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– Artigo;. BMJ – Boletim do Ministério da Justiça;. CC – Código Civil;. CCom. – Código Comercial;. CCP – Código de Contratos Públicos;. CE – Comunidade Europeia ...
Tipologia: Notas de aula
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DEFEITO OCULTO
Dissertação de Mestrado em Direito: Especialidade em Ciências Jurídico-Forenses
Janeiro/
CONTRATO DE EMPREITADA:
CONTRACT OF WORK:
Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Especialização em Ciências jurídico-forenses, orientado pelo Sr. Prof. Dr. Fernando Licínio Lopes Martins
Coimbra, 2017
The aim of this dissertation is to show the work contract in public and private sectors, directed to the faulty matters, specifically about the issue of the hidden defaults.
In the first part and with a theoretical guidance through researches of book documents, opinion articles, dissertations, jurisprudence and doctrine, the thesis will start by approaching the basic concepts of fault, errors and omissions. Afterwards, the concept and description of the work contract is presented, in a more developed way,
The dissertation then analyses two of the existing schemes in Portugal, particularly through the study of the Civil Code (Código Civil) and the Public Contracts Code (Código dos Contratos Públicos), emphasizing the responsibility of the contractor, as a contractual piece.
The analysis of these two schemes will be essentially based on a precise and objective exposition, comparing both of them, in order to present the advantages and disadvantages of each, considering the rights and guarantees of the construction owner in case of a default in the construction site.
Lastly and as a result of the investigation, there will be an approach related to the fault hidden itself, unfortunately this fault is very frequent on a daily basis in Portuguese construction sites.
At last I'll present very briefly the development of the hidden fault to show the rise of this fault in Portugal as well as its concept and characteristics, distinguishing it from other types of potential faults on both private and public sector.
Still regarding the hidden fault I shall talk about the humidity as an example of a hidden fault since it is very frequent nowadays.
KEYWORDS: Contract of work. Public law. Private law. Defective performance. Hidden defect.
Ac. – Acódão; Art. – Artigo; BMJ – Boletim do Ministério da Justiça; CC – Código Civil; CCom. – Código Comercial; CCP – Código de Contratos Públicos; CE – Comunidade Europeia; DC – Diretiva Comunitária; DL – Decreto-Lei; Ex. – Exemplo; L – Lei; IMOPPI - Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário; Nº - Número; RJEOP – Regime Jurídico e Estatuto das Obras Públicas; RJIPAC - Regime de Ingresso e Permanência na Atividade da Construção; RJUE – Regime Jurídico de Urbanização e Edificação; P. – página; SS. – seguintes; STJ – Supremo Tribunal de Justiça; TDC – Tratado de Direito Civil; TUE – Tratado da União Europeia; Vol. – Volume.
1. Introdução
No contrato de empreitada, a parte contratual que assume a posição de dono da obra, deve receber a obra sem defeitos e em conformidade com o convencionado.
É por tal certeza, que me resulta pertinente aqui abordar o cumprimento defeituoso no contrato de empreitada, tanto no sector privado como no sector público.
Tratando-se de uma sensível temática, que suscita permanentes interrogações e é frequentemente objeto de litígios, tenciono, através do paralelismo entre os dois regimes possíveis neste tipo de contrato, evidenciar as principais diferenças no âmbito de empreitada de obras públicas face à empreitada de obras privadas, principalmente no que respeita a garantia do defeito e do defeito oculto.
É uma problemática, enquadrada na realidade urbana atual, de construção de imóveis de longa duração, tanto em Portugal como no resto do Mundo, que se ajusta diariamente à necessidade imobiliária da população; visto que a empreitada tem grande relevo no comércio jurídico.
Pretendo, assim analisar até que ponto o dono da obra tem os seus direitos assegurados e quais os deveres que o empreiteiro tem de cumprir caso exista defeito.
Para isso, socorrer-me-ei essencialmente de pesquisa documental, composta por livros, artigos de opinião, dissertações, jurisprudência e doutrina, de maneira a ter uma investigação mais abrangente possível, de modo a puder fazer uma clara e objetiva exposição da problemática em questão.
Numa primeira fase farei uma breve distinção entre defeito, erro e omissões suscetíveis de existir num contrato de empreitada, e num segundo momento, procederei à definição do contrato de empreitada, em si, devidamente caraterizado e decomposto nos seus elementos essenciais.
