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A evolução histórica do sistema tributário brasileiro, com âncoras na constituição de 1934 e na constituição de 1946. Descreve a importância crescente dos impostos sobre consumo e rendimentos, a participação dos estados e municípios no imposto único, e as transferências de impostos institucionalizadas. Além disso, discute as limitações e restrições à utilização dos recursos, a redução da participação dos impostos na receita tributária municipal, e as críticas à tributação, incluindo a necessidade de reformas.
Tipologia: Notas de estudo
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A EVOLUÇÃO DO SISTEMA TRIBUTÁRIO
BRASILEIRO AO LONGO DO SÉCULO: ANOTAÇÕES E REFLEXÕES PARA FUTURAS REFORMAS*
Ricardo Varsano**
Rio de Janeiro, janeiro de 1996
** Coordenador Geral de Estudos Setoriais da Diretoria de Pesquisa do IPEA.
O IPEA é uma fundação pública vinculada ao Ministério do Planejamento e Orçamento, cujas finalidades são: auxiliar o ministro na elaboração e no acompanhamento da política econômica e prover atividades de pesquisa econômica aplicada nas áreas fiscal, financeira, externa e de desenvolvimento setorial.
Presidente Fernando Rezende
Diretoria Claudio Monteiro Considera Luís Fernando Tironi Gustavo Maia Gomes Mariano de Matos Macedo Luiz Antonio de Souza Cordeiro Murilo Lôbo
TEXTO PARA DISCUSSÃO tem o objetivo de divulgar resultados de estudos desenvolvidos direta ou indiretamente pelo IPEA, bem como trabalhos considerados de relevância para disseminação pelo Instituto, para informar profissionais especializados e colher sugestões.
ISSN 1415-
Rio de Janeiro – RJ Av. Presidente Antônio Carlos, 51 – 14º andar – CEP 20020- Telefax: (021) 220- E-mail: editrj@ipea.gov.br
Brasília – DF SBS Q. 1 Bl. J, Ed. BNDES – 10º andar – CEP 70076- Telefax: (061) 315- E-mail: editbsb@ipea.gov.br
© IPEA, 1998 É permitida a reprodução deste texto, desde que obrigatoriamente citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são rigorosamente proibidas.
REFLEXÕES PARA FUTURAS REFORMAS
1. I NTRODUÇÃO
O Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional, em agosto de 1995, uma proposta de emenda à Constituição que reforma o sistema tributário brasileiro. A emenda, ora em fase de apreciação por uma comissão do Congresso, restringe-se às disposições contidas no capítulo do sistema tributário da Constituição. Trata-se de uma reforma parcial; em particular, não se consideram as contribuições sociais, tratadas em outro capítulo da Constituição, que, reconhecidamente, carecem de aperfeiçoamentos. A proposta, a despeito de ser acusada de tímida por alguns, tem sido objeto de intensa discussão, o que, por si só, demonstra que ela é mais importante do que seus acusadores crêem. A reforma proposta certamente não será a última, talvez nem mesmo a última deste século, posto que, como se argumentará em uma passagem deste texto, as mudanças que ocorrem no ambiente econômico garantem a evolução permanente do sistema tributário. Ela sugere, porém, mudanças importantes para o aprimoramento do sistema tributário brasileiro.
Este artigo discute a evolução do sistema tributário brasileiro desde a primeira Constituição republicana, com a intenção de retirar daí ensinamentos que possam ser úteis para futuras reformas. Por não se tratar de mero relato de fatos, estando o conteúdo do trabalho certamente contaminado por interpretações do autor, as conclusões a respeito da direção que se deve imprimir à tributação no Brasil, que é a adotada na proposta do Poder Executivo, estão sujeitas à contestação daqueles que têm uma visão diferente do processo de evolução dos sistemas tributários em geral e, em especial, do brasileiro.
A Seção 2 relata brevemente a evolução do sistema tributário brasileiro desde a Proclamação da República até a década de 60. A Seção 3 detém-se na análise da reforma tributária daquela década e na evolução da tributação até 1988 quando, no processo de elaboração da Constituição ora vigente, nova reforma de monta ocorreu. Esta reforma é a matéria da Seção 4, que considera também a evolução recente do sistema tributário. A última parte do trabalho, utilizando o relato das seções anteriores e agregando reflexões do autor, discute três temas: reforma versus “revolução” tributária como parte do processo de evolução do sistema; aspectos do federalismo fiscal brasileiro; e objetivos desejáveis de futuras reformas tributárias no Brasil, bem como dificuldades encontradas para atingi-los.
