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Criticamente o coronelismo no brasil, explorando as relações complexas entre o poder local e o poder nacional. Aborda a definição de coronelismo segundo victor nunes leal, as críticas de paul cammack e a defesa de amilcar martins filho, além de discutir as perspectivas de feudalismo e patrimonialismo. O documento destaca a interdependência entre o estado e os coronéis, questionando a visão tradicional de um poder absoluto dos coronéis.
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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As complexas relações entre poder local e poder nacional no Brasil não podem ser resolvidas apenas com pesquisas empíricas; é necessário também revisar conceitos fundamentais. Termos como mandonismo, coronelismo e clientelismo, além de patrimonialismo e feudalismo, frequentemente apresentam imprecisões e inconsistências em sua aplicação. Essa confusão conceitual impede avanços na análise histórica e política. No caso do coronelismo, o estudo pioneiro de Victor Nunes Leal (1948) define-o como um sistema político baseado em uma rede de barganhas entre coronéis, governos estaduais e o presidente da República. Esse sistema, historicamente datado à Primeira República (1889-1930), resultou da convergência do federalismo republicano e da decadência econômica dos fazendeiros. Enquanto o governo estadual fortalecia o poder local dos coronéis, estes ofereciam apoio político em troca. O coronelismo, porém, perdeu força com as mudanças estruturais do Estado Novo, sendo extinto simbolicamente em 1930. O mandonismo, por sua vez, refere-se a formas personalistas e oligárquicas de poder local baseadas no controle de recursos estratégicos, como a posse de terras. Este é um fenômeno que atravessa toda a história política brasileira, com tendência de declínio à medida que os direitos civis e políticos se universalizam. Para Leal, o coronelismo seria um momento específico do mandonismo, caracterizado pela dependência crescente dos coronéis em relação ao governo. Já o clientelismo, embora relacionado ao coronelismo, é mais amplo e dinâmico. Trata-se de trocas de favores políticos por apoio eleitoral, envolvendo tanto atores locais quanto instâncias governamentais. Ao contrário do coronelismo, o clientelismo pode ocorrer em contextos urbanos e continuar presente após o declínio do poder dos coronéis. Com o enfraquecimento do mandonismo e a fragmentação dos controles locais, as relações clientelísticas se ampliaram, passando a ocorrer diretamente entre governos e eleitores. Esses conceitos possuem trajetórias distintas: o coronelismo forma uma curva em sino, surgindo, crescendo e desaparecendo rapidamente; o mandonismo apresenta uma curva de queda contínua; e o clientelismo, embora flutuante, demonstra uma tendência de alta em períodos específicos. No entanto, a aplicação rigorosa desses conceitos ainda enfrenta desafios, especialmente no debate sobre suas características e abrangências.A crítica mais contundente, quase virulenta, foi feita por Paul Cammack (1979; 1982), e foi respondida com igual contundência por Amilcar Martins Filho (1984). Como bem observa este último, o principal alvo de Cammack é a interpretação clientelística da política brasileira durante a Primeira República, que ele, Cammack, identificaria com o coronelismo. Contra essa interpretação Cammack propõe retomar a visão tradicional de um sistema político dominado pelos proprietários rurais cujos interesses seriam representados pelo Estado. Já vimos que coronelismo e clientelismo não se confundem e por aí a crítica erra o alvo. Martins Filho limita- se em sua resposta a salvar a abordagem clientelística. Mas pode-se examinar o conteúdo da crítica naquilo que atinge o coronelismo como sistema. O ponto central, a meu ver, é a negação, por Cammack, da validade da idéia de compromisso baseada na troca dos votos controlados pelos coronéis pela delegação de poderes do governo. Cammack nega o poder dos coronéis de controlar os votos e também o valor do voto como mercadoria política. Quanto à capacidade de controle do voto, há consenso entre testemunhos da época e estudiosos de que ela existia.
