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Guias e Dicas
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Cidade dos Homens na televisão brasileira(sem imagens), Notas de estudo de Estética

filme. O longa segue a trilha estética e poética aberta por Palace II e nos apresenta Laranjinha e Acerola vivendo os dramas da passagem da.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Sel_Brasileira 🇧🇷

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA
CONTEMPORÂNEAS
DANILO MARQUES SCALDAFERRI
A CIDADE DOS HOMENS NA TELEVISÃO BRASILEIRA:
UMA ANÁLISE DA TRAJETÓRIA E DA ESTRUTURA NARRATIVA DA
SÉRIE
Salvador
2010
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA
CONTEMPORÂNEAS

DANILO MARQUES SCALDAFERRI

A CIDADE DOS HOMENS NA TELEVISÃO BRASILEIRA:

UMA ANÁLISE DA TRAJETÓRIA E DA ESTRUTURA NARRATIVA DA
SÉRIE

Salvador

DANILO MARQUES SCALDAFERRI

A CIDADE DOS HOMENS NA TELEVISÃO BRASILEIRA:

UMA ANÁLISE DA TRAJETÓRIA E DA ESTRUTURA NARRATIVA DA
SÉRIE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas, Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do grau de mestre em Comunicação. Orientadora: Profa. Dra. Maria Carmem Jacob Salvador 2010

AGRADECIMENTOS

A minha orientadora, Prof. Dra. Maria Carmem Jacob, que, de um jeito muito especial, soube compreender o meu processo de trabalho, ajustar meus rumos e dar-me prumo. Ao povo todo da Kabum! companheiros já há 5 anos de muitos percursos audiovisuais. Especialmente à terceira turma da Oficina de Vídeo, que me ajudou bastante a entender melhor os “efeitos” dos episódios de Cidade dos Homens e a Ana Rosa, parceira de longa data, que nesta reta final, não poucas vezes, segurou, por lá, a barra sozinha para que eu pudesse ter mais tempo de escrita. A minha mãe e meu tio Milton, os professores, stricto sensu , com os quais convivi dentro de casa. Os dois, sem discursos, muito contribuíram para o encantamento que sinto pelos desafios do ensino. E, por último, um agradecimento especialmente amoroso a Fernanda Pimenta, não só pela fundamental ajuda direta - lendo e revisando meus textos, ajeitando a formatação, sendo paciente com um namorado ausente e monotemático - mas, principalmente, pois “fez comigo”, com que esses dois últimos anos fossem tempos muito felizes.

RESUMO

Esta dissertação nasce da crença na necessidade de que se analisem com especial atenção aqueles produtos que emergem e diferenciam-se em meio ao incessante fluxo televisual. Este esforço de pesquisa soma-se a trabalhos desenvolvidos por estudiosos que defendem a importância da análise televisiva. O objeto do estudo e do percurso aqui propostos é a série Cidade dos Homens , exibida pela Rede Globo de 2002 a 2005 e produzida em parceria com a O2 Filmes. O programa que se escolheu para esta análise teve o seu lugar aqui conquistado por conta de sua “qualidade”, ou “qualidades”: suas características particulares que tangenciam, margeiam e não poucas vezes acertam em cheio o centro da discussão que pretende, ainda que de maneira não muito exata, estabelecer parâmetros que ajudem a valorar os programas de TV. A audiência de Cidade dos Homens surpreendeu a emissora e os produtores. Ao todo foram 4 temporadas, 19 episódios, nos quais Laranjinha e Acerola, os dois personagens principais, viveram tanto dramas próprios e quase universais da adolescência, quanto aqueles intimamente relacionados aos problemas específicos das favelas do Rio de Janeiro. Cidade dos Homens levou ao público brasileiro uma parcela da população do país que quase não se vê, enquanto protagonistas, nas ficções da televisão nacional. O exercício analítico que se quer fazer neste estudo, passa pela identificação dos programas de efeitos e dos efeitos predominantes provocados pelo texto audiovisual da série e através de quais estratégias eles são alcançados. Ainda que orientada pelo desejo de alcançar os “efeitos” de Cidade dos Homens e as suas estratégias de programação - e talvez por isso mesmo - esta pesquisa se viu diante da inevitável necessidade de visitar as regras e a movimentação dos agentes em campo. No caso de um estudo acerca de programas televisivos, não se crê, segundo as premissas desta dissertação, na possibilidade de uma pesquisa que os destaque completamente da rede - ou grade - em que se inserem. Pensando na TV, uma análise que rigorosamente só enxergue o que está “no texto” vai perder de vista uma série de informações que modificam, dão forma e constituem o que de fato o objeto é. Palavras chave: televisão brasileira, ficção seriada, programas de efeitos, juventude, periferia. Palavras chave : televisão brasileira, ficção seriada, programas de efeitos, juventude, periferia.