REFLEXÕES PARA FUTURAS REFORMAS
2. BREVE HISTÓRICO DA TRIBUTAÇÃO NO BRASIL: 1891/1965^1
A República brasileira herdou do Império boa parte da estrutura tributária que esteve em vigor até a década de 30. Sendo a economia eminentemente agrícola e extremamente aberta, a principal fonte de receitas públicas durante o Império era o comércio exterior, particularmente o imposto de importação que, em alguns exercícios, chegou a corresponder a cerca de 2/3 da receita pública. Às vésperas da proclamação da República este imposto era responsável por aproximadamente metade da receita total do governo.
A Constituição de 24 de fevereiro de 1891 adotou, sem maiores modificações, a composição do sistema tributário existente ao final do Império. Porém, tendo em vista a adoção do regime federativo, era necessário dotar os estados e municípios de receitas que lhes permitissem a autonomia financeira. Foi adotado o regime de separação de fontes tributárias, sendo discriminados os impostos de competência exclusiva da União e dos estados. Ao governo central couberam privativamente o imposto de importação, os direitos de entrada, saída e estadia de navios, taxas de selo e taxas de correios e telégrafos federais; aos estados, foi concedida a competência exclusiva para decretar impostos sobre a exportação, sobre imóveis rurais e urbanos, sobre a transmissão de propriedades e sobre indústrias e profissões, além de taxas de selo e contribuições concernentes a seus correios e telégrafos. Quanto aos municípios, ficaram os estados encarregados de fixar os impostos municipais de forma a assegurar-lhes a autonomia. Além disto, tanto a União como os estados tinham poder para criar outras receitas tributárias.^2
Observa-se que os impostos discriminados na Constituição são tributos sobre o comércio exterior ou impostos tradicionais sobre a propriedade ou sobre a produção e as transações internas. Existiam ainda à época da proclamação da República impostos sobre vencimentos pagos por cofres públicos e sobre benefícios distribuídos por sociedades anônimas. Rendas de diversas outras fontes foram incorporadas à base tributária durante as primeiras décadas da República mas, somente a partir de 1924, o governo instituiu um imposto de renda geral.^3 Quanto à tributação de fluxos internos de produtos, desde 1892 foi estabelecida a cobrança de um imposto sobre o fumo. Ainda antes do final do século a tributação
(^1) Esta seção reproduz, com algumas modificações, a seção 2 de E. Lezan e R. Varsano,
O Sistema Tributário Brasileiro , mimeo, 1981, um relatório da pesquisa realizada pelos autores na Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.
(^2) Constituição de 24 de fevereiro de 1891, arts. 7º, 9º, 10, 11, 12 e 68. A reforma
constitucional de 7 de setembro de 1926 não alterou as disposições referentes à tributação.
(^3) Lei nº 4.783, de 31 de dezembro de 1923.
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eram atribuídos privativamente, mas tais impostos seriam arrecadados pelos estados que entregariam 30% da arrecadação à União e 20% ao município de onde originasse a arrecadação. Também o imposto de indústrias e profissões, cobrado pelos estados, teria sua arrecadação repartida entre estados e municípios, cabendo a cada um metade da mesma.
A Constituição de 10 de novembro de 1937 pouco modificou o sistema tributário estabelecido pela Constituição anterior. Em relação a esta, os estados perderam a competência privativa para tributar o consumo de combustíveis de motor de explosão e aos municípios foi retirada a competência para tributar a renda das propriedades rurais. Por outro lado, o campo residual passou a pertencer somente aos estados, sem qualquer repartição da arrecadação. Em 1940, a Lei Constitucional nº 3 vedou aos estados o lançamento de tributos sobre o carvão mineral nacional e sobre combustíveis e lubrificantes líquidos e a nº 4 incluiu na competência privativa da União o imposto único sobre a produção, o comércio, a distribuição, o consumo, a importação e a exportação de carvão mineral e dos combustíveis e lubrificantes líquidos de qualquer origem. 5
Em face das limitações impostas à cobrança do imposto de exportação pela Constituição de 1934, o imposto de vendas e consignações tornou- se rapidamente a principal fonte de receita estadual correspondendo, no início da década de 40, a cerca de 45% da receita tributária dos estados, enquanto a participação do imposto de exportação caía para pouco mais que 10%, inferior às dos impostos de transmissão inter vivos e de indústrias e profissões. Em 1946, o imposto de vendas e consignações já era responsável por cerca de 60% da receita tributária estadual. Nos municípios, os impostos sobre indústrias e profissões e predial permaneceram como os mais importantes, correspondendo a pouco menos que 40 e 30% da receita tributária, respectivamente.
