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Palavras-chave: criatividade; imagem; arte; psicologia analítica; psicologia junguiana. Page 7. ABTRACT. VIRGÍLIO DE CARVALHO, Olavo. Creativity and the opening ...
Tipologia: Notas de aula
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Não perca as partes importantes!
A aventura pode ser louca, mas o aventureiro tem que ser são. (G. K. CHESTERTON)
Para meu pai, que me ensinou a sonhar.
À CAPES, por ter apoiado esta pesquisa.
À cidade de São Paulo, que me fez amadurecer nessa prazerosa experiência de urbanía, e me ensinou que a distância não atrapalha laços de amor e amizade, mas expande-os.
À Dra. Liliana Wahba, pela orientação, escuta, sugestões criativas e pelo apoio constante durante todo este processo.
Aos amigos de curso Ana Letícia Esteves, Luciano Diniz, Luis André Martins e Wolney Martini pelas ótimas conversas, risadas e contribuições.
À amiga Giselli Gonçalves, pelos congressos, debates e alegrias que dividimos durante o curso.
Ao Seu Self.
Aos familiares e amigos de Brasília dos quais permaneci distante, mas que estiveram sempre comigo.
Ao meu tio Flávio, por ter me auxiliado nos primeiros meses de São Paulo.
À minha avó Irene.
Aos meus avós Chico e Tonha.
À minha mãe, que mesmo com todas as dificuldades se manteve sempre próxima para me dar suporte.
Ao meu pai, pelo incentivo e por ter me dado as condições necessárias para que eu trilhasse esse caminho.
E à Luana Lopes, minha amada companheira de aventuras, que me inspirou a cada dia.
VIRGÍLIO DE CARVALHO, Olavo. Creativity and the opening of space: a jungian study. São Paulo, 2012. Master’s degree dissertation. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP.
The present study aimed to investigate the concept of creativity in analytical psychology. We investigated the Collected Works and letters of Carl Gustav Jung and also books and articles of post-Jungian authors who contributed to the development of the theme. It was highlighted that images have a legitimate existence and are a spontaneous phenomenon of the psyche. Thereby it was emphasized that the contents of the psyche have the same value of reality that the material world. The analytical psychology defines creativity as something natural, a autonomous complex and fundamental quality of the psyche. The work increased the understanding of creativity as open space for the images of the unconscious to present themselves.
Key words : creativity; image; art; analytical psychology, jungian psychology.
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incomum capaz de gerar resultados extremamente positivos (ROTHENBERG; HAUSMAN, 1976). Destaca-se que uma das principais características comuns às diversas teorias é de que a criatividade é o surgimento de um produto ou ideia original, ainda que seja um aperfeiçoamento de elementos já existentes (FLEITH; ALENCAR, 2009); uma capacidade de dar forma ao novo (OSTROWER, 2009); estabelecer novas relações e, assim, compreensões inovadoras. A criatividade aparece como uma capacidade de ampliar a personalidade do indivíduo, uma manifestação da realização do homem no mundo (MAY, 1982). Lubart (2007, p.16) entende que a criatividade é a “capacidade de realizar uma produção que seja ao mesmo tempo nova e adaptada ao contexto na qual ela se manifesta”. Afirma que a novidade não pode ser considerada o único elemento porque não se pode aceitar toda resposta nova como criativa. Ela deve ser adaptada à situação envolvida, lembrando que a avaliação da criatividade é feita a partir da relação com outro indivíduo ou grupo.
