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conjugalidades contemporâneas: um estudo sobre os, Notas de aula de Psicologia

como regra conjugal. Desta forma, no contexto social contemporâneo, múltiplos arranjos conjugais, dos mais tradicionais aos mais modernos, se constroem, ...

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Amazonas
Amazonas 🇧🇷

4.4

(80)

224 documentos

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Departamento de Psicologia
CONJUGALIDADES CONTEMPORÂNEAS: UM ESTUDO SOBRE OS
MÚLTIPLOS ARRANJOS CONJUGAIS DA ATUALIDADE
Aluna: Jacqueline Victoriense de A. Cunha
Orientadora: Terezinha Féres-Carneiro
Introdução
O atual momento social é descrito como uma era cujas mensagens e fenômenos são
confusos, fluídos e imprevisíveis. Bauman [1] denomina esta era como “modernidade líquida”
e compara o momento atual com o mundo darwiniano, onde o melhor e mais forte sobrevive.
Neste mundo de sobrevivência, o relacionamento humano configura-se de forma efêmera. Os
sentimentos são descartáveis, assim como os relacionamentos, em prol de uma sensação de
segurança. Assim, a sociedade contemporânea enfrenta um paradoxo. A fragilidade do laço e o
sentimento de insegurança inspiram um conflitante desejo de tornar o laço intenso e, ao mesmo
tempo, deixá-lo desprendido.
Giddens [2] afirma que o compromisso e a história compartilhada devem proporcionar
algum tipo de garantia aos parceiros de que a relação será mantida por um período indefinido.
No entanto, ele contrapõe esta idéia com o contexto social contemporâneo. Postula que o
casamento não é mais considerado como uma “condição natural”, e que a relação é durável
enquanto houver satisfação suficiente. Denomina este tipo de relação de “relacionamento
puro”, o qual pode ser encerrado a qualquer momento por um dos parceiros. Assim como
Bauman denomina a fugacidade do amor contemporâneo de “amor líquido”, Giddens a
denomina de “amor confluente”, que se caracteriza pela finitude do laço, no momento em que
este deixa de ser vantajoso para um dos parceiros, e que presume igualdade na doação e no
recebimento emocional.
Esta igualdade de investimento para a manutenção da relação é descrita por Heilborn
[3], quando afirma que os valores da família das camadas médias vêm sofrendo mudanças
significativas, devido à ideologia igualitária. A partir de seus estudos, a autora conclui que este
ideal igualitário promoveu transformações nos modelos familiares e também na desvalorização
do papel da família. Os valores que interferem no comportamento e na interação entre os
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Departamento de Psicologia

CONJUGALIDADES CONTEMPORÂNEAS: UM ESTUDO SOBRE OS MÚLTIPLOS ARRANJOS CONJUGAIS DA ATUALIDADE

Aluna : Jacqueline Victoriense de A. Cunha Orientadora: Terezinha Féres-Carneiro

Introdução

O atual momento social é descrito como uma era cujas mensagens e fenômenos são confusos, fluídos e imprevisíveis. Bauman [1] denomina esta era como “modernidade líquida” e compara o momento atual com o mundo darwiniano, onde o melhor e mais forte sobrevive. Neste mundo de sobrevivência, o relacionamento humano configura-se de forma efêmera. Os sentimentos são descartáveis, assim como os relacionamentos, em prol de uma sensação de segurança. Assim, a sociedade contemporânea enfrenta um paradoxo. A fragilidade do laço e o sentimento de insegurança inspiram um conflitante desejo de tornar o laço intenso e, ao mesmo tempo, deixá-lo desprendido. Giddens [2] afirma que o compromisso e a história compartilhada devem proporcionar algum tipo de garantia aos parceiros de que a relação será mantida por um período indefinido. No entanto, ele contrapõe esta idéia com o contexto social contemporâneo. Postula que o casamento não é mais considerado como uma “condição natural”, e que a relação é durável enquanto houver satisfação suficiente. Denomina este tipo de relação de “relacionamento puro”, o qual pode ser encerrado a qualquer momento por um dos parceiros. Assim como Bauman denomina a fugacidade do amor contemporâneo de “amor líquido”, Giddens a denomina de “amor confluente”, que se caracteriza pela finitude do laço, no momento em que este deixa de ser vantajoso para um dos parceiros, e que presume igualdade na doação e no recebimento emocional. Esta igualdade de investimento para a manutenção da relação é descrita por Heilborn [3], quando afirma que os valores da família das camadas médias vêm sofrendo mudanças significativas, devido à ideologia igualitária. A partir de seus estudos, a autora conclui que este ideal igualitário promoveu transformações nos modelos familiares e também na desvalorização do papel da família. Os valores que interferem no comportamento e na interação entre os

