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A relação complexa entre ciência, tecnologia e sociedade, destacando a importância de uma abordagem interdisciplinar para compreender os impactos sociais e éticos da mudança científico-tecnológica. Aborda a transciência, a filosofia da tecnologia e os estudos cts, enfatizando a necessidade de uma visão crítica e reflexiva sobre o papel da ciência e da tecnologia na sociedade contemporânea.
Tipologia: Esquemas
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E. M. García Palacios, I. von Linsingen (Ed.), J. C. González Galbarte, J. A. López Cerezo, J. L. Luján, L. T. V. Pereira (Ed.), M. Martín Gordillo, C. Osorio, C. Valdés e W. A. Bazzo (Ed.)
Dentre os países iberoamericanos, somente Brasil e Portugal falam o idioma português. Se esta é uma diferença que ajuda a assinalar uma identidade, por outro lado ela também dific ulta o livre trânsito de informações e de saberes entre todas estas nações. Alguns dos demais países deste bloco são pródigos em publicações em várias áreas, notadamente naquelas que evidenciam uma certa tentativa de humanização das técnicas. Perdem, com isso, Brasil e Portugal, além de diversas outras nações que conosco comungam a mesma língua. Isto porque as necessárias traduções dificultam, quando não obstaculizam, a leitura que poderá abrir espaço para reflexões sobre temas que de outra forma adormecem nos escaninhos da história.
Os estudos CTS, que já há muitos anos vêm ganhando forma nos EUA e em alguns países europeus, pouco a pouco vêm, em vários lugares, despertando interesse renovado, especialmente no Brasil. Apesar disso – ou talvez justamente pelo grau de novidade nele ainda presente –, pouca bibliografia específica – talvez efetivamente nenhuma – há no país neste novo campo de estudos.
A Organização de Estados Iberoamericanos (OEI) tem sido atuante nesta área, na qual tem sistematicamente publicado textos que esclarecem, difundem, inovam, renovam e fazem avançar os estudos CTS. A idéia deste texto surge a partir da iniciativa de membros da própria OEI de ampliar um pouco a extensão dos frutos desse trabalho, até agora disponíveis em essência apenas para versados na língua espanhola. Com esta tradução dos originais – Ciencia, Tecnología y Sociedade: una aproximación conceptual –, levada a cabo por três professores da UFSC – componentes do NEPET^1 , (http://www.nepet.ufsc.br), objetiva-se, portanto, levar também para o Brasil e para Portugal – e, é claro, para os demais interessados que tenham o português como língua materna, ou que a dominem –, algumas idéias acerca das relações entre ciência, tecnologia e
(^1) Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Tecnológica (NEPET), Departamento de Engenharia Mecânica, Centro Tecnológico, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.
Poucos conceitos evocam com tanta clareza as incertezas da condição humana nesta mudança de milênio quanto os de ciência, tecnologia e sociedade. A produção de conhecimentos teve nas últimas décadas uma aceleração de tal magnitude que, para caracterizar a ciência, é menos significativa sua longa trajetória de séculos que o lugar privilegiado que ocupa no presente e as incertezas que suscita ao se pensar no futuro. Por sua vez, a tecnologia tem sido sempre elemento definidor do ser humano, inclusive muito mais que o próprio conhecimento científico, ao identificar-se o surgimento do técnico com a própria origem do humano. No entanto, nesta mudança de século, a prevalência da tecnologia na definição das condições da vida humana parece ter alcançado a essência ilimitada que Ortega y Gasset prognosticava em sua célebre Meditação da técnica. Desta forma, o próprio conceito de sociedade só pode ser adequadamente definido quando se o contextualiza no marco das mudanças tecnocientíficas do presente. Fenômenos como globalização, nova economia, sociedade de risco e a própria relação da humanidade com o entorno natural só se entendem quando forem postos em relação com as atuais condições do processo tecnocientífico e com os marcos de poderes, interesses e valores em que se desenvolvem.