Posteriormente passarei para a análise do regime do contrato de empreitada de obras públicas e do regime de contrato de empreitada de obras privadas, respetiva legislação complementar, e ainda por uma breve alusão ao contrato de subempreitada e ao contrato de empreitada de consumo.
Por fim, culminarei na problemática da garantia de obra defeituosa e da responsabilidade do empreiteiro, dando especial importância ao defeito oculto.
em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço” , tendo como elementos essenciais os sujeitos, a realização de uma obra e o pagamento do preço, no qual os dois últimos consistem nas duas obrigações principais^2. Perante a realização de uma obra, pode-se dizer que é constituída não só pela construção ou criação da obra, mas também pela reparação, modificação ou demolição de uma obra, mediante uma contrapartida^3 , caso contrário, não estaríamos perante um contrato de prestação de serviços oneroso, mas sim gratuito. Este tipo de contrato é caraterizado por ser um contrato nominado e típico, uma vez que se encontra mencionado pela lei e possui um regime próprio (nos arts.1207.º a 1230.º do CC, e em legislação avulsa, como é o caso do DL n.º12/2004, de 09 de janeiro, com a redação que lhe foi dada pelo DL n.º18/2008, de 29 de janeiro, e respetivas portarias e, ainda, o DL n.º6/2004, de 6 de janeiro), baseando-se no princípio da boa-fé e na consensualidade. Assim, para este contrato existir, basta um mero acordo das partes, sem qualquer obrigatoriedade de forma especial, a não ser em casos especiais previstos por lei, como o contrato de empreitada de obras públicas (art.94.º CCP) e o contrato de construção de navios (Art.12.º do DL n.º201/98, de 10 de julho). Pode ser visto também como um contrato obrigacional, no qual uma das partes obriga-se a realizar a obra (empreiteiro) e a outra a pagar o preço da obra (dono da obra). Porém, se o empreiteiro for simultaneamente o dono da obra, estamos perante um contrato real quoad efectum (arts.1212.º, n.º 1, e 408.º, n.º 2, do CC). É um contrato oneroso, uma vez que exige um esforço monetário por ambas as partes (o empreiteiro sacrifica o valor do seu trabalho e dos materiais que fornece e o comitente o pagamento do preço da obra), e sinalagmático, por ser possuidor de um especial vínculo entre as prestações e as contraprestações das partes, fazendo surgir obrigações recíprocas. Ainda quanto à qualificação do contrato de empreitada, podemos vê-lo como um contrato instantâneo ou permanente, dependendo da doutrina defendida. Na empreitada existe uma série de prestações duradouras, que se prolongam no tempo assemelhando-se a contratos com prestações permanentes. Contudo, estas prestações, na nossa perspetiva, não reiteram no tempo, não podendo assim este contrato ser visto como um contrato permanente,
(^2) Ac. do Tribunal da Relação de 11 de março de 2008, com o processo n.º4/04.4TBVNO.C2. Ac. do STJ de 4 de fevereiro de 2010, com o processo n.º4913/05.5TBNG.P1.S1. 3 Ac. do STJ, de 8 de maio de 2012, com o processo n.º104/2002.L1.S1.
outrossim seria um contrato instantâneo. Esta posição vai de encontro à posição defendida por CURA MARIANO^4 , ROMANO MARTINES E MENEZES LEITÃO. MARIANO, diz que a realização da obra prolonga-se no tempo e pode ser fracionada ou contínua, conforme o acordado pelas partes, todavia este contrato não pode ser visto como um contrato duradouro ou permanente. ROMANO MARTINEZ^5 , defende que não se pode considerar a empreitada como um verdadeiro contrato de execução continuada, uma vez que a prestação só será efetuada no final, no momento da entrega da obra ao dono. E MENEZES LEITÃO^6 , entende o contrato de empreitada como sendo um contrato de execução instantânea, apesar da execução da obra poder prolongar-se no tempo, pois o importante aqui é a entrega da obra e não o tempo que demorou a ser executada. Para além disso, o contrato de empreitada não pode ser confundido com o contrato de compra e venda^7 , pois é distinto e completamente independente em relação a esse, apesar de muitas vezes ser difícil distingui-lo, quando exista fornecimento de materiais pelo empreiteiro e, sobretudo, quando o valor dos materiais excede o valor do trabalho do mesmo. Segundo o nosso direito^8 , o fornecimento de materiais não altera a natureza do contrato, como é comprovado pelos artigos 1210.º e 1211.º do CC. No entanto, existem autores que discordam, como é o caso de GAIO, defensor da existência de um contrato de compra e venda quando o fornecimento de materiais para a parte principal da obra for superior aos trabalhos executados pelo empreiteiro. Outros autores, porém, defendem que basta o mero fornecimento de materiais por parte do empreiteiro para estarmos perante um contrato de compra e venda. Isto porque, nenhuma empreitada ocorre sem que haja o fornecimento por parte de quem ordenou a obra. Logo, se o dono da obra apenas pagou o valor da obra, estamos perante uma compra e venda, ou melhor dizendo, o contrato de empreitada é composto pelo trabalho da contraparte, já a compra e venda é composta pela alienação duma coisa já existente. Ou, ainda, a existência de um contrato misto, composto pelo regime do contrato de empreitada e de compra e venda, aplicando-se assim as regras de ambos, tendo em conta o caso concreto.