Quanto à composição da receita tributária federal, o imposto de importação permaneceu como a mais importante fonte de receita até o final da década de 30 quando foi superado pelo imposto de consumo. Em virtude da Segunda Guerra Mundial, sua participação no total da receita federal reduziu-se bruscamente em 1942. A partir daí, ele deixou de ser uma fonte importante de receita para o governo federal, posto que, tendo tomado a forma de imposto específico desde 1934, não teve, em presença da inflação, seu valor reajustado. A pouca importância relativa da receita por ele gerada certamente facilitou a decisão de utilizá-lo principalmente como instrumento de política econômica a partir da década de 50.
(^5) Lei Constitucional nº 3, de 18 de setembro de 1940, e Lei Constitucional nº 4, de 20 de
setembro de 1940.
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Em 1946, o imposto de consumo era responsável por aproximadamente 40% da receita tributária da União e o IR -- imposto de renda -- , cuja arrecadação chegou a superar a do imposto de consumo em 1944, representava cerca de 27% da mesma. O Brasil ingressa na fase em que a tributação explora principalmente bases domésticas ao mesmo tempo em que começava um processo de desenvolvimento industrial sustentado.
A Constituição de 18 de setembro de 1946 trouxe poucas modificações no que concerne ao elenco de tributos utilizados no país. Ela mostra, entretanto, a intenção de aumentar a dotação de recursos dos municípios. Dois novos impostos são adicionados à sua área de competência: o imposto sobre atos de sua economia ou assuntos de sua competência (imposto do selo municipal) e o imposto de indústrias e profissões, o último pertencente anteriormente aos estados mas já arrecadado em parte pelos municípios. Estas unidades de governo passam também a participar (excluídos os municípios de capitais) de 10% da arrecadação do IR e de 30% do excesso sobre a arrecadação municipal da arrecadação estadual (exclusive imposto de exportação) no território do município, bem como do imposto único sobre combustíveis e lubrificantes, energia elétrica e minerais do país, de competência da União.
Os estados, que haviam perdido em 1940 o direito de tributar os combustíveis, passaram também a ter participação no imposto único, mas cederam integralmente o imposto de indústrias e profissões aos municípios e tiveram a alíquota máxima do imposto de exportação limitada a 5%.^6 A competência residual voltou a ser exercida pela União e pelos estados, estes recolhendo os impostos que viessem a ser criados e entregando 20% do produto da arrecadação à União e 40% aos municípios.
Assim, embora não tenha promovido uma reforma da estrutura tributária, a Constituição de 1946 modificou profundamente a discriminação de rendas entre as esferas do governo, institucionalizando um sistema de transferências de impostos. Este sistema foi, mais tarde, já no início da década de 60, reforçado pela Emenda Constitucional nº 5 que atribuiu aos municípios 10% da arrecadação do imposto de consumo e aumentou de 10 para 15% a participação dos mesmos no IR. Esta Emenda também transferiu da órbita estadual para a municipal os impostos sobre a transmissão de propriedades inter vivos e sobre a propriedade territorial rural. Este último foi transferido para a competência da União pela Emenda Constitucional nº 10, cabendo a esta, entretanto, entregar o
(^6) A Lei nº 302, de 13 de julho de 1948, fixou em 48 e 12%, respectivamente, as
participações dos estados e municípios no imposto único.
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3. A REFORMA DA DÉCADA DE 60 E A E VOLUÇÃO DO S ISTEMA TRIBUTÁRIO ATÉ 1988
A partir da década de 50, o governo brasileiro comandou um esforço de desenvolvimento industrial, criando o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) em 1952 e buscando atrair capital estrangeiro para o país, através de favores financeiros e cambiais e pela transformação do imposto de importação, àquela altura com participação desprezível no financiamento dos gastos públicos, em instrumento de proteção à indústria doméstica. Em 1959, com a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) tem início o apoio sistemático ao desenvolvimento regional.
