Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Reflexões sobre a paisagem sonora da música e as suas influências, Notas de aula de Música

Uma reflexão sobre a paisagem sonora da música e suas influências na vida cotidiana, particularmente em situações não-musicais. A autora estabelece uma análise da música nas rádios, sua capacidade de memorização e a relação com a longevidade da canção e dos respectivos ouvintes. Além disso, é feita uma distinção entre a música clássica e a música produzida nas últimas décadas, destacando a importância da qualidade técnica na captação de música em fitas cassete.

O que você vai aprender

  • Como a paisagem sonora interfere na vida cotidiana?
  • Como a música clássica se compara à música produzida nas últimas décadas?
  • Por que a qualidade técnica é importante na captação de música em fitas cassete?
  • Como a música nas rádios se adapta às diferentes audiências?
  • Qual é a relação entre a capacidade de memorização e a longevidade da canção?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

PorDoSol
PorDoSol 🇧🇷

4.5

(272)

654 documentos

1 / 15

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
1
Como uma onda no ar...
(Mais algumas reflexões sobre a paisagem sonora da escuta )
Profª Drª Heloísa de Araújo Duarte Valente1
Núcleo de Estudos em Música e Mídia MusiMid (coordenadora)
Depto de Música- Programa de Pós-Graduação
ECA-USP
Resumo: Partindo da idéia de que a paisagem sonora interfere na vida cotidiana de maneira
alienável, pretendo estabelecer uma reflexão sobre várias situações não-musicais mas,
ligadas ao universo da música, que acabam por delinear comportamentos específicos,
decorrentes da conformação das paisagens sonoras da escuta. Mais precisamente, estarei
apresentando alguns exemplos em que escuta, memória se contrapõem a conceitos estéticos
como velho e novo e como esses conceitos são geralmente, atribuídos simultaneamente a
seus ouvintes e seu repertório musical particular.
Palavras-chave: canção das mídias; escuta; paisagem sonora; memória; performance.
Os fantasmas se divertem....
No dia 25 de fevereiro de 2005, o jornal Folha de S. Paulo publica extensa matéria
no caderno Ilustrada com o título acima. Refere-se a uma festa, na capital paulista,
incluindo, dentre os convidados, nomes que habitaram a parada de sucessos da década de
1980, tais como Ritchie, Kid Vinil e Leoni. Passados os anos de glória, adotaram estes
personagens outras maneiras de garantir o seu sustento material, nem sempre na área
musical. Alguns deles, contudo, permanecem animando festas de formatura e afins ou
mesmo atuando na produção musical.
O título da reportagem (que faz alusão a um longa-metragem de sucesso na mesma
época em que esses artistas surgiram na mídia2) sugere, um tanto sutilmente, que a
1 Heloísa de Araújo Duarte Valente é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e pesquisadora
junto ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação em Música da Escola de Comunicações e Artes
(ECA-USP). É coordenadora do Núcleo de Estudos em Música e Mídia (MusiMid), Publicou: Os cantos da
voz: entre o ruído e o silêncio (Annablume, 1999) e As vozes da canção na mídia (Via Lettera/ Fapesp, 2003),
organizadora do volume Música e mídia: novas abordagens sobre a canção (Via Lettera; Fapesp, 2007), além
de diversos artigos em publicações científicas. ), também organizou os Encontros de Música e Mídia “As
múltiplas vozes da cidade” (2005) e “Verbalidades, musicalidades:temas, tramas e trânsitos (2006), ambos
realizados no SESC-Santos. Atualmente, desenvolve o projeto “A canção das mídias: memória e
nomadismo”, com financiamento do CNPq (Edital Universal) e Fapesp (Jovem Pesquisador).
Contato: musimid@gmail.com
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Reflexões sobre a paisagem sonora da música e as suas influências e outras Notas de aula em PDF para Música, somente na Docsity!

Como uma onda no ar...

(Mais algumas reflexões sobre a paisagem sonora da escuta )

Profª Drª Heloísa de Araújo Duarte Valente^1 Núcleo de Estudos em Música e Mídia – MusiMid (coordenadora) Depto de Música- Programa de Pós-Graduação ECA-USP

Resumo : Partindo da idéia de que a paisagem sonora interfere na vida cotidiana de maneira alienável, pretendo estabelecer uma reflexão sobre várias situações não-musicais mas, ligadas ao universo da música, que acabam por delinear comportamentos específicos, decorrentes da conformação das paisagens sonoras da escuta. Mais precisamente, estarei apresentando alguns exemplos em que escuta, memória se contrapõem a conceitos estéticos como velho e novo e como esses conceitos são geralmente, atribuídos simultaneamente a seus ouvintes e seu repertório musical particular.