Por isso os estudos sobre ciência, tecnologia e sociedade – habitualmente identificados pela sigla CTS –, não são só relevantes desde os âmbitos acadêmicos em que tradicionalmente se têm desenvolvido as investigações históricas ou filosóficas sobre a ciência e a tecnologia. Ao colocar o processo tecnocientífico no contexto social e defender a necessidade da participação democrática na orientação do seu desenvolvimento, os estudos CTS adquirem uma relevância pública de primeira magnitude. Hoje, as questões relativas a ciência e a tecnologia e sua importância na definição das condições da vida humana saem do âmbito acadêmico para converter-se em centro de atenção e interesse do conjunto da sociedade.
Notícias espetaculares relacionadas com as biotecnologias ou as tecnologias da comunicação suscitam o interesse públic o e abrem debates sociais que
ultrapassam a compreensão tradicional acerca das relações entre ciência, tecnologia e sociedade. Antes a ciência era considerada como o modo de desentranhar os aspectos essenciais da realidade, de desvelar as leis que a governam em cada parcela do mundo natural ou do mundo social. Com o conhecimento dessas leis seria possível a transformação da realidade com o concurso dos procedimentos das tecnologias, que não seriam outra coisa senão ciências aplicadas à produção de artefatos. Nessa consideração clássica, a ciência e a tecnologia estariam afastadas de interesses, opiniões ou valores sociais, deixando seus resultados a serviço da sociedade para que esta decidisse o que fazer com eles. Salvo interferências distantes, a ciência e a tecnologia promoveriam, portanto, o bem-estar social ao desenvolver os instrumentos cognoscitivos e práticos para propiciar uma vida humana sempre melhor. No entanto, hoje sabemos que esta consideração linear acerca das relações entre ciência, tecnologia e sociedade é excessivamente ingênua. As fronteiras precisas entre estes três conceitos se dissipam à medida que elas são analisadas com detalhes e contextualizadas no presente.
Ciência, tecnologia e sociedade configuram uma tríade conceitual mais complexa do que uma simples série sucessiva. Em primeiro lugar, o rompimento entre conhecimentos científicos e artefatos tecnológicos não é muito adequado, já que na própria configuração daqueles é necessário contar com estes. O conhecimento científico da realidade e sua transformação tecnológica não são processos independentes e sucessivos, já que se encontram entrelaçados em uma trama em que constantemente se confundem teorias e dados empíricos com procedimentos técnicos e artefatos. Entretanto, por outro lado, o tecido tecnocientífico não existe à margem do próprio contexto social em que os conhecimentos e os artefatos resultam relevantes e adquirem valor. A trama tecnocientífica se desenvolve misturando-se na trama de uma sociedade em que ciência e tecnologia desempenham um papel decisivo em sua própria configuração. Portanto, o entrelaçamento entre ciência, tecnologia e sociedade obriga a analisar suas relações recíprocas com mais atenção do que implicaria a ingênua aplicação da clássica relação linear entre elas.
Os capítulos deste livro pretendem elucidar os conceitos que permitem uma aproximação crítica e plural das relações entre estes três conceitos. Optou- se por fazer um tratamento sub stantivo de cada um deles, tentando responder sucessivamente a perguntas formuladas nos três primeiros capítulos (O que é a ciência?, O que é a tecnologia?, O que é sociedade?). Apesar de se ter optado por manter uma apresentação separada e numa ordem clássica de cada um destes três conceitos, ao longo dos capítulos correspondentes vão-se colocando suas relações recíprocas. De algum modo, em cada um dos três primeiros capítulos são realizadas análises separadas dos fios que vão tecendo as entrelaçadas relações CTS, que serão abordadas diretamente no quarto capítulo (O que é ciência, tecnologia e sociedade?). Nele se desenham estas questões
É difícil dimensionar a importância da ciência no mundo atual, porque, para muitas pessoas, a ciência é algo ainda distante e um tanto difuso. Num processo de distanciamento reflexivo de seu lugar na civilização humana uma grande parcela da sociedade só consegue, ainda, relacioná-la a desenvolvimentos científicos notáveis ou mesmo a nomes de cientistas destacados.
