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Análise dos Direitos Políticos e Civis das Mulheres no Brasil: Avanços e Desafios, Notas de aula de Direitos Humanos

Uma análise histórica dos direitos políticos e civis das mulheres no brasil, abordando a participação política das mulheres na esfera pública estatal, os direitos civis das mulheres sob a luz dos parâmetros constitucionais e as inovações introduzidas pelo novo código civil. Além disso, destaca o papel do movimento de mulheres na defesa dos direitos humanos das mulheres, especialmente na obtenção de conquistas no âmbito constitucional.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Salamaleque
Salamaleque 🇧🇷

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IGUALDADE DE GÊNERO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL:
OS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS DAS MULHERES NO BRASIL
Flávia Piovesan*
1. Introdução
Objetiva este artigo enfocar os direitos civis e políticos das mulheres no Brasil, no
marco da igualdade de gênero contemplada pela Constituição de 1988.
Inicialmente, será examinado o marco jurídico constitucional e internacional
relativamente à proteção destes direitos, com destaque à Constituição Federal de 1988 e aos
tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil.
Em um segundo momento, será desenvolvida a análise dos direitos políticos das
mulheres, avaliando a participação política das mulheres na esfera pública estatal,
notadamente nos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como em demais espaços
de participação política.
Em um terceiro momento, transita-se ao estudo dos direitos civis das mulheres, à luz
dos parâmetros constitucionais e das inovações introduzidas pelo novo Código Civil
(Lei 10.406/02).
Finalmente, serão lançados os avanços, os obstáculos e os desafios para a
implementação dos direitos civis e políticos das mulheres brasileiras, capaz de assegurar o
exercício de sua cidadania civil e política, nos espaços público e privado, em sua plenitude e
com inteira dignidade.
2. A Proteção dos Direitos Civis e Políticos das Mulheres no Brasil: Marco Jurídico
Constitucional e Internacional
A Constituição Federal de 1988 simboliza o marco jurídico da transição democrática e
da institucionalização dos direitos humanos no País. O texto constitucional demarca a ruptura
com o regime autoritário militar instalado em 1964, refletindo o consenso democrático “pós-
* FLÁVIA PIOVESAN é Doutora em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC/SP). É Professora da Faculdade de Direito da PUC/SP, Professora de Direitos Humanos na Pós
Graduação da PUC/SP e da PUC/PR e Professora do Programa de Doutorado em Direitos Humanos e
Desenvolvimento da Universidade Pablo de Olavide (Sevilha, Espanha).
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IGUALDADE DE GÊNERO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

OS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS DAS MULHERES NO BRASIL

Flávia Piovesan*

1. Introdução

Objetiva este artigo enfocar os direitos civis e políticos das mulheres no Brasil, no marco da igualdade de gênero contemplada pela Constituição de 1988. Inicialmente, será examinado o marco jurídico constitucional e internacional relativamente à proteção destes direitos, com destaque à Constituição Federal de 1988 e aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil. Em um segundo momento, será desenvolvida a análise dos direitos políticos das mulheres, avaliando a participação política das mulheres na esfera pública estatal, notadamente nos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como em demais espaços de participação política. Em um terceiro momento, transita-se ao estudo dos direitos civis das mulheres, à luz dos parâmetros constitucionais e das inovações introduzidas pelo novo Código Civil (Lei 10.406/02). Finalmente, serão lançados os avanços, os obstáculos e os desafios para a implementação dos direitos civis e políticos das mulheres brasileiras, capaz de assegurar o exercício de sua cidadania civil e política, nos espaços público e privado, em sua plenitude e com inteira dignidade.

2. A Proteção dos Direitos Civis e Políticos das Mulheres no Brasil: Marco Jurídico Constitucional e Internacional A Constituição Federal de 1988 simboliza o marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos no País. O texto constitucional demarca a ruptura com o regime autoritário militar instalado em 1964, refletindo o consenso democrático “pós-

  • (^) F LÁVIA PIOVESAN é Doutora em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). É Professora da Faculdade de Direito da PUC/SP, Professora de Direitos Humanos na Pós Graduação da PUC/SP e da PUC/PR e Professora do Programa de Doutorado em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Universidade Pablo de Olavide (Sevilha, Espanha).