Palavras-chave: canção das mídias; escuta; paisagem sonora; memória; performance.

Os fantasmas se divertem....

No dia 25 de fevereiro de 2005, o jornal Folha de S. Paulo publica extensa matéria no caderno Ilustrada com o título acima. Refere-se a uma festa, na capital paulista, incluindo, dentre os convidados, nomes que habitaram a parada de sucessos da década de 1980, tais como Ritchie, Kid Vinil e Leoni. Passados os anos de glória, adotaram estes personagens outras maneiras de garantir o seu sustento material, nem sempre na área musical. Alguns deles, contudo, permanecem animando festas de formatura e afins ou mesmo atuando na produção musical. O título da reportagem (que faz alusão a um longa-metragem de sucesso na mesma época em que esses artistas surgiram na mídia^2 ) sugere, um tanto sutilmente, que a

(^1) Heloísa de Araújo Duarte Valente é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e pesquisadora junto ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação em Música da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP). É coordenadora do Núcleo de Estudos em Música e Mídia (MusiMid ), Publicou: Os cantos da voz: entre o ruído e o silêncio (Annablume, 1999) e As vozes da canção na mídia (Via Lettera/ Fapesp, 2003), organizadora do volume Música e mídia: novas abordagens sobre a canção (Via Lettera; Fapesp, 2007), além de diversos artigos em publicações científicas. ), também organizou os Encontros de Música e Mídia –“As múltiplas vozes da cidade” (2005) e “Verbalidades, musicalidades:temas, tramas e trânsitos (2006), ambos realizados no SESC-Santos. Atualmente, desenvolve o projeto “A canção das mídias: memória e nomadismo”, com financiamento do CNPq (Edital Universal) e Fapesp (Jovem Pesquisador). Contato: musimid@gmail.com

produção musical da década de 1980 está enterrada, da mesma forma que seus protagonistas.. O evento paulistano seria uma forma de ressuscitar esses fantasmas... Com isso, o jornal refere-se à estética da década de 1980 como ultrapassada, para os parâmetros do gosto hodierno, ou à velhice propriamente dita dos protagonistas citados na matéria? Vale lembrar: esses músicos, assim como significativa parte dos seus fãs, encontram-se hoje na casa dos quarenta anos. Ao contrário de há um século atrás, a adolescência prolongou-se e, nesses termos, um quarentão hoje não é exatamente um ancião... Ainda assim, sub-repticiamente, uma apologia à juventude perpassa, no conteúdo de periódicos como a Folha e não raro sem maiores escrúpulos. Isso nos leva a indagar: em que medida o próprio repertório intelectual dos articulistas e do conselho editorial estaria influenciando a formação do ideário do leitor comum? E, mais ainda: os jornalistas estariam adotando, ainda que involuntariamente, uma espécie de jabá^3 silencioso, manifestado no próprio texto, ou seja: na diagramação, nos tipos gráficos, nas manchetes e fotografias?^4 Se a década de 1980 não está cronologicamente distante, em tempos onde os hits têm vida fugaz, um intervalo de vinte anos pode parecer uma eternidade! Contrariamente aos clássicos^5 , que ignoram a passagem do tempo, tornando-se marcos referenciais sonoros, a grande maioria dos sucessos produzidos nas últimas três décadas não se sustenta, por não conter a mesma complexidade intrínseca, grau de inovação na linguagem relevante. Se Yesterday , dos Beatles, ainda permanecem novos, o mesmo não se pode falar de Menina veneno (1983) sucesso estrondoso, tomou conta das rádios paulistanas por mais de dois meses^6 , registrando a venda de não menos que R$ 1 200 000,00, segundo informações

