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Competição entre EUA e China: Um Conflito em Fase de Construção, Notas de estudo de Conflito

Este documento analisa a competição entre eua e china, desmascarando a ideia de que os dois países não estão competindo nem travando conflitos. O texto explica as intenções militares e estratégicas chinesas, que incluem a expansão militar, a integração conjunta, a coerção política e a abordagem deturpada do 'governo como um todo'. O documento também destaca a importância de aceitar que haverá posições de vantagem e de restringir a capacidade de manobra da china ou obter uma vantagem permanente.

O que você vai aprender

  • Qual é a importância de aceitar que haverá posições de vantagem no conflito entre EUA e China?
  • Quais são as intenções militares e estratégicas chinesas no conflito com os EUA?
  • Como a China conduz o conflito com os EUA?
  • Como a China está tentando substituir os EUA no ensino e treinamento militar internacional?
  • Quais são as consequências graves que os EUA sofrerão caso não tomem medidas contra a China?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Primeiro Trimestre 2020 MILITARY REVIEW54
CHINAS NEW
STYLE WARFARE
China Contemporânea
Conflito, e não
Competição
Timothy L. Faulkner
Qualquer avaliação de que os Estados Unidos
da América (EUA) e a China estejam com-
petindo entre si e não travando um conflito
é falha e reflete uma fundamental falta de entendi-
mento quanto aos principais estados finais desejados
pelos chineses nos níveis operacional e estratégi-
co. Dentro do Departamento de Defesa dos EUA,
esse entendimento errôneo se origina, em parte, de
duas abordagens equivocadas em relação à China.
Primeiro, a atual doutrina conjunta norte-americana
não contém conceitos operativos conjuntos que
integrem todas as Forças Armadas e domínios, nem
coloca os EUA em uma posição de vantagem para um
conflito. Segundo, e mais importante, compreende-
mos mal a abordagem chinesa em relação à guerra.
Conforme afirmaram Qiao Liang e Wang Xiangsui em
Unrestricted Warfare [intitulado “Guerra Além dos
Limites”, no Brasil — N. do T], os novos princípios de
Solenidade de encerramento do Exercício Vostok 2018, no Campo de Treinamento de Tsugol, no leste da Sibéria, Rússia, em setembro
de 2018. O exercício envolveu tropas russas, chinesas e mongóis. A participação chinesa incluiu 3 mil militares, 900 carros de combate e
viaturas militares e 30 aeronaves. (Foto cedida pelo Gabinete da Presidência da Rússia)
NOVO ESTILO DE
GUERRA DA
CHINA
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54 Primeiro Trimestre 2020 MILITARY REVIEW

CHINA’S NEW STYLE WARFARE

China Contemporânea

Conflito, e não

Competição

Timothy L. Faulkner

Q

ualquer avaliação de que os Estados Unidos da América (EUA) e a China estejam com- petindo entre si e não travando um conflito é falha e reflete uma fundamental falta de entendi- mento quanto aos principais estados finais desejados pelos chineses nos níveis operacional e estratégi- co. Dentro do Departamento de Defesa dos EUA, esse entendimento errôneo se origina, em parte, de duas abordagens equivocadas em relação à China.

Primeiro, a atual doutrina conjunta norte-americana não contém conceitos operativos conjuntos que integrem todas as Forças Armadas e domínios, nem coloca os EUA em uma posição de vantagem para um conflito. Segundo, e mais importante, compreende- mos mal a abordagem chinesa em relação à guerra. Conforme afirmaram Qiao Liang e Wang Xiangsui em Unrestricted Warfare [intitulado “Guerra Além dos Limites”, no Brasil — N. do T], os novos princípios de

Solenidade de encerramento do Exercício Vostok 2018, no Campo de Treinamento de Tsugol, no leste da Sibéria, Rússia, em setembro de 2018. O exercício envolveu tropas russas, chinesas e mongóis. A participação chinesa incluiu 3 mil militares, 900 carros de combate e viaturas militares e 30 aeronaves. (Foto cedida pelo Gabinete da Presidência da Rússia)