ditadura”. Após vinte e um anos de regime autoritário, objetiva a Constituição resgatar o Estado de direito, a separação dos poderes, a federação, a democracia e os direitos fundamentais, à luz do princípio da dignidade humana. O valor da dignidade da pessoa humana, como fundamento do Estado democrático de direito (art. 1o^ , III da Constituição), impõe-se como núcleo básico e informador de todo ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação do sistema constitucional. Introduz a Carta de 1988 um avanço extraordinário na consolidação dos direitos e garantias fundamentais, situando-se como o documento mais abrangente e pormenorizado sobre os direitos humanos jamais adotado no Brasil. É a primeira Constituição brasileira a iniciar com capítulos dedicados aos direitos e garantias, para, então, tratar do Estado, de sua organização e do exercício dos poderes. Ineditamente, os direitos e garantias individuais são elevados a cláusulas pétreas, passando a compor o núcleo material intangível da Constituição (art. 60, § 4 o^ ). Há a previsão de novos direitos e garantias constitucionais, bem como o reconhecimento da titularidade coletiva de direitos, com alusão a sindicatos, a associações e a entidades de classe. Além disso, a Constituição fortalece e aprimora a tônica democrática, ao consagrar a democracia participativa, mediante a instituição de mecanismos de participação direta da vontade popular (como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, nos termos do art. 1º, parágrafo único, e do art. 14), estimulando, ainda, o direito de participação orgânica e comunitária (arts. 10, 11, 194, VII e 198, III). De todas as Constituições brasileiras, foi a Carta de 1988 a que mais assegurou a participação popular em seu processo de elaboração, a partir do recebimento de elevado número de emendas populares. É, assim, a Constituição que apresenta o maior grau de legitimidade popular. Na avaliação do movimento de mulheres, um momento destacado na defesa dos direitos humanos das mulheres foi a articulação desenvolvida ao longo do período pré-1988, visando à obtenção de conquistas no âmbito constitucional. Esse processo culminou na elaboração da Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes , que contemplava as principais reivindicações do movimento de mulheres, a partir de ampla discussão e debate nacional. Em razão da competente articulação do movimento durante os trabalhos constituintes, o resultado foi a incorporação da maioria significativa das reivindicações formuladas pelas mulheres no texto constitucional de 1988. Como observa Leila Linhares Barsted:

de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições, dispondo que cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. Adicione-se, também, a Lei nº 10.224, de 15 de maio de 2001, que ineditamente dispõe sobre o crime de assédio sexual. Na experiência brasileira, há que se observar que os avanços obtidos no plano internacional foram e têm sido capazes de impulsionar transformações internas. Nesse sentido, cabe destaque ao impacto e à influência de documentos como a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher , de 1979, a Declaração e o Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, de 1993, o Plano de Ação da Conferência Mundial sobre População e Desenvolvimento do Cairo, de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher , de 1994 e a Declaração e a Plataforma de Ação da Conferência Mundial sobre a Mulher de Pequim, de

  1. Esses instrumentos internacionais inspiraram e orientaram o movimento de mulheres a exigir, no plano local, a implementação de avanços obtidos na esfera internacional. No âmbito jurídico-normativo, o período pós-1988 é marcado pela adoção de uma ampla normatividade nacional voltada à proteção dos direitos humanos, ao que se conjuga a crescente adesão do Brasil aos principais tratados internacionais de proteção dos direitos humanos. A Constituição Federal de 1988 celebra, desse modo, a reinvenção do marco jurídico normativo brasileiro no campo da proteção dos direitos humanos. Desde o processo de democratização do País e em particular a partir da Constituição Federal de 1988, os mais importantes tratados internacionais de proteção dos direitos humanos foram ratificados pelo Brasil^2. Além dos significativos avanços decorrentes da incorporação, pelo Estado Brasileiro, da normatividade internacional de proteção dos direitos humanos, o pós-1988 apresenta a mais

trabalhistas, até fins da década de 70, a lei, sob a rubrica de “proteção”, impedia a entrada da mulher em 2 amplos setores do mercado de trabalho”. (BARSTED, 2001, p. 34-35) Entre eles, destacam-se: a) a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de 1989; b) a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em 28 de setembro de 1989; c) a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990; d) o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992; e) o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992; f) a Convenção Americana de Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992; g) a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995; h) o Protocolo à Convenção Americana referente à Abolição da Pena de Morte, em 13 de agosto de 1996; i) o Protocolo à Convenção Americana em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), em 21 de agosto de 1996; j) o Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional, em 20 de junho de 2002; k) o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, em 28 de junho de 2002; e l) os dois Protocolos Facultativos à Convenção sobre os Direitos da Criança, referentes ao envolvimento de crianças em conflitos armados e à venda de crianças e prostituição e pornografia infantis, em

vasta produção normativa de direitos humanos de toda a história legislativa brasileira. Pode-se afirmar que a maior parte das normas de proteção aos direitos civis e políticos foi elaborada após a Constituição de 1988, em sua decorrência e sob a sua inspiração^3. Como atenta Leila Linhares Barsted: (...) nosso país não só assinou todos os documentos relativos ao reconhecimento e às proteções aos direitos humanos das mulheres, como apresenta um quadro legislativo bastante avançado no que se refere à igualdade de direitos entre homens e mulheres (BARSTED, 2001, p. 34).