A percepção pública da ciência e da tecnologia é, além de tudo, um pouco ambígua. A proliferação de mensagens do tipo otimista ou catastrofista em torno do papel desses saberes, nas sociedades contemporâneas, tem levado a que muitas pessoas não tenham uma idéia muito clara do que é a ciência e qual o seu papel na sociedade. A isto se soma um estilo de política pública sobre ciência incapaz de motivar uma participação que contribua para o debate aberto acerca desses assuntos e, em geral, para favorecer sua apropriação por parte das comunidades.
Com o objetivo de tentar minimizar um pouco tais distorções, na seqüência serão estabelecidas algumas considerações que podem possibilitar identificar a ciência, em especial com relação àquilo que as contribuições da investigação filosófica, histórica e sociológica sobre a ciência ressaltam como significativo com relação a um conjunto de aspectos vinculados com o método científico, o processo do desenvolvimento e mudanças da ciência, a articulação entre a experimentação, observação e teoria.
Cabe assinalar que a escolha dos temas aqui abordados de modo algum pretende definir a ciência ou oferecer uma revisão exaustiva acerca do modo como inúmeros pensadores têm se referido à ela. Prefere-se limitar as análises
restringido por algumas virtudes cognitivas que lhe garantissem coerência, continuidade e uma particular credibilidade no mundo da experiência.
O desenvolvimento científico é concebido deste modo como um processo regulado por um rígido código de racionalidade autônomo, alheio a condicionantes externos (sociais, polític os, psicológicos…). Em situações de incertezas, por exemplo, diante da alternativa de dois desenvolvimentos teóricos igualmente aceitáveis em um dado momento (baseado na evidência empírica), tal autonomia seria preservada, apelando-se para algum critério metacientífico igualmente objetivo. Virtudes cognitivas quase sempre invocadas em tais casos são as da simplicidade, do poder preditivo, da fertilidade teórica e do poder explicativo.
Dentro da tradição do empirismo clássico, casos de Francis Bacon e John Stuart Mill, o método científico era entendido basicamente como um método indutivo para o descobrimento de leis e fenômenos. Tratava -se, portanto, de um procedimento ou algoritmo para a indução genética, quer dizer, um conjunto de regras que ordenavam o processo de inferência indutiva e legitimavam seus resultados. O método permitiria, assim, construir enunciados gerais e hipotéticos acerca dessa evidência empírica, a partir de um conjunto limitado de evidências empíricas constituídas por enunciados particulares de observação.
Bacon é considerado a figura capital do Renascimento na Inglaterra. Foi um pensador que se opôs conscientemente ao aristotelismo, e não esteve a favor do platonismo ou da teosofia, mas em nome do progresso científico e técnico a serviço do homem. O valor e a justificação do conhecimento, segundo Bacon, consistem sobretudo de sua aplicação e utilidade prática; sua verdadeira função é estender o domínio da raça humana, o reinado do homem sobre a natureza. No Novum Organum , Bacon chama a atenção para os efeitos práticos da invenção da imprensa, da pólvora e da bússola, que “têm mudado o fazer das coisas e o estado do mundo; a primeira, na literatura, a segunda, na guerra, e, a terceira, na navegação”. Bacon adivinhou de um modo notável o progresso técnico que se aproximava, um progresso que ele confiava que havia de servir ao homem e à cultura humana (Copleston, 1971).
