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Este capítulo aborda a relação entre a guerra e a política, mostrando como a guerra pode ser entendida como uma ação política forte e como ela se relaciona às ações políticas em geral, sejam elas fortes ou fracas. O texto explora a perspectiva de clausewitz sobre a guerra e a política, enfatizando a importância do caráter político que molda a lógica do fenômeno guerreiro.
Tipologia: Slides
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UNI VERSI DADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FI LOSOFI A, LETRAS E CI ÊNCI AS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CI ÊNCI A POLÍ TI CA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CI ÊNCI A POLÍ TI CA
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Ciência Política. Orientador: Prof. Dr. Oliveiros Silva Ferreira
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA PROGRAMA DE CIÊNCIA POLÍTICA
Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos São Paulo 2005
Gostaria de agradecer a amigos e colegas professores de convívio próximo, que de alguma maneira, contribuíram para o desenvolvimento desse trabalho: Carlos Alberto Ungaretti Dias, Sílvio Rosa Filho, José Luiz dos Santos Niemeyer Filho, Angelita Matos Souza, Eduardo Barros Mariutti, Ari Ricardo Tank Brito José Antonio Pontes, Wanderley Lima, André Rego Viana, Carlos Eduardo Abreu Boucault e Sidney Pires. A todos eles, mais uma vez, muito obrigado. Sou muito grato a minha mulher, Diana Patricia Ferreira de Santana, que muito me apoiou e ajudou na elaboração da tese, sempre compartilhando, discutindo, lendo tudo referente à elaboração desse texto. Agradeço aos professores Gabriel Cohn, Amâncio Jorge Silva Nunes de Oliveira, Rafael Duarte Villa, Salvador Ghelfi Raza e José R. Novaes Chiappin que, em distintos momentos e de diferentes maneiras, contribuíram para esse trabalho. Não poderia deixar de agradecer sobremaneira ao meu orientador, Oliveiros Silva Ferreira, com quem aprendi muito mais do que aquilo que se espera de uma convivência acadêmica e profissional. Agradeço à Rai, funcionária do Departamento de Ciência Política, por toda a atenção dispensada durante o Doutoramento, que foi crucial. Por fim, mas não menos importante, um agradecimento aos professores João Manuel Cardoso de Mello e Liana Aureliano, diretores da FACAMP, Faculdades de Campinas, cujo apoio institucional foi crucial e da maior importância. Sem ele, não teria conseguido desenvolver essa tese.
“To Lucasta, going to the Wars” Tell me not, Sweet, I am unkind, That from the nunnery Of thy chaste breast and quiet mind To war and arms I fly True, a new mistress now I chase, The first foe in the field; And with a stronger faith embrace A sword, a horse, a shield. Yet this inconstancy is such As thou too shalt adore; I could not love thee, Dear, so much, Loved I not Honour more. RICHARD LOVELACE (1618 - 1658) “Os Homens Amam a Guerra” [...]Os homens amam a guerra E mal suportam a paz. Os homens amam a guerra, portanto, não há perigo de paz. Os homens amam a guerra, profana ou santa, tanto faz. Os homens têm a guerra como amante, embora esposem a paz. [...] Durante séculos pensei que a guerra fosse o desvio e a paz a rota. Enganei-me. São paralelas margens de um mesmo rio, a mão e a luva, o pé e a bota. Mais que gêmeas são xifópagas, par e ímpar, sorte e azar são o ouroboro- cobra circular eternamente a nos devorar. [...]Acabará a espécie humana sobre a Terra? Não. Hão de sobrar um novo Adão e Eva a refazer o amor, e dois irmão:
Capítulo 1: Guerra e política: definições iniciais, lógica e gramática Pretende-se nesse capítulo esclarecer o objeto da tese, suas principais questões e hipóteses. Tais etapas passam por definir guerra real e guerra absoluta em sua conexão com a política na acepção de Clausewitz. Busca-se também verificar os aspectos compatíveis entre guerra e política, dentre eles a guerra entendida como ação política forte - conforme a conceituação de Bertrand de Jouvenel - a guerra e a política dotadas de mesma lógica. Abordar-se-á também as especificidades que envolvem ambas a partir da idéia de que a guerra tem sua própria gramática. Tal diferenciação tem como contraponto a formulação clausewitziana de que a guerra e a política possuem a mesma lógica. As questões a serem respondidas na tese giram em torno do entendimento da lógica e gramática referidas. As hipóteses buscarão propor uma leitura do universo conceitual clausewitziano em Da Guerra mostrando a validade de se entender a gramática no âmbito da especificidade e da definição da guerra e a lógica no contexto em que a política orienta seu entendimento e sua manifestação e direcionamento frente aos inúmeros fatores a serem contemplados em uma dada realidade. Tal é o argumento que pretendemos apresentar a seguir. 