NOVO ESTILO DE GUERRA DA CHINA

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CHINA CONTEMPORÂNEA

guerra já não são o “emprego da força armada para compelir um inimigo a submeter-se à nossa vontade”, e sim “a utilização de todos os meios, militares e não militares, letais e não letais, para compelir um inimi- go a submeter-se aos nossos interesses” 1. Seria bom se compreendêssemos melhor essa mentalidade. A maioria dos funcionários do Departamento de Defesa tende a classificar a atual situação com a China como uma competição. Contudo, defendo que, em vez de uma competição, que implica um estado estável, estamos em um estágio maduro de conflito. Ainda que essa postura polêmica possa cau- sar um certo desconforto em vários departamentos do governo norte-americano, ela é plausível quando aplicamos o processo mental chinês à atual situação dos EUA e aceitamos que a visão de mundo da China nos leva a calcular mal suas intenções. Para corrigir o enten- dimento equivocado so- bre “competição ou con- flito”, é preciso considerar a vasta expansão chinesa de suas capacidades mi- litares tanto pelo prisma das referências históricas quanto pelos atuais obje- tivos políticos da nação. Os objetivos políticos publicados pela China definem, claramente, suas metas estratégicas de tornar-se a primeira potência mundial. Essas metas estão alinhadas com os aniversários de cem anos de fundação do Partido Comunista da China (PCC) e do Estado comunista em 2021 e 2049, respectivamente. Os objetivos militares incluem planos para armas avançadas, que, até 2021, proporcionarão à China uma posição de vantagem na “primeira cadeia de ilhas” (ou “primeiro arquipélago”), uma área que se estende do Japão para o Mar do Sul da China (veja a figura 1). Ademais, até 2035, a China planeja contar com Forças Armadas totalmente modernizadas, com

uma posição de vantagem no Pacífico; e, até 2049, o regime pretende que o país seja rico e poderoso, desa- fiando e, possivelmente, impondo sua vontade a todas as democracias na região do Indo-Pacífico 2. Além disso, o sistema político chinês criou Forças Armadas para o propósito específico de derrotar os EUA. O regime liderado pelo Presidente Xi Jinping quer suplantar os EUA no Pacífico e mudar a ordem mundial existente. Aliadas ao crescimento econô- mico chinês, as Forças Armadas modernas e capazes do regime garantem que o conflito com os EUA persistirá durante as próximas duas décadas. O foco da China está em destituir, e não em substituir, nesse atual conflito. Essa destituição é um componente da remoção dos EUA de sua posição de guardião do Indo-Pacífico e do domínio público internacional desde o fim da Segunda Guerra Mundial. As ambições da China não se restrin- gem ao Indo-Pacífico. A nação também quer destituir os EUA mun- dialmente, a fim de exercer total influência social, cultural, ideoló- gica e econômica como potência mundial. O estado final estratégico da China é ser tanto um poder hegemônico regio- nal quanto uma superpo- tência mundial, confe- rindo ao país a vantagem socioeconômica, poder e influência almejados. Até recentemente, a China foi capaz de levar adiante esse plano com a criação de ilhas artificiais no Mar do Sul da China, que contribuem para o êxito no atual e futuro con- flito com os EUA. A China conduz o conflito com os EUA por meio de uma vasta expansão militar, apri- moramento de sua integração conjunta, coerção polí- tica de vizinhos regionais e uma abordagem deturpa- da do “governo como um todo” ( whole-of-government ) em sua concepção de mundo de longo prazo, que inclui

Figura 1. Fronteiras Geográficas da

Primeira e Segunda Cadeia de Ilhas

(Figura do Gabinete do Secretário de Defesa, Annual Report to Congress: Military Po- wer of the People’s Republic of China, 2006 [Washington, DC: Department of Defense, 2006]; a representação das fronteiras não é necessariamente oficial)