(^4) MARIANO, João Cura. Responsabilidade Contratual…, p.39. (^5) MARTINEZ, Pedro Romano. Contrato de Empreitada , Coimbra: Almedina, 1994, p. 67 ss. (^6) MENEZES LEITÃO. Direito das Obrigações , Coimbra, Almedina, 2015, p. 517. (^7) Ac.do STJ, de 22 do setembro de 2005, com o processo n.º04B956. (^8) GONÇALVES, Luiz Cunha. Tratado do …p.414.
com o dono da obra, mas por contratos distintos – art.513.º do CC - não havendo, assim, uma situação de facto de pluralidade de sujeitos, uma vez que se vinculam por diferentes negócios jurídicos) e de único contrato (os vários empreiteiros estão vinculados ao mesmo negócio jurídico em relação à execução da mesma obra), visto que apenas o último é a única situação real de pluralidade de sujeitos. Mas atenção, este tipo de pluralidade não pode ser confundido com a empreitada, com permissão de subcontratação^9 , consistente na conjugação de trabalho de partes, em relações jurídicas diferentes, retirando vantagens do negócio jurídico que estão a realizar, com vista à realização da obra da melhor maneira e com as devidas especializações profissionais.
3.1. Empreiteiro
O profissional de construção, denominado pelo termo de empreiteiro^10 , em Portugal e em mais nenhuma outra língua, pode ser uma pessoa coletiva ou uma pessoa singular, dono ou não de uma organização empresarial. É possuidor de direitos correspondentes aos deveres do dono da obra, sendo assim detentor de liberdade de atuação, credor da prestação do preço (e do direito de retenção sobre as coisas criadas e modificadas como garantia do pagamento do preço, caso o dono da obra não cumpra com a sua obrigação) e possíveis indemnizações derivadas de incumprimento de deveres de colaboração ou outros deveres acessórios. Mas, como toda a relação contratual bilateral, o empreiteiro não possui apenas direitos, também possui uma série de deveres que devem ser cumpridos pontualmente. Contudo, a existência destes deveres não pode levar a que este contrato seja identificado como sendo um contrato de trabalho em que uma das partes executa os seus deveres sob as ordens da contraparte, já que no contrato de empreitada não existe qualquer relação de subordinação em relação ao comitente.
(^9) A subempreitada, definida no art.1213.º, n.º 1, do CC, é um contrato que só existe quando haja um outro precedente e consiste no recurso a outros empreiteiros, para levar a cabo a obra que se comprometeu a executar, mas nunca perdendo a relação existente com o dono da obra. Esta empreitada da empreitada, onde o primeiro empreiteiro contrata outro empreiteiro, apesar de ser dois contratos distintos, visam o mesmo fim económico- financeiro que é a satisfação do dono da obra desse modo é normal que tenham referência às normas do contrato base. É resultado de uma união de contratos unilaterais, funcional e necessário devido a falta de capacidade do empreiteiro em construir a obra em que se depara. 10 SERRA, Adriano Paes da Silva Vaz. Empreitada …p.6 e ss.