indivíduos estão calcados na singularidade e na liberdade individual. Isto desencadeou a recusa da distinção hierárquica entre os gêneros e a explicitação da homossexualidade. Além disso, em nome dos valores individualistas, houve um aumento no número de divórcios e de recasamentos, bem como o surgimento da não obrigatoriedade de ter filhos e da coabitação como regra conjugal. Desta forma, no contexto social contemporâneo, múltiplos arranjos conjugais, dos mais tradicionais aos mais modernos, se constroem, se desconstroem e se reconstroem, em seguida, num ritmo acelerado. Na clínica de casais, cada vez mais, nos defrontamos com o sofrimento dos cônjuges decorrente da ambivalência, e com as dificuldades encontradas por eles face às demandas paradoxais da vivência da conjugalidade hoje. Neste projeto, pretendemos estudar os contornos e as características dos arranjos conjugais contemporâneos, buscando compreender, a partir do relato dos sujeitos envolvidos em tais arranjos, como os mesmos são definidos e vivenciados. Para tal, adotaremos uma ótica multidisciplinar, articulando os saberes da sociologia, da antropologia, da psicologia social e da psicanálise de família e casal.

Conjugalidade, individualidade e sexualidade

Consideramos que o fascínio e a dificuldade de ser casal, residem no fato de esta díade encerrar, ao mesmo tempo, na sua dinâmica, duas individualidades e uma conjugalidade, ou seja, de o casal conter dois sujeitos, dois desejos, duas inserções no mundo, duas percepções do mundo, duas histórias de vida, dois projetos de vida, duas identidades individuais que, na relação amorosa, convivem com uma conjugalidade, um desejo conjunto, uma história de vida conjugal, um projeto de vida de casal, uma identidade conjugal. Como ser dois sendo um? Como ser um sendo dois? Os ideais contemporâneos de relação conjugal enfatizam mais a autonomia e a satisfação de cada cônjuge do que os laços de dependência entre eles. Por outro lado, constituir um casal demanda a criação de uma zona comum de interação, de uma identidade conjugal. Assim, o casal contemporâneo é confrontado, o tempo todo, por duas forças paradoxais. Se por um lado, os ideais individualistas estimulam a autonomia dos cônjuges, enfatizando que o casal deve sustentar o crescimento e o desenvolvimento de cada um, por outro, surge a necessidade de vivenciar a conjugalidade, a realidade comum do casal, os desejos e projetos conjugais [4]. Willi [5] afirma que para o desenvolvimento pessoal de cada cônjuge, é necessária uma redefinição de papéis, regras e funções. É importante que as regras não sejam totalmente rígidas para a funcionalidade da relação. A construção de uma realidade compartilhada é necessária já que os membros do casal levam consigo um sistema de crenças baseado em