(^2) Beetlejuice , Tim Burton, 1988). (^3) Jabá é o termo utilizado na indústria do disco para designar a promoção de sucessos nas rádios, normalmente sem o pagamento de cachê aos artistas. 4 Por exemplo: a escolha de tipos como Art Nouveau, gótico não raro relacionam-se a antiguidade. A escolha de fotografias desbotadas, ou mesmo tendo como panorama objetos vetustos ou extintos também pode associar, de modo indireto, a idéia de 5 velho a obsoleto. Utilizo o vocábulo clássico para designar as obras que, por razões diversas estabeleceram-se como modelos de referência no âmbito de uma linguagem artística; no caso presente, a música. Nesse sentido, podem ser consideradas clássicas muitas obras de compositores normalmente enquadrados dentro dessa categoria, tais como Bach, Beethoven, Haydn, mas também George Gershwin, Tom Jobim, Astor Piazzolla, Charles Trenet. 6 Restrinjo-me à cidade de São Paulo por não ter em mãos dados referentes ao país, como um todo, mas é muito provável que o mesmo sucesso tenha tomado conta das principais cidades do país, com a mesma intensidade.

Essa indagação impõe uma série de desdobramentos, a serem realizados em pesquisas futuras de longo prazo. Para levar adiante esta pesquisa, tomarei, como referência algumas circunstâncias (nem sempre musicais) que estão ligadas à canção composta, executada, vendida, escutada durante nas duas últimas décadas, com o objetivo de apontar algumas variações nas formas de comportamento ante a recepção musical e a alguns valores que a ela se agregam. Vale dizer que tal abordagem será muito parcial: trata-se de um estudo preliminar que deverá centrar-se, primordialmente, nas formas de relacionamento do ouvinte com as formas de escuta.

No fluir das ondas...

Comecemos pelo rádio, em número de receptores simultâneos, a mais abrangente mídia sonora. Esta determina, em grande medida, as formas de elaboração de preferências de repertório e de modos de escuta, desde os seus primórdios em ondas curtas, passando pelas ondas longas (OM), pela freqüência modulada (FM) até a Internet. Atentemos para a FM, que se disseminou a partir da década de 1970: funcionava como toca-discos, dada a sua capacidade de transmissão em alta-fidelidade e com potência, capaz de cobrir um vasto território acústico. Essa qualidade técnica permitiu a captação de música em fitas cassete, que constituiriam o repertório musical do ouvinte. Passados dez anos, a FM já computa um número de cem emissoras. Em 1990, surge a Rede Bandeirantes de Rádio, a primeira do Brasil a operar via satélite, dispondo de setenta emissoras FM e sessenta AM, em mais de oitenta regiões do País. Segundo dados do Ministério das Comunicações, o Brasil possui, hoje, aproximadamente 3.000 emissoras de rádio, sendo que distribuídas aproximadamente em 50% para AM e FM^11. Outro aspecto que se deve levar em consideração reside nas mudanças sofridas ao longo dos anos, na qualidade do sistema de transmissão e na necessidade de um retorno à oralidade, ora pleiteado pelos ouvintes da FM. Inicialmente reservada à música, pela melhor definição do sinal, acabou adquirindo características da AM, isto é, incluindo

(^11) Informação disponível em http://planeta.terra.com.br/arte/sarmentocampos/Historia.htm,. Segundo esta mesma fonte, “em 2001, 88% da população do país ouve rádio AM ou FM pelo menos uma vez por semana, segundo pesquisa da Ipsos-Marplan referente ao primeiro semestre de 2001 feita em nove estados brasileiros mais povoados”.

programas de entrevistas, noticiários, variedades e outros tipos de programação que fizessem, especialmente o ouvinte solitário, se sentir numa sala, conversando silenciosamente, com os apresentadores. Nessa transição, verifica-se que, década de 1980, um número razoável de locutores adotou um tom de fala muito particular, com determinadas alterações fonéticas, inflexões no fraseado, ao mesmo tempo em que a velocidade da fala acelerou-se. Muitos ruídos incidentais foram inseridos não apenas entre as canções, mas também sobre elas. O ritmo frenético impunha mixagens, de modo a colocar uma música emendada na subseqüente. O ouvinte de walkman certamente alterou o seu passo... Nas décadas de 1980-1990, verifica-se uma contínua segmentação, de modo atender os diferentes públicos que usufruem esse tipo de recepção musical. Surgem as emissoras que põem no ar apenas pagode, ou rock do mais antigo, MPB, ou mesmo jazz^12. Mesclando essas modalidades, passam a ocupar o espaço acústico as emissoras autodenominadas evangélicas. Ainda que atendendo a fins religiosos, a grande maioria dessas rádios transmite música, nos gêneros acima mencionados, diferenciando-se, tão somente, nas letras das canções. Sobre o tema, permito-me apresentar um recente trabalho de pesquisa.