Neste sentido, o empreiteiro compromete-se a obter determinado resultado, apesar do dono da obra ter direito de fiscalização da mesma. No entanto, este direito não coloca em causa a sua autonomia e independência, uma vez que é apenas um direito de verificação, de modo a que não ocorram vícios ou desconformidades na obra. Esta autonomia pode ser alargada ou reduzida mediante acordo das partes. Todavia, traz, por sua vez, riscos, tais como a responsabilização pelos defeitos da obra que possam existir ou virem a existir, e maior responsabilidade quanto maior for a autonomia técnica (e, portanto, menor a fiscalização). No respeitante às obrigações propriamente ditas, temos a realização de certa obra^11 e a sua respetiva entrega como principais deveres a ter em conta, para alcançar certo resultado (arts.1207.º do CC e 343.º do CCP), realizado pontualmente^12 e de acordo com o princípio da boa-fé, sem qualquer vício que exclua ou reduza a sua aptidão para o uso ordinário e em conformidade com o que foi acordado. Para além disso, o empreiteiro é possuidor de deveres laterais e acessórios. Os primeiros conduzem ao fornecimento de matérias e utensílios^13 necessários à realização da obra (arts.1210.º, n.º 1, do CC e 349.º do CCP), interpretada de forma ampla, de modo a abranger todas as matérias-primas, meios utilizados e a construção do próprio estaleiro, tendo uma qualidade não inferior à média correspondente (arts.1210.º, n.º 2, do CC)^14. Caso contrário, a obra será considerada defeituosa, independentemente da existência de qualquer vício específico. Mas, caso o empreiteiro forneça bens superiores à qualidade normal ou ao acordado, nada pode ele exigir a mais, em relação ao preço da obra (art.1214.º e ss do CC). Os segundos, correspondem ao dever de cumprir todas as normas públicas que vinculam o conteúdo do contrato, devendo atuar em conformidade com as normas técnicas, as regras públicas da construção, os regulamentos urbanísticos e outras normas administrativas, nunca esquecendo da sua obrigação de cuidado, esclarecimento e de conselho que resultam da sua condição técnica, tendo assim de explicar e esclarecer ao dono da obra realizada. E, ainda, a obrigação de guarda e conservação da coisa nos mesmos termos
(^11) A obrigação do empreiteiro é uma obrigação de facere, uma vez que se realiza através do desenvolvimento de uma atividade que se distingue do vendedor, cuja obrigação é a de entregar a coisa a outra parte de forma a transmitir a propriedade (artigo 879.º do CC). MARIANO, João Cura. 12 Responsabilidade…pp. 37 a 52. 13 Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de outubro de 2005, com o processo n.º 1847/05. 14 SERRA, Adriano Paes da Silva Vaz.^ Empreitada… pp. 64 e 65. Caso não existam materiais de qualidade normal e só restando a possibilidade de empregar materiais de qualidade inferior, o empreiteiro deve informar o dono da obra sobre tais factos, mas mesmo que concorde com a aplicação dos mesmo na obra, não devem de ser utilizados porque podem por em causa a ordem pública e levar a lesões.
O comitente é possuidor, tal como a outra parte, de direitos e deveres. Um desses direitos, e o principal, é a obtenção de um resultado no prazo acordado e dentro do clausulado, de acordo com o princípio da boa-fé, sem qualquer vício ou falta de qualidade. Outro dos direitos existentes do dono da obra, é o direito de fiscalização da execução da obra, por si mesmo ou por um terceiro contratado e pago por aquele, para que possa averiguar se a obra está a ser executada de acordo com o convencionado, evitando possíveis vícios. Porém, este direito à fiscalização tem as suas limitações. A fiscalização não pode ser realizada com o fim de perturbar o andamento normal da empreitada, podendo até o empreiteiro opôr-se à excessiva intromissão por parte do comitente e dar lugar ao direito à revisão do preço e/ou prorrogação do prazo de execução, ou, então, restringir este mesmo direito atempadamente, de forma a proteger os segredos técnicos de produção do empreiteiro. Estes direitod do dono da obra, nunca podem ser afastados totalmente, pois estão consagrados numa norma imperativa, a do art.1209.º do CC. Inversamente, no regime de empreitada de obras públicas, o direito de fiscalização não é executado pelo próprio, mas sim por um terceiro - pelo diretor de fiscalização da obra (arts.16.