relacionamento. No discurso dos homens homossexuais, foi possível perceber também uma diferença entre fidelidade sexual e fidelidade amorosa. Para estes sujeitos, a infidelidade sexual não é necessariamente uma traição, enquanto a infidelidade amorosa é sempre considerada uma traição. Já no início dos anos 90, Giddens [2] considera comum, a homossexuais masculinos, uma grande diversidade de parceiros sexuais, com quem o contato pode ser apenas transitório. Todavia, uma grande quantidade de homens homossexuais e a maior parte das mulheres homossexuais, segundo o autor, se encontram constantemente em uma relação de coabitação com apenas um parceiro. Nesta mesma década, Hite [9] constata que as mulheres homossexuais teriam menor proporção de casos fora de seu relacionamento principal do que as mulheres heterossexuais. Também, enquanto a maior parte das mulheres heterossexuais esconderia tais casos de seus cônjuges, as mulheres homossexuais não-monógamas ou têm seus casos com o consentimento da parceira principal, ou a informação chega muito rápido a ela. Isso, segundo o autor, pode ocorrer devido a uma comunicação maior em um relacionamento entre duas mulheres do que em um relacionamento heterossexual. Rostosky, Korfhage, Duhigg, Stern, Bennett e Riggle [10] examinam a questão do contexto familiar dos parceiros do mesmo sexo envolvidos em um relacionamento amoroso, estudando o quanto o apoio familiar, ou a ausência dele, pode influenciar na convivência do casal homossexual. Os resultados deste estudo mostram que, na percepção da maioria dos sujeitos, a qualidade do apoio familiar afeta o relacionamento do casal, fortalecendo-o, ou fragilizando-o. Como não há modelos culturais, rituais ou normas disponíveis, como exemplos para a integração de casais do mesmo sexo à família, estes casais têm de inventar seus próprios “rituais de pertencimento” que servirão para fortalecer e validar a sensação de ser um membro da família. Nessa perspectiva, Arán e Corrêa [11] apontam para a mudança nas representações, nas práticas e nas identidades sexuais que vêm ocorrendo na contemporaneidade. Afirmam que os fatores principais para tal fenômeno são: a crise na família nuclear (monogâmica e heterossexual), a entrada da mulher no mercado de trabalho, a separação da sexualidade da reprodução e uma política de visibilidade da homossexualidade. Em tal contexto, o debate sobre o reconhecimento social e jurídico de casais homossexuais tem sido um dos fatores de destaque.

Conjugalidade : enquadre e transmissão

A conjugalidade, na literatura psicanalítica das relações amorosas, é definida como uma identidade compartilhada, produto de uma trama identificatória inconsciente dos sujeitos- parceiros, que se origina na história familiar de cada um e se dirige a um ideal conjugal compartilhado. Os parceiros são inconscientemente impulsionados no sentido da realização de mandatos familiares transmitidos. Eiguer [12] aborda a escolha amorosa como produto da organização inconsciente do casal, originada no interjogo das relações de objeto, modeladas a partir da identificação com o casal parental. Quase uma década mais tarde, McDougall [13], ao discutir o papel das identificações no desenvolvimento afetivo-sexual dos sujeitos, assinala que a configuração do sentido de identidade sexual dos filhos está diretamente relacionada ao casal parental, através das identificações com ambos os pais. Ampliamos essa perspectiva e incluímos, no jogo identificatório, outros modelos conjugais que possuem valor significativo na vida do sujeito, além do casal parental propriamente dito. Esses modelos podem incluir representantes e/ou substitutos do casal parental. Em estudos recentes [14]; [15], verificamos que o lugar que o casamento dos pais ocupa nos projetos de vida de seus filhos está relacionado, sobretudo, com o modo como os jovens se apropriaram de sua herança familiar e com o discernimento que possuem sobre os aspectos da conjugalidade dos pais que os influenciam. Nesse estudo, ressaltamos que a trama identificatória, que está na base da conjugalidade, é alicerçada nos modos de transmissão psíquica familiar. A transmissão da vida psíquica na família segue o modelo da passagem do objeto individual a um objeto comum. E, a conjugalidade pode, também, ser pensada como um conteúdo psíquico transmitido a partir da série identificatória familiar. Postulamos a existência de uma conjugalidade transmitida nessa série identificatória, constituída pela introjeção dos diversos vínculos conjugais significativos do grupo familiar mais amplo. A cadeia geracional precede o sujeito e, ao mesmo tempo, é transformada pela sua inserção na mesma. O sujeito tem os modelos parentais como referências importantes, mas deve operar suas próprias transformações, se auto-engendrando. Kaës [16]; [17] ressalta que o modo como o sujeito lida com a herança torna-o um pensador e criador do material que lhe fora transmitido. O modo como o sujeito opera suas elaborações pode desencadear repetições, patologias ou construções criativas. Granjon [18] enfatiza o trabalho de estabelecimento de ligações, transformações e diferenciações, fundamento da marca singular que é impressa por cada sujeito na cadeia geracional. Winnicott [19] contribui com construtos teóricos importantes para a compreensão da conjugalidade, desenvolvendo a noção de um objeto que se produz numa “realidade compartilhada”, não sendo exclusivamente resultado de projeções de partes do self. A