SUMÁRIO

  • Prólogo
  • 1 Primeiro Ato: cartas na mesa
  • 1.1 Confortável na poltrona, diante da TV
  • 1.2 A TV no Brasil
  • 1.3 A armadilha da análise sociológica e a questão da qualidade
  • 1.4 No confessionário: em primeira pessoa
  • 1.5 Cidade dos Homens: a trajetória impositiva do objeto
  • 1.5.1 O nascimento da dupla
  • 1.5.2 Do nascimento à maioridade
  • 1.5.3 Terreno fértil: pré-condições para o aparecimento da série
  • 1.5.4 Perfil “panorâmico” da série
  • 1.5.4.1 A contaminação pelo real
  • 1.5.4.2 A banda sonora
  • 1.5.4.3 Uma Cidade jazzística
    1. Segundo Ato: questões de enredamento
  • 2.1 Preâmbulos Genéricos
  • 2.2 Questão de gênero
  • 2.3. A ancoragem teórica
  • 2.4 Demarcando territórios
  • 2.5 Entre o épico e o dramático, com traços líricos
  • 2.6 Do cômico ao melodramático, com desfecho farsesco
    1. Terceiro Ato: ir às coisas mesmas
  • 3.1 O exercício da “análise interna”
  • 3.2 Primeiro Episódio: A Coroa do Imperador
  • 3.3 Segundo Episódio: O cunhado do cara
  • 3.4 Terceiro Episódio: Correio
  • 3.5 Quarto Episódio: Uólace e João Victor
  • Epílogo
  • Referência Bibliográficas

Prólogo

“Não é em terra que se fazem os marinheiros, mas no oceano, encarando a tempestade” Machado de Assis

“elabore” melhor minha relação com a série. Nem venham me perguntar qual é o recorte do meu trabalho, os meus objetivos específicos e as minhas fundamentações teóricas: não sei direito. Quero entender tudo, desvendar cada detalhe: direção de fotografia, montagem, o processo de preparação dos atores, a contaminação da ficção pela realidade, questões relacionadas à presença do negro na televisão brasileira, à juventude, à periferia, quero descobrir porque a série alcançou tão altos índices de audiência, quero compreender a relação entre as marcas autorais - deixadas pelos diferentes diretores e roteiristas que assinam os episódios - e a identidade que a série consegue manter ao longo das quatro temporadas... enfim, quero vencer a batalha que venho travando com a Cidade dos Homens desde o início deste século. Não aguento mais essa luta inglória. Ofereço para o programa de vocês um olhar treinado para o audiovisual, tanto pelos meus estudos não sistemáticos, mas produtivos, quanto pela minha prática diária de fazedor de vídeos. Mais que isso, o que lhes garanto é um interesse autêntico, uma verdadeira “angústia” de pesquisa, um desassossego inquietante diante do objeto. Preciso qualificar minhas curiosidades, encontrar conceitos para mediar o meu diálogo com a Cidade dos Homens. É isso. Certamente, ninguém estaria agora lendo este texto caso eu tivesse “cometido” a hipotética carta “transcrita” acima. Conformei-me com as exigências acadêmicas e escrevi um projeto de acordo com as regras vigentes. Apresentei recortes, elaborei objetivos gerais e específicos, esbocei uma metodologia, arregimentei teorias, e escrevi uma justificativa mais aceitável do que “não aguento mais essa luta inglória”. Mas, à medida que as tais ferramentas pelas quais eu tanto ansiava iam aparecendo, no curso da minha investigação científica, percebia-me caminhando, ainda que a passos curtos, em direção às minhas vontades primeiras, àquelas “descritas” na carta/apelo que não cheguei a escrever. Tentei ao máximo aliar o comprometimento firmado pelo projeto que apresentei ao Pós-Com com o meu “desejo inquietante diante do objeto” e a minha vontade de “vencer a batalha” que vinha “travando” desde há muito tempo com a série.