Ela se dava, como vimos, até mesmo em contextos urbanos e depois da democratização de 1945. Quanto ao valor do voto como mercadoria, a crítica faz sentido, a votação pouco valia na época. Há amplas evidências sobre fraudes escandalosas que acompanhavam o processo eleitoral em todas as suas fases. O coronel podia controlar os votantes e manipular as atas eleitorais, mas quem definia a apuração dos votos e reconhecia os deputados era o próprio Congresso em acordo com o presidente da República. Esse foi o acordo negociado por Campos Sales com os governadores. A apuração final podia inverter o resultado das atas. Uma testemunha ocular do processo de reconhecimento na Câmara em 1909 observa: "Os reconhecimentos de Goiás, Rio de Janeiro e Distrito Federal só se farão quando os chefes chegarem a acordo. Para o caso as eleições nada estão valendo" (Vieira, 1980). Se aceita, a crítica quebra um dos pés do compromisso coronelista, qual seja, a dependência do governo em relação aos coronéis para a produção de votos. A crítica pode ser considerada válida se os coronéis forem tomados individualmente em sua relação com os governadores. Mesmo aí haveria exceções, pois certos coronéis, como os da Bahia, podiam enfrentar os governadores até no terreno militar. Mas mesmo sem recorrer a esses casos excepcionais, a idéia do compromisso coronelista pode ser mantida sem que se dê ao voto peso decisivo. Se os governadores podiam prescindir da colaboração dos coronéis tomados isoladamente, o mesmo não se dava quando considerados em conjunto. A estabilidade do sistema como um todo exigia que a maioria dos coronéis apoiasse o governo, embora essa maioria pudesse ser eventualmente trocada. As manipulações dos resultados eleitorais sempre beneficiavam um grupo em detrimento de outro e tinham um custo político. Se entravam em conflito com um número significativo de coronéis, os governadores se viam em posição difícil, se não insustentável. Basta mencionar os casos da Bahia, de Goiás, do Ceará e de Mato Grosso. Em todos eles, os governadores foram desafiados, humilhados e mesmo depostos. São também conhecidos os casos de duplicatas de assembléias estaduais, de bancadas federais e até mesmo de governadores. As duplicatas de assembléias eram no mínimo embaraçosas para os governadores e podiam preparar o caminho para a intervenção do governo federal, numa confirmação da natureza sistêmica do coronelismo. Muitas vezes, rebeliões de coronéis eram incentivadas pelo governo federal para favorecer oligarquias rivais nos estados.Um mínimo de estabilidade do sistema exigia algum tipo de entendimento com os coronéis, ou parte deles, sendo de importância secundária que a contrapartida do coronel se concretizasse exclusivamente em votos. Bastava o apoio tácito, a não rebelião. Se tudo dependesse do voto, seria de esperar uma luta maior por seu controle, com a conseqüência de que a participação eleitoral teria atingido proporções muito maiores do que os míseros 2% ou 3% da população. Com essa qualificação, a tese de Leal continua de pé.Outra crítica de Cammack tem a ver com o velho debate entre classe e following, travado pela primeira vez no Brasil entre Benno Galjart (1964;
seus mais ilustres representantes, mais tarde seguidos por Queiroz (Oliveira Vianna, 1920; Duarte, 1939; Queiroz, 1956/57)3. Essa tradição acentua o poder dos potentados rurais e suas parentelas diante do Estado desde o início da colonização. Os grandes proprietários são vistos como onipotentes dentro de seus latifúndios, onde, como disse um cronista, só precisavam importar ferro, sal, pólvora e chumbo. Durante a Colônia eram alheios, se não hostis, ao poder do governo. Após a Independência, passaram a controlar a política nacional, submetendo o Estado a seus desígnios. A formulação mais contundente da tese feudal está em Nestor Duarte. As capitanias hereditárias seriam, segundo este autor, instituições legitimamente feudais e o feudalismo teria dominado os três primeiros séculos da história