se assustadoras. O autor afirma que, em sua experiência clínica, o modelo fast food deixa “feridas” e que os “feridos” são aqueles que se sentem desamparados e frustrados por não terem constituído família e por não se sentirem verdadeiramente importantes para alguém. Em tempos de arranjos amorosos abertos, quando o “ficar” se apresenta como uma possibilidade fácil de relacionamento, será que ainda há espaço para modelos mais tradicionais de relação amorosa, como o namoro e o noivado? Diferentemente do “ficar”, o namoro é visto, em nossa cultura, como uma relação afetiva constante e duradoura, tendo o compromisso como elo de ligação e a afetividade sempre presente. Há alguns anos, o namoro iniciava-se a partir de uma série de passos e regras a serem cumpridas. Nos anos 80, Azevedo [24] discorre sobre a manifestação do namoro, em seus moldes clássicos, e considera que existem princípios e regras básicas no namoro tradicional que, embora venham sofrendo modificações através dos tempos, permanecem presentes, sobretudo, nos setores mais tradicionais da sociedade brasileira. O autor caracteriza o namoro no Brasil como variante de um modelo mais largamente difundido na cultura ocidental. Com as mudanças experimentadas pela família contemporânea em sua estrutura e organização, os padrões do enamoramento tornaram-se mais flexíveis. Contudo, ainda hoje, encontramos, dentre os jovens que passaram pelo período de namoro tradicional, o estabelecimento do compromisso, no passo seguinte: o noivado.

Casamento, separação e recasamento

Jablonski [25] expõe os principais motivos que têm contribuído para o que ele denomina “a crise do casamento contemporâneo”. Dentre outros fatores, o autor ressalta o movimento de modernização da sociedade, o processo de secularização, a expansão do individualismo, o aumento da longevidade e a forma como a cultura valoriza o amor e a sexualidade nos dias de hoje. Discutindo algumas questões de gênero no casamento contemporâneo, Goldenberg [26] ressalta que apesar das inúmeras e profundas mudanças pelas quais passaram os homens e as mulheres, muitos estereótipos sobre os sexos ainda permanecem. Para muitas mulheres, todos os homens têm muitas parceiras sexuais ao longo da vida e aproveitam todas as oportunidades para ter novas aventuras. Todavia, estudos recentes mostram que a realidade não é bem esta.

Por outro lado, o estudo desenvolvido por Menandro, Rölke & Bertollo [27], a partir de uma classificação de provérbios, sobre questões referentes ao casamento e às relações de gênero, evidencia como as concepções sobre o feminino e sobre as relações amorosas, que

justificam o desequilíbrio de poder entre homens e mulheres no casamento, ainda hoje, estão presentes neste tipo de manifestação cultural, onde predomina a perspectiva masculina.

O número crescente de separações conjugais na sociedade contemporânea pode parecer um contra-argumento da tese, a que nos referimos anteriormente, desenvolvida por Berger & Kellner [28] de que o casamento é para os cônjuges uma das principais áreas de auto-realização social e a base dos relacionamentos na esfera privada. Todavia, os sujeitos se separam não porque o casamento não seja importante, mas porque sua importância é tão grande que os cônjuges não aceitam que ele não corresponda a suas expectativas. É justamente a dificuldade desta exigência que o divórcio reflete e, quase sempre, os divorciados buscam o recasamento, os homens mais rapidamente que as mulheres [4].