Um argumento que contrapõe esta noção de ciência, que se apóia num método de caráter indutivo, vem sustentado pela própria história da ciência. Em princípio, a história mostra que numerosas idéias científicas surgem por múltiplas causas, algumas delas vinculadas à inspiração, à sorte em contextos internos das teorias, aos condicionamentos socioeconômicos de uma sociedade, sem que seja seguido, em todos os casos, um procedimento padrão ou regulamentado. Este primeiro rechaço ao empirismo clássico constitui a base do chamado “giro lógico” (uma expressão de T. Nickles) que se produziu durante o século 20. Com tal giro, impulsionado por autores como J. Herschel e W. S. Jevons, o método científico passa a ser entendido como um procedimento de
justificação post hoc e não de gênese ou descobrimento. Tal procedimento de justificação consiste em aplicar o método hipotético-dedutivo (H-D) para o desenvolvimento da ciência, onde o apoio da experiência às hipóteses gerais continua sendo de caráter indutivo, porém se trata de uma indução ex post ou indução confirmatória. Em outras palavras, o método consistiria de um apoio que as hipót eses recebem de maneira indireta a partir da constatação da experiência baseada nas implicações contrastantes que derivam dedutivamente dessas hipót eses.
Com esse novo esquema de método científico, mais de acordo com a história da ciência, são originados ao longo do século 20 diversos critérios de aceitabilidade de idéias em ciência, apresentados habitualmente como critérios de cientificidade. Estes critérios tratam em geral de operacionalizar o método H- D, fazendo deste não só um instrumento de demarcação para a ciência, mas também uma ferramenta para o trabalho histórico que leva à reconstrução da razão científica. Entre tais critérios destaca-se o de verificabilidade de enunciados, defendido nos primeiros tempos do Empirismo Lógico ou Positivismo Lóg ico, e posteriormente o da chamada exigência da confirmabilidade crescente (p. ex. Carnap). Outro critério é o conhecido como falseabilidade de hipóteses ou teorias, proposto por Karl Popper, assim como a extensão que dele faz Imri Lakatos em sua metodologia de programas de investigação.
Para Popper, uma hipótese ou teoria só é científica se ela for falseável. Deste modo, empresta-se à falseabilidade o poder de avaliação crítica, substituindo o interesse filosófico tradicional centrado na confirmação pelo estatuto da corroboração, que não resulta da confirmação da acumulação de instâncias positivas de uma hipótese, mas sim do fato de ela ter sobrevivido com êxito a numerosas e diversas tentativas de se provar a sua falseabilidade (López Cerezo, Sanmartín e González, 1994).
Todos esses intentos de capturar em um método ou estratégia a característica da ciência compartilham, apesar de suas diferenças, um certo núcleo comum: identificar a ciência como uma combinação peculiar de raciocínio dedutivo e inferência dedutiva (lógica + experiência) auxiliadas quem sabe por virtudes cognitivas como a simplicidade, o poder explicativo ou o apoio teórico. É uma versão do casamento entre a matemática e o empirismo, ao que Bertrand Russell atribuía o nascimento da ciência moderna no Primeiro Congresso Internacional para a Unidade da Ciência, celebrado em Paris em
Quanto ao produto de aplicação desse método, o corpo de conhecimento científico, no Positivismo Lógico, era comum caracterizá-lo como um conjunto de teorias verdadeiras ou aproximadamente verdadeiras, como por exemplo a mecânica clássica de partículas, a teoria da seleção natural, a
Paul Feyerabend, N. R. Hanson, S. Toulmin ou W. Quine. A reação antipositivista veio marcada pela denúncia filosófica de uma série de problemas que tornavam realmente complicado manter os pressupostos racionalistas tradicionais. Vamos analisar brevemente alguns desses problemas.
Como veremos mais adiante, a partir de Kuhn a filosofia toma consciência da importância da dimensão social e do enraizamento histórico da ciência, ao mesmo tempo que inaugura um estilo interdisciplinar que tende a dissolver as fronteiras clássicas entre especialidades acadêmicas.