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CHINA CONTEMPORÂNEA

terrestre, aéreo e marítimo. Contudo, é igualmente importante desafiá-la nos domínios não tradicionais da inteligência, informação, influência, cibernética e espaço ( intelligence, information, influence, cyber, and space — I3CS ). O conflito que a China vem conduzindo

conferiu-lhe uma posição de vantagem em áreas tradi- cionais e não tradicionais, a qual, caso não seja refreada, lhe permitirá obter, até 2050, a ascendência em termos do poder diplomático, de inteligência, militar e eco- nômico. Não se quer dizer com isso, porém, que esses resultados sejam inevitáveis. Entender a história chine- sa, seus objetivos perseguidos em todos os domínios, a transformação do Exército de Libertação Popular (ELP), uma abordagem do “governo como um todo” e o empre- go da força militar proporcionará informações essenciais sobre como as forças norte-americanas poderão obter a posição de vantagem nesse conflito.

A História é Religião

“Para o povo chinês, a história é a nossa religião”, es- creveu o autor chinês Hu Ping 6. Essa afirmação é a chave para estudar a história da China, entender o futuro que ela idealiza para si própria e aumentar a capacidade dos EUA para conhecer o inimigo. Dois importantes marcos ligam a história da China às dinastias Song (960-1279) e Qing (1636-1912). Durante esses dois períodos, a China foi reunificada e, durante a dinastia Song, a nação produziu várias inovações tecnológicas significativas, como a impressão em larga escala, a bússola magnética, a pólvora e o papel-moeda 7. A China de hoje busca, mais uma vez, liderar o mundo no campo das inovações, in- cluindo as áreas de inteligência artificial e comunicação quântica. Como no passado, muitas dessas tecnologias são de emprego dual, civil e militar. O que é mais impor- tante, todas essas capacidades são essenciais para que o ELP se torne uma força armada de primeira ordem. Com a intenção de intimidar, atemorizar e aliciar outros países e regiões, incluindo a Mongólia, Tibete, Ásia Central e Taiwan, obtendo sua submissão (ou pelo menos anuência), o Presidente Xi Jinping faz referências

à dinastia Qing para lembrar a seu povo e aos países vizinhos o passado de glória econômica e cultural da China 8. Sua capacidade para tirar proveito de funda- mentos históricos forma seu esquema para revitalizar a ascendência chinesa. Referências históricas recentes

retratam a determinação chinesa de dominar a região Ásia-Pacífico e além. As políticas de isolamento, os ob- jetivos perseguidos em todos os domínios, a transforma- ção do ELP e a abordagem do “governo como um todo” explicam melhor os esforços da China. Isolamento. O isolamento desempenha um papel fundamental no pensamento estratégico chinês. Em 1989, o Almirante chinês Liu Huaqing, fundador da Marinha do Exército de Libertação Popular (MELP), mudou o foco da Força para uma estratégia de defesa marítima ( offshore ), delineando uma série de fases 9. Na fase 1, a MELP controlaria a “primeira cadeia de ilhas”, incluindo o Mar do Sul da China, o Mar do Leste da China e o Mar Amarelo até o ano 2000 10. Na fase 2, a MELP ampliaria seu controle para a “segunda cadeia de ilhas” além de Guam até 2020 (veja a figura 1) 11. Na fase 3, o objetivo é para que a MELP se transforme em uma marinha global até 2050 12. A visão de Liu é um exce- lente exemplo da convicção comum entre os chineses de que seu lugar por direito é controlar e dominar sua região e o mundo. Segundo as declarações sobre políti- cas chinesas, o caminho para o sucesso é conduzir uma guerra prolongada, boa parte da qual será indireta e não cinética, para suplantar a liderança dos EUA no Pacífico e ditar a nova ordem mundial totalitária da China. A pressa da China em construir ilhas ao longo de importantes linhas de comunicação marítimas e aéreas não é nenhuma coincidência. Os chineses as construíram intencionalmente para conferir ao ELP a capacidade de controlar a “primeira cadeia de ilhas”, oferecendo proteção contra o domínio aéreo e marítimo norte-americano. A combinação da geografia com a recente militarização dessas ilhas artificiais permite que a China usufrua de uma posição de vantagem, capaci- tando o país a enfrentar os EUA no mar e no ar. Além

A Segunda Guerra Mundial e a Guerra da Coreia foram conflitos terríveis, mas não se comparam ao potencial de guerra das capacidades militares e civis em todos os domínios que os chineses estão desenvolvendo.