Pesquisas brasileiras realizadas por diversos autores - Féres-Carneiro [29]; Costa, Penso & Féres-Carneiro [30]; Wagner, Falcke, & Meza [31]; Wagner & Féres-Carneiro [32]; Wagner, [33] - enfatizam a possibilidade de promover saúde nas famílias recasadas, não evidenciando diferenças significativas entre famílias de primeiro casamento e famílias reconstituídas, em relação a diferentes variáveis relacionadas ao desenvolvimento emocional da criança e do adolescente e à dinâmica das relações familiares. No recasamento, diferentemente do primeiro casamento, no qual as famílias de origem tendem a participar mais ativamente na preparação que antecede a união do casal, espaços e tempos são menos planejados e demarcados. A organização de aspectos como definição da moradia do casal, rituais de passagem e a inserção dos parceiros nas redes sociais e familiares de ambos, ocorre de modo mais fluido [34]; [35]; [36].

Coabitação e união estável

A coabitação é uma forma de relacionamento conjugal não tradicional que se difundiu, mundialmente, a partir da década de 70. Tem sido assumida como um estilo de vida alternativo, nas camadas médias dos grandes centros urbanos. Geralmente é escolhida por pessoas que se identificam mais com valores não tradicionais, sendo mais bem aceita, como opção conjugal, por aqueles que não são engajados em nenhuma religião [37]; [38]. Já no início da década de 80, Spanier [39] se refere à coabitação como uma espécie de rito preliminar ao casamento, com funcionamento próximo deste, sem, portanto, haver uma formalização em termos legais. Segundo o autor, o aumento da coabitação pode ser explicado,

entre amizade, parceria e relacionamento amoroso são ambíguas, mas importantes para o poliamor. Para alguns casais, é normal ter sexo com amigos e tal sexualização da amizade pode funcionar em diversas direções: às vezes amizades de longa data podem se tornar relacionamentos sexuais, a atração sexual pode marcar o começo de uma amizade, que depois não será mais sexual [42]. Lano & Parry [45] trazem o conceito de “não-monogamia responsável”, se todos os parceiros estiverem cientes e partilharem de um consenso no aspecto não-monogâmico do arranjo do relacionamento. Essa explicação esbarra em dois temas extremamente importantes nos discursos poliamorosos: honestidade e consenso. A honestidade entra aqui como o axioma básico do poliamor. Outros elementos centrais são: comunicação, negociação, auto- responsabilidade, emoção e intimidade, sendo todos ligados ao tema dominante da honestidade [42]. O caráter ético do poliamor vem de tais elementos. Às vezes ele não aparece como uma forma distinta de não-monogamia, mas como algo totalmente diferente dela. Em alguns casos, a concepção de um poliamoroso pode envolver, por exemplo, dar o devido valor a cada pessoa e investir em um número limitado e simultâneo de longos relacionamentos com maior envolvimento emocional, mas não como ambição em ter muitos parceiros sexuais. Para Barker [43], o discurso do poliamor surge tanto como diferente e ameaçador para a monogamia, quanto como normal e similar à monogamia. O discurso da “diferença” reflete a dificuldade que o poliamor tem para ser aceito pela monogamia e constrói, justamente, o que esse arranjo difere como potencialmente melhor ou mais realista que a monogamia. Para os poliamorosos, o poliamor é um modo melhor e mais honesto de se relacionar do que a monogamia, já que muitos indivíduos se sentem atraídos por mais de uma pessoa, e que isso faz os monogâmicos se sentirem ameaçados. Já o discurso da “similaridade” age como um dispositivo normatizador, que serve para aceitação das pessoas poliamorosas como “um outro qualquer”. Os discursos do “diferente” e do “igual” funcionam como forma de se apresentarem como melhores ou mais realistas dos que os monogâmicos, por um lado, e como normais e aceitáveis, por outro.