O apoio à industrialização e ao desenvolvimento regional gerou um crescimento das despesas que não pode ser acompanhado pelo das receitas. Assim, a despesa do Tesouro Nacional, ao redor de 8% do PIB no final da década de 40, elevou-se para 11% a partir de 1957 e, no início dos anos 60, atingiu a marca dos 13% do PIB.
Nessa época, o sistema tributário mostrava insuficiência até mesmo para manter a carga tributária que vinha conseguindo gerar na década de 50. Como as despesas continuaram a crescer aceleradamente, o déficit do Tesouro ultrapassou, em 1962 e 1963, a marca dos 4% do PIB. Não existindo uma estrutura institucional que possibilitasse o seu financiamento por meio de endividamento público, o déficit foi coberto quase que totalmente através de emissões. A taxa de inflação anual, que era da ordem de 12% em 1950 e já atingia 29% em 1960, elevou-se rapidamente para 37 e 52% nos anos seguintes e saltou para 74% em
Para fazer frente à crise econômica e política que o país atravessava, formava-se uma consciência da necessidade de reorganização de quase todos os setores da vida nacional, de "reformas de base". Neste contexto, a reforma tributária era vista como prioritária não só para resolver o problema orçamentário como para prover os recursos necessários às demais reformas.
Reconhecia-se que o passo mais importante seria a reestruturação do aparelho arrecadador. O próprio Ministro da Fazenda na época estimava que seria possível, apenas com a melhoria da administração fazendária, sem qualquer mudança nos tributos, arrecadar adicionalmente, no mínimo, valor equivalente a 2/3 da receita estimada para 1963. Nessas circunstâncias, a forma encontrada para se conseguir o aumento da receita -- constantes alterações na legislação visando expandir a base tributária ou elevar a carga de alguns impostos -- vinha encontrando crescentes reações por parte de segmentos influentes da sociedade. Nas
(^8) As taxas de inflação mencionadas no texto correspondem a variações das médias
anuais do Índice Geral de Preços da Fundação Getulio Vargas.
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palavras de Ulhôa Canto (1963): "(...) o fisco brasileiro perdeu toda espiritualidade (...); visa, tão-somente, obter dinheiro, seja como for, de quem puder ser, pelas formas que se afigurem mais fáceis e produtivas".
O reaparelhamento do sistema arrecadador era, contudo, considerado insuficiente para resolver a questão tributária, posto que a principal crítica à tributação era a excessiva carga incidente sobre o setor produtivo, tanto devido à cumulatividade do imposto de consumo como ao progressivo aumento do imposto de renda de pessoas jurídicas. As alterações introduzidas em 1962 na legislação do imposto de renda de pessoas físicas, que visaram, principalmente, ampliar a tributação sobre os rendimentos de capital, bem como criar formas de controle de sua evasão -- por exemplo, exigindo a declaração de bens --, certamente aumentaram a indignação das elites econômicas contra o sistema tributário vigente. 9
Não só a reforma, reclamada como "inadiável" desde 1947 -- apenas um ano após a promulgação da Constituição --, estava madura como havia idéias claras sobre seu rumo: a ) garantir aumento das receitas fiscais para permitir redução dos déficits do governo; b ) melhorar a eficiência do aparelho arrecadador; c ) eliminar os entraves à capitalização das empresas e instituir novos e eficientes estímulos aos investimentos; d ) rever a legislação referente aos tributos federais, notadamente visando a simplificação e racionalização, e, no caso do imposto de consumo, à correção de sua incidência a fim de "eliminar as superposições relativas aos elementos componentes do produto, transformando-o de fato em imposto sobre o consumo, e não, como atualmente, imposto sobre a produção"; e e ) rever a discriminação de rendas entre as três esferas de governo, alterando competências quando inapropriadas e condensando o sistema de impostos "eliminando alguns, substituindo outros e unificando diversos".^10
No final de 1963, foi criada a Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda com a tarefa de reorganizar e modernizar a administração fiscal federal. Previa-se que os fatos e informações analisados levariam a uma expansão das tarefas e até à revisão global do sistema tributário, o que de fato ocorreu. 11
(^9) Contrariamente à filosofia original de centrar a arrecadação do imposto de renda na
pessoa física, a receita proveniente de pessoas jurídicas tornou-se, progressivamente, a dominante (50 contra 30% das pessoas físicas por volta de 1960). As alterações do imposto de pessoas físicas em 1962 foram introduzidas pelas Leis nºs 4.069 e 4.154.