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CHINA’S NEW STYLE WARFARE

disso, a China assumiu uma postura agressiva contra os aliados e parceiros dos EUA, desafiando qual- quer nação que chegue a menos de 12 milhas ma- rítimas de suas ilhas artificiais na “primeira cadeia de ilhas” 13. Com essas ações, a China aumentou sua capacidade para controlar uma área onde US$ 3, trilhões, ou 21% do comércio global, e 30% do trans- porte marítimo de petróleo bruto do mundo, bem como inúmeras embarcações de pesca, transporte e navais e cabos de comunicação submarinos, precisam passar (veja a figura 2) 14. Para piorar a situação, o caráter obsessivo e a preocupação da China com acontecimentos na península coreana e em Taiwan, além de disputas de fronteiras com outros vizinhos, como a Índia, leva- ram o Presidente Xi Jinping a declarar, durante o 19 º Congresso do PCC em 2017 que o ELP deve “se

preparar para um conflito militar em todas as direções estratégicas e que as Forças Armadas eram essenciais para alcançar a revitalização nacional da China” 15. Objetivos em todos os domínios. A China se vale de fatos falsificados para manter sua influência, ao mesmo tempo que desenvolve uma capacidade seme- lhante nos domínios I3CS. Como no caso dos domí- nios tradicionais, o objetivo é sobrepujar e derrotar os EUA nos domínios não tradicionais I3CS. A China desenvolveu uma primeira camada de proteção de inteligência que começa com sua própria população, controlando, assim, o domínio informa- cional interno. A implementação dessa camada de inteligência é especialmente evidente na forma pela qual o país emprega as mídias sociais, o que ajuda a esclarecer o complexo aparato de inteligência que a nação desenvolveu para seus cidadãos. Na China, o

Figura 2. Principais Fluxos Comerciais de Petróleo Bruto no Mar do Sul da

China durante 2016 (números em milhões de barris por dia)

(Figura da U.S. Energy Information Administration, baseada em Clipper Crude Data Service e IHS EDIN; o total engloba pequenos fluxos, de menos de 0,1 milhão barris por dia, não incluídos no mapa)

(Figura e informações de Mercator Institute for China Studies [MERICS], maio de 2018. Tradução de legenda por Military Review)

Figura 3. Iniciativa “Um Cinturão, Uma Estrada”

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Controlar o Pacífico é crucial, pois ele representa o “acidente capital” desse conflito, onde não só vive 70% da população mundial, mas também onde operam muitas das maiores economias do mundo. “Alimentar a fera” é uma excelente analogia em termos de como uma nação desenvolve uma força de combate. O poder econômico chinês possibilitou a rápida ascensão de sua força militar. A modernização militar do ELP está centrada na obtenção de capacidades para enfrentar qual- quer força dos EUA. O governo chinês aumentou seus gastos anuais em 10% entre 2000 e 2016 23. A economia chinesa impulsiona a transformação militar por meio do roubo de propriedade intelectual, boa parte do qual é pos- sibilitado por seu aparato de inteligência. As atividades de inteligência da China no território continental dos EUA deveriam ser consideradas alarmantes. O uso de alunos chineses em importantes laboratórios de pesquisa para

o roubo de propriedade intelectual e para a infiltração em empresas que conferem uma vantagem em combate para as forças dos EUA significa que os dias de inegável superioridade tecnológica norte-americana já acabaram. Os EUA terão de lidar com uma força que vem tentan- do penetrar todos os aspectos da vida norte-americana para o benefício do governo chinês. Ao considerarem sua capacidade de resposta global, os EUA precisam reava- liar a situação de suas forças avançadas para estarem em condições de desafiar o ELP em qualquer conflito. A China aprendeu a nunca permitir que os EUA tenham a oportunidade de desdobrar tropas em países estratégicos, obrigando estes últimos a se submeterem às exigências chinesas. Esse fato ficou muito evidente com a Coreia do Sul, um dos mais fervorosos aliados dos EUA, quando a China organizou uma manifestação em massa contra empresas sul-coreanas em reposta ao emprego do