Um pensamento bastante comum é de que a criatividade é um dom ou talento divino que não pode ser aprendido ou ensinado, uma inspiração que acontece ao sujeito sem explicação. Esta crença parece contribuir com o julgamento de que criação e arte são sinônimos, o que leva à consideração equivocada de que toda criatividade é artística (ALENCAR; FLEITH, 2009). O artista passa a ser visto como alguém dotado de uma característica única, um privilegiado que possui um talento que está à disposição de poucos. Mas, apesar de serem mais facilmente identificadas na produção artística, as potencialidades da criação pertencem a todo ser humano e estão presentes em todas as relações estabelecidas por ele. Alguns autores entendem que essas habilidades criativas são desenvolvidas dentro de um aspecto social (VYGOTSKI, 2004; OSTROWER, 2009), outros, que ela é fruto das contingências envolvidas em uma dada situação (SKINNER, 1975) e há os que a compreendem como um aspecto inerente ao ser humano que serve não apenas ao indivíduo, mas também à cultura na qual está inserido (NEUMANN, 1974; JUNG, 1991).
Um olhar estendido sobre como as principais abordagens psicológicas entendem o conceito de criatividade demonstra que há elementos que as vinculam para além de suas fronteiras teóricas. Parece existir uma convergência no entendimento de que a criatividade não depende inteiramente da vontade do homem e não pode ser totalmente contida pela consciência, além de causar estranhamento a quem a experimenta e conter uma constante dose de imprevisibilidade. Isso pode ser encontrado em Skinner (1971), na afirmação de que as contingências se apresentam aleatoriamente e não estão submetidas à vontade do sujeito, e que o locus é lugar onde o novo é gerado sem que o criador tenha completo controle de sua criação. Ideia semelhante aparece no humanismo (MASLOW, 1973; ROGERS, 1978), em que a criatividade, ainda que exaustivamente investigada, não poderá ser compreendida e descrita em todo seu conjunto, permanecendo sempre, de alguma maneira, além do conhecido. Vigotski (2001) defende algo semelhante ao postular que a capacidade
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criativa surge da relação do sujeito com o social e está sempre além do sujeito, como um elemento que lhe foge e, por isso, o motiva à sua busca. Assim também a entende a psicanálise freudiana (FREUD, 1908/2009), ao declarar que no processo criativo há uma determinação que age por detrás da consciência, demonstrando a existência de uma influência inconsciente que age diretamente na criação, sobre a qual o indivíduo não tem controle.
Apesar disso, é importante ressaltar que, para Jung (1922/2009a), a análise freudiana da arte desviou-se de seu próprio objetivo e entrou em um campo superficial que não tem tanto a acrescentar à arte ou ao artista, pois consome a autenticidade da criatividade ao expô-la aos mesmos métodos usados para compreender a patologia psicológica. Segundo Jung (1930/2009b), o fundador da psicanálise acreditou ter encontrado na vivência pessoal do artista a chave para o entendimento da arte. Com isso passou a analisá-la da mesma forma que uma neurose, tratando-a como uma satisfação substitutiva.
Em relação à criatividade, como um processo que integra o psiquismo do sujeito, organizando os elementos que lhe surgem, Maslow (1973) e Rogers (1978) compreendem a função criativa como uma atitude que torna o homem capaz de superar as dicotomias. Assim também entende Vigotski (2001), concluindo que a criatividade auxilia o indivíduo a dar vazão ao excesso de energia daquilo que experimenta. Esta concepção se aproxima da noção de sublimação freudiana, que concebe a criação como uma maneira de satisfazer uma pressão instintiva. O behaviorismo radical apresenta semelhança a essa ideia ao afirmar que o sujeito precisa ser capaz de organizar as contingências que surgem no seu ambiente. Skinner (1972), Vigotski (2004), Rogers (1978) parecem compreender que a aprendizagem é determinante na forma que o indivíduo lida com o talento criativo, já que deve elaborar ferramentas mais efetivas para o desenvolvimento da criatividade.