No âmbito dos estudos sociais da ciência, autores como B. Barnes, H. Collins ou Bruno Latour têm utilizado a sociologia do conhecimento para apresentar uma visão geral da atividade científica como mais um processo social; um processo regulado basicamente por fatores de natureza não epistêmica, os quais teriam relação com pressões econômicas, expectativas profissionais ou interesses sociais específicos. O debate entre filósofos “essencialistas”, aqueles que advogam um método baseado em condições internas do H-D para a ciência, e sociólogos “contextualistas”, com uma ênfase nos fatores sociais ou instrumentais, continua aberto em nossos dias tanto em discussões teóricas gerais como em reconstruções de episódios particulares.
Dentro da própria filosofia tende-se recentemente a consolidar um maior interesse pelo contexto. Frente às tradicionais visões intelectualistas da ciência como saber ou como método, no atual estudo filosófico da ciência existe um crescente interesse pela análise desta como prática, como coleção de destrezas com um suporte instrumental e teórico.
Produz-se assim uma mudança de ênfase nos detalhes das práticas científicas particulares, ressaltando a heterogeneidade das culturas científicas em contraposição ao tradicional projeto reducionista do Positivismo Lógico. Deste modo, como afirma I. Hacking (em sua contribuição a Pickering, 1992), uma teoria científica madura do tipo referido anteriormente (a teoria cinética dos gases), consistiria num ajuste mútuo de diversos tipos de elementos (dados, equipe, teorias) até estabilizar-se em um “sistema simbiótico” de mútua interdependência. Dado que os aparatos e instrumentos desempenham um papel crucial em tal estabilização, e dado também o caráter díspar e contingente deste matériel (nos termos de Hacking, 1983), dificilmente pode-se propor um algoritmo que resuma isso que chamamos “fazer ciências”.
N. Shaffer (1996) propõe falar de “heurística” científica mais do que de um critério unificado de ciência, entendendo por tal um conjunto heterogêneo de métodos subótimos para alcançar fins particulares sobre circunstâncias distantes de serem ideais, incluindo entre estas as limitações impostas pelo tempo ou pelo dinheiro, o conhecimento teórico assimilado, as técnicas experimentais, os instrumentos disponíveis etc.
Leituras complementares
LATOUR, B.: “Dadme un laboratório y levantaré el mundo”, <http://www.campus- oei.org/cts/latour.htm>.
FULLER, S.: “La epistemología socializada”, <http://www.campus- oei.org/cts/fuller.htm>.
HACKING, I. (1992): “La autojustificación de las ciencias de laboratorio”, en AMBROGI, A. (ed.) (1999): Filosofía de la ciencia: el giro naturalista. Palma de Mallorca, Universidad de las Islas Baleares.
POSSÍVEIS VISÕES DEFORMADAS ACERCA DA CIÊNCIA (QUE INCIDEM SOBRE OS PROCESSOS DE ENSINO)
1.3.1 A estrutura das revoluções científicas
Um dos autores que mais influenciou na superação do Positivismo Lógico foi Thomas S. Kuhn, em 1962, com a introdução de conceitos irredutivelmente sociais para explicar como muda a ciência, como é sua dinâmica e seu desenvolvimento. Kuhn argumentou que a resposta à pergunta sobre o que é a ciência viria de uma ajustada caracterização dos seus aspectos dinâmicos, de um estudo disciplinar da história da ciência real. Seus argumentos const ituíram uma autêntica revolução na forma de abordar o problema.
Kuhn considerou que a ciência tem períodos estáveis, ou melhor, sem alterações bruscas ou revoluções, períodos estes em que os cientistas se dedicam a resolver rotineiramente “quebra-cabeças” guiados por um paradigma teórico compartilhado. Porém, neste período, também vão-se acumulando problemas de conhecimento que não são resolvidos, enigmas que ficam estacionados a espera de tempos melhores. Estes períodos estáveis pertencem a um tipo de ciência que Kuhn descreveu com o nome de ciência normal , em contraposição à ciência que se apresenta quando sobrevém uma revolução científica.