º e 17.º da Lei n.º31/2009, de 3 de julho), de acordo em o princípio geral da permanência e o princípio da competência de poderes, visto que as suas funções são permanentes e é detentor de todos os poderes atribuídos ao dono da obra, à exceção dos poderes unilaterais de modificação do contrato, (arts.311.º a 315.º do CCP), de resolução e revogação do contrato, (arts.330.º, 331.º, 333.º, 334.º e 335.º do CCP), bem como do poder de aplicar sanções, (arts.329.º e 403.º do CCP), que são poderes exclusivos do dono da obra. Ainda em relação à fiscalização, há que ter bem firme a ideia de que o exercício deste direito não exclui qualquer responsabilidade do empreiteiro por possíveis danos que possam existir ou vir a existir. No entanto, nas situações em que o comitente se apercebe da existência de defeitos, mas nada diz e, posteriormente, faz-se valer dessa situação, pode recair sobre o mesmo a responsabilidade de indemnizar o empreiteiro por danos que possa ter causado, dada a circuntância de não os ter indicado prontamente, pois nos casos em que o dono da obra, através da fiscalização, apercebe-se do defeito deverá informar imediatamente o empreiteiro. Mas, sendo uma obra privada, não pode exigir que esse defeito seja reparado imediatamente, ao contrário do que acontece nas obras públicas, onde há possibilidade de exigir a reparação num prazo razoável (arts.200.º, n.º 1, do REOP e 396.ª, n.º 1, do CCP).
Não menos importante, apesar de só se encontrar referido no artigo 1224.º, n.º 1, do CC, temos o direito de recusa^15 da obra, que é visto como um dos primeiros direitos atribuídos a esta parte contratual, correspondente à possibilidade do comitente, perante uma apresentação da obra, recusar a mesma por não se encontrar de acordo com os moldes do disposto no artigo 1208.º do CC, tendo como efeito o bloqueamento da transferência de propriedade, se essa mesma transferência depender da aceitação do comitente. Quanto aos deveres do dono da obra, temos como primordial o pagamento do preço, correspondente ao valor monetário equivalente à obra realizada, ou seja, ao cumprimento do dever principal do empreiteiro. Além deste dever, existe o dever de colaboração necessária, de verificação, comunicação e aceitação da obra, que recai sobre o comitente. A colaboração necessária que, de certa forma, não é uma obrigação propriamente dita, mas sim um dever do credor para com o devedor (através da aplicação analógica do art.813.º do CC), ocorre nos casos em que a outra parte contratual necessita da colaboração do comitente para a execução do trabalho do empreiteiro, como o fornecimento do terreno, plano, materiais, utensílios e autorizações que só ele pode dar. Na falta de colaboração, o empreiteiro poderá invocar a exceção de não cumprimento, pedir uma indemnização ou usar a condição resolutiva tácita, nos termos do art.801.º, n.º 2, do CC, e, ainda, pedir um aumento do prazo para executar a obra devido à mora do dono da obra^16. Por outro lado, o dever de verificação imposto pelo artigo 1218.º, n.º 1, do CC, é aplicável com este termo apenas às empreitadas de obras privadas (para as empreitadas públicas, o dever em causa é o de vistoria) e consiste numa verificação antes da aceitação da outra pelo dono da obra ou perito contratado, de modo a saber se a mesma se encontra em consonância com as condições acordadas e sem qualquer vício aparente. Só depois de ter efetuado a verificação^17 é que deve comunicar^18 ao empreiteiro, em qualquer forma de declaração, os resultados da mesma. Sendo um resultado negativo, o empreiteiro deverá proceder à eliminação de
(^15) Contrapõe-se ao dever de aceitação da obra, por parte do comitente. ALBUQUERQUE, Pedro de e RAIMUNDO, Miguel Assis. 16 Direito das obrigações …pp. 410 e 411. 17 Nestas situações podemos dizer que estamos perante uma^ mora accipiendi^ –^ art.813.º e ss CC. Onde as despesas ficam a cargo do empreiteiro, exceto quando o dono da obra se socorre de um perito, deverá comunicar os resultados dessa verificação da obra ao empreiteiro (art.1218.º, n.º 4, do CC). 18 É vista como um ato jurídico (art.295.º do CC) que deve ser feito dentro de um prazo razoável, na qual a sua inexistência leva a uma aceitação sem reservas (art.1218.º, n.º 5, do CC).