Um aspecto que vale ser ressaltado como um ponto de convergência é o conceito da regressão. Ainda que cada abordagem a explique de acordo com seus próprios postulados, todas elas entendem que há uma energia que é reativada e retorna à consciência. Isso fica claro no funcionamento da regressão, que o psicanalista Ernest Kris (S.D.) demonstra existir na criação artística, e na energia ociosa, que Vigotski (2001) afirma possibilitar a criatividade. Ainda que não trabalhe com o conceito de inconsciente, um modelo semelhante de funcionamento aparece também no behaviorismo radical quando seu autor afirma que o elemento novo aparece como um rearranjo das contingências, reativando aquilo que não era empregado para que retorne à utilização. O humanismo se aproxima desta definição ao defender que, na criação, o sujeito deve regredir para sua profundidade e de lá trazer o novo. O conceito de regressão será retomando no capítulo de discussão para ser comparado com a regressão da libido descrita por Carl Jung. A maioria das abordagens psicológicas
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(1984) conclui que a psicologia só pode encontrar seu opus na própria psique. Ao se entender que a psique é um ato de criação contínua (JUNG, 1921/1991), pode-se perceber que a criatividade figura como uma concepção central de valor para a psicologia analítica, estando presente em grande parte de seu desenvolvimento.
Uma das dificuldades encontradas para se estudar a criatividade é a forma como os fenômenos subjetivos são considerados. Em grande parte do universo científico a criatividade é entendida como uma forma de ofuscar a razão, uma função psicológica que muitas vezes é colocada como oposta à racionalidade, já que há uma dificuldade em categorizar e verificar seu funcionamento. Segundo essa visão, a subjetividade seria uma maneira de iludir, pois ela nunca se apresenta objetivamente, apenas representa, como confirma Figueiredo (2009, p.19) ao postular que “O sujeito empírico é concebido assim como fator de erro e de ilusão. Na linguagem coloquial a atribuição de caráter subjetivo a um argumento o desqualifica diante da lógica ou diante dos fatos”. Segundo essa compreensão científica, a subjetividade é algo que deve ser superado para que a verdade seja definitivamente alcançada, o que contribui para que a expressão subjetiva do homem seja constantemente desautorizada.
Esta posição encontra paralelo na crítica que Carl Jung (1931/1984d) tece em relação à unilateralidade apresentada pelo materialismo racionalista que, por não poder acessar com seu método a amplitude da expressão subjetiva do sujeito, a inferioriza e a desvalida. A criatividade como parte desta subjetividade é, portanto, entendida como avessa à postura unilateral do materialismo racionalista. Essa desqualificação caracteriza o que Jung (1931/1984d) chama de psicologia sem alma, o principal empecilho no estudo da criatividade e suas manifestações.
O presente estudo foi desenvolvido da seguinte forma: o segundo capítulo é dedicado ao estudo do conceito de criatividade na obra de Jung. O terceiro capítulo apresenta autores junguianos que dedicaram obras inteiras ao estudo do tema proposto. O quarto capítulo traz um panorama de contribuições teóricas de autores pós-junguianos, juntamente com uma revisão do conceito de criatividade em artigos selecionados dos principais jornais acadêmicos da psicologia analítica. No quinto capítulo os principais pontos de convergência dos conteúdos apresentados são analisados e discutidos. No sexto capítulo estão as considerações finais.
Objetivo: elucidar o conceito de criatividade na obra de Carl G. Jung e de autores pós-junguianos. Método: Este trabalho foi feito a partir da pesquisa e leitura documental. Foram feitas consultas bibliográficas de obras que tratam do tema da criatividade fora da perspectiva junguiana, buscando uma amplitude e uma
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contextualização da aplicação do termo. Examinaram-se alguns autores pós-junguianos que dedicaram parte de sua produção ao tema proposto, procurando tecer relações entre os distintos pontos de vista e conceitos apresentados. A pesquisa foi feita nas principais publicações em psicologia analítica: Junguiana , Cadernos Junguianos , Journal of Analytical Psychology , Psyche & Culture , Harverst Journal , Journal of Junguian Theory and Pratice e o Jung Journal. Destas revistas selecionaram-se os artigos considerados relevantes ao trabalho. Para a busca, as seguintes palavras chave foram utilizadas: criatividade, criação, criativo, fantasia e imaginação. Na leitura das Obras Completas de Carl G. Jung buscou-se identificar a ocorrência das mesmas palavras- chaves, assim como outros textos do autor e cartas que tratam de maneira indireta da noção de criatividade, a fim de completar seu entendimento sobre o conceito de criatividade.
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aos Estados Unidos da América para as conferências da Universidade de Clark em 1909 e foi eleito o primeiro presidente da Associação Internacional de Psicanálise no ano de 1910 (SHAMDASANI, 2010). Mas em 1912 suas divergências com Freud e o movimento psicanalítico encontraram o ápice com o lançamento de seu livro Símbolos e transformações da libido (1912). No ano de 1914 esta relação foi definitivamente encerrada. Neste mesmo ano Carl Jung renunciou à presidência da Associação Internacional de Psicanálise e se desligou do cargo de livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Zurique (GRINBERG, 2004; SHAMDASANI, 2010). Ainda em 1909 já havia se desligado do Burghölzli para se dedicar com mais empenho à prática clínica (SHAMDASANI, 2010). Como pode ser visto, no período entre 1909 e 1913 Carl Jung rompe quase todos seus vínculos profissionais (ELLENBERGER, 1970). A este período de sua vida soma-se o começo da primeira guerra mundial, em 1915, quando serviu temporariamente como médico. Em pouco mais de dez anos, Carl Jung deixou de ser um jovem médico para se tornar um dos psiquiatras mais conhecidos na Europa, tendo uma vida profissional e social bastante intensa, para logo depois se afastar profissionalmente disso tudo.
Ao final de 1912 Jung começou a ter experiências psicológicas que viriam a se intensificar após esse período conturbado. Desenvolvendo uma técnica para se relacionar com a série de imagens que experimentava, Jung produziu uma coleção de textos que dariam origem ao que ficou conhecido como o Livro Vermelho. Este livro é considerado pelo historiador Sonu Shamdasani uma obra tão fundamental da produção junguiana, que obriga toda a psicologia analítica a se reestruturar (SHAMDASANI, 2010).
Dos textos junguianos que abordam o conceito de criatividade e que serão estudados neste capítulo, três deles merecem maior destaque por tratarem o tema de maneira mais direta e profunda. O primeiro, ‘O problema dos tipos na arte poética: Prometeu e Epimeteu de Carl Spitteler’, está presente no livro Tipos psicológicos (JUNG, 1921/1991) e foi publicado em 1921. Este sexto volume das obras completas é particularmente interessante por ser o primeiro livro de Jung lançado após o período de isolamento de suas atividades profissionais, e também o fruto intelectual posterior à massiva produção criativa que deu origem ao Livro Vermelho. A obra marca um período de transição e afirmação de seu pensamento, apontando os caminhos de desenvolvimento de sua teoria. Seu contexto histórico por si só já é suficiente para torná-lo um atrativo, mas, além disso, revela-se uma grande contribuição ao campo da psicologia e é uma das obras mais eruditas escritas pelo autor, em que o tema da tipologia psicológica é apresentado, aprofundado e ampliado. Tipos psicológicos ocupa um lugar central na obra de Carl Jung.
Outros dois textos seguem cronologicamente a ordem de importância para a compreensão do conceito de criatividade. São eles a ‘Relação da psicologia
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analítica com a obra de arte poética’, de 1922, relativo a uma palestra dada na Sociedade de Literatura Alemã em Zurique, e ‘Psicologia e Poesia’, de 1930, provavelmente apresentado em uma conferência. Ambos estão presentes no décimo quinto volume das obras completas, livro em que Jung (1922/2009a) tratou com mais propriedade o tema da criatividade e se dedicou a traçar a relação existente entre psicologia analítica e o fenômeno artístico.
