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Perfil de Risco de Vitimização em Crimes: Belo Horizonte, Manuais, Projetos, Pesquisas de Probabilidade

Este artigo apresenta os fatores relacionados à incidência de crimes em belo horizonte, incluindo características de residência, relacionamento entre ofensores e vítimas, idade, presença de adultos em casa e horário de ocorrência. Além disso, discute as variáveis independentes consideradas na pesquisa, como exposição, proximidade da vítima ao agressor, capacidade de proteção, atrativos das vítimas e natureza dos crimes. O artigo baseia-se nos modelos de estilo de vida e oportunidades.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Aquarela
Aquarela 🇧🇷

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Introdução
Tema ainda inexplorado na literatura sobre
crime e violência no Brasil, o ambiente de opor-
tunidades para a ocorrência de delitos tem reve-
lado uma notável capacidade explicativa na litera-
tura criminológica internacional. A dinâmica de
fatores ambientais na distribuição de crimes em
espaços urbanos tem sido cada vez mais utilizada
para a discussão dos componentes racionais da
atividade criminosa, assim como para o desenvol-
vimento de estratégias de prevenção situacional
(Newman et al., 1997; Clarke, 1997; Clarke e Fel-
son, 1993).
No contexto brasileiro, isso é uma inovação
conceitual e teórica. Na perspectiva criminológica
tradicional, a ênfase na explicação da distribuição
de crimes recai nos vários fatores que afetam a es-
colha por parte dos indivíduos, como predisposi-
ções pessoais, forças socializantes da família, dos
pares e da escola, reforços proporcionados pela
comunidade e, ainda,arranjos institucionais de di-
versas naturezas. Do ponto de vista da formulação
de políticas públicas, esse tipo de resultado pode
ser irrelevante, uma vez que aponta para fatores
que não estão sob o controle do Estado ou onde a
intervenção estatal pode não ser desejável. Outros
fatores estão num plano no qual o Estado tem mui-
to pouco a fazer (Wilson, 1983). Não se pode obri-
gar os pais a amarem os filhos, comunidades a su-
pervisionarem seus adolescentes ou proibir jovens
de desenvolverem certas atividades e comporta-
mentos de risco.
Existem algumas vantagens em conceber cri-
mes não como resultado de disposições sociológi-
cas e psicologicamente determinadas, mas de de-
cisões e escolhas individuais. Dos determinantes
sociais do comportamento de criminosos, partimos
CRIME, OPORTUNIDADE
E VITIMIZAÇÃO
Cláudio Beato F.
Betânia Totino Peixoto
Mônica Viegas Andrade
Artigo recebido em setembro/2003
Aprovado em março/2004
RBCS Vol. 19 nº. 55 junho/2004
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Introdução

Tema ainda inexplorado na literatura sobre crime e violência no Brasil, o ambiente de opor- tunidades para a ocorrência de delitos tem reve- lado uma notável capacidade explicativa na litera- tura criminológica internacional. A dinâmica de fatores ambientais na distribuição de crimes em espaços urbanos tem sido cada vez mais utilizada para a discussão dos componentes racionais da atividade criminosa, assim como para o desenvol- vimento de estratégias de prevenção situacional (Newman et al. , 1997; Clarke, 1997; Clarke e Fel- son, 1993). No contexto brasileiro, isso é uma inovação conceitual e teórica. Na perspectiva criminológica tradicional, a ênfase na explicação da distribuição

de crimes recai nos vários fatores que afetam a es- colha por parte dos indivíduos, como predisposi- ções pessoais, forças socializantes da família, dos pares e da escola, reforços proporcionados pela comunidade e, ainda,arranjos institucionais de di- versas naturezas. Do ponto de vista da formulação de políticas públicas, esse tipo de resultado pode ser irrelevante, uma vez que aponta para fatores que não estão sob o controle do Estado ou onde a intervenção estatal pode não ser desejável. Outros fatores estão num plano no qual o Estado tem mui- to pouco a fazer (Wilson, 1983). Não se pode obri- gar os pais a amarem os filhos, comunidades a su- pervisionarem seus adolescentes ou proibir jovens de desenvolverem certas atividades e comporta- mentos de risco. Existem algumas vantagens em conceber cri- mes não como resultado de disposições sociológi- cas e psicologicamente determinadas, mas de de- cisões e escolhas individuais. Dos determinantes sociais do comportamento de criminosos, partimos

CRIME, OPORTUNIDADE

E VITIMIZAÇÃO

Cláudio Beato F.

Betânia Totino Peixoto

Mônica Viegas Andrade

Artigo recebido em setembro/ Aprovado em março/

RBCS Vol. 19 nº. 55 junho/

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para a análise de crimes e das condições em que eles ocorrem. O que se pretende é descobrir os processos de tomadas de decisão por parte dos cri- minosos. Quais são os mecanismos cognitivos em ação? Como eles justificam suas condutas? Quais in- formações são relevantes para a ação criminosa? (Clarke e Cornish, 1985).

Contexto teórico da discussão

O impacto das teorias ecológicas dos anos de 1930 e 1940 sobre a teoria das oportunidades tem sido ressaltado pelos modernos comentaristas da teoria criminológica (Bursick e Grasmick, 1993). Desde então, a teoria social se preocupa com as- pectos de natureza ecológica e ambiental na deter- minação de fenômenos sociais tais como o da cri- minalidade (Park e Burguess, 1924; Hawley, 1944; Shaw e MacKay, 1942). A mútua dependência en- tre grupos funcionalmente distintos que formam relacionamentos simbióticos, assim como as de- mandas sobre o ambiente que marcam organiza- ções comensalistas, fornecem as bases para a compreensão da interação entre predadores e víti- mas no mercado de atividades criminosas. Nas pa- lavras de Felson:

Um novo padrão de criminalidade surge com o crescimento das cidades, com ofensores predató- rios ocultos na multidão, que atacam e, então, se escondem novamente para não serem presos. Vendas ilegais e consumo, assim como brigas po- dem sobreviver mais facilmente dentro de um ambiente urbano (1994, p. 49).

Jacobs (1961) destacava os ecossistemas ur- banos compostos por processos físicos, econômi- cos e éticos, em que a diversidade e a interdepen- dência cumpririam a função de revitalização e controle. O problema da segurança nas grandes ci- dades estaria diretamente relacionado ao enfraque- cimento dos mecanismos habituais de controle exercidos naturalmente pelas pessoas que vivem nos espaços urbanos. A partir daí, perspectivas de intervenção ambiental passaram a incorporar con- ceitos como o de “espaço defensivo” (Newman,

  1. ou de “prevenção de crime através do design

ambiental” (Jeffery, 1971). A idéia de espaço defen- sivo relaciona-se a soluções arquitetônicas de recu- peração de moradias públicas nos Estados Unidos, obrigando seus moradores a exercer seus naturais instintos de “territorialidade”. Este instinto é perdi- do quando se constroem grandes prédios de habi- tação coletiva, em que os moradores mal se conhe- cem, e onde existe uma variedade enorme de acessos não supervisionados que facilitam a ativi- dade de predadores. A idéia é reduzir esse anoni- mato não apenas pelo incremento da vigilância na- tural, mas também diminuindo as vias de escape para potenciais ofensores. Outra estratégia é denominada Teoria das Abordagens de Atividades Rotineiras (Cohen e Fel- son, 1979), que busca explicar a evolução das taxas de crime não por meio das características dos crimi- nosos, mas das circunstâncias em que os crimes ocorrem. Para que um ato predatório ocorra é ne- cessário que haja uma convergência no tempo e no espaço de três elementos: ofensor motivado , que por alguma razão esteja predisposto a cometer um crime; alvo disponível , objeto ou pessoa que possa ser atacado; e ausência de guardiões , que são ca- pazes de prevenir violações. Trata-se de um modelo bastante econômico no que diz respeito aos elementos utilizados. Con- tudo, a própria definição desses elementos guarda muitas sutilezas. Embora esteja se tratando de uma abordagem preocupada com as características am- bientais nas quais ocorrem os crimes predatórios, ela ainda mantém algumas ressonâncias na crimi- nologia mais tradicional ao enfatizar a motivação dos ofensores como um dos elementos centrais. A origem dessa motivação, entretanto, é deixada em aberto. O segundo aspecto é que a ação predatória dirige-se a “alvos”, ou seja, pessoas ou objetos em dada posição no tempo e no espaço. Isto termina por retirar o aspecto moral que a palavra vítima car- rega consigo: um alvo define-se como coisas que tem algum valor, além de algumas propriedades que o tornam adequado à ação predatória:

[...] adequabilidade provavelmente reflete tais coi- sas como valor (o desejo material ou simbólica de uma propriedade pessoa ou propriedade para os ofensores), visibilidade física, acesso e a inércia de um alvo para o tratamento ilegal pelos ofenso-

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em estudos de vitimização, como, por exemplo, de Cohen, Kluegel e Land (1981). Fatores que mais influenciam o risco de vitimização dos indi- víduos são: exposição, proximidade da vítima ao agressor, capacidade de proteção, atrativos das ví- timas e natureza dos delitos. A exposição é defi- nida pela quantidade de tempo que os indivíduos freqüentam locais públicos, estabelecendo conta- tos e interações sociais. O estilo de vida de cada indivíduo determina em que intensidade os de- mais fatores estão presentes na sua vida. Assim, determina em que medida os indivíduos se ex- põem ao freqüentar lugares públicos, qual a sua capacidade de proteção, seus atrativos e a proxi- midade com os agressores. A proximidade da vítima ao agressor diz res- peito à freqüência de contatos sociais estabeleci- da entre ambos, o que depende do local de resi- dência, das características socioeconômicas e dos atributos de idade e sexo, assim como da proxi- midade de interesses culturais. Indivíduos com a mesma idade costumam freqüentar os mesmos ambientes nas atividades de lazer. A capacidade de proteção está relacionada ao estilo de vida das vítimas. Indivíduos que têm maior capacidade de se resguardar, evitando contato com possíveis agressores, têm menor probabilidade de serem vitimados. Por exemplo, indivíduos que an- dam de carro em vez de ônibus têm maior capaci- dade de proteção porque diminuem a possibilida- de de contato com os agressores. Do mesmo modo, aqueles que contratam segurança privada dimi- nuem a probabilidade de serem vítimas de crime. As vítimas tornam-se ainda mais atrativas quando oferecem menor possibilidade de resis- tência ou proporcionam maior retorno esperado do crime. Os indivíduos que oferecem menor possibilidade de resistência, provavelmente, rea- gem com pouca intensidade, o que representa menor risco de aprisionamento para o agressor. Aqueles que proporcionam maior retorno espera- do do crime têm maior probabilidade de serem vitimados, uma vez que, por um mesmo risco de aprisionamento, o criminoso pode ganhar mais. A natureza do delito é importante para de- terminar em que proporção cada fator exposto acima influencia a probabilidade de vitimização.

Isso acontece porque a influência de cada fator na determinação do crime é diferente, dependendo do tipo de delito. Por exemplo, no caso de homi- cídios em Belo Horizonte a proximidade geográ- fica entre a vítima e o agressor é um fator crucial (Beato, 2003). Este artigo baseia-se nos modelos de estilo vida e de oportunidades, por meio dos quais pro- curamos descrever o perfil da vítima de crimes no município de Belo Horizonte, ou seja, suas carac- terísticas, condição socioeconômica, hábitos, ca- racterísticas familiares e características dos locais onde vivem. A pesquisa foi realizada com base no cálculo da probabilidade de vitimização, de acor- do com as características do indivíduo.

Metodologia

a. Dados Os dados utilizados neste trabalho provêm da Pesquisa de Vitimização realizada pelo Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), entre fevereiro e março de 2002. Esse tipo de pesquisa contém informações sobre os aconte- cimentos criminais sofridos pelos indivíduos, so- bre a quantidade e o tipo de perda incorrida e as características dos criminosos. Além disso, englo- ba informações sobre as características socioeco- nômicas, os hábitos e as características de resi- dência e vizinhança dos indivíduos. A pesquisa de vitimização realizada em Belo Horizonte considera as seguintes categorias de crime: furtos (ato de apropriação de bens alheios sem que a vítima perceba a apropriação na hora da efetivação do ato); roubos (ato de apropriação de bens alheios em que a vítima percebe a apro- priação na hora da efetivação do ato); tentativa de roubo (quando o indivíduo é vítima de roubo, mas consegue evitar a consumação do mesmo); roubo em residência (ato de apropriação de bens alheios que estejam dentro da residência da víti- ma, estando ela presente ou não); tentativa de roubo em residência (quando o indivíduo é víti- ma de roubo na residência em que, por algum motivo, não consegue ser efetivado); agressão (ato de ferir outrem com ou sem uso de armas);

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tentativa de agressão (quando o indivíduo é víti- ma de agressão, mas não é ferido).^1 O objetivo deste trabalho é, portanto, identi- ficar, por intermédio da estimação de modelos eco- nométricos, o perfil das vitimas no município de Belo Horizonte, no ano de 2002. A fim de avançar- mos no entendimento da criminalidade, analisa- mos cada categoria de crime separadamente (furto, roubo, roubo a mão armada e agressão). Em segui- da, fizemos uma agregação, partindo de crimes de menor periculosidade para os de maior periculosi- dade, até que todos os crimes com motivação econômica (furto, roubo, roubo a mão armada) estivessem agregados. Ao trabalharmos separada- mente com cada tipo de crime, flexibilizamos a hi- pótese de que o perfil das vítimas de todos os cri- mes com motivação econômica seja o mesmo. Por exemplo, permitimos a diferenciação entre o per- fil das vítimas de furto e de roubo a mão armada. É nesse sentido também que consideramos as combinações das tentativas e o crime efetivamen- te sofrido com a hipótese de que as características que influenciam a probabilidade de ser vitimado sejam as mesmas que influenciam a probabilidade de sofrer uma tentativa de vitimização.^2 Os modelos serão estimados considerando as categorias de agregação dos crimes apresenta- da na Tabela 1. A primeira coluna indica a nume- ração dos modelos e a segunda coluna indica o tipo de crime que será analisado, ou seja, a variá- vel dependente.

Foram consideradas independentes as variá- veis de características dos indivíduos, de caracte- rísticas da residência e da vizinhança, dos hábitos pessoais, e para o Modelo de roubo em residên- cia, as variáveis de equipamentos de segurança das residências.

b. Variáveis de características pessoais Sexo; cor; idade; estado civil; condição na ati- vidade econômica;^3 escolaridade; e renda familiar.

c. Variáveis de características da residência Número de moradores da residência; e con- dição da residência.

d. Variáveis de característica da vizinhança Prédios abandonados – variável construída como dummy para a existência de prédios aban- donados na vizinhança; e tiro, variável dummy para existência de barulho de tiro na vizinhança.

e. Variáveis dos hábitos pessoais Transporte público, variável dummy para o uso freqüente de transporte público; e horário que mais freqüenta/anda na rua – variável cons- truída como dummy para identificar se o indiví- duo anda mais na rua de noite ou de dia.

f. Variáveis de segurança residencial Este é um grupo de variáveis específicas do Modelo de roubo em residência, as quais refletem o sistema de segurança existente. Seu efeito é am- bíguo, pois pode ocorrer um problema de endo- geneidade, isto é, as residências possuem mais equipamentos pelo fato de ter sofrido mais rou- bos. Se esse problema não ocorrer, esperamos que residências com mais equipamentos de segu- rança tenham menor probabilidade de sofrer rou- bo, pois a segurança aqui aumenta o risco de o criminoso ser capturado. As variáveis são: presen- ça de grades nas janelas; presença de tranca extra nas portas; olho mágico; interfone; existência de cão; alarme; câmera de vídeo; vigia desarmado ou porteiro; vigia armado; muro com caco de vidro; muro com cerca elétrica; muro com mais de 2 me- tros; muro com menos de 2 metros; existência apenas de grade; e não possuir muro nem grade.

Tabela 1 Tipos de Modelos

MODELO TIPO DE CRIME Modelo 1 Furto Modelo 2 Roubo Modelo 3 Roubo e/ou tentativa de roubo Modelo 4 Furto e/ou tentativa de roubo e/ou roubo Modelo 5 Agressão Modelo 6 Agressão e/ou tentativa de agressão Modelo 7 Roubo em residência

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Tabela 3 Tipos de Crimes Versus Características das Vítimas

Fonte: Pesquisa de vitimização realizada pelo Crisp em fevereiro/março de 2002.

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tipo de crime com o fator exposição. Quanto ao estado civil, a maior incidência de furto e roubo estão entre os indivíduos solteiros e os separados. Por exemplo, no caso de furto, do total de soltei- ros, 15,8% foram vitimados, e dos separados, 14,5%. Esses indivíduos estão mais expostos, pois

tendem a passar menos tempo com suas famílias. Talvez a agressão aconteça com mais freqüência entre os solteiros pelo mesmo motivo. Indivíduos que trabalham são vitimas prefe- renciais de todos os tipos de crime. No caso de roubo e furto, uma possível explicação é o fato de

Tabela 4 Roubo em Residência Versus Variáveis de Controle

Fonte: Pesquisa de vitimização realizada pelo Crisp em fevereiro/março de 2002.

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Tabela 5 Resultados das Estimações dos Modelos de Furto, Roubo e Agressão

Nota: Os asteriscos indicam o nível de significância: ***1%; **5%; *10%.

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ra que considera as faixas de renda como variável explicativa e a segunda que usa a variável condi- ção da residência como proxy de riqueza. Como já explicitado anteriormente, essa proxy justifica- se pelo fato de normalmente os indivíduos sub- reportarem sua renda.

Modelo 1

O furto é definido como o ato de apropria- ção de bens alheios sem que a vítima o perceba na hora da efetivação do mesmo, que pode ocor- rer na casa ou no trabalho da vítima. Os fatores “exposição” e “proximidade entre vítima e agres- sor” foram de fundamental importância para a de- terminação da probabilidade de vitimização. O fator exposição foi confirmado pelo mo- delo. Quem usa freqüentemente transporte públi- co tem probabilidade 39% maior do que os não usuários (no Modelo de furto 2, esta probabilida- de foi de 38%). Além disso, quem trabalha tem probabilidade de ser vitimado 41% maior do que os não trabalhadores (no Modelo de furto 2, esta probabilidade é de 37%). Ao andarem de coletivo e trabalharem os indivíduos estão mais expostos, pois freqüentam mais lugares públicos e têm mais contato com pessoas desconhecidas. Trabalho significa ausência de casa e de vigilância sobre o que ali ocorre. Cohen e Felson (1979) mostraram como mudanças na estrutura de trabalho da so- ciedade norte-americana acarretaram um maior tempo de ausência das pessoas em suas residên- cias, com o conseqüente aumento de arromba- mento de casas. A atratividade dos indivíduos na determina- ção da probabilidade de vitimização foi também confirmada pelo resultado encontrado no Modelo de furto 2, em que indivíduos com ensino supe- rior têm probabilidade de ser furtados 78% maior dos que têm somente o ensino fundamental. No Modelo de furto 1, o coeficiente para esta variá- vel não se mostrou significativo apesar do seu si- nal confirmar o resultado já citado.^7 Indivíduos que escutam barulho de tiro perto da vizinhança têm probabilidade de vitimização 26% maior dos que não escutam (no Modelo de

furto 2, esta probabilidade é de 27%). Tiros são si- nais de desordem e desorganização social, já que revelam uma deficiência de eficácia coletiva, ou de capacidade de controle e supervisão por parte dos moradores de uma vizinhança, o que termina por se traduzir em maior desordem e criminalidade (Sampson e Raudenbush, 1997). Indivíduos que re- sidem em locais onde existem prédios abandona- dos têm probabilidade de vitimização 43% maior dos não residentes nestes locais (no Modelo de fur- to 2, é 42% maior). No Modelo de furto 1, os grupos de renda não foram significativos. No Modelo de furto 2, a variável “tipo de residência” foi significativa, de forma que indivíduos residentes em casa própria têm probabilidade 19% menor de ser vítimas do que indivíduos residentes em casa alugada. Este resultado sugere que os criminosos, ao construir suas expectativas sobre o retorno esperado do cri- me, não levam em conta a condição da residência (muitas vezes desconhecida por eles), mas os lo- cais onde elas se encontram (bairros de classe alta, média ou baixa). As demais variáveis não se mostraram signi- ficativas apesar de o sinal da maioria ocorrer como o esperado. Assim, homens apresentaram menores probabilidades de serem vítimas de fur- to por causa de sua maior capacidade de reação. A variável cor não foi significativa, como era es- perado, sugerindo que ela não influi na probabi- lidade de ser furtado; os casados e separados têm uma probabilidade menor de serem vítimas de furto do que os solteiros, por estar menos expos- tos em virtude de seu estilo de vida.

Modelo 2, Modelo 3 e Modelo 4

Nesta seção apresentamos os resultados dos modelos de roubo, da acumulação “roubo com tentativas de roubo” e “vítimas de furto com as de roubo e tentativa de roubo”. Como já menciona- do anteriormente, trabalhamos dessa forma para flexibilizar a hipótese de que a probabilidade de vitimização dependa das mesmas características em todos os tipos de crime. Por outro lado, esti- mamos o modelo com a acumulação de todos os

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tese de que indivíduos brancos têm mais acesso à educação, o que lhes aufere rendas mais elevadas, tornando-os mais atrativos do que os não brancos.

Modelo 5 e Modelo 6

Um dos testes cruciais para a teoria das opor- tunidades diz respeito aos conflitos interpessoais, em que as motivações não são de natureza econô- mica. Trata-se de conflitos de natureza expressiva que, entretanto, guardam as dimensões de um comportamento racional. Oportunidades e intera- ções espaço/tempo também parecem ser compo- nentes importantes para esse tipo de delito. Os modelos para agressão foram também es- timados utilizando ora grupos de renda, ora a proxy de riqueza (condição na residência). Além disso, foram estimados dois modelos para agres- são, um que tem como variável dependente os in- divíduos que sofreram agressão (Modelo 5) e ou- tro, os indivíduos que sofreram agressão e/ou tentativa de agressão. Os resultados foram simila- res no sentido de que as características individuais que determinam a probabilidade de vitimização estão presentes em todos os modelos. Com relação ao fator exposição, indivíduos mais velhos têm a probabilidade de sofrer agres- são menor do que os mais jovens. Por exemplo, o Modelo Tentativa de agressão 1 (Tagre 1) indi- ca que indivíduos de 35 a 44 anos de idade têm probabilidade de sofrer agressão 63% menor, e, entre indivíduos com 45 anos ou mais, esta pro- babilidade é 79% menor do que entre indivíduos de 13 a 18 anos de idade. Os mais velhos tendem a se expor menos, pois passam grande parte do seu tempo cuidando de suas famílias. em contra- partida, a tendência entre os mais jovens é uma maior exposição – aumenta o consumo de álcool e a freqüência em lugares de vida noturna. Dessa forma, como grande parte das agressões estão re- lacionadas à ingestão de álcool e a brigas entre gangues, os mais jovens têm maior probabilidade de sofrer esse tipo de crime. Esse mesmo resulta- do também foi mostrado, por Eyzaguirre e Puga (2001), para a Região Metropolitana de Lima.

Ainda em relação à exposição, indivíduos que trabalham têm probabilidade de ser vitimados por agressão maior do que os não trabalhadores. Para o Modelo tagre 1, a probabilidade aumenta em 42%. Nos demais modelos, esta variável não foi significativa, porém seu sinal corroborou o re- sultado encontrado. Indivíduos que trabalham ten- dem não só a uma maior exposição, porque fre- qüentam mais lugares públicos, como também a estar mais próximos dos agressores, pois circulam por uma maior malha social. No Modelo agressão 1, a probabilidade de ser vitimado é 38% menor para indivíduos que circulam mais durante o dia, uma vez que o estilo de vida de quem costuma andar à noite é mais vulnerável à ação de preda- dores. Dados de ocorrências policiais mostram um padrão temporal muito claro, no qual os crimes in- terpessoais se concentram nos períodos noturnos e nos finais de semana (Beato et al. , 2002). A capacidade de proteção pode ser avaliada em termos de renda, no sentido de que indivíduos de maior renda conseguem se expor menos. O fato de possuírem carro, por exemplo, diminui bastante o contato com possíveis agressores. Além disso, se pensarmos no vínculo já comentado entre renda elevada e maior nível de escolaridade, a probabili- dade de ser vítima de agressão nesse caso é menor em virtude do efeito “civilizador” da educação. No Modelo 5, quem tem renda maior do que dezesseis salários mínimos apresenta chance de ser vítima 80% menor em comparação àqueles com renda menor do que um salário mínimo. No Modelo 6, apesar das variáveis não serem significativas, uma vez que consideramos os grupos de maior renda, a probabilidade de vitimização vai diminuindo. Se considerarmos os modelos em que a proxy de ren- da foi utilizada, temos que indivíduos que moram em residências invadidas (mais pobres) têm proba- bilidade de serem agredidos 276% maior do que in- divíduos que residem em casas alugadas (Modelo 5). No Modelo 6, esta probabilidade passa para 281%, enquanto indivíduos que moram em residên- cias próprias têm probabilidade de serem vitimados 28% menor em relação aos que pagam aluguel. As variáveis dos coeficientes que não foram reportados na tabela foram excluídas do modelo por não apresentarem nem uma “falha” do evento.

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Conclusão

Esta pesquisa estabeleceu um teste empírico a uma teoria raramente utilizada no contexto brasilei- ro, o que acreditamos ser importante. Teorias de oportunidade ainda não foram testadas no Brasil em virtude da ausência não só de dados que permitam esse tipo de análise, mas também de enfoques teó- ricos preocupados com o contexto de ocorrência de crimes. Outros estudos mostraram a importância da análise de oportunidades no âmbito municipal (Bea- to, 2000). Assim, a estrutura urbana municipal seria um dos elementos da estrutura de oportunidades que levam à ocorrência de crimes. Os resultados são bastante relevantes, pois conseguem explicar as va- riações regionais na distribuição de distintos tipos de crime. Este estudo, por sua vez, buscou realizar essa modalidade de análise na esfera individual por meio da utilização de informações oriundas de uma pes- quisa em torno da vitimização. As implicações disso para o desenvolvimen- to de programas e projetos em políticas públicas são, a nosso ver, de extrema importância. Em pri- meiro lugar, ressalta como as taxas de vitimização são distintas nos diferentes grupos e segmentos sociais, o que mostra o quanto. Isso significa que estratégias focalizadas de ação devem ponderar resultados tais como os que foram expostos, a fim de lograr um maior grau de efetividade. Com re- lação ao fator “exposição”, por exemplo, indiví- duos mais velhos têm probabilidade de sofrer agressão menor do que os mais jovens – o Mode- lo Tagre1 indicou, como vimos, que entre 35 a 44 anos de idade a probabilidade de sofrer agressão é 63% menor, com 45 anos ou mais a probabili- dade cai para 79% em relação à faixa etária de 13 a 18 anos. Para os crimes motivados economica- mente (furto, roubo e tentativa de roubo), os atri- butos pessoais, exceto escolaridade e condição na atividade econômica, não são muito significativos. A probabilidade de vitimização está mais ligada aos hábitos e às características da vizinhança. As- sim, pessoas que transitam em locais públicos, em horários de maior fluxo e à noite são vítimas mais prováveis de crimes motivados economicamente. O mesmo acontece se residem em locais onde existem muitos prédios abandonados e onde se

escuta barulho de tiros. Para os crimes de agres- são, a idade passa a ser relevante, ou seja, os jo- vens são vítimas mais prováveis desse tipo de cri- me. Além disso, a probabilidade de ser agredido é maior quando se transita em lugares públicos à noite ou se reside em locais onde se escuta baru- lho de tiro, como já comentado. Observamos também aspectos relacionados à influência de variáveis como “desordem” e “inci- vilidade” (Kelling e Coles, 1996). Os coeficientes das variáveis “existência de prédios abandonados” e “barulho de tiros” indicaram a chance de ser ví- tima é maior para aqueles que residem nesse tipo de vizinhança. Por exemplo, para o Modelo trou- bo 1, caso o indivíduo resida em vizinhança que possui prédios abandonados, a probabilidade de vitimização é 54% maior, e se reside em vizinhan- ça onde se escuta barulho de tiro, a probabilidade é 30% maior. Com relação à capacidade de proteção, indi- víduos que não usam transportes públicos exibem maior capacidade de se protegerem, pois andam em seus carros longe do contato com os crimino- sos ou simplesmente não circulam muito em lu- gares públicos se protegendo em suas casas. Do ponto de vista teórico e conceitual, as teo- rias de “estilo de vida” e “oportunidades” foram corroboradas pelos modelos, confirmando que a probabilidade de vitimização depende em grande parte da exposição e da atratividade do indivíduo, além da capacidade de proteção e da proximidade entre vítima e agressor. Por outro lado, depende também da natureza do delito a ser considerado, indicando que vítimas de crimes com e sem moti- vação econômica têm características e hábitos dife- rentes. Esse enfoque baseou-se nas teorias de “es- tilo de vida” ( life-style models ) e “oportunidades” ( opportunity models ), utilizadas em estudos de viti- mização, como o de Cohen, Kluegel e Land (1981). Reiterando, os fatores que mais influenciam o ris- co de vitimização são: exposição, proximidade da vítima ao agressor, capacidade de proteção, atrati- vos das vítimas e natureza dos delitos. A exposição é definida pelo tempo em que os indivíduos per- manecem em locais públicos, estabelecendo conta- tos e interações sociais. O estilo de vida determina em que intensidade os demais fatores estão pre-

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CRIME, OPORTUNIDADE E VITIMIZAÇÃO 89

Anexo 1:

especificação do modelo utilizado

O Modelo Logit (cf. Wooldridge, 2001) apre- senta a seguinte especificação:

(1)

onde: P representa a probabilidade de ocorrência do evento de crime; X é a matriz das covariadas; b é o vetor de coeficientes; e é uma função de densidade de probabilidade acumulada que assu- me valores entre zero e um. Estimamos o Modelo Logit com auxilio de variável latente, onde:

onde: é independente de x e simétrica a zero. Assim:

Como no Modelo Logit, tem uma distribui- ção logística padronizada:

onde: X’ é a matriz de variáveis independentes transposta.

Por meio de transformação exponencial ob- temos:

  • e

Neste modelo,  não mede o efeito marginal de X sobre Y , ao contrário, mede o efeito parcial, que no caso das variáveis explicativas contínuas* é dado por:

O valor do efeito parcial depende das de- mais variáveis. Portanto, apresentamos os resulta- dos na forma da razão entre os efeitos parciais. Para variáveis contínuas xh e xj a razão do efeito parcial é constante e dada pela razão dos coefi- cientes correspondentes:

Por exemplo, se a razão de chance estimada para uma variável contínua é igual a 0,7, isso im- plica que a probabilidade de ser vitimado diminui em 30% quando aumentamos em uma unidade o valor dessa variável. No caso das variáveis explicativas binárias o efeito parcial provém de mudanças de xk de zero para um, mantendo todas as demais variáveis fi- xas, sendo simplesmente:

Observe-se que, novamente, o valor do efei- to parcial depende das demais variáveis, portanto apresentamos os resultados na forma da razão de chances entre o grupo em questão e o grupo de referência. Assim, quando o coeficiente da razão de chance (OR) é maior que um significa que o grupo em questão tem probabilidade de ser viti- mado (OR - 1) vezes maior que o grupo de refe- rência. E quando a razão de chance (OR) é me- nor que um significa que o grupo em questão tem probabilidade (1 - OR) vezes menor que o grupo de referência. Por exemplo, se o coeficiente for igual a 1,50, isso significa que, nesse grupo, a pro- babilidade de ser vitimado é 50% maior do que a probabilidade do grupo de referência.

  • “Número de moradores” é a única variável contínua presente nos modelos.