(^10) Os itens relacionados e as citações constam de estudo preliminar elaborado pelo
Conselho do Desenvolvimento, para exame em nível técnico do governo federal, datado de setembro de 1992 [ver Canto (1963)].
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que fossem primordialmente instrumentos da política econômica -- como os impostos sobre o comércio exterior e sobre operações financeiras -- bem como da forma de utilização dos recursos tributários. A reforma previa, no entanto, que os estados e municípios contassem com recursos suficientes para desempenhar suas funções sem atrapalhar o processo de crescimento, principalmente através da arrecadação do ICM -- imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias -- e de um sistema de transferências intergovernamentais, que garantia receita para as unidades cuja capacidade tributária fosse precária.
Para assegurar a não-interferência das unidades subnacionais na definição e controle do processo de crescimento, o seu grau de autonomia fiscal precisava ser severamente restringido. Assim, o poder concedido aos estados para legislar em matéria relativa ao ICM foi limitado, de modo que o imposto gerasse arrecadação sem que pudesse ser usado como instrumento de política; e os recursos transferidos foram, em parte, vinculados a gastos compatíveis com os objetivos fixados pelo governo central.
Após completada a reforma, os estados sofreram limitações adicionais ao seu poder de tributar e, já em 1968, no auge do autoritarismo, também as transferências foram restringidas. O Ato Complementar nº 40/68 reduziu, de 10 para 5%, os percentuais do produto da arrecadação do IR e do IPI destinados aos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios (FPE e FPM), respectivamente. Em contrapartida, criou o Fundo Especial (FE), cuja distribuição e utilização dos recursos eram inteiramente decididas pelo Poder Central, destinando a ele 2% do produto da arrecadação daqueles tributos. O Ato também condicionou a entrega das cotas dos fundos a diversos fatores, inclusive à forma de utilização dos recursos. A autonomia fiscal dos estados e municípios foi reduzida ao seu nível mínimo, aí permanecendo até 1975.
A despeito da intensa concessão de incentivos fiscais, a carga tributária do país conseguiu se sustentar acima de 25% do PIB até 1978, com a União arrecadando aproximadamente 3/4 do montante de recursos e dispondo, após as transferências para estados e municípios, de cerca de 2/3 dos mesmos. Contudo, desde 1970 já era evidente para o governo que a concessão dos incentivos corroía excessivamente a receita. Para reforçar suas fontes de financiamento, o governo federal criou o PIS -- contribuição para o Programa de Integração Social --, que marca o ressurgimento no país da cumulatividade na tributação. Determinou também que parcela do valor dos incentivos concedidos fosse direcionada para o Programa de Integração Nacional (PIN) e o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agropecuária do Norte e Nordeste (Proterra), reduzindo praticamente à metade o valor dos incentivos concedidos através do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas. Embora relacionados pela legislação aos incentivos fiscais -- um subterfúgio utilizado na época para evitar a distribuição de parcela
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desses recursos, através do FPE e do FPM, aos estados e municípios -- os recursos do PIN e do Proterra são, de fato, receitas vinculadas.
Ao encerrar-se a fase do "milagre brasileiro", o sistema tributário já começava a mostrar os primeiros sinais de exaustão. A proliferação dos incentivos fiscais havia enfraquecido a sua capacidade de arrecadar e, a partir de 1975, o sistema praticamente deixou de ser utilizado como instrumento para novas políticas. Suas más características quanto à eqüidade haviam se acentuado a ponto de exigir ajustes na legislação do IR, realizados em 1974, com o intuito de mitigar a regressividade da tributação. Os estados e municípios começavam a esboçar reação ao baixo grau de autonomia, o que sustou o processo de crescente centralização das decisões a que haviam sido submetidos e gerou a Emenda Constitucional nº 5/75, que elevou os percentuais de destinação de recursos ao FPE e ao FPM a partir de 1976.