nacional. Pouco teria mudado após a Independência, pois "o poder político se encerra nas mãos dos que detêm o poder econômico" (Duarte, 1939:181). A ordem privada, antagônica e hostil ao Estado como poder público, teria governado soberana durante todo o período imperial e ainda predominaria à época em que o livro foi escrito. Para ser tolerado pela ordem privada, o Estado, enquanto tal, omite-se e reduz suas tarefas à mera coleta de impostos. No resto, o Estado é privatizado e age em função dos interesses da classe proprietária. Vimos que Leal, apesar da interpretação de Martins e Cammack, nega explicitamente vinculação a essa corrente feudalista. Pode-se supor até mesmo, embora ele tenha negado a hipótese, que seu livro tenha sido uma resposta a Nestor Duarte. Leal não é nem feudalista, nem economicista, tampouco dicotômico em sua análise. O poder político não é reduzido ao poder econômico, o Estado e a ordem privada não se colocam como oposição inconciliável. Mas, mesmo não se aplicando a crítica a Leal, a observação de Martins Filho sobre o relacionamento inadequado dos conceitos de feudalismo e patrimonialismo aos de cooptação e representação se sustenta e merece comentários mais amplos. O debate é clássico na historiografia brasileira e pode-se dizer que as posições estão sendo apenas atualizadas e aperfeiçoadas na produção mais recente. Ao lado do" feudalista" Nestor Duarte, há o" patrimonialista" Raymundo Faoro, cuja tese inverte o argumento de Nestor Duarte. O Brasil seguiu a evolução de Portugal que desde o século XIV se havia livrado dos fracos traços de feudalismo e implantado um capitalismo de Estado de natureza patrimonial. Aos poucos formou- se um estamento burocrático, instrumento de domínio do rei que se tornou independente do próprio rei. A colonização foi empreendimento capitalista-mercantilista conduzido pelo rei e por esse estamento. O estamento, minoria dissociada da nação, é que domina, dele saindo a classe política, a elite que governa e separa governo e povo, Estado e nação. O capitalismo mercantilista monárquico, com seu estamento burocrático, bloqueou a evolução do capitalismo industrial em Portugal e no Brasil e, portanto, também a sociedade de classes e o Estado democrático-representativo (Faoro, 1958)4. Uma linha intermediária entre Duarte e Faoro é seguida por Fernando Uricoechea (1978). Partindo de sólida base weberiana, Uricoechea interpreta o Brasil imperial com o auxílio do tipo ideal de burocracia patrimonial. Os dois termos são em parte conflitantes, desde que burocracia é tomada no sentido weberiano de racionalização e modernização da máquina do Estado, enquanto o patrimonial tem a ver com uma forma de dominação tradicional ligada à expansão do poder pessoal do monarca. É exatamente no conflito dialético entre os dois fenômenos que o autor vê a natureza da política brasileira desde a Colônia: um misto de crescente burocratização e de decrescente prebendalização ou patrimonialismo. Estado e senhoriato estabeleceram relação
dinâmica de complementação e antagonismo. O Estado português, e depois o brasileiro, não possuíam recursos humanos e materiais suficientes para administrar a Colônia e, posteriormente, o país independente. Fazia-se necessário o recurso ao poder privado na forma de serviços litúrgicos, cujo exemplo principal foi a Guarda Nacional. Por seu lado, o senhoriato não conseguiu desenvolver formas de solidariedade corporativa capazes de possibilitar o enfrentamento do monarca, enquanto a economia escravista não lhes permitia a consolidação estamental que caracterizou o feudalismo ocidental. A idéia de compromisso foge ao dualismo de Faoro e também ao reducionismo de Nestor Duarte, aproximando-se da abordagem de Leal.
O texto aborda questões centrais da historiografia brasileira e debates teóricos sobre o coronelismo, destacando críticas e contrapontos entre os autores mencionados. Abaixo, apresento uma análise das principais abordagens, seguida de uma comparação crítica entre elas.