1.1. Introdução: o que são guerra e política? O objetivo deste texto é introduzir a proposição de uma leitura de um tratado sobre guerra 1 , escrito por Carl Philipp Gottlieb von Clausewitz (1780-1831), influente general prussiano^2 , concentrando-se nas suas formulações referentes à guerra e à política e a relação entre ambas. Tal escolha do objeto implica principalmente em entender a guerra em sua definição teórica e também como fenômeno concreto. O foco principal da presente tese não recairá sobre o modo completo pelo qual a guerra ocorre. Usando os termos clausewitzianos, não estaremos priorizando os desdobramentos táticos da guerra, ou seja, o uso das forças armadas no engajamento (CLAUSEWITZ, 1984: 128). (^1) Da Guerra , cuja edição norte-americana é a referência para a leitura que se pretende desenvolver (CLAUSEWITZ, 1984). A escolha da obra, dentre outras do autor em questão, está ligada ao fato de Clausewitz ter desenvolvido as relações entre guerra e política de modo mais maturo tardiamente, por volta de 1827, próximo à sua morte, quando da elaboração de alguns escritos políticos e de partes do tratado referido. Ver a respeito ARON, 1986b: 89. (^2) Para que se entenda o alcance dessa influência, consultar ARON (1986b e c), HOWARD (1984) e BRODIE (1984b).
“As pessoas de bom coração poderiam certamente pensar que haveria alguma ingênua maneira de desarmar ou derrotar um inimigo sem muito derramamento de sangue, e poderia imaginar que este é o verdadeiro objetivo da guerra. Por mais interessante que isso pareça, é uma falácia que tem que ser exposta: a guerra é um assunto tão perigoso que os erros decorrentes da bondade são os piores” ( id.ib. ). Nesse mesmo sentido, de acordo com Clausewitz, haveria um máximo uso da violência, de nenhuma maneira incompatível com o intelecto. Um lado em luta, ao usar a violência, é seguido pelo oponente que busca superá-lo. O outro oponente fará o mesmo. Trata-se da situação em que cada um impele o outro aos extremos. Dito de outra maneira, a guerra privilegiaria a confrontação e a aniquilação física; portanto, um uso da violência sem limites. Contudo, tal definição se enquadra no que Clausewitz define como guerra absoluta, uma “fantasia lógica” (CLAUSEWITZ, 1984: 78, tradução nossa), um puro conceito de violência, um extremo caracterizado por um choque de forças operando livremente obedecendo a nenhuma lei a não ser suas próprias. Conforme a avaliação de Clausewitz, as guerras napoleônicas tenderam a se aproximar da forma absoluta na medida em que foram conduzidas com forte intensidade. Ou seja, sob o comando de Bonaparte, a França, em suas vitórias, lutou sem trégua, até os inimigos sucumbirem (CLAUSEWITZ, 1984: 580). Estando no campo dos extremos, a guerra absoluta pertence ao mundo abstrato, diferente do mundo real, e é, portanto, muito difícil de ser concretizada. Um exemplo da manifestação da guerra absoluta na realidade contemporânea seria o uso de armas atômicas ou nucleares. Tal episódio consistiria em uma manifestação extrema da violência, sem que a política apareça como elemento moderador de sua intensidade. Isso não significa que a política saia de cena na guerra absoluta. De modo diverso, a guerra na sua forma real nunca ocorre como um ato isolado, repentino e desconexo de eventos prévios no mundo político, ou mesmo consistindo de um único decisivo ato ou um conjunto de atos, além de uma decisão perfeita e completa em si própria, sem influência de evento anterior que a situação política proporcionaria (CLAUSEWITZ, 1984: 78). Então, o que é a guerra real? É aquela que contempla toda sorte de obstáculos colocados pela realidade durante o desenrolar das hostilidades (situações múltiplas, inúmeros incidentes menores que não poderiam ser previstos em um planejamento teórico da guerra ou na presunção da pura disciplina dos soldados que cumprissem e executassem um plano de guerra e que seriam
englobadas pelo conceito clausewitziano de fricção), além de toda a complexidade, acaso e probabilidades que envolve cada guerra entendida em sua particularidade histórica, social e política. Na guerra real em geral, a tensão referente aos elementos em luta, durante o tempo em que as hostilidades se desenrolam, tem a sua energia descarregada em choques menores, descontínuos. Ou seja, não se aproxima da feição de um choque único que envolve toda a energia dos elementos em luta, própria da guerra absoluta (CLAUSEWITZ, 1984: 579) e a tendência ao extremo, por conta de sucessivos atos existentes no contexto real, é moderada (CLAUSEWITZ, 1984: 79). No entendimento de Clausewitz, todo plano de guerra está em um certo sentido situado entre os dois conceitos de guerra em questão: “Se é esse o caso, se nós