No período 1979/83, a despeito da recessão que caracterizou seus anos finais, ainda foi possível -- através de freqüentes alterações na legislação e pela sustação da criação de novos incentivos e eliminação de alguns já existentes -- manter a carga tributária oscilando entre 24,5 e 27% do PIB. É interessante observar que as iniciativas no sentido de promover a desconcentração de recursos através de medidas legais, como a mencionada Emenda Constitucional nº 5/75 e a nº 17/80, não surtiram qualquer efeito até 1983. Estas emendas elevaram progressivamente os percentuais do produto da arrecadação do IR e do IPI destinados ao FPE e ao FPM que, de 5% em 1975, atingiram 10,5% em 1982 e 1983. Nesse ano, as participações da União tanto na arrecadação como na receita tributária disponível do setor público alcançaram picos históricos. Em outras palavras, a cada ação no sentido de descentralizar os recursos corresponderam reações da União que as neutralizaram. O total das transferências tributárias da União para estados e municípios manteve- se, desde 1976 até 1983, ano a ano, na faixa de 8,5 a 9,5% da sua receita tributária, a despeito do aumento dos percentuais de destinação de recursos aos fundos.
A impressionante quantidade de alterações processadas na legislação tributária na década de 80, quase sempre -- como no início da década de 60 --, com o objetivo de sustentar o nível da arrecadação que podia ser obtida por um sistema reconhecidamente deficiente, conseguiu evitar que a carga tributária se reduzisse drasticamente a partir de 1984. Entre aquele ano e 1988, ela se manteve em nível apenas ligeiramente inferior ao observado até 1983, oscilando entre 23,4 e 24,3%, com exceção de 1986, ano do Plano Cruzado, em que atingiu 26,5%.
Embora o esforço legislativo tenha comprometido a qualidade da tributação, inclusive criando mais um tributo cumulativo, o Finsocial -- contribuição para o Fundo de Financiamento Social -- , e transformando o IPI e o ICM em tributos pouco semelhantes ao que se concebe ser um
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preparando assim o projeto de Constituição a ser encaminhado à votação em plenário. A previsão era de um processo rápido que desse ao país uma nova Constituição ainda em 1987.
Tal processo, sem dúvida, era profundamente democrático, pois permitia intensa participação de todos os constituintes e até mesmo a participação direta da população, através das chamadas emendas populares. Permitia também total liberdade de concepção, o que não havia ocorrido em processos constitucionais anteriores que, por se basearem em textos previamente preparados por especialistas, tendiam a limitar a discussão aos tópicos ali expostos e já eivados pelos vieses dos autores.
Conseguiu-se mediante esse procedimento promover o debate mais amplo de que se tem notícia na história do Brasil. Mas o processo, ímpar e não testado, tinha riscos altos. A dificuldade de coordenar um processo dessa envergadura e o prazo muito curto preestabelecido para ele -- e tardiamente prorrogado diversas vezes -- acabaram por vitimar o projeto de Estado que, ao final, foi impresso na Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988.
A Assembléia Nacional Constituinte, a despeito da amplitude do debate que promoveu, ao fracionar a discussão do papel do Estado por quase todas as comissões -- enquanto em uma delas se desenhava, isoladamente, o sistema tributário --, criou um sistema de financiamento insuficiente para o tamanho do Estado implicitamente definido nas diversas comissões. Este, por sua vez, não se fundamentou em uma previsão realista da disponibilidade de recursos para o financiamento de suas ações. A situação de desequilíbrio orçamentário que já existia, ao invés de ser eliminada, consolidou-se.
O caráter eminentemente político do processo de reforma e a deficiência de informação a respeito das condições mais recentes das finanças públicas impediram que a recuperação da carga tributária fosse listada entre os objetivos da reforma. A reação natural a 20 anos de concentração do poder político alçou o fortalecimento da Federação à condição de seu principal objetivo. Tal objetivo exigia, no que diz respeito às finanças públicas, o aumento do grau de autonomia fiscal dos estados e municípios, a desconcentração dos recursos tributários disponíveis e a transferência de encargos da União para aquelas unidades.