3. Os Direitos Políticos das Mulheres

Como já abordado no tópico “1”, a Constituição Brasileira de 1988 alarga, fortalece e aprimora a proteção dos direitos políticos no Brasil. Ao consagrar o princípio da soberania popular, o texto constitucional estabelece, no art. 1 o^ , parágrafo único, que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos da Constituição. Os mecanismos de participação direta da vontade popular contemplados pela Constituição são o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, instrumentos regulamentados pela Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998^4.

24 de janeiro de 2004. A esses avanços, soma-se o reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de 3 Direitos Humanos, em dezembro de 1998. Nesse sentido, considerando especificamente a proteção dos direitos civis e políticos, destacam-se, entre outros, os seguintes atos normativos: a) Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 – Define os crimes resultantes de preconceito de raça e cor, prevendo o racismo como crime inafiançável e imprescritível (anteriormente à Constituição de 1988, o racismo era considerado mera contravenção penal); b) Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995 – Proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho; c) Decreto nº 1.904, de 13 de maio de 1996 – Institui o Programa Nacional de Direitos Humanos, que ineditamente atribui aos direitos humanos o status de política pública governamental, contendo propostas de ações governamentais para a proteção e promoção dos direitos civis e políticos no Brasil; d) Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997 – Altera e aprimora a Lei 7.716/89 (que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor), prevendo também a punição de crimes resultantes de preconceito de etnia, religião ou procedência nacional; e) Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 – Estabelece normas para as eleições, dispondo que cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo; f) Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Dispõe sobre o Estatuto da Criança e Adolescente, considerada uma das legislações mais avançadas a respeito da matéria, ao estabelecer a proteção integral à criança e ao adolescentes, destacando os seus direitos fundamentais, bem como a política de atendimento destes direitos; e g) Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997 – Define e pune o crime de tortura, como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-lo, 4 se omitirem, em consonância com o disposto no art. 5º, XLIII da Constituição de 1988. De acordo com o art. 2º da Lei 9.709/98: “Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa”. Adiciona o § 1º do mesmo artigo: “O plebiscito é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido”. O § 2º acrescenta que: “O referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição”. Quanto à iniciativa popular, nos termos do art. 61, § 2º, pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles”.

Importa realçar que a adoção da legislação das cotas está associada à campanha Mulheres sem Medo do Poder , desenvolvida pela bancada feminina do Congresso Nacional, com o apoio do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e do movimento de mulheres^6. A respeito das cotas, constata-se que se em 1994 (anteriormente à legislação das cotas) a percentagem de mulheres candidatas no Brasil apontava a 7,18%, em 2002 (com a adoção da lei das cotas) essa percentagem foi elevada a 14,84%, de acordo com dados do próprio Tribunal Superior Eleitoral. Como observa José Eustáquio Diniz Alves: Durante 60 anos, de 1932 até 1992, as mulheres brasileiras conseguiram obter no máximo 7% das cadeiras do Legislativo municipal. Em 1994, as mulheres representavam 8% das Assembleias Legislativas do país e 6% da Câmara Federal. Para reverter essa situação de desvantagem foram promulgadas as Leis 9.100/95 e 9.504/97 inaugurando a política de cotas, com o objetivo de reverter o caráter excludente do sistema político brasileiro, nos aspectos de gênero (ALVES, 2004, p. 1). No entanto, pondera ainda o mesmo autor que o crescimento tem ficado abaixo do esperado e do que aconteceu em outros países que adotaram algum tipo de política de cotas. Os resultados tímidos da Lei se devem à forma como a legislação foi adotada no Brasil. A Lei “reserva” 30% das vagas para cada sexo, mas não obriga que cada partido preencha as vagas destinadas para o sexo que tem representação minoritária. Em consequência, nenhum partido cumpriu a cota de 30% na média nacional nos últimos pleitos. Nas eleições municipais de 2004 a média nacional de candidaturas femininas para as Câmaras Municipais foi de 22% e a percentagem de vereadoras eleitas ficou em 12%. (ALVES, 2004, p. 1) O movimento de mulheres tem entendido que a política de cotas não resultou em um apoio efetivo e adequado às candidaturas femininas, denunciando que os partidos políticos não cumprem as cotas e seus fundos não destinam recursos de caráter afirmativo às candidaturas das mulheres^7. Quanto aos partidos políticos, a Constituição consagra a liberdade para sua criação, fusão, incorporação e extinção, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os preceitos do caráter nacional, a proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes e a prestação de contas à Justiça Eleitoral. Aos partidos políticos é assegurada a autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidárias. Em 1995, na direção nacional dos maiores partidos políticos, havia apenas 5% de mulheres, sendo que esse percentual elevou-se a 10% em 1998 e a 12% em 2000.

(^6) Ver o Relatório Nacional Brasileiro sobre a Implementação da Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial da Mulher (Pequim, 1995) à Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas “Mulher 2000: 7 Igualdade de Gênero, Desenvolvimento e Paz para o Século XXI”, Brasília, 2000, p.43. Ver Comissão Organizadora da Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras, 2002, p. 17.