devemos admitir que a origem e a forma tomada por uma guerra não são o resultado de qualquer resolução última do vasto conjunto de circunstâncias envolvidas, exceto por aquelas qualidades dominantes. Segue que a guerra é dependente da interação de possibilidades e probabilidades, de boa e má sorte, condições nas quais o raciocínio estritamente lógico freqüentemente joga nenhum papel e pode ser sempre uma ferramenta intelectual inadequada e difícil. Segue, também, que a guerra pode ser uma questão de grau. A teoria deve ceder a tudo isso; mas ela tem o dever de dar prioridade para a forma absoluta de guerra e fazer dessa forma um ponto geral de referência, de modo que aquele que aprender a partir da teoria torna-se acostumado a ter em vista aquele ponto constantemente, para medir todas as suas esperanças e medos através dela, e aproximando-a quando ele pode ou quando ele deve ” (CLAUSEWITZ, 1984: 580-1, tradução nossa, grifos do autor). A trindade que caracterizaria a guerra real e completaria sua definição como fenômeno total, comportaria três componentes que expressariam suas tendências dominantes. O primeiro componente englobaria uma violência original, uma hostilidade e uma animosidade, considerados como um impulso natural cego, todos ligados ao povo. Nesse contexto, as paixões que se manifestariam na guerra seriam inerentes ao povo. O segundo componente diria respeito ao jogo de probabilidades e do acaso que movem a livre alma criativa, que dependerá das características de seu comandante e de seu exército. Por fim, a subordinação da guerra à política e aos objetivos políticos, assunto de decisão exclusiva do governo de um Estado (CLAUSEWITZ, 1984: 89). Aproveitando o ensejo da menção da política , citemos uma famosa e muito citada definição do general prussiano, chamada por Raymond Aron, importante comentador de Clausewitz, de “fórmula” ( formule ): “[...] a guerra não é um mero ato de política , mas um verdadeiro instrumento político, uma continuação das relações políticas por outros meios”, ou
Em suma, nos parece, em um primeiro momento, que a análise da guerra é intrinsecamente ligada à política, e nos permite, em um certo sentido, até mesmo aplicar parte da conceitualização clausewitziana sobre a guerra à política. Isso permite dizer que estamos tratando essencialmente de coisas muito semelhantes ao abordarmos a guerra e a política? Não exatamente. Há pontos em que ambas podem ser aproximadas e outros que as diferenciam. Foi mostrado até aqui que a guerra pode ser compreendida à luz das relações humanas, sociais, políticas e, em um certo sentido, dentro das relações econômicas. Um dos aspectos mais importantes – que contribui para o sentido referido - da definição da ação guerreira é exatamente a reciprocidade de seu caráter, a interação entre as vontades em choque como uma manifestação necessariamente concreta, em que um dos lados em luta busca impor-se ao outro. Esse é um dos sentidos em que julgo ser possível aproximar a ação guerreira de uma ação política, que entendo ser um comportamento social desempenhado por um indivíduo ou coletividade em um contexto que envolva um conflito ou algo relacionado à disputa pelo poder. Ora, pretende-se demostrar também nesse trabalho que a guerra é uma ação política específica, a saber, uma ação política forte, que envolve paixão, na qual os homens se lançam de todo o coração, com coragem (JOUVENEL, 1963: 63-4). Nesse caso, os sujeitos da ação têm uma ligação de caráter patético, que causa comoção emocional ou tem uma influência tocante, pois deseja-se transformar o mundo, e no caso específico da guerra, atingir o fim (impor a vontade de uma organização, que no caso é um exército, ao adversário, um outro exército). A guerra se diferencia das ações políticas fracas, como normalmente o é o voto, atitude em que o sujeito da ação empresta pouca importância emocional, ao cumprir um ritual do qual não cogita abdicar e com o qual possui uma ligação simpática, afim. No entanto, não há de modo algum uma ligação patética. Mesmo que lhe seja facultado votar e o faça, trata-se ainda de uma ação política fraca, pois ela tem um alcance pequeno, menor no sentido de transformar o mundo e a realidade à sua volta. No entanto, o caráter patético pode estar presente no voto, se ele estiver associado a uma escolha que envolva uma transformação, um forte apego a valores ou idéias de ruptura, de mudança da realidade. Suponhamos que se trate da conjuntura da Alemanha de Weimar, em que o voto pode ser fraco, se destinado à Social- Democracia; no entanto, se for remetido aos Nacional-Socialistas ou Comunistas, pode ser forte, porque a escolha implica em uma ruptura com a ordem vigente em qualquer uma dessas últimas alternativas, além do apego a fortes valores e paixões.