Objetivo

O objetivo geral deste projeto é desenvolver um estudo sobre as conjugalidades contemporâneas, buscando conhecer os diferentes arranjos conjugais presentes na atualidade. Temos como objetivos específicos: a) mapear conceitualmente tais arranjos, identificando os fatores que os sujeitos neles envolvidos indicam como definidoras dos mesmos; b) comparar as visões de homens e mulheres heterossexuais e homossexuais a respeito de tais

configurações, buscando identificar semelhanças e diferenças entre elas; c) subsidiar a clínica individual, de casal e de família frente à demanda de atendimento dos sujeitos envolvidos nestes diferentes tipos de arranjos.

Metodologia

Para atingirmos os objetivos propostos, estamos desenvolvendo este projeto utilizando uma metodologia qualitativa, centrada em entrevista semi-estruturada que contempla temas relevantes concernentes aos múltiplos arranjos conjugais contemporâneos. Sujeitos e delineamento dos arranjos conjugais A amostra de conveniência é constituída de 100 sujeitos, das camadas médias da população carioca, com idades entre 20 e 50 anos, sendo 50 homens e 50 mulheres, divididos em grupos de 4 sujeitos heterossexuais e 2 sujeitos homossexuais, distribuídos nos seguintes arranjos conjugais:

Sujeitos

Homem Mulher

o t a l

Arranjos Conjugais

Hetero Homo Hetero Homo

“Ficar” 4 2 4 2 12 Namoro 4 2 4 2 12 Noivado 4 * 4 * 8 Coabitação (primeira) 4 2 4 2 12 União estável (primeira) 4 2 4 2 12 Casamento civil (primeiro) 4 * 4 * 8

Segunda etapa: análise de conteúdo

Para a avaliação dos dados obtidos por meio das entrevistas, suas transcrições serão submetidas a uma análise de conteúdo, tal como proposto por Bardin [46]; [47]. As categorias de análise serão estabelecidas a partir do material obtido nas entrevistas; todavia os temas mencionados anteriormente podem sugerir possíveis categorias. Podemos definir o pensamento categorial, diz Bardin [47], como “um procedimento cognitivo permitindo operar classificações de objetos a partir de propriedades comuns” (p. 251). A finalidade é a construção de conjuntos distintos e, idealmente, claramente delimitados; para isso, utilizam-se critérios. Além disso, procuramos, na medida do possível, chegar à análise da enunciação, ou seja, a análise do conteúdo com categorização de unidades significantes. Neste caso, o objetivo é o de ultrapassar o plano manifesto, recortado pelas categorias por meio do reposicionamento dos variados índices de superfície do texto. Nessa análise podemos utilizar também o programa de análise de dados textuais Alceste [48] com o objetivo de evidenciar os perfis de significados nos diferentes arranjos conjugais estudados. Ou seja, as concordâncias, as palavras associadas e co-ocorrências, demarcando os padrões que aproximam ou diferenciam as características de tais arranjos.

Terceira etapa : discussão dos resultados

Os resultados encontrados por meio da análise de conteúdo serão discutidos a partir da literatura revisada dos campos da sociologia, da antropologia, da psicologia social e da psicanálise de família visando a atingir os objetivos formulados e a levantar questões para futuras investigações. Considerações éticas O Projeto foi, inicialmente, submetido à Comissão de Ética do Departamento de Psicologia da PUC-Rio e, só depois de aprovado, começou a ser desenvolvido. Os objetivos do estudo são explicados aos sujeitos, solicitando que leiam e assinem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual constam as informações básicas sobre a pesquisa. Em relação à influência da pesquisa sobre os participantes, consideramos que não haverá nenhum prejuízo para os mesmos. Todavia, caso haja desconforto psicológico durante a entrevista, na medida em que o relato, sobre as questões referentes à experiência conjugal do sujeito, possa suscitar nele algum sofrimento psíquico, o entrevistador está preparado para o

manejo da situação e, se for o caso, para interromper o procedimento e, até mesmo, para sugerir o encaminhamento para um atendimento psicológico.