A ciência normal se caracteriza assim porque uma comunidade científica reconhece um paradigma ou teoria, ou conjunto de teorias, que oferece soluções aos problemas teóricos e experimentais que se investigam neste momento. Durante o período da ciência normal as inovações são pouco freqüentes, já que o trabalho científico se concentra na aplicação do paradigma. A acumulação de problemas não resolvidos pode originar, contudo, um mal- estar que faz com que comecem a ser percebidas aparecer anomalias dentro da lógica do paradigma, podendo chegar a fazer com que este entre em crise e se abra um período de ciência extraordinária onde tenha lugar uma revolução.
A ciência revolucionária se caracteriza pelo aparecimento de paradigmas alternativos, pela disputa entre as comunidades rivais e, eventualmente, pelo possível rechaço de partes significativas da comunidade científica em relação ao paradigma antes reconhecido. Isto significa que há uma mudança na produção dos problemas disponíveis, nas metáforas usadas e nos valores da com unidade, induzindo também uma mudança na imaginação científica. Com a consolidação de um novo paradigma inicia-se uma mudança na forma de ver os problemas que antes estavam sem solução. É como se o novo paradigma mudasse o mundo que havia sido descrito pela ciência, para ver
com novos olhos os problemas do conhecimento aos quais se referia tal ciência. Uma vez estabilizado o paradigma científico, a ciência tende a converter-se outra vez em ciência normal, para iniciar novamente o curso de acumulação de conhecimentos e de problemas que encerra o desenvolvimento do pensamento científico.
Um dos elementos que permite reconhecer o caráter de mudança da ciência é o livro didático. Este se caracteriza por ser um objeto elaborado de acordo com regras variáveis no tempo e no espaço social. Nos manuais científicos utilizados hoje são relatadas as teorias aceitas e ilustradas suas aplicações (Kuhn, 1985).
A partir de Kuhn passa a ser a comunidade científica, e não a realidade empírica, o que marca os critérios para julgar e decidir sobre a aceitabilidade das teorias. Conceitos como “busca da verdade” e “método científico” passam então a ser substituídos por conceitos como “comunidade” e “tradição”. A ciência normal, segundo este autor, é uma empresa coletiva de resolução de enigmas, e as teorias científicas são representações convencionais da realidade. As teorias são convencionais porém não arbitrárias, posto que, em sua construção, os cientistas põem em prática suas habilidades de percepção e inferência adquiridas nos processos formativos, que se convertem assim em um processo de socialização a partir do qual os cientistas se comprometem com sua comunidade e com o paradigma que impera em cada momento. Por outro lado, em períodos revolucionários, a ausência de elementos de juízo epistêmicos comuns a teorias rivais torna necessário o recurso da retórica, do poder, da negociação etc. para recrutar os aliados necessários ao próprio paradigma potencial.
Uma das principais abordagens de Kuhn foi a de que a análise racionalista da ciência proposta pelo positivismo lógico é insuficiente, e que é necessário apelar para a dimensão social da ciência para explicar a produção, a manutenção e a mudança das teorias científicas. Portanto, a partir de Kuhn impõe-se a necessidade de um marco conceitual enriquecido e interdisciplinar para responder às questões traçadas tradicionalmente de um modo independente pela filosofia, pela história e pela sociologia da ciência. A obra de Kuhn dá lugar a uma tomada de consciência sobre a dimensão social e o enraizamento hist órico da ciência, ao mesmo tempo em que inaugura o estilo interdisciplinar que tende a dissipar as fronteiras clássicas entre as especialidades acadêmicas, preparando o terreno para os estudos sociais da ciência.
Leituras complementares
KUHN, T. S. (1962/1970): La estructura de las revoluciones científicas. México, FCE,