O texto que ocupa as páginas deste trabalho reconstrói e expõe as vias que percorri para aproximar-me, o mais que pude, da Cidade dos Homens , das intenções formalizadas no meu projeto de pesquisa e, principalmente, do abrandamento da angústia que impulsionou a minha investigação. O primeiro ato desta trama dissertativa é dedicado à apresentação dos “personagens” principais envolvidos no meu embate com a série. Lá, descrevo o modo através do qual eu encaro a televisão e os estudiosos aos quais me considero alinhado ao debruçar-me sobre o meio. É também o momento de exposição panorâmica da Cidade dos Homens , com direito a mergulhos em temas específicos tais como a “contaminação” pelo real, a utilização da trilha sonora e os mecanismos através dos quais, no programa, harmonizam-se marcas autorias - “cicatrizes” deixadas pelos diferentes profissionais que se alternam nos créditos de um episódio para o outro - com a identidade da série, perceptível ao longo de todas as temporadas. O primeiro ato configura-se como uma espécie de passeio guiado pelos bosques da Cidade dos Homens. Um percurso que expõe a série, mas também deixam expostas as minhas principais opções analíticas. O segundo ato é o de desenvolvimento da história, investiga os mecanismos de enredamento da série. Diz respeito a questões que, em boa medida, transcendem os limites do audiovisual e deles parecem ser relativamente independentes. A teoria dos três grandes gêneros literários - o dramático, o épico e o lírico - é convocada e adaptada à análise dos episódios de Cidade dos Homens. Os modelos de serialização “adotados” pelo programa durante as quatro temporadas e o trânsito notável do cômico ao melodramático, com desvios para o farsesco tem lugar também no segundo ato desta dissertação. O ponto de chegada, o desfecho, o terceiro ato deste trabalho, é inteiro dedicado à análise interna dos quatro episódios da primeira temporada da série. Cada um dos programas é encarado em minúcias. O movimento é guiado pela perspectiva segundo a qual a obra seria uma máquina destinada a produção de efeitos. O estudo lá presente almeja identificar efeitos

1. Primeiro Ato: cartas na mesa

A primeira condição de quem escreve é não aborrecer. ” Machado de Assis

1.1 Confortável na poltrona, diante da TV

Esta dissertação, sem pudor, levanta e agita bandeira em prol da TV. Melhor dizendo - mas sem esconder o revelador ato falho presente logo na primeira frase deste “primeiro ato” - levanta e agita bandeira em prol da urgência e relevância de se estudar com rigor e sem os habituais preconceitos e “mau olhados” (MARTIN-BARBERO e REY, 2001) os programas de televisão. Ou ainda, sendo um tanto mais específico: este texto nasce da crença na necessidade de que se analisem com especial atenção aqueles produtos que emergem e diferenciam-se em meio ao incessante fluxo televisual. O lugar de fala deste trabalho é ocupado por um sujeito em cuja casa a televisão é como um quadro sempre ligado na parede, com som e imagens em movimento. Daqui, de onde este texto é escrito, não há a TV em off. Os raios catódicos do aparelho estão permanentemente varrendo a tela: enxurrada de informações. Ainda que a maioria delas se perca num cômodo vazio, ou disputem a atenção de um espectador concentrado em outra tarefa, a televisão ligada exerce aqui a sua presença. E, assim sendo, este estudo, se outros valores não conquistar no decorrer das linhas que virão, ao menos garante o mérito de lidar com um objeto de pesquisa com o qual se tem autêntica familiaridade. Suzana Feldens Schwertner (2005), no “intróito” de sua dissertação de mestrado - na qual também se dedica a estudar a série Cidade dos Homens , embora sob um enfoque completamente diferente do eleito para este trabalho – defende que a escolha por trabalhar com imagens, analisar programas da mídia televisiva não ocorre de forma neutra e insípida. Pesquisar televisão é investigar um evento/acontecimento do qual também faço parte. (...) Acredito que é preciso aceitar a parcialidade do trabalho, apostar no mergulho no mundo das imagens, do qual nunca retornamos neutros. Não há como me separar da pesquisadora: o objeto empírico que escolho é parte de mim e também me escolhe a partir de minhas perguntas, e minha indignação, motivo que me instiga a procurar respostas a um desassossego (p. 11-12).