Andamento da Pesquisa

A elaboração do roteiro oculto da entrevista semi-estruturada foi realizada contemplando temas relevantes concernentes aos múltiplos arranjos conjugais contemporâneos. Foram finalizadas as entrevistas-piloto, refinando as questões da entrevista semi-estruturada e formulando a versão final do “roteiro invisível” que funciona como guia para os entrevistadores. Dos 100 sujeitos presumidos na amostra do projeto, 54 já foram entrevistados; 41 entrevistas já foram transcritas e discutidas. Também foram elaborados o questionário de dados biográficos e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, constando as informações básicas sobre a pesquisa, tendo sido previamente aprovado pela Comissão de Ética do Departamento de Psicologia da PUC-Rio. Algumas etapas do projeto foram intensificadas no início de sua elaboração. Contudo, as reuniões para a seleção, leitura e fichamento de textos relevantes para a fundamentação teórica continuam em andamento, assim como a discussão e articulação da literatura utilizada. A partir dos resultados obtidos até então, o discurso dos sujeitos, referente ao primeiro eixo temático da entrevista – “as relações amorosas hoje” – foi submetido ao programa de análise de dados textuais, Alceste [48]. Embora os resultados atuais estejam relacionados a um pouco mais da metade dos sujeitos previstos, o discurso dos entrevistados, neste eixo, é suficientemente consistente para se estabilizar em algumas estruturas identificáveis. Nesta primeira análise, observou-se a prevalência de um grupo de falas que ressaltam a conceituação das relações amorosas contemporâneas como fluidas, descartáveis e efêmeras; e outro grupo de falas, com suporte nas experiências/vivências individuais dos participantes, que ressaltam o modo como os sujeitos se identificam com os modelos de relacionamentos amorosos da atualidade. A etapa da pesquisa que apresentou maior dificuldade foi o recrutamento de sujeitos representantes de determinados arranjos conjugais dentre os quais encontram-se os casados em casas separadas e os poliamorosos. Pretende-se, a partir de então, prosseguir no recrutamento dos demais sujeitos para concluir a realização das etapas propostas inicialmente. Simultaneamente, as entrevistas estão sendo transcritas e discutidas nas reuniões do grupo. A partir destas discussões, os dados levantados serão codificados e digitados com o objetivo de dar continuidade à analise dos eixos temáticos. Os resultados finais serão analisados em diálogo com a literatura revisada.

[10] Rostosky, S. S., Korfhage, B. A., Duhigg, J. M., Stern, A. J., Bennett, L., & Riggle, E. D. B. (2004). Same-sex couple perceptions of family support: a consensual qualitative study. Family Process , v. 43, n. 1, 43-57.

[11] Arán, M. & Corrêa, M. V. (2004). Sexualidade e política na cultura contemporânea: o reconhecimento social e jurídico do casal homossexual. PHYSIS: Revista Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v.14, n.2, 329-341.

[12] Eiguer, A. (1984). La thérapie psychanalitique de couple. Paris: Dunod.

[13] McDougall, J. (1993). Pai morto: sobre o trauma psíquico infantil e sua relação com o distúrbio na identidade sexual e na atividade criativa. Em D. Green (org.). O enigma dos sexos. Rio de Janeiro: Imago.

[14] Féres-Carneiro, T., Magalhães, A. S. & Ziviani, C. (2006). Conyugalidad de los padres y proyectos de vida de los hijos frente al matrimonio. Cultura y Educación , Salamanca, v. 18, n. 1, 95-108.

[15] Magalhães e Féres-Carneiro (2007) Transmissão psíquica geracional: um estudo de caso. Em T. Féres-Carneiro (org.), Família e casal : saúde, trabalho e modos de vinculação, p. 341-

  1. São Paulo: Casa do Psicólogo.

[16] Kaës R. (1993). Transmission de la vie psychique entre générations. Paris: Dunod.