Os partidos políticos estão impossibilitados de utilizar de organização paramilitar, sendo assegurado o acesso aos recursos do fundo partidário, bem como o acesso gratuito aos meios de comunicação de massa, de acordo com a legislação eleitoral. Não é admitida a cassação dos direitos políticos, cuja perda ou suspensão se dará nos casos de cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; incapacidade civil absoluta; condenação criminal transitada em julgado, enquanto durar seus efeitos; recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa; e improbidade administrativa. A justiça eleitoral brasileira é responsável pela organização da divisão eleitoral do País; pelo alistamento; pela adoção ou proposição de providências para que as eleições se realizem no tempo e na forma determinados em lei; pela fixação da data das eleições (quando não determinada pela Constituição); pela resolução acerca das arguições de inelegibilidade e incompatibilidade; pela concessão de habeas corpus e mandado de segurança em casos pertinentes a matéria eleitoral; pela apuração dos sufrágios e proclamação dos eleitos; pelo processamento e julgamento dos delitos eleitorais e comuns que lhe forem conexos; e pela decretação da perda do mandato legislativo, nos casos previstos constitucionalmente. Desse modo, constata-se que, no plano normativo, não há qualquer discriminação baseada no gênero a obstar às mulheres brasileiras o pleno e livre exercício de seus direitos políticos, seja por meio da capacidade eleitoral ativa (na condição de eleitora), seja por meio da capacidade eleitoral passiva (na condição de candidata). Ressalte-se que a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, ratificada pelo Brasil em 1984, no art. 7o, enuncia o dever dos Estados-partes de adotar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na vida política e pública do País, de forma a garantir, em igualdade de condições com os homens, o direito de votar e de ser votada em eleições públicas; o direito de participar na formulação e execução de políticas governamentais; e o direito de participar de organizações e associações não-governamentais que se ocupem da vida pública e política do País. Ao conjugar a normatividade internacional e constitucional, conclui-se que, no âmbito jurídico, resta assegurada a plena igualdade entre os gêneros no exercício dos direitos políticos, sendo vedada qualquer discriminação contra a mulher.

Tabela 2 – Presença das Mulheres nas Assembleias Legislativas dos Estados, Brasil, 1946-1998^9 Ano Candidatas Eleitas Ano Candidatas Eleitas 1946 8 5 1974 15 11 1950 10 8 1978 – 20 1954 16 7 1982 132 28 1958 39 2 1986 385 31 1962 92 11 1990 – 58 1965 39 11 1994 613 – 1970 38 8 1998 1388 107 Fonte: Tribunal Superior Eleitoral.

Tabela 3 – Presença das Mulheres no Poder Legislativo, Brasil, 2001^10 PODER LEGISLATIVO Mulheres % Homens % Total Vereadoras* 6.992 11,61 53.253 88,39 60. Deputadas Estaduais/Distritais 111 10,48 948 89,52 1. Deputadas Federais 35 6,82 478 93,18 513 Senadoras 5 6,17 76 93,83 81 Total 7.143 11,54 54.755 88,46 61. CFEMEA – maio de 2001. 20 nomes – sexo não informado.

2.1.2. Poder Executivo No Poder Executivo estadual, em 1994, 1998 e 2000 a representatividade de mulheres eleitas para o cargo de Governador(a) do Estado manteve-se em 4%, com uma governadora eleita no universo de 27 governadores. Já em 2002, a representatividade passou a 8%, com a eleição de duas governadoras. Na esfera municipal, a média nacional aponta também estatística semelhante, sendo de apenas 3% a representação de mulheres nos cargos de Prefeito(a) em 1995, considerado o universo de 4.972 Municípios; e 5% em 1998 e 2000, considerando o universo de 5. Municípios. No âmbito da Administração Pública federal, a média de participação de mulheres em cargos de assessoramento superior (DAS 5 e 6) corresponde a 17% em 1995 e 15% em 1998 e

  1. Já nos cargos de menor hierarquia funcional (DAS 1), a participação de mulheres alcança 45% (dados de 1998). Note-se que as mulheres são 52,14% dos servidores na Administração Pública direta.

(^9) Piovesan; Pimentel (2002, p. 127). (^10) Piovesan; Pimentel (2002, p. 132).

No Ministério das Relações Exteriores, em 1995, do universo de 98 Embaixadores, apenas 3 eram mulheres, o que corresponde a 3,52%. Em 1998 esse percentual elevou-se para 3,87% e, em 2000, para 4,45%. Quanto à representatividade de mulheres no cargo de Ministro(a) de segunda classe, em 1995 era de 6,52%; em 1998 era 12,05%; e, em 2000, era de 11,80%. No âmbito do Poder Executivo Federal, há que se destacar que, em 2003, tomaram posse cinco Ministras, encarregadas dos Ministérios do Meio Ambiente, Assistência e Promoção Social, Minas e Energia e das Secretarias Especiais de Políticas para as Mulheres e de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Para o Estado Brasileiro, esse foi o maior número de mulheres na chefia das pastas do primeiro escalão do Governo Federal, sendo relevante observar que três Ministras eram afro-descendentes.

Tabela 4 – Participação de Mulheres no Poder Executivo, Brasil, 1990-2000^11 Cargo 1990 1994 2000 Presidente – – – Vice-Presidente – – – Ministras 2 1 – Vice-Ministras – – – Governadoras – 1 1 Vice-Governadoras 2 – 2 Diretoras de Empresas Estatais – – – Fonte: FLACSO – Brasil CEPAL. Dados fornecidos por órgãos governamentais.

Tabela 5 – Presença das Mulheres no Poder Executivo, Brasil, 2001 PODER EXECUTIVO Mulheres % Homens % Total Presidenta – 0,00 1 100,00 1 Governadora 1 3,70 26 96,30 27 Prefeitas* 318 5,72 5.241 94,28 5. Total 319 5,71 5.268 94,29 5. CFEMEA – março de 2001. *1 nome – sexo não informado.

Tabela 6 – Servidores federais por cargos em comissão, Brasil, 1998^12 Nível/Função Homens % Mulheres % Total DAS 1 3.641 54,47 3.043 45,53 6. DAS 2 3.519 60,14 2.332 39,86 5. DAS 3 1.508 62,16 918 37,84 2. DAS 4 1.173 70,58 489 29,42 1. DAS 5 456 83,52 90 16,48 546 DAS 6 118 86,76 18 13,24 136 Total 10.415 60,18 6.890 39,82 17. Fonte: SRH/MARE. (^11) Piovesan; Pimentel (2002, p. 129). (^12) Piovesan; Pimentel (2002, p. 134).

Tabela 8 – Presença das Mulheres no Poder Judiciário, Brasil, 2001^16 PODER JUDICIÁRIO Mulheres % Homens % Total STF – Supremo Tribunal Federal^1 9,09 10 90,91 11 STJ – Superior Tribunal da Justiça^3 9,09 30 90,91 33 TST – Tribunal Superior do Trabalho**^1 5,88 16 94,12 17 Total 5 8,20 56 91,80 61 CFEMEA – agosto de 2001

  • Ministra Ellen Grace Northfleet ** Ministras Eliana Calmon, Fátima Nancy Andrighi e Laurita Hilário Vaz *** Ministra Maria Cristina Irigoyen

2.2. A participação política das mulheres nas demais esferas Quanto à representatividade de mulheres nas diretorias de empresas, a elevada participação de mulheres só ocorre nas áreas de serviços sociais, comunitários e pessoais, alcançando 50,2% dos cargos (dados de 2000). Nas demais áreas, como a indústria manufatureira, a participação de mulheres atém-se apenas a 11,5%. A média geral aponta a 23,6% de mulheres nas diretorias de empresas no Brasil, conforme dados do Ministério do Trabalho e do Emprego de 2001^17. É significativo o número de mulheres participando em organizações não- governamentais, sindicatos e nos demais espaços de representação política. Mas, mesmo nessas, a representação das mulheres em cargos de poder é ainda bem menor do que a dos homens. Em termos de participação na iniciativa privada, tendo por base as 500 melhores e maiores empresas (segundo a revista Exame ), apenas 3 mulheres exerciam posição de presidente. Numa avaliação do Guia das 100 melhores empresas para trabalhar , as mulheres constituíam apenas 24% do universo de gerentes e 7,7% de diretores de primeiro escalão. Na Confederação Única dos Trabalhadores (CUT), se, em 1992, as mulheres ocupavam apenas 4% dos cargos da direção executiva, com a adoção de ações afirmativas a participação de mulheres elevou-se a 32% em 2003^18.

(^16) Piovesan; Pimentel (2002, p. 132). (^17) Consultar RAIS (2000). (^18) A aprovação do percentual de cotas mínimas de 30% e máximo de 70% de participação para ambos os sexos nas instâncias da CUT e a orientação de respeito à porcentagem de trabalhadores e trabalhadoras sindicalizados(as) na base dos sindicatos para compor as direções, significou concretamente uma vontade política do conjunto da CUT de iniciar um processo de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres no movimento sindical cutista. A concretude das ações afirmativas na CUT tem como um dos principais objetivos a compreensão da importância de inclusão das reivindicações das trabalhadoras na ação sindical, através da negociação coletiva, da discussão de gênero na política nacional de formação, do debate sobre a valorização e profissionalização do trabalho exercido pelas mulheres. Dessa forma, objetiva contribuir com a redução das desigualdades de gênero no mercado de trabalho e no movimento sindical.