Pensamos que é válido avançar e detalhar essa definição. Abordemos ainda as duas possibilidades de uma ação política. Uma primeira se refere a um contexto de conflitos pelo poder em que os lados em luta poderiam alcançar um mínimo e um máximo na disputa em termos do resultado a ser alcançado. Em outras palavras e a título de exemplificação, uma disputa eleitoral – estamos nos referindo a uma ação política fraca, pelo menos na maioria das vezes - no contexto de uma democracia representativa contemporânea - poderia possibilitar ganhos, ainda que limitados, para os lados concorrentes, mesmo que um ou alguns deles saiam perdedores. De modo diverso, tomando como exemplo uma insurreição armada ou uma eleição cujos desdobramentos são violentos ou envolvem um sentido patético, com um alcance de transformação do mundo e da realidade – e no contexto, portanto, de uma ação política forte – temos um jogo de soma-zero, isto é, um dos lados ganha tudo e o outro perde tudo ou é aniquilado; ou ainda, o lado perdedor sofre uma derrota significativa em que há ganhos ínfimos ou pouco significativos. Sendo a guerra absoluta ou real, ela seria sempre uma ação política forte. A insurreição armada pode ser um exemplo de um ponto de aproximação entre a guerra e a política. Como afirma Pierre Naville: “É toda a concepção da guerra, do conflito, que é a forma mais elevada da política em certos momentos [...]. A guerra [...] na sua mais alta forma, é o remate momentâneo, dentro de certas condições, como a insurreição é o momento decisivo da revolução sem estar nisso toda a revolução” (NAVILLE, 1955: 31, tradução nossa). Lenin e Hitler, no auge da consolidação de seus respectivos poderes, fizeram uso da violência tal como na guerra: desarmando e aniquilando seus inimigos. Lenin, estando à frente da Revolução Bolchevique Russa de 1917, que teve no seu auge a insurreição que levou ao controle da Rússia pelo Partido Operário Social-Democrata Russo. Hitler chegou ao poder em parte por meio de eleições (em que mais de um terço do eleitorado participante optou pelo seu partido em uma escolha com sentido de ação política forte) e outras ações, alianças, além do uso da força, que possibilitaram sua ascensão à frente do Estado alemão. Conforme visto acima na trindade que a define, a guerra envolve, entre outras tendências, paixão, hostilidade, animosidade. Clausewitz enumera dois motivos que levam os homens a lutarem em uma guerra: sentimentos hostis e intenções hostis; essas últimas também servem de base à sua definição do fenômeno guerreiro, uma vez que constituem um elemento universal (CLAUSEWITZ, 1984: 76). Elementos, portanto, que podem estar ligados a uma ação política forte. Também pode ser assim já que os resultados da guerra implicam na transformação do mundo e da realidade, pois busca-se impor a vontade sobre o inimigo.