Há ainda escritos que, apesar de não serem específicos, são fundamentais para a compreensão do tema proposto, como ‘A função transcendente’, de 1916, ‘Psicologia Analítica e Cosmovisão’, de 1927 e ‘Determinantes psicológicos do comportamento humano’, de 1936. Ao longo do restante de sua obra é possível encontrar outros escritos que tratam do tema de maneira pontual, como prefácios, cartas e apontamentos, os quais serão explorados ao longo deste capítulo.
Em seu escrito sobre arte, de 1922, Jung (2009a) afirma compreender a criatividade como uma essência viva no sujeito, uma aspiração que cresce dentro do homem, se alimenta de sua alma e floresce. A partir desta afirmação o autor defende que a criatividade deve ser entendida como um complexo autônomo que, por ser alheio ao arbítrio da consciência, surge e desaparece conforme sua própria tendência. O impulso de criação que impera sobre a vontade do poeta é um “complexo criativo” (JUNG, 1922/2009a, §122) que, por atuar independente da vida psíquica, aparece ora como uma pequena perturbação da consciência, ora como uma força que toma e domina o ego. O autor sublinha que apesar da perturbação da consciência, esta aparição é uma função natural do homem, não uma característica patológica ou doentia.
No entanto, a arbitrariedade do impulso criativo que determina e influencia o indivíduo ocorre muitas vezes à custa de sua saúde e felicidade. Jung (1930/2009b) ressalta que o homem criador vive imerso em um conflito intenso entre as exigências da vida e as exigências da criação. Isso pode ser um indicativo do porquê de grandes artistas terem tido destinos tão frustrantes e muitas vezes trágicos em suas vidas. Segundo o autor, o investimento de grande parte da libido no processo criativo deixa pouca energia disponível para lidar de maneira saudável com esse conflito, impedindo muitas vezes a realização em outras áreas da vida.
A obra inédita na alma do artista é uma força da natureza que se impõe, ou com tirânica violência ou com aquela astúcia sutil da finalidade natural, sem se incomodar com o bem-estar pessoal do ser humano que é o veículo da criatividade (JUNG, 1922/2009a, §115).
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O autor apresenta, na conferência de 1930, os conceitos de criação psicológica e criação visionária, dois modos de criar que determinam a produção de uma obra criativa. Apesar dessas ideias já terem aparecido na palestra de 1922, aqui elas ganham nome e adquirem maior clareza conceitual. Na criação psicológica (1922/2009a, §139) o sujeito é idêntico ao processo criativo e se percebe verdadeiramente como autor daquilo que cria. Manifesta suas vivências de uma forma nova e sua produção é caracterizada por elementos da consciência humana, lembranças e paixões que capta e apresenta de maneira clara e humanizada. Esse modo de criação é psicológico porque se alimenta das experiências pessoais, daquilo que se encontra dentro dos limites do que é apreensível e assimilável, o que torna a criação condicionada ao seu tempo e sua época. Esse modo de criação é mais direto e evidente, havendo pouco a ser explorado pela psicologia. Aqui, o criador possui liberdade para escolher a melhor forma de se expressar, e sua criatividade é um material subordinado a sua vontade, um produto de sua determinação.
Jung (1930/2009b) considera que esta forma de criação encontra sua justificativa em uma atitude introvertida, em que o sujeito volta-se para suas intenções e finalidades, introvertendo a energia psíquica e se opondo às exigências do objeto. Apesar desta identificação, o autor questiona até onde esta convicção de liberdade no ato criativo não é uma ilusão do consciente que “acredita estar nadando mas na realidade está sendo levado por uma corrente invisível” (JUNG, 1930/2009b, §113). Afirma que há casos em que o sujeito criativo sofre demasiadamente se ocorrer uma interrupção do ato criativo, o que indica uma ação indireta do inconsciente sobre ele, um imperativo que exige a criação. Esta colocação demonstra a preocupação de Jung com as consequências de se rotular os modos de criação, pois ainda que o sujeito se sinta verdadeiramente autor, não se deve descartar a influência do inconsciente sobre esse modo de criação.