O som barato: um barato para alguns... (milhões)

Em um estudo dedicado à paisagem sonora das rádios paulistanas, propus à radialista Marta Fonterrada – ela também interessada em paisagens sonoras- o seguinte trabalho: fazer um levantamento da programação das rádios de freqüência modulada e traçar um esboço da paisagem sonora paulistana. Este levantamento deveria ser, literalmente, em trânsito, de automóvel, anotando não apenas a programação, como também a qualidade do sinal. Imediatamente, a radialista prontificou-se à empreitada, que

(^12) Utilizo as denominações mencionadas pelas próprias emissoras, ainda que tais classificações pareçam ambíguas, como por exemplo, o que vem a ser, de fato, MPB?

utilizada na década de 80 na propaganda do cigarro Advance, um rock progressivo. O programa que escutei era sobre o tarô. Esses programas têm o objetivo não declarado de promover comercialmente alguma pessoa ligada à rádio, como é o caso do apresentador, que acabou de lançar um CD com as previsões para todos os meses de 2007, à venda nas lojas do ramo. Após dois dias de escuta programada, a pesquisadora, saturada pelo esforço que a empreitada lhe demanda, desabafa, consternada:

É preciso confessar que foi extremamente difícil manter total neutralidade do analista - tarefa que a atividade científica exige-, pois eu, como pesquisadora, não fui capaz de eximir-me de meus gostos, critérios e valores. Algumas transmissões ouvidas nessa maratona pelas rádios causaram-me repulsa, como, por exemplo, a programação de uma emissora que - no momento em que eu tentava sintonizar – apresentava uma música forró, de extremo mau gosto, sem maiores cuidados no que diz respeito a moral e bom costume, como por exemplo, a letra que anunciava que o cantor iria fazer algo na rachadinhada da cantora; esta gemia, retrucando que era muito bom. Não consegui identificar a emissora. Em outro horário, sintonizei novamente e a música tocada era uma romântica de mau gosto mas, desta vez, sem ferir a moral pequeno-burguesa.

Esta breve análise dá o depoimento de um testemunho auditivo (Schafer, 201) do rádio transmitido pelo rádio convencional, cuja transmissão se faz por antenas. Verifica-se, no geral, uma uniformização nos programas, com poucos traços característicos que possam diferenciar um do outro. Note-se, ainda, uma proliferação do popularesco-grotesco, sem que haja algum tipo de controle (estético) ou censura. O desdobramento dessa mídia, pela Internet, vem a oferecer novas possibilidades como, por exemplo, a ruptura com a transmissão em tempo real. Os dados podem ser carregados ao computador, sendo os programas ouvidos em condições de escuta diversas (locais fixos) ou mesmo em trânsito, tal como usualmente já se faz com filmes na televisão. O Podcast apresenta-se como uma nova tecnologia que possibilita a escuta programada, à la carte. Para o momento, paro por aqui, uma vez que gostaria de tratar de outro aspecto que diz respeito àquilo que denominei entorno da canção midiática.

Cantar junto entrega a idade!

A realidade cotidiana está permeada de música – e vice-versa. São raros os eventos que não tenham qualquer tipo de apoio nos produtos dessa linguagem. E não é para menos:

desde que as mídias sonoras surgiram, tornaram-se cada vez mais presentes, em todos os lugares e a todo instante, à medida que as diversas tecnologias que foram sendo engendradas possibilitassem essa presença permanente e constante. O fato é que a paisagem sonora da vida cotidiana está pontuada de trilhas sonoras: o inevitável Muzak^16 , em muitos locais públicos, os leitmotiven^17 , os temas de abertura de programas de rádio, televisão, jingles, sítios de Internet, dentre muitos outros. A música está presente na vida como o ar: límpido ou poluído, não se vê, pouco se percebe acerca de sua existência, exceto quando uma alteração de grande proporção chama a atenção para a sua presença (ou ausência). Ainda assim, é o que dá fôlego (ou, o seu contrário, sufocamento) à vida. Sendo assim, não é por acaso que assuntos relacionados à música apareçam nas situações mais inusitadas ou prosaicas. Faz-se necessário, então, perceber mais atentamente a música na paisagem sonora corriqueira. Senão, vejamos dois exemplos. O primeiro, refere-se a um anúncio de uma faculdade de informática, a FIAP, como se pode observar na ilustração 1, abaixo:

(^16) Muzak é o nome que se dá à música-ambiente, que teve origem numa empresa estadunidense, na década de 1940, sob o mesmo nome. 17 Letimotif (pl. leitmotiven ) é a linha melódica que identifica uma situação narrativa ou personagem. O conceito, de características mais complexas, foi criado pelo compositor Richard Wagner, no final do século XIX.