A ampliação do grau de autonomia fiscal dos estados e municípios resultou de diversas alterações na tributação até então vigente: atribuiu- se competência a cada um dos estados para fixar autonomamente as alíquotas do seu principal imposto, o ICMS (imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação), sucessor do ICM; eliminou-se a faculdade, atribuída pela Constituição anterior à União, de conceder isenções de impostos estaduais e municipais; e
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vedou-se a imposição de condições ou restrições à entrega e ao emprego de recursos distribuídos àquelas unidades.
Algumas das limitações ainda impostas ao poder dos estados para legislar a respeito do ICMS, bem como deficiências nas características econômicas deste imposto e do sistema tributário como um todo, poderiam ter sido evitadas não fossem as resistências a inovações e a qualquer modificação que implicasse redução de receita -- ainda que outras alterações mais que compensassem tais perdas -- , oferecidas por governos estaduais e municipais, bem como por grupos de constituintes ("regionalistas" e "municipalistas"). A nítida preferência desses governos por recursos transferidos vis-à-vis sua obtenção mediante esforço fazendário próprio resultou também, diante da omissão das autoridades fazendárias federais no processo de concepção do sistema tributário, no excessivo aumento das transferências.
Os percentuais do produto da arrecadação de IR e IPI destinados ao FPE e ao FPM foram, outra vez, progressivamente ampliados, chegando, a partir de 1993, a 21,5 e 22,5%, respectivamente. O montante transferido pelos estados para os municípios também cresceu consideravelmente, tanto pelo alargamento da base do principal imposto estadual como pelo aumento do percentual de sua arrecadação destinado àquelas unidades, de 20 para 25%. Criou-se também uma partilha de IPI, cabendo aos estados 10% da arrecadação do imposto, repartido em proporção à exportação de produtos manufaturados. Desse montante, 25% são entregues pelos estados a seus respectivos municípios. O FE foi extinto, contudo mais que o seu montante (3% da arrecadação do IR e do IPI, ao invés dos 2% que compunham o fundo) é destinado a programas de financiamento ao setor produtivo das regiões Norte, Nordeste e Centro- Oeste, através das instituições financeiras federais de caráter regional.
A perda de recursos disponíveis da União, resultante do aumento das transferências e da eliminação de cinco impostos, cujas bases foram incorporadas à do ICM para formar o campo de incidência do ICMS, requereria ajustes, o mais óbvio dos quais -- e compatível com o objetivo de fortalecer a Federação -- é a descentralização de encargos. Como esta não pode ocorrer instantaneamente, o projeto de sistema tributário da Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças da Assembléia Nacional Constituinte continha uma disposição transitória que criava um fundo para garantir recursos adicionais aos estados e municípios durante o período de transição, com o objetivo de organizar o processo de descentralização e assegurar a continuidade dos serviços nele incluídos.
Tal fundo seria alimentado com a arrecadação do Finsocial bem como por outros recursos que a União determinasse. Mediante acordos, estados e municípios receberiam, por tempo determinado, recursos que financiassem parcialmente os encargos concomitantemente assumidos.
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concorrente das três esferas de governo para um conjunto de importantes atividades, atribuindo à lei complementar a fixação das normas para cooperação entre elas. Como a legislação complementar não foi até agora elaborada, ficaram indefinidos os papéis de cada um dos níveis de governo na prestação dos serviços, o que pode resultar em duplicação de esforços ou omissão do Estado nas tarefas que lhe cabe executar.
Em suma, a Constituição de 1988, além de consolidar uma situação de desequilíbrio do setor público, concentrou a insuficiência de recursos na União e não proveu os meios, legais e financeiros, para que houvesse um processo ordenado de descentralização dos encargos. Por isso, tão logo ela foi promulgada, já se reclamava nova reforma do Estado brasileiro.
Verifica-se que, após 1989 -- ano em que, além da natural dificuldade de transição para um novo sistema tributário, a arrecadação foi prejudicada pela vigorosa aceleração da inflação --, a carga tributária tem superado os níveis alcançados nas décadas anteriores. O nível anormalmente alto observado em 1990 (29,6%) é explicado pelo Plano Collor que, mediante medidas excepcionais e de curta duração, possibilitou um aumento temporário da receita federal e, pelo seu impacto sobre o nível da inflação, permitiu melhor desempenho da arrecadação nas três esferas de governo, via redução do efeito Tanzi.
Houve, como esperado, uma mudança na distribuição das receitas entre os três níveis de governo. Desde o início da vigência do novo sistema tributário, a receita própria da União -- exceto em 1990, pelo motivo já apontado -- foi inferior aos patamares anteriormente alcançados; o crescimento da carga tributária ocorreu nos estados e municípios, proporcionalmente mais nos últimos, onde a arrecadação quase dobrou em relação aos níveis históricos. O quadro das receitas tributárias disponíveis, ou seja, após computadas as transferências intergovernamentais, mostra resultados semelhantes. Verifica-se, porém, que os estados, que desde 1976 eram beneficiários líquidos das transferências, passam a ter receita disponível menor que a arrecadada, embora seu nível seja superior aos registrados em quase todos os anos desde então. É nos municípios, porém, que ocorrem os maiores ganhos.
Não restam dúvidas de que a Constituição de 1988 reduziu os recursos disponíveis para a União, via aumento das transferências tributárias e limitação de suas bases impositivas. Mas o exposto anteriormente deixa claro também que a Constituição não é a única responsável -- nem mesmo a principal -- pelas dificuldades financeiras da União: a perda de recursos da União já vinha ocorrendo desde 1984. Outros fatores que explicam tais dificuldades são a estagnação econômica, que, à véspera do Plano Real, já completava 14 anos quase ininterruptos, a aceleração da inflação e o estado deplorável a que se deixou chegar a administração fazendária.
REFLEXÕES PARA FUTURAS REFORMAS
No período pós-Constituição, o governo federal, para enfrentar o seu desequilíbrio fiscal e financeiro crônico, adotou sucessivas medidas para compensar suas perdas, que pioraram a qualidade da tributação e dos serviços prestados. Na área tributária ocorreram a criação de novos tributos e elevação das alíquotas dos já existentes, em particular daqueles não sujeitos à partilha com estados e municípios. Alguns exemplos são a criação da contribuição, prevista na Constituição, incidente sobre o lucro líquido das empresas (1989), o aumento da alíquota da Cofins de 0,5% para 2% e também das do imposto sobre operações financeiras (1990), e a criação do Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF), mais um tributo cumulativo (1993). 13
Os estados e municípios, ainda que favorecidos pelo aumento da receita tributária, continuaram, principalmente os primeiros, com dificuldades financeiras, diante do estoque de suas dívidas passadas e do aumento de suas despesas correntes. Comparando-se 1988 e 1990, para que se tenha uma idéia da dimensão desta questão, verifica-se que os estados tiveram um aumento de receita disponível de cerca de 2% do PIB, mas despenderam 74% deste ganho com aumento de despesas correntes (principalmente gastos com pessoal). Nos municípios, 30% da receita adicional, que foi da mesma ordem de grandeza da dos estados, foram gastos com aumento de despesas com salários [ver Oliveira (1993)].
Os incrementos nos dispêndios resultaram, por um lado, da pressão do funcionalismo por aumentos de salários e, por outro, do fato de os estados e municípios terem ampliado seus gastos nas área sociais, principalmente saúde e educação, onde são grandes as despesas com pessoal. A despeito do aumento dos gastos correntes, os municípios, beneficiados por maior participação nos recursos tributários das outras esferas de governo e mediante aumento do esforço próprio de arrecadação, conseguiram reduzir suas dívidas com as outras esferas governamentais.
Há que se destacar, ainda, que a crise econômica que o País vem vivendo desde o início dos anos 80 neutralizou parcialmente, pelo seus efeitos corrosivos sobre a arrecadação tributária, os ganhos obtidos pelos estados e, sobretudo, pelos municípios. Os estados, principalmente os mais ricos, além dos efeitos da crise, sofreram o impacto negativo sobre suas fontes de receita das "guerras fiscais". Quanto aos municípios, deve-se registrar que os benefícios da reforma tributária de 1988 não se distribuíram uniformemente. Devido à manutenção dos critérios de rateio do FPM que vigoravam anteriormente, os de médio e grande portes
(^13) A arrecadação dos impostos e contribuições federais sujeitos à repartição com os
governos subnacionais, que representava 51% do total da receita tributária em 1988, caiu para 42% em 1991 --não computadas as contribuições ao FGTS e ao Pis/Pasep [ver Afonso (1994)].