4. Contrato de empreitada de Direito Público e de Direito Privado
O ius publicum é o ramo do direito respeitante às normas jurídicas de natureza pública, onde o Estado é parte na negociação, vinculando assim o interesse público e o princípio da legalidade administrativa. Diversamente, o ius privatum correspondente ao ramo do direito regulado por normas jurídicas de relações entre cidadãos comuns, é caraterizado por não privilegiar o poder político, prevalecendo as situações de igualdade e ausência “supremacia” por parte de um lado contratual, relativamente ao outro, como acontece no anterior direito. Com a 2ª Guerra Mundial e a transição dem modelo de Estado de Direito Liberal, para um outro de, Estado de Direito Social^22 surgiu uma aproximação e complementaridade entre a esfera pública e a esfera privada, verificando-se uma privatização do espaço público e uma integração entre a Sociedade e o Estado, de tal modo que foi-se criando uma influência mútua entre, o ius publicum e o ius privatum , tornando o direito contratual privado num sistema aberto. Porém, não nos podemos esquecer da aproximação entre o Direito Público e o Direito Privado. Não há eliminação das diferenças entre eles, e o exemplo claro disso mesmo são os regimes do contrato de empreitada no sector público e privado, possuidores de grandes diferenças a nível de regime, tanto na fase de formação do contrato, como na fase de execução contratual, pois que as empreitadas de Direito Público moldam-se a volta de um interesse público, enquanto que, nas empreitadas de Direito Privado, o contrato submete-se ao interesse do dono da obra. Para além disso, através da legislação existente em Portugal é observável a existência de um favoritismo no ramo do direito de construção^23 pela empreitada de obras públicas, uma vez que, independentemente do tipo de construção, há uma maior relevância pelos interesses públicos, tais como a saúde pública, estética, sanidade, ordem e outros fatores mais, deixando em segundo plano a relação entre o dono da obra e o empreiteiro existente na empreitada privada. Contrariamente, no Brasil, Bélgica e Luxemburgo, todos os problemas relativos a empreitadas públicas são resolvidos pelos tribunais judiciais, sobrepondo-se de certa forma
(^22) AMARAL, Diogo Freitas. Manuel… pp.77 e ss. (^23) GONÇALVES, Pedro. Entidade Privadas… pp.140 e ss.
ao Direito Privado, apesar de não haver qualquer jurisdição especial. Já em Itália, existe uma divisão semelhante à existente no nosso país, onde os Tribunais Administrativos resolvem os problemas existentes em contratos de empreitadas públicas e os Tribunais comuns a resolver os casos de contratos de empreitadas privadas. Em relação ao regime a ter em conta neste tipo de contrato, temos no Código Civil (CC) o regime geral do contrato de empreitada, nos seus arts.1207.º a 1230.º, e no Código dos Contratos Públicos (CCP) o regime especial, disposto nos seus arts.343.º a 406.º, aplicável aos respetivos contratos de empreitada de obras privadas e aos contratos de empreitada de obras públicas. Apesar do regime previsto no CCP correspondente à empreita pública^24 , é possível verificar que muitas das disposições previstas no regime substantivo aplicáveis a este tipo de contrato podem revelar-se adequadas a concretizar ou densificar, as correspondentes disposições estabelecidas na lei civil ou no título contratual referentes à empreitada de obra particular, até porque poderão conduzir, muitas vezes, ao resultado que seria alcançado pelo intérprete, com recurso ao critério da equidade.
4.1. Empreitada de obras públicas
Com o Decreto de 1906, o contrato de empreitada deixou de ser regulado apenas pelas cláusulas e condições gerais de empreitada e instruções, passando a consagrar novos instrumentos de arrematação, adjudicação, celebração e execução de obras públicas, tendo sido ao longo dos anos complementado por outros diplomas. O Direito Administrativo^25 influenciava de tal forma os contratos entre um contraente público e os particulares que era normal qualificar a empreitada de obras públicas como um verdadeiro contrato administrativo (art.815.º, n.º 2, do Código Administrativo de 1940). Mas, devido à evolução industrial, à inadaptação legislativa e a outras razões como a dispersão do regime jurídico em inúmeras legislações avulsas, o Ministro das Obras
(^24) Os artigos 373.º, 394.º, 397.º e 381.º do CPP são exemplos de regras aplicadas às obras privadas devido as lacunas do seu regime. 25 AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administra… pp.130 e ss.