[17] Kaës, R. (2000). Um pacto de resistência intergeracional ao luto. Transmissão psíquica dos efeitos da morte de uma criança sobre os irmãos e irmãs e sobre sua descendência. Em O. B. R. Correa (org.). Os avatares da transmissão psíquica geracional. São Paulo: Escuta.

[18] Grajon, E. (2000). A elaboração do tempo genealógico no espaço do tratamento da terapia familiar psicanalítica. Em O. B. R. Correa (org.). Os avatares da transmissão psíquica geracional. São Paulo: Escuta.

[19] Winnicott (1951). Objetos transicionais e fenômenos transicionais. In O Brincar e a realidade. Tradução José Octávio de Aguiar Abreu e Vanede Nobre. Rio de Janeiro: Imago,

[20] Matos, M. S., Féres-Carneiro, T. & Jablonski, B. (2005). Adolescência e relações amorosas: um estudo sobre jovens das camadas populares. Interação , v. 22, n. 2, 133-141.

[21] Chaves, J. C. (2001). “Ficar com”. Um novo código entre jovens. Rio de Janeiro: Revan.

[22] Justo, J. S. (2005). O “ficar” na adolescência e paradigmas de relacionamento amoroso da contemporaneidade_. Revista do Departamento de Psicologia – UFF_ , v. 17, n. 1, 61-77.

[23] Rossi, C. (2003). Os novos vínculos conjugais: vicissitudes e contradições. Em P. B. Gomes (org.). Vínculos amorosos contemporâneos: psicodinâmica das novas estruturas familiares. São Paulo: Callis, p. 77-108.

[24] Azevedo, T. (1986). As regras do namoro a antiga: aproximações socioculturais. São Paulo: Ática.

[25] Jablonski, B. (2007). O cotidiano do casamento contemporâneo: a difícil e conflitiva divisão de tarefas e responsabilidades entre homens e mulheres. Em T. Féres-Carneiro (org.). Família e casal: saúde, trabalho e modos de vinculação. São Paulo: Casa do Psicólogo, p. 203-224.

[26] Goldenberg, M. (2001). Sobre a invenção do casal. Estudos e Pesquisas em Psicologia , v. 1, n. 1, 89-104.

[27] Menandro, P. R. M., Rölke, R. K. & Bertollo, M. (2005). Concepções sobre relações amorosas/conjugais e sobre seus protagonistas: um estudo com provérbios. Psicologia Clínica , v. 17, n. 2, 81-100.

[28] Berger, P. & Kellner, H. (1970). Marriage and the construction of reality. In P. H. Dreitzel (org.). Recent sociology. New York: MacMillan. [29] Féres-Carneiro, T. (1987). Aliança e Sexualidade no casamento e no recasamento contemporâneo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 3, 250-261. [30] Costa, L.F.; Penso, M. A. & Feres-Carneiro, T. (1992). As possibilidades de saúde a partir da separação conjugal. Psicologia: Teoria e Pesquisa , v.8, n. 3, 250-261.

[42] Klesse, C. (2006). Poliamory and its ‘others’: contesting the terms of non-monogamy. Sexualities , v.9, n.5, 565-583.

[43] Barker, M. (2005). This is my partner, and this is my partner’s partner: constructing a polyamorous identity in a monogamous world. Journal of Constructivist Psychology , v.18, p.75-88.

[44] Anapol, D. (1997). Poliamory: the new love without limits. São Rafael, CA: IntiNet Resource Center.

[45] Lano, K e Parry, C. (1995). Preface. Em K. Lano e C. Parry (org.). Breaking the barriers to desire. Nottingham: Five Leaves Publications.

[46] Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2003.

[47] Bardin, L. (2003). L’analyse de contenu et de la forme des communications. Em S. Moscovici & F. Buschini(orgs.). Les méthodes des sciences humaines. Paris: PUF, p. 243-270.

[48] Alceste (2007). Alceste: un logiciel d’analyse de données textuelles. Manuel d’utilisation. Toulouse: Image.