programas, mas textos escritos, provavelmente roteiros ou resumos de argumentos (p. 17-18). Os analistas do “modelo Adorno” criticam o meio sem ao menos “sujar os olhos vendo televisão” (p. 17). Postura que concebe a televisão como uma maléfica e abstrata entidade. Pensamento vitimado por uma espécie de cegueira que não enxerga o que o meio veicula enquanto materialidade, que não visualiza “a televisão como o conjunto dos trabalhos audiovisuais que a constituem” (p.19); tanto quanto o cinema é a reunião de filmes produzidos ou a literatura o conjunto das obras escritas. Freire Filho (2004) diz imperar entre a maioria dos observadores supostamente abalizados a crença (tácita ou explícita) na incompatibilidade (de gênios) entre TV e cultura. (...) Esses escritos tendem a preferir a crítica impetuosa e a condenação moral à pesquisa sistemática e à reflexão teórica (p.87). “Reconheço que há entre nós uma recusa intelectual à televisão. Para muitos, ainda hoje, a TV não é coisa séria. Seria simplória demais, idiotizante demais para ser levada a sério” (Bucci, 1996, p.26). Há anos me pergunto por que os intelectuais e as ciências sociais na América latina continuam majoritariamente padecendo de um pertinaz “mau olhado”, que os faz insensíveis aos desafios culturais que a mídia coloca, insensibilidade intensificada diante da televisão (MARTIN-BARBERO e REY, 2001, p. 25). Esta dissertação anda na contramão pelo caminho traçado por intelectuais e analistas que ainda vêem a TV como um meio menor, indigno de atenção e pesquisas sérias. Crê-se aqui que o lugar ocupado hoje pela televisão pode ser entendido como resultado ou parte de um processo através do qual se entrelaçam “os modos de simbolização e ritualização do laço social com os modos de operar dos fluxos audiovisuais e das redes comunicacionais” (p.18). Mais que isso, ainda em concordância com a defesa de Martin-Barbero e Rey, este trabalho endossa a aposta de que “a televisão é a mídia que mais radicalmente irá desordenar a idéia e os limites do campo da cultura” (p.33). A questão mais pertinente agora, não é mais aquela que tenta investigar se os “mandarins” da cultura acatarão ou não a entrada da TV no seu métier, mas sim, as transformações da própria noção de cultura impostas pelo que a televisão produz (MARTIN-BARBERO, 2006, p. 300).

Encante-nos ou nos dê asco, a televisão constitui hoje, simultaneamente, o mais sofisticado dispositivo de moldagem e deformação do cotidiano e dos gostos populares e uma das mediações históricas mais expressivas de matrizes narrativas, gestuais e cenográficas do mundo cultural popular, entendido não como as tradições específicas de um povo, mas a hibridação de certas formas de enunciação, de certos gêneros novelescos e dramáticos do Ocidente com as matrizes culturais de nossos países (MARTIN- BARBERO e REY, 2001, p.26).

1.2 A TV no Brasil

Analisar a televisão, por mais que se arrolem os estudiosos aos quais se acredita filiado, como feito no tópico anterior, carece de uma atenção vigilante para que não se caia nas mesmas armadilhas teoricamente condenadas. Ao “modelo de Adorno” (MACHADO, 2000) contrapõe-se um outro, igualmente infértil e enviesado: o modo “McLuhan” de ver TV. Para McLuhan a televisão é congenitamente boa. Porque a imagem de televisão é granulosa, é ‘mosaicada’, porque a sua tela pequena e de baixa definição favorece uma mensagem incompleta e ‘fria’, porque as suas condições de produção pressupõem processos fragmentários abertos e, ao mesmo tempo, uma recepção intensa e participante (p.18). Os dois modelos cometem o mesmo pecado através de estratégias antagônicas. Vêem a televisão como uma macro estrutura que pode ser condenada ou elogiada pelos seus intrínsecos mecanismos - que se crêem homogêneos e genéricos - de produção, veiculação e recepção. Para não incorrer em semelhante erro, faz-se necessário delinear com mais precisão os focos de interesse desta pesquisa. A TV sobre a qual se quer aqui debruçar - ou melhor, encarar - não é qualquer uma. Este trabalho lida com selecionados programas ficcionais veiculados na ambiência comercial da televisão aberta brasileira. É nela que se insere - e aos seus particulares procedimentos não está imune - o objeto empírico desta análise. A TV comercial e competitiva do Brasil é interlocutora direta deste movimento dialético: responsável pelas inquietações e pelo desassossego que motivaram esta pesquisa.