Militar da MELP a bordo do Liaoning, primeiro navio-aeródromo chinês, durante sua visita a um porto militar por volta de 2013, no Mar do Sul da China, em Sanya, Província de Hainan, China. (Foto de Hu Kaibing, Xinhua)

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sistema de defesa antimísseis balísticos Terminal High Altitude Area Defense — THAAD. Se até a Coreia do Sul pode ser pressionada, o que faria uma nação parceira que não fosse capaz de resistir à chantagem econômica da China? A resposta a essa pergunta é, provavelmen- te, o que a China quiser. A China se comprometeu, há muito tempo, a criar uma força militar capaz de desafiar os EUA por meio de conflitos globais e no Pacífico. Já estamos enfrentando conflitos no Pacífico.

Emprego da Força

A influência militar da China não se restringe à região do Pacífico. A China desdobrou forças em apoio às evacuações de não combatentes no Iêmen e na Líbia e for- neceu patrulhamento naval contra a pirataria na costa da Somália 24. Esses foram os primeiros passos na sua trajetó- ria rumo ao poder global. A China pretende desenvolver

capacidades militares em todo o planeta, e o desdobra- mento da força serve para muitas linhas de esforço vitais. Primeiro, demonstra a outras nações que o país tem a capacidade. Segundo, confere o posicionamento e o acesso para vender equipamentos militares fabricados na China. Por fim, remove as Forças Armadas dos EUA como par- ceiros preferenciais. É preciso que os norte-americanos entendam a profundidade do novo campo de batalha, que não está atrelada a fases militares rígidas ou a tradicionais meios de ataque letais, e percebam que os desdobramen- tos estratégicos da China guiam suas ações globais. Sun Tzu oferece um modelo para se compreender a perspectiva chinesa sobre a guerra. O estudo detalhado das táticas, capacidades e pontos fracos norte-americanos por parte da China corresponde a três dos temas abor- dados por Sun Tzu: (1) “Conhece-te a ti e ao teu inimigo e, em cem batalhas que sejam, nunca correrás perigo”;

Militar norte-americano utiliza binóculos de alta potência para observar uma embarcação da marinha chinesa a partir da ponte de comando do contratorpedeiro de mísseis guiados USS Sterett (DDG 104), classe Arleigh Burke, em 21 Set 2014, em missão na área de ope- rações da 7ª Frota dos EUA, no Oceano Pacífico. (Foto do Cb Eric Coffer, Marinha dos EUA)

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a doutrina comunista. O PCC nunca obterá a total adesão dos militares, e isso o torna vulnerável. O PCC não compreende, plenamente, a agilidade militar neces- sária para cumprir tarefas operacionais e estratégicas e, muitas vezes, exige que o ELP busque objetivos que não são razoáveis ou factíveis. Terceiro, apesar de sua transformação e das refor- mas militares, o ELP ainda requer muito treinamento e integração conjunta para tornar-se proficiente como força de combate. O ELP reconheceu que é incapaz de avaliar a situação do campo de batalha, entender a intenção dos comandantes de escalões mais eleva- dos, tomar decisões operacionais, desdobrar tropas e reagir a situações imprevistas. O Presidente Xi Jinping descreveu “duas capacidades insuficientes” como a incapacidade de combater e de comandar em todos os níveis da guerra moderna 28. Em contrapartida, os EUA se tornaram peritos na sincronização conjunta durante a Operação Desert Storm e hoje executam a integração conjunta. Uma verdadeira integração conjunta é o indi- cador de uma força militar profissional.

O Caminho a Seguir

Para ter êxito no atual e futuro conflito com a China, os EUA precisam ir além da atual integração conjun- ta e adotar, verdadeiramente, conceitos de operações conjuntas em múltiplos domínios que incluam todos os domínios de combate, sincronizados nas ações diplomá- tica, informacional, militar e econômica. A realização de jogos de guerra focados em operações conjuntas em múltiplos domínios contra um rival com poder de com- