imperial, e o resto da Europa. Com exceção da invasão inicial do Duque de Brunswick, que se deteve em Valmy, os prussianos saíram-se razoavelmente bem numa guerra em que nunca envolveram mais do que uma parte dos seus recursos militares. Eles derrotaram repetidamente os franceses na Alsácia e no Saar e fizeram milhares de prisioneiros. Em 1795, quando terminou a luta, controlavam a linha do Reno. Mas estas realizações não trouxeram qualquer retorno político. Como se poderia esperar, a guerra, com as suas ações vigorosas, derramamento de sangue e um resultado nada grandioso, causou uma forte impressão no jovem Clausewitz. Ele mesmo escreveu sobre o impacto causado por ela em suas emoções e no seu espírito. Nos anos seguintes, enquanto servia numa guarnição provinciana, extraiu algumas conclusões experimentais daquelas experiências anteriores, três das quais em especial teriam uma influência duradoura: Não existe um padrão de excelência único na guerra. A retórica e as políticas da República Francesa, que proclamavam a chegada de uma nova era, de modo algum subjugaram os exércitos do ancien régime. Os mercenários e os camponeses compulsoriamente alistados, comandados por oficiais cuja eficácia ainda se apoiava tanto na presunção aristocrática como no conhecimento profissional, ________________ 2 Qualquer interpretação da gênese do pensamento de Clausewitz sobre a guerra não deve basear-se apenas nos seus trabalhos sobre a teoria e a história militares, mas também em seus extensos escritos sobre assuntos tais como educação, política, teoria da arte, e na sua correspondência. Análises especialmente valiosas de aspectos da sua ampla evolução intelectual estão contidas em Politik und Krieg (Berlim, 1920), de H. Rothfel, e na introdução de E. Kessel à Strategie aus dem Jahr 1804 , de Clausewitz (Hamburgo, Carl von Clausewitz: 1937). (Nova York, 1976), no qual se baseia uma grande parte do que se segue. As fontes importantes e secundárias são analisadas em detalhes em meu livro Clausewitz e o Estado

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soldados tivessem que adquirir qualificações especiais e atuar sob alguns aspectos num mundo à parte, seria uma negação da realidade permitir que realizassem o seu trabalho sangrento sem serem perturbados, até que um armistício trouxesse o seu empregador político de volta à equação. Assim como a guerra e as suas instituições refletem o seu ambiente social, todo aspecto do combate deve ser banhado pela sua motivação política, seja ela intensa ou moderada. A relação adequada entre a política e a guerra ocupou Clausewitz durante toda a sua vida, mas até mesmo os seus primeiros manuscritos e cartas revelam a sua percepção da interação existente entre elas. A facilidade com que este vínculo - sempre reconhecido em tese - pode ser esquecido em determinados casos, e a insistência de Clausewitz de que ele nunca deveria ser ignorado, são ilustradas pela sua educada rejeição, já a caminho do fim da sua vida, de um problema estratégico apresentado pelo Chefe do Estado-Maior Geral Prussiano, no qual todos os detalhes militares dos lados opostos eram apresentados detalhadamente, mas não era feita qualquer menção ao seu propósito político. A um amigo que lhe havia enviado o problema para que apresentasse os seus comentários, Clausewitz respondeu que não era possível esboçar um plano de operações sensato sem indicar a situação política dos Estados envolvidos e a relação existente entre um o outro: “A guerra não é um fenômeno independente, mas a continuação da política através de meios diferentes. Consequentemente, as principais linhas de todo plano estratégico de vulto são em grande parte políticas em sua natureza , e o seu caráter político aumenta à medida em que o plano se aplica a toda a campanha e a todo o Estado. Um plano de guerra decorre diretamente da situação política dos dois Estados em guerra, bem como das suas relações com terceiras nações. Um plano de campanha tem origem no plano de guerra e frequentemente - se só houver um teatro de operações - pode até mesmo ser idêntico a ele. Mas o elemento político penetra até mesmo nos componentes isolados de uma campanha. Raramente deixará de influenciar os principais episódios da guerra, como uma batalha, etc. De acordo com este ponto de vista, não poderá ser feita uma avaliação puramente militar de uma importante questão estratégica, nem poderá existir um esquema puramente militar para resolvê-la.”^3 Na segunda metade da década de 1790, o jovem Clausewitz só havia dado os primeiros passos da sua jornada intelectual que iria levá-lo a esta conclusão, mas, como dei a entender anteriormente, desde o início ele viajou através de uma estrada em linha reta, com poucas tangentes ou interrupções. Os cinco anos em que passou desempenhando uma função subalterna na pequena cidade de Neuruppin têm sido


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(^3) C. v. Clausewitz para C. v. Roeder, 22 de Dezembro de 1827, em Zwei Briefe des Generals von Clausewitz , edição especial do Militarwissenschafliche Rundschau , 2 (Março de 1937), pag. 6. Existe uma edição em inglês. normalmente menosprezados, sendo considerados um período de estagnação, mas parece que os biógrafos têm interpretado de uma maneira muito literal o comentário caracteristicamente crítico e autocrítico sobre aquele período, que ele fez anos depois. Na realidade, a sua situação não deixava de apresentar algumas vantagens. Longe de estar servindo numa unidade provinciana não ilustre, ele pertencia a um regimento que tinha um membro da família real, o Príncipe Ferdinando, como Coronel honorário e patrono. Perto da cidade estava a residência de um outro Hohenzolern, o Príncipe Henry, o irmão mais talentoso de Frederico o Grande, cuja biblioteca, ópera e teatro estavam abertos aos oficiais. O mais importante era que o regimento era conhecido em todo o Exército pelas suas políticas educacionais inovadoras, financiadas em grande parte pelos próprios oficiais. Na sua volta da França, o regimento havia organizado uma escola primária e profissional para os filhos dos soldados, e uma escola mais avançada para os seus Cadetes e Tenentes, que admitia também os filhos da pequena nobreza local. É provável, embora não seja certo, que como outros Tenentes, Clausewitz dava aulas nesta última instituição, e não pode haver dúvida de que o seu envolvimento num programa educacional sério aprofundou o interesse que já sentia pela educação. Aos quinze anos de idade tinha ficado cativado pela idéia de que a aquisição de conhecimento podia levar à perfeição humana. Em pouco tempo, a meta de melhorar a sociedade reforçou a de auto-aperfeiçoamento, e ao seu desejo de aprender juntou-se a preocupação com a metodologia da educação. As maneiras pelas quais idéias abstratas poderiam refletir precisamente a realidade e transmitir essa realidade, a maneira pela qual os homens poderiam ser ensinados a compreender a verdade e o propósito mais elevado da educação - que, sustentava ele, não consistia na transmissão de conhecimentos técnicos, mas no desenvolvimento de uma capacidade independente de julgar - tudo isto passou a constituir as principais reflexões de Clausewitz em seu trabalho teórico. Em 1801, Clausewitz foi admitido na Nova Escola de Guerra que Scharnhorst, recentemente transferido das suas funções em Hanôver, havia organizado em Berlim. Clausewitz formou-se como o primeiro da turma em 1803 e foi designado assistente de um jovem príncipe, filho do seu comandante anterior, o Príncipe Ferdinando, uma designação que permitiu que ele permanecesse na capital, em estreito contato com o seu mestre Scharnhorst. O impacto que Scharnhorst exerceu sobre a vida de Clausewitz e sobre a evolução das suas idéias não pode ser suficientemente ressaltado. Scharnhorst era um soldado excepcionalmente vigoroso e ousado, bem como um intelectual e um político talentoso - uma combinação harmoniosa de qualidades aparentemente opostas, que o seu discípulo nunca

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guerra, nunca deve permitir que os seus pensamentos se afastem muito do elemento mais importante de cada um deles - o poder na política e a violência na guerra.

A tarefa mais importante com que se defrontavam os soldados prussianos nos primeiros anos do Século XIX era adequar-se intelectual e institucionalmente à nova maneira francesa de travar guerras. Em uma década, os recursos que a França mobilizou para a guerra haviam chegado a níveis sem precedentes. O número de soldados que estava agora disponível para os seus Generais tornava possível a realização de campanhas que envolviam riscos maiores, deu origem mais frequentemente a batalhas, permitiu que se espalhassem por uma parte maior do território e que se procurasse atingir propósitos políticos de uma magnitude maior do que teria sido possível para os exércitos do ancien régime. Esta nova técnica foi empregada por Napoleão com um brilhantismo que chocou tanto quanto a sua crueldade. Para a maioria dos alemães, era bastante difícil compreender o seu sistema, que reunia os dons de um indivíduo excepcional e as realizações sociais, administrativas e psicológicas da Revolução, que eram necessariamente estranhas para eles. Para os teóricos de qualquer nacionalidade era ainda mais difícil reconhecer a estratégia e a tática de Napoleão como sendo um fenômeno histórico, inevitavelmente sujeito a mudanças, e não um fenômeno definitivo na guerra, um padrão de excelência permanente para as guerras passadas, presentes e futuras. A literatura militar européia comentava, com uma considerável percepção, os elementos isolados deste sistema, mas, como Clausewitz percebera anteriormente, fracassava em suas tentativas de realizar uma análise abrangente. O melhor trabalho realizado nesta área foi feito pelo teórico prussiano Heirich von Bulow e pelo Oficial de Estado-Maior suíço francês Antoine Jomini, em cujos escritos Clausewitz aperfeiçoou os seus conhecimentos teóricos nos anos que antecederam e que vieram logo após a derrocada prussiana de 1806. Bulow havia percebido o valor de evoluções táticas recentes, como a emboscada com grande número de soldados, a rapidez de movimentos e o tiro de pontaria. Ao mesmo tempo, ele desprezou a eficácia do combate na nova era, considerou-o um “recurso de desespero” e, em vez disto, defendeu um sistema estratégico de pontos de dominação e de ângulos de aproximação, cujos padrões geométricos combinavam de uma maneira fantástica com os seus cantos em louvor do combatente natural e livre de grilhões. Em seu primeiro trabalho publicado, um longo ensaio sobre Bulow, Clausewitz reconheceu a utilidade de uma parte da sua terminologia, do mesmo modo que iria encontrar méritos em alguns dos conceitos de Jomini, mas salientou que o seu método de análise era equivocado e que as suas conclusões não eram realistas. Em sua ânsia de racionalizar a guerra, de

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transformá-la numa ciência e torná-la previsível, Bulow atribuiu papéis preponderantes às características geográficas e às medidas adequadas com relação ao sistema de abastecimento, enquanto ignorava significativamente os efeitos físicos e psicológicos que poderiam resultar de movimentos inesperados do oponente, da violência e do fortuito. A estratégia, objetava Clausewitz, não compreende “apenas as forças que são suscetíveis à análise matemática. Não, o reino da arte militar estende-se até onde, através da psicologia, a nossa inteligência descobre um recurso que pode ser útil ao soldado.”^4 Jomini aproximou-se da realidade contemporânea, mas errou, pensava Clausewitz, ao considerar uma parte da guerra - grandes exércitos procurando obter uma vitória decisiva - como sendo toda a guerra. A sua afirmativa de que havia extraído os princípios gerais da guerra a partir das operações de Frederico, Clausewitz repudiava como sendo absurda. Ele escreveu em 1808 que os princípios de Jomini perderiam a sua validade absoluta se pudesse ser demonstrado que as gerações anteriores possuíam boas razões para ignorá-los. César ou Eugênio de Savóia, agindo de acordo com as realidades sociais, tecnológicas e políticas das suas épocas, não foram inferiores a Napoleão porque não lutaram de uma maneira que a Revolução Francesa havia tornado possível. E assim como o passado só pode ser compreendido em seus próprios termos, os homens também devem ser interpretados como indivíduos, não como abstrações. Jomini havia imposto de maneira não realista um padrão de comportamento racional a homens com personalidades diferentes, como Frederico e Napoleão e, além disto, ignorou as diferenças existentes em suas experiências, às quais cada um naturalmente reagiu à sua maneira.^5 Se o presente não proporcionou o padrão ideal em relação ao qual as guerras do passado pudessem ser avaliadas, Clausewitz afirmava com igual insistência que a guerra Napoleônica não poderia estabelecer os padrões para o futuro.^6 O que significava isto para a teoria? Para Clausewitz, a resposta era óbvia: A teoria de qualquer atividade, mesmo se tiver em vista um desempenho eficaz em vez de uma compreensão abrangente, deve revelar os elementos essenciais e permanentes daquela atividade e distinguí-los das suas características temporárias. A violência e o impacto político eram duas das características permanentes da guerra. Outra era a livre atividade da inteligência, da perspicácia e das emoções humanas. Estas eram as forças que dominavam o caos da guerra, não aqueles dispositivos esquemáticos, como a base de operações de Bulow, ou as operações de Jomini nas linhas interiores. Não havia nada de novo em ressaltar a importância dos fatores psicológicos na guerra. Mas até

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