Definição de Coronelismo: Segundo Nunes Leal, o coronelismo é um sistema político baseado em um compromisso entre os coronéis (grandes proprietários rurais) e os governos estaduais e federal. Em troca do apoio político (e, especialmente, eleitoral) dos coronéis, o governo lhes concede controle sobre cargos públicos e outros privilégios. Crítica ao Feudalismo: Leal rejeita explicitamente a vinculação do coronelismo a uma estrutura feudal. Para ele, o poder dos coronéis não é absoluto ou isolado do Estado, mas inserido em uma relação dinâmica de interdependência. Evolução e Decadência: O coronelismo surge como uma resposta à decadência econômica dos coronéis. Esses líderes locais dependem cada vez mais do apoio do governo para manter sua posição dominante.
Questionamento do Controle do Voto: Cammack argumenta que o controle direto dos votos pelos coronéis era limitado e que, em muitos casos, o resultado eleitoral era manipulado pelas elites no Congresso, em articulação com o presidente e governadores. Conclusão: O voto como "mercadoria política" teria pouco valor prático.
Autor Conceito Central Pontos de Destaque Nunes Leal Compromisso Coronelista Foco na troca política entre coronéis e o governo, rejeitando a visão feudalista. Paul Cammack Crítica ao Compromisso Coronelista Questiona o poder dos coronéis sobre o voto e o valor do voto no sistema político. Amilcar Martins Filho Defesa do Clientelismo Reforça que o apoio político dos coronéis, mesmo sem controle total do voto, era fundamental. Nestor Duarte Feudalismo Enfatiza o poder absoluto dos proprietários rurais e sua hostilidade ao Estado. Raymundo Faoro Patrimonialismo O poder reside no estamento burocrático estatal, e não nos coronéis ou grandes proprietários. Fernando Uricoechea Relação Dialética entre Patrimonialismo e Burocratização Abordagem híbrida que reconhece a interdependência entre o Estado e o poder privado.
Forças e Limitações das Abordagens: Leal: Oferece um modelo mais dinâmico e menos reducionista, mas pode superestimar o papel político dos coronéis na era da fraude eleitoral. Cammack: Faz críticas válidas sobre o controle do voto, mas ignora a importância de outras formas de apoio político dos coronéis. Faoro e Duarte: Representam extremos teóricos, com um foco exclusivo no Estado (Faoro) ou nos coronéis (Duarte), deixando de considerar a interação entre os dois. Importância da Abordagem Híbrida: A visão de Uricoechea e Leal, que considera a interdependência entre Estado e senhoriato, é mais adequada para entender a complexidade do coronelismo como sistema político e econômico.
CAMMACK, Paul. Clientelism and the State in the Modern World. Cambridge University Press,
CAMMACK, Paul. A Critical Examination of Brazilian Politics in the First Republic. Latin American Perspectives, 1982. CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O Longo Caminho. Civilização Brasileira, 1980. DELLA CAVA, Ralph. Miracle at Juazeiro. Columbia University Press, 1970. DUARTE, Nestor. A Ordem Privada e a Organização Política Nacional. Companhia Editora Nacional, 1939. FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político Brasileiro. Globo, 1958. GALJART, Benno. Social Structure and Political Participation in Rural Brazil. Sociological Studies,
HUIZER, Guerrit. Leadership and Power in Brazilian Rural Communities. Latin American Research Review, 1965.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: O Município e o Regime Representativo no Brasil. Editora Forense, 1948. MONTEIRO, Augusto. O Cangaço e a Formação Política do Nordeste. Livraria José Olympio Editora, 1974. QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O Mandonismo Local na Vida Política Brasileira. Difel, 1977. URICOECHEA, Fernando. O Estado Patrimonial e a Política no Brasil. Editora Brasiliense, 1978. VIEIRA, David Gueiros. A Crise do Poder Local na Primeira República. Revista Brasileira de História, 1980.