Ilustração 2: jornal Folha de S. Paulo, maio, 2007

Um outro exemplo interessante encontra-se na propaganda da Rádio Transamérica, que geralmente coloca no ar sucessos de qualidade musical pouco aceitáveis a ouvidos mais educados. Aqui, o anúncio, publicado no jornal Folha de S. Paulo, em maio de 2007, divulga o novo programa, Top Music, através de uma forma de apelo diferente: Ao invés de esconder a velhice , o ouvinte deve admiti-la , sem vergonha de cantar junto. Em outros termos, o ouvinte que se deleita com a programação de repertório das décadas de 1980-2000 está fora da moda. É, por conseguinte, um saudosista (ultrapassado, entenda-se...) que não se intimida de reviver os verdes anos através do repertório da Top Music! Não bastasse a mensagem verbal, ainda, em diagonal, um trecho da canção Please don't go^19 , com o 'o' prolongado, indicando o melisma^20. Um outro detalhe importante é a exposição de uma fita cassete (e não o disco). Isto porque, pela década de 1980, a maneira de se obter cópias de música era através do gravador cassete que captava os sons diretamente do rádio. Aqui, a fita aparece desenrolada, sem a caixa, sinalizando que a cópia foi destruída. O programa Top Music vai proporcionar ao ouvinte a escuta daquilo que se havia perdido. E, mais uma vez, a fita cassete aparece à esquerda do observador da imagem. Adotando o pensamento de Guimarães, a fita cassete sofre, necessariamente, uma conotação pejorativa.

Como uma onda... Nada do que foi será De novo do jeito que já foi um dia Tudo passa, tudo sempre passará

(^19) Sucesso do grupo K.C and the Sunshine Band, lançado em 1979. (^20) Grosso modo , melisma é uma espécie de ondulação melódica, onde a uma vogal correspondem várias notas diferentes.

A vida vem em ondas como o mar Tudo que se vê não é igual ao que a gente viu há um segundo Tudo muda o tempo todo no mundo (Nelson Motta e Lulu Santos) Este foi o título que escolhi para desenvolver este trabalho, que se orientou pela preocupação em entender como é constituída a memória (sonora) de um grupo que compartilha um mesmo tempo histórico em comum. Aqui, a alusão à canção composta por Nelson Motta e Lulu Santos aparece como um delicioso pretexto, que bem serve para um trocadilho: ao comparar as oscilações por que passa a vida ao fluir das ondas do mar, podemos, comparativamente, estender a idéia às ondas invisíveis do rádio, que há (apenas) oitenta e cinco anos toma conta da paisagem sonora brasileira, fazendo com que tudo o que se (ou)ve não seja igual ao que a gente (ou)viu há um segundo. Na mídia, a comunicação efêmera e sempre presente faz com que a paisagem sonora mude o tempo todo no mundo... Tentei demonstrar, a partir de breves exemplos, como o comportamento ante as mídias sonoras está relacionado a hábitos cotidianos que, ao fim e ao cabo, determinam mudanças na própria imagem que as pessoas acabam formando de si próprias, mesmo sem se dar conta disso. Estranhamente, a sociedade pós-moderna parece conviver com o paradoxo da juventude. De um lado, a longevidade humana aumentou, resultado do avanço da medicina, a saúde pública e dos hábitos de conforto e higiene. De outro lado, a entrada na sociedade do trabalho - que, em grande medida simboliza a entrada na vida adulta- foi se protelando^21 No entanto, no que toca à associação entre bens culturais, o tempo passa muito rápido: o produto da cultura das mídias é, via de regra, efêmero; estar de posse da memória post-mortem associada a signos de tal cultura soa (literalmente!) estranho, no nicho do pensamento pequeno do pequeno-burguês. As questões que cercam os conceitos de velho e novo patinam na ambigüidade, à medida que são submetidas a critérios de análise antes ideológicos, que estéticos. Assim sendo, a música das mídias – e, especialmente a canção- não escapa de uma classificação tendenciosa, posto que, dificilmente, são os critérios estético-musicais que costuma serem utilizados como referência-padrão: entendidos como bens de consumo,

(^21) Obviamente, ao dizer isso, refiro-me à parcela da sociedade representada pela classe média. Nas camadas menos favorecidas, inversamente, o mundo do trabalho já irrompe na infância. Ainda assim, o rádio, bem como os aparelhos eletrônicos tornam-se mais presentes no dia a dia até dos quase miseráveis...

Permita-se a clariaudiência e limpe seus ouvidos, como recomenda, insistentemente Schafer. Não se furte da tarefa! Please don't go! Don't gooooooo-oh-oh-oh!!!!

Referências bibliográficas

CHION, Michel. Musiques, médias, technologie. Paris: Gallimard, 1994.

FONTERRADA, Marta. Rádio-ação ou radiação? Unesp: Instituto de Artes. Monografia preparada como trabalho de conclusão de curso para a disciplina Música, tecnologia e cultura das mídias. São Paulo, 2006.

SANTAELLA, Lúcia. A cultura das mídias. São Paulo: Experimento. 1996.

SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo. São Paulo: Edunesp, 2001.

VALENTE, Heloísa de A. D. As vozes da canção na mídia. São Paulo: Via Lettera, 2003.

_______________________ A canção das mídias: objeto de escuta; objeto de estudo. In VI Fórum do Centro de Linguagem Musical. Anais. São Paulo: Departamento de Música da ECA-USP, 2004.

_______________________. Da duração do reinado do hit no império da mídia (mais considerações sobre a memória da canção). In: XVI Congresso Nacional da Anppom: Anais .(hipertexto) Brasília, 2006.

________________________(org.) (2007): Música e mídia: novas abordagens sobre a canção. São Paulo: Via Lettera/ Fapesp.

Anexo: Rádios Paulistanas, pesquisadas por Marta Fonterrada

Frequência Emissora Perfil Radio escuta 87,5 Não identificada Região Zona leste Tocava rap 88,1 Gazeta Levemente brega Músicas conhecidas

88,

Não identificada Sertaneja do abcd etc. Muita música de raiz e testemunhal local (por ex. farmácia de Mauá ) 89,1 89 FM Comercial pop Entrevista com Bruna Surfistinha (ex prostituta) 89,7 Nova Brasil Comercial Música brasileira 90,1 Gospel da Igreja Renascer Evangélica Música evangélica e divulgação da igreja 90,5 CBN Noticiarista Programa do Juca Kfouri (CBN Esporte Clube) 90,7 Não identificada Evangélica Pastor estrebuchando 90,9 Bandeirantes AM em FM Noticiarista Noticiário local 91,3 Nossa Rádio Evangélica Músicas:“eu vejo as mão de Deus”; “As vezes acho que não vou agüentar..” 91,5 interferência Forró 91,7 Alternativa FM BG muito alto 92,1 Não identificada Da igreja pentecostal Pastor berrando 92,3 Não identificada Evangélica mais séria que a anterior

Fala da bíblia, faz analogia aos nossos dias. 92,5 Scala FM Classe A Musica de elevador (orquestras bregas) 92,9 Eldorado Classe A Mick Jagger cantando “Just another night” 93,3 Nâo identificada Evangélca: Fazendo política de boa vizinhança com os judeus

Estava elogiando Israel

93,7 USP FM Musica brasileira João Bosco

94,1 Atual Brega autêntica Robertão, Ritchie 94,7 Antena 1 Flashback Xxxxxxxxxxxxx 95,6 Nativa Samba Locutor brega 95,7 Mundial FM Esotérica Fala de Tarô. O apresentador vendia cds com previsões para 2007 96,1 Band FM Brega Locutora cafona 96,5 Nossa rádio Evangélica Xxxxxxxxxxxxx 96,9 Band news Noticiarista A mais nova emissora jornalistic a. Linguagem moderna 97,3 Não identificada Evangélica sensacionalista

Da igreja Deus é amor

97,7 Não identificada Dancing music Insuportável para os ouvidos! 98,1 Terra FM Sertaneja Xxxxxxxxxxxxxxx 98,3 Não identificada Sertaneja Xxxxxxxxxxxxxxx 98,5 Metropolitana Dance music xxxxxxxxxxxxxxx