4. Os Direitos Civis das Mulheres

Uma vez mais, há que se reiterar o relevante impacto emancipatório da Constituição Federal de 1988 no que tange à equidade de gênero e à proteção dos direitos humanos das mulheres. Pela primeira vez na história constitucional brasileira, consagra-se a igualdade entre homens e mulheres como um direito fundamental, nos termos do art. 5o^ , inciso I do texto. O princípio da igualdade entre os gêneros é endossado no âmbito da família, quando o texto vem a estabelecer que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelos homens e pelas mulheres, em conformidade com o art. 226, § 5 o^. A Carta de 1988 ainda reconhece a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, de acordo com o § 3 o^ do mesmo dispositivo constitucional. Acrescenta ainda que os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação (art. 227, § 6o). Na visão de Leila Linhares Barsted, (...) a Constituição Federal brasileira de 1988 está em sintonia com os tratados, convenções e declarações das Nações Unidas ao reconhecer a igualdade entre homens e mulheres na vida pública e privada. Esse reconhecimento tem repercussões importantes no direito de nosso país, particularmente, no direito civil. Até 1988, o Código Civil orientava todos os seus artigos relativos à família marcando a superioridade do homem em relação à mulher, seja na parte geral, no capítulo específico sobre família ou na parte relativo ao direito das sucessões (BARSTED, 1999, p. 12). A igualdade entre os gêneros e a proibição de discriminação contra a mulher é ainda reforçada pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a mulher, adotada pelo Brasil em 1984. Todavia, ao ratificar a Convenção, o Estado brasileiro apresentou reservas ao art. 15, § 4º e ao art. 16, § 1º (a), (c), (g), e (h) da Convenção, com fundamento no Código Civil brasileiro. O art. 15 assegura a homens e mulheres o direito de, livremente, escolher seu domicílio e residência. Já o art. 16 estabelece a igualdade de direitos entre homens e mulheres, no âmbito do casamento e das relações familiares. Em 20 de dezembro de 1994, o Governo brasileiro notificou o Secretário Geral das Nações Unidas acerca da eliminação das aludidas reservas. Frise-se que, no plano dos direitos humanos, essa foi a Convenção que mais recebeu reservas por parte dos Estados signatários, especialmente no que tange à igualdade entre homens e mulheres na família. Tais reservas foram justificadas com base em argumentos de ordem religiosa, cultural ou mesmo legal, havendo países (como Bangladesh e Egito) que acusaram o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de praticar “imperialismo cultural e intolerância religiosa”, ao impor-lhes a visão de igualdade entre homens e mulheres, inclusive na família (ver HENKIN et al. , 1999, p. 364). Isso reforça o

O novo Código Civil vem a romper com o legado discriminatório em relação à mulher previsto no Código Civil de 1916, que legalizava a hierarquia de gênero e mitigava os direitos civis das mulheres. A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (novo Código Civil), entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003, quando então a legislação infraconstitucional civil brasileira passou a adequar-se ao parâmetros constitucionais e internacionais concernentes à equidade de gênero. Nas palavras de Silvia Pimentel, foi longo o percurso do projeto original de 1975 até a sua aprovação, tendo recebido inúmeros acréscimos. No que diz respeito à igualdade entre os sexos, marco desse processo foi o Novo Estatuto Civil da Mulher, apresentado à Presidência do Congresso Nacional, em 1981. Esta proposta, fruto do debate feminista acerca da igualdade de gênero na lei civil, teve seu conteúdo incorporado, em 1984, praticamente na íntegra, ao projeto original ora aprovado. (PIMENTEL, 2003) O novo Código Civil introduz avanços significativos no que tange à proteção dos direitos civis da mulher, sob a perspectiva da igualdade entre os gêneros. Elimina, assim, as normas discriminatórias até então vigentes, como, por exemplo, as referentes à chefia masculina da sociedade conjugal; à preponderância paterna no pátrio poder e à preponderância do marido na administração dos bens do casal, inclusive dos particulares da mulher; à anulação do casamento pelo homem, caso ele desconheça o fato de já ter sido a mulher deflorada e à deserdação de filha desonesta que viva na casa paterna^20. A Lei nº 10.406, de 2002 ainda introduz expressamente os conceitos de direção compartilhada (afastando a chefia masculina da sociedade conjugal) e de poder familiar compartilhado (ao invés da prevalência paterna no pátrio poder); substitui o termo “homem”, quando usado genericamente para referir ao ser humano pela palavra “pessoa”; permite ao marido adotar o sobrenome da mulher; e estabelece que a guarda dos filhos passa a ser do cônjuge com melhores condições de exercê-la. No entanto, pondera Silvia Pimentel, o novo Código Civil contempla alguns conceitos e valores anacrônicos: A título de exemplo, ressaltamos no art. 1.573, VI, o fato de que “conduta desonrosa” possa ensejar ação de separação por parte de qualquer um dos cônjuges. Sob a aparência de uma neutralidade ideológica quanto ao gênero, a expressão “conduta desonrosa” apresenta-se como passível de ser atribuída a ambos os sexos. Contudo, tradicionalmente, expressões alusivas à honra e à honestidade, em nossa legislação civil, estão carregadas de conotações pejorativas e discriminatórias quanto à sexualidade das mulheres. Outro exemplo é o seu art. 1.520 que permite o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal. Em nosso entender, esse