No modo de criação visionário, Jung (1930/2009b, §141) alega que a obra criativa se impõe trazendo sua própria forma e conteúdo. Aqui o sujeito não se identifica com a atividade criadora e tem consciência de que está subjugado a um impulso que lhe é estrangeiro, pois se sente submetido a uma vontade que não a dele. A sensação de estar lidando com aspectos psicológicos profundos, estranhos e intensos faz com que o sujeito seja ultrapassado em sua capacidade de compreensão, e sua criatividade seja exigida além de sua forma cotidiana. Seu inconsciente é inundado por imagens que lhe são intrigantes e incomuns, que jamais pensou em criar, revelando sua natureza mais íntima e desconhecida. A criação visionária é atemporal.
Jung (1930/2009b) considera este fenômeno fruto de uma atitude extrovertida em que o sujeito é invadido e subordinado às exigências do objeto externo a ele. A criação visionária é um pressentimento tão vigoroso que se apodera
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de todo o sujeito para alcançar sua expressão. Mas sua forma nunca abarca todo o conteúdo, que é insondável em sua totalidade, o que leva o artista a buscar as maneiras mais intensas de acessá-la, mesmo que continue conseguindo reproduzir apenas aproximadamente o que percebeu. A criação visionária costuma causar surpresa e desconforto e, ao contrário do modo psicológico, desafia o entendimento e impõe uma busca imediata pelo sentido.
Apesar dos dois modos tratarem o aspecto simbólico de maneiras distintas, ambos expressam símbolos que emergem do inconsciente. Por falar mais diretamente a uma sensibilidade estética e ser uma expressão mais acessível ao ego, o modo psicológico pode muitas vezes não ser percebido simbolicamente. Ainda assim, tal entendimento pode vir a ocorrer em outra época. Já o modo visionário é reconhecidamente simbólico, pois aparece como uma provocação ao entendimento, obrigando o ego a compreendê-lo.
A apreciação de Jung a respeito da diferença entre a estética e a busca pelo sentido está presente no texto ‘A função transcendente’, que guarda a curiosidade de ter sido escrito em 1916 – época em que estava profundamente envolvido com a produção do Livro Vermelho – mas publicado apenas em 1958. Nessa obra o autor trata, entre outros temas, da importância da fantasia para o processo clínico. Afirma que quando não há produções de fantasias deve-se recorrer a outros métodos para acessar o inconsciente, como a escrita automática e a pintura. Assinala que uma vez que esses elementos sejam expressos há duas formas de lidar com o material: o princípio de formulação criativa e o princípio de compreensão. No primeiro, o autor alega que há um predomínio da qualidade estética, enquanto que no segundo valoriza-se o sentido.
Jung (1916/1984a) afirma que os dois princípios são opostos e compensam um o outro, faltando à estética o entendimento de seu valor para o sujeito, e à compreensão a formulação estética para auxiliar na elaboração. Ressalta que os dois princípios sozinhos não contribuem para o desenvolvimento da personalidade, uma vez que “o desejo de criar alguma coisa apossa-se de seu objeto, à custa de seu significado, ou o desejo de entender se antecipa à necessidade de formular adequadamente o material produzido” (JUNG, 1916/1984a, §179). É o encontro entre essas duas formas que possibilita a função transcendente: em um funcionamento ideal, ambos atuam conjuntamente. Portanto, está defendendo que a função transcendente só pode ser alcançada quando o sujeito formular os conteúdos do inconsciente – expressá-los – e buscar o sentido desta formulação.
Com essa definição, Jung está apontando que a expressão criativa não garante ao sujeito uma compreensão simbólica do produto que criou, sendo considerada apenas esteticamente por ele. Da mesma forma, uma expressão criativa pode não ter nenhum valor estético para o sujeito e ainda assim fazer com que ele