informação e entretenimento, curiosamente existe uma carência significativa de estudos nessa área” (DUARTE, 2004, p.5). “O espaço público no Brasil começa e termina nos limites postos pela televisão”. É com esta sentença, um tanto quanto hiperbólica, que Eugênio Bucci (1996, p.11) inicia o prefácio do livro Brasil em tempo de TV. O relativo exagero da afirmação não é descabido o suficiente a ponto de fazê-la desprezível. Ao contrário, a “máxima” de Bucci, por ser possível, cobra reflexão. Ainda que mereça ponderações e alguma relativização, feitas, inclusive, pelo próprio autor no decorrer do texto, a frase de efeito cumpre bem o papel de fazer ver que pensar o Brasil, hoje, sem levar em conta a televisão ou analisar a TV brasileira sem pensar no modo como ela relaciona-se com a configuração do país é ignorar a intrínseca relação dialógica que se dá cotidianamente, dia-a-dia, entre o meio e os modos de agir e pensar daqueles que se deleitam com ela. Muitos ainda julgam que a TV faz o quer com a audiência. Não é bem assim: ela não inventa, não impõe, não condiciona diretamente; ela tem os instrumentos para regular, quer dizer, ela consegue ordenar hábitos dispersos em códigos reconhecíveis e unificadores. (BUCCI, 1996, p.12).

1.3 A armadilha da análise sociológica e a questão da qualidade

Esse modo de ver a TV, no caso específico, a brasileira, como elemento fundamental da configuração do sentimento de nação, como peça central da engrenagem que põe em movimento e diálogo as identidades nacionais, seduz o pesquisador a deslizar para e tornar-se prisioneiro de uma armadilha que não o deixa enxergar outros aspectos do meio para além daquele que tenta desvendar os seus efeitos sobre os modos de navegação social da audiência. “A televisão tem sido um poderoso instrumento de difusão de um sentimento nacional, que articula incluídos e excluídos em torno de uma certa idéia básica de Brasil” (PRIOLLI, 2000, p.15). “A TV atua como a principal mediadora nas relações de cada brasileiro com a sua identidade nacional imaginária” (BUCCI, 2000, p.113).

As abordagens mais recorrentes sobre a TV repercutem e aprofundam discursos acerca do meio enquanto fenômeno massivo, cujos efeitos estariam refletidos “impiedosamente” sobre a sociedade. “Nos últimos anos, a discussão sobre televisão, sobretudo no Brasil, desceu a um nível de ingenuidade lastimável, em razão principalmente da contaminação da área por um subsociologismo repleto de chavões (MACHADO, 2000, p. 12). Há muitas maneiras de se aproximar da televisão - elaborar acerca do meio reflexões e análises - todas elas podem vir a ser extremamente produtivas desde de que encaradas com rigor e sem os tais mau olhados e preconceitos que atravancam o desenvolvimento dos trabalhos. No entanto, para que o desejo de aproximação ultrapasse a distância que mantém muitas análises circulando sobre uma superfície pouco fértil, há que se fazer escolhas. E torná- las o mais claras possível. Esquematicamente, pode-se abordar a televisão de duas formas distintas. Pode-se tomá-la como um fenômeno de massa, de grande impacto na vida social moderna, e submetê-la a uma análise de tipo sociológico, para verificar a extensão de sua influência. (...) Mas também se pode abordar a televisão sob um outro viés, como um dispositivo audiovisual através do qual uma civilização pode exprimir a seus contemporâneos os seus próprios anseios e dúvidas, as suas crenças e descrenças, as suas inquietações, as suas descobertas e os vôos de sua imaginação (p. 10-11). É através desse segundo viés, apresentado por Machado, que este estudo pretende examinar a ficção seriada na televisão brasileira. Esta dissertação acata, como ponto de partida, a provocação do autor segundo a qual se deve abandonar um tipo de abordagem que encara a TV como estruturalmente “boa ou má em si” (p.19) e ajustar a mira para os trabalhos audiovisuais produzidos e veiculados pelo meio. Especialmente, “para aquelas obras que a discussão pública qualificada destacou para fora da massa amorfa da trivialidade” (p.19). Para tanto, torna-se inevitável visitar uma seara que se apresenta tão controversa e escorregadia quanto aquela na qual predominam as análises sociológicas: a questão da qualidade na televisão.