Muitas vezes, a teoria política, associada com tal caráter normativo, aparece como uma coleção de teorias individuais (chamadas por Jouvenel de doutrinas) que figuram lado a lado, sendo cada uma impenetrável ao aporte de novas observações e à introdução de novas teorias. Nas ciências positivas, de caráter predominantemente descritivo, as teorias formam um conjunto integrado, o que implica que as teorias do passado são descartadas, como aconteceu com a de Ptolomeu no que se refere à teoria da astronomia e a de Paracelso na teoria da química. As teorias dessas ciências exemplificadas progridem através dos tempos e dão conta de um conjunto crescente de fenômenos (JOUVENEL, 1963: 55). No entanto, Jouvenel reconhece alguns limites do enfoque positivo na ciência política: “Os perigos da abordagem positiva não são ainda evidentes posto que estudos desse gênero são consagrados às ações políticas ‘fracas’, como o voto. Eu falo da ação política fraca porque ela é precisamente uma descoberta daqueles estudos em que os eleitores não são tão aptos nem sinceramente preocupados. A ação política forte é aquela que inspira uma forte paixão e dentro da qual os homens se entregam de coração. A imagem da política susceptível de emergir da análise das ações políticas fortes pode ser sugestiva do pior” (JOUVENEL, 1963: 63-4, tradução nossa). Por sua vez, a idéia de uma política “pura” também é distinta daquela que poderia ser sugerida a partir de uma leitura de Clausewitz, pois aponta para uma espécie de conceitualização geral sobre a política: “O adjetivo ‘puro’ no título 8 denota a intenção de apresentar formas de relações, independentemente de conteúdos específicos que são aptos a receber. Eu não conheço ciência que não use expressões estruturais ‘vagas’, fornecendo um modo genérico de formulação de fenômenos particulares. É muito difícil na Política entrar em acordo sobre tais enunciados, por causa da forte carga afetiva das palavras, de sorte que não importa qual articulação evoque o auditor de imagens particulares e que ponha em jogo juízos de valor. É uma matéria em que o mal-entendido é tão provável que não tenho como hesitar em evitar tomar os caminhos mais difíceis.” (JOUVENEL, 1963: 14, tradução nossa) Distinta também é a perspectiva do que seja uma teoria para o ensaísta francês^9 , na qual (^8) Alusão ao título da obra de Bertrand de Jouvenel (em sua versão francesa) que se toma para referência nesse texto, De La Politique Pure , ou seja, Da Política Pura. (^9) Jouvenel faz essa advertência face ao título que seu livro De La Politique Pure assumiu em sua versão inglesa, englobando também a palavra “teoria”: The Pure Theory of Politics , isto é, A Teoria Pura da Política.
“[...] deve-se escolher conceitos entre aqueles em que se supõe certas relações de dependência e, dessa maneira elabore um ‘modelo’ que simule a realidade. Essa atividade do espírito é habitualmente considerada como a elaboração de uma ‘teoria’ nas outras ciências que não as políticas. Os modelos assim obtidos desempenham desse modo uma função representativa; eles não têm um valor normativo” (JOUVENEL, 1963: 13, tradução nossa). Feitas essas ressalvas, como aproximar o enfoque de Clausewitz e Jouvenel? A política, conforme o autor francês, está ligada à ação humana, Jouvenel define a política como “[...] todo esforço sistemático, acompanhado em qualquer lugar que seja do campo social para levar aos homens à busca de qualquer desígnio pretendido pelo ator” (JOUVENEL, 1963: 55, tradução nossa). O caráter do fenômeno político, tal como definido por Jouvenel, a partir de uma proposta de “ [...] descer ao último grau de simplicidade possível, [...] se apresenta essencialmente sob a forma de relações entre indivíduos. Isso não implica uma visão ‘atomística’ da sociedade, mas decorre simplesmente dessa tautologia que os elementos mais simples são os ‘átomos’” (JOUVENEL, 1963: 12, tradução nossa). Penso que tal modo de explicar possui semelhança com a metáfora a partir da qual Clausewitz procura explicar a guerra, o duelo. Se tomarmos a guerra na sua perspectiva simplificada, molecular, ela é o duelo e é composta por vários deles, ou seja, duelos em larga escala. Além disso, pode-se compatibilizar tal perspectiva com a busca da imposição da vontade sobre o oponente, como vimos acima na primeira definição de guerra de Clausewitz. Outro ponto que deve ser explorado, conforme a formulação clausewitziana, é a insuficiência da abordagem do fenômeno guerreiro somente do ponto de vista de uma teoria, ou seja, a compreensão de que a guerra não comporta unicamente uma teoria prescritiva^10 , para usar a terminologia de Jouvenel. Além disso, Clausewitz entende que a teoria não pode ser entendida como uma espécie de manual para a ação ou mesmo uma doutrina, conforme atesta o trecho a seguir de parágrafo intitulado “A teoria deveria ser estudo, não doutrina”, presente no capítulo 2 do livro 2 de seu tratado: “[...]A teoria terá cumprido sua principal tarefa quando for usada para analisar os elementos constitutivos da guerra, para distinguir o que à primeira vista parece confuso, explicar por (^10) Ver nota 14 sobre a perspectiva clausewitziana da insuficiência de abordagem da guerra em termos de uma ciência. O texto abordará logo abaixo também os limites do tratamento da guerra a partir de uma teoria conforme o general prussiano.