(^20) Piovesan; Pimentel (2002, p. 201).

artigo relaciona-se à extinção da punibilidade prevista no Código Penal^21 , aplicável aos casos em que a vítima de delitos sexuais se casa com o agressor. Pressuposto para este benefício consiste no fato da vítima ter sua “honra preservada” através do casamento. Mantém-se, assim, no Novo Código Civil, o tradicional papel destinado à mulher na sociedade: o casamento. Essa norma viola o princípio da igualdade e fere a dignidade e os direitos humanos das mulheres, ao atribuir ao casamento o caráter reparador da violência cometida e, consequentemente, também o de gerador da impunidade. (PIMENTEL, 2003) Cabe, todavia, ressaltar que tais anacronismos não impedem o reconhecimento de que o novo Código Civil representa um grande avanço, especialmente no que diz respeito à proteção dos direitos civis das mulheres, sob a perspectiva da igualdade entre os gêneros.

5. Igualdade de Gênero e os Direitos Civis e Políticos das Mulheres: Avanços, Desafios e Obstáculos Ao conjugar a normatividade internacional e constitucional, conclui-se que no âmbito jurídico resta assegurada a plena igualdade entre os gêneros no exercício dos direitos civis e políticos, sendo vedada qualquer discriminação contra a mulher. Todavia, os dados da realidade brasileira invocam a distância entre os avanços normativos e as práticas sociais, que refletem um padrão discriminatório em relação às mulheres. No campo dos direitos políticos, ainda é bastante reduzida a participação de mulheres no âmbito dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. No Poder Legislativo, a política de cotas tem se mostrado um instrumento relevante, mas de alcance limitado para a construção da igualdade de fato entre homens e mulheres^22. Em 2001, a média nacional de participação de mulheres no Legislativo correspondia a 11,54%, enquanto que a participação de homens correspondia a 88,46%. Note-se que as mulheres compõem 50,48% do eleitorado nacional. A representatividade de mulheres nas arenas municipal e estadual (10% e 11%, respectivamente, em 2001) tem sido mais expressiva que na arena federal (média de 6%, em 2001). A direção dos próprios partidos políticos não se mostra igualitária no que tange ao gênero, destacando-se que a participação de mulheres em 2000 apontava a 12%. Ressalte-se que esse percentual reflete exatamente a participação das mulheres no Poder Legislativo, o

(^21) Note-se que a legislação penal adotada na década de 40 contempla preceitos discriminatórios com relação à mulher, prevendo tipos penais que têm por sujeito passivo a “mulher honesta” e estabelecendo o estupro e demais crimes contra a liberdade sexual no título dedicado aos crimes contra os costumes, em que o bem 22 jurídico tutelado é o costume e moral pública e não a dignidade da pessoa humana. Importa ampliar as políticas de ações afirmativas para além das cotas eleitorais, o que deve compreender o aumento da participação das mulheres em postos de chefia na administração pública federal; o desenvolvimento de campanhas para estimular a maior capacitação política das mulheres; e o fortalecimento da implementação das políticas de cotas pelos partidos políticos.

participação ativa de mulheres nas mais diversas arenas sociais. Contudo, resta o desafio da democratização do espaço privado – cabendo ponderar que tal democratização é fundamental para a própria democratização do espaço público. Daí a relação de interdependência entre os direitos políticos e os direitos civis. Vale dizer, o pleno exercício dos direitos políticos das mulheres requer e pressupõe o pleno exercício de seus direitos civis e vice-versa. Demanda-se o respeito aos direitos e à dignidade das mulheres nos espaços público e privado. Quanto aos direitos civis, a igualdade entre os gêneros e a proibição da discriminação contra as mulheres é inovação recente, decorrente do constitucionalismo inaugurado em 1988. A partir dos parâmetros constitucionais e internacionais igualitários, fomenta-se a exigência de saneamento da ordem jurídica brasileira, a fim de que medidas normativas sejam adotadas e outras, de conteúdo discriminatório, sejam revogadas. Daí a edição do novo Código Civil brasileiro e a necessidade de reforma da legislação penal da década de 40. Não obstante os significativos avanços obtidos na esfera constitucional e internacional, reforçados, por vezes, mediante legislação infra-constitucional esparsa, que refletem as reivindicações e anseios contemporâneos das mulheres, ainda persiste na cultura brasileira uma ótica sexista e discriminatória com relação às mulheres, que as impedem de exercer, com plena autonomia e dignidade, seus direitos mais fundamentais. Desse modo, os avanços constitucionais e internacionais, que consagram a ótica da igualdade entre os gêneros, têm a sua força normativa gradativamente pulverizada e reduzida, mediante uma cultura que praticamente despreza o alcance dessas inovações, e que, sob uma perspectiva discriminatória, fundada em uma dupla moral, ainda atribui pesos diversos e avaliações morais distintas a atitudes praticadas por homens e mulheres^23. Vale dizer, os extraordinários ganhos internacionais, constitucionais e legais não implicaram automaticamente a sensível mudança cultural, que, muitas vezes, adota como referência os valores da normatividade pré-1988 e não os valores da normatividade introduzida a partir da

(^23) Pesquisas sócio-jurídicas ainda identificam a forte incidência dos estereótipos de gênero em decisões judiciais. A respeito, cabe destaque aos estudos “Estupro: Crime ou Cortesia? Abordagem sociojurídica de gênero” (PIMENTEL; SCHRITZMEYER; PANDJIARJIAN, 1998); “A Figura/Personagem Mulher em Processos de Família” (PIMENTEL; PIOVESAN, 1993); “Percepções das Mulheres em relação ao Direito e à Justiça” (PIMENTEL; PANDJIARJIAN, 1996); “Quando a vítima é mulher – análise de julgamentos de crimes de estupro, espancamento e homicídio” (ARDAILLON; DEBERT, 1987); “Crimes contra os costumes e assédio sexual – Doutrina e Jurisprudência”(ELUF, 1999). Também cabe destaque à coleção “As Mulheres e os Direitos Civis”, que vem sendo publicada pela CEPIA – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação, com apoio da UNIFEM, FNUAP, Fundação Ford e Comissão Europeia, atualmente com 3 volumes, onde reúne diversos trabalhos sobre o tema.

Carta democrática de 1988, reforçados e revigorados pelos parâmetros protetivos internacionais. Há o desafio de que os três Poderes, no âmbito de suas competências, possam conferir plena força normativa à Constituição e aos parâmetros protetivos internacionais, fomentados pelo ativo protagonismo do movimento de mulheres. Isso demanda do Poder Legislativo o saneamento da ordem jurídica brasileira, de forma a eliminar os resquícios de legislações ainda discriminatórias quanto às mulheres, adotando todas as medidas normativas necessárias à garantia da equidade de gênero. Quanto ao Poder Executivo, cabe a formulação e a implementação de políticas públicas inspiradas pelo absoluto respeito aos direitos humanos das mulheres e pelo princípio da equidade de gênero, observado o princípio democrático assegurador da efetiva participação de mulheres, beneficiárias diretas das políticas públicas^24. Ao Poder Judiciário, cabe a criação de uma jurisprudência igualitária, pautada nos valores democratizantes e igualitários da Carta de 1988 e dos instrumentos internacionais ratificados pelo Brasil. Nesse contexto, há a urgência em se fomentar uma cultura fundada na observância dos parâmetros internacionais e constitucionais de proteção aos direitos humanos das mulheres, visando à implementação dos avanços constitucionais e internacionais já alcançados, que consagram uma ótica democrática e igualitária em relação aos gêneros. Como afirma o próprio relatório brasileiro referente à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher: A real compreensão e incorporação social e normativa da concepção dos direitos das mulheres como direitos humanos implica, necessariamente, mudanças de valores e práticas culturais. Envolve, ainda, a real compreensão e incorporação do novo paradigma de justiça social e equidade na ordem político-jurídica e sócio-econômica interna, para que no plano legal, das políticas públicas e da aplicabilidade da lei possam ser implementados, de forma adequada, os princípios de igualdade e não-discriminação proclamados na Constituição Federal de 1988, na Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a Mulher, bem como nos vários instrumentos jurídicos internacionais ratificados pelo Brasil”^25. Observe-se que, no amplo horizonte histórico de construção dos direitos das mulheres, jamais se caminhou tanto quanto nas últimas três décadas. Elas compõem o marco divisório em que se concentram as maiores reivindicações e anseios das mulheres, invocando, sobretudo, a reinvenção da gramática de seus direitos. Destaca-se que, no campo dos direitos

(^24) Na avaliação do Movimento de Mulheres, as ações e programas governamentais têm sido pontuais, desarticulados, descontínuos, fragmentados e inacessíveis para muitas mulheres, particularmente para aquelas que vivem longe dos centros urbanos. Considera ainda que as políticas não correspondem à diversidade das 25 mulheres, deixando de levar em conta suas especificidades e peculiaridades. Piovesan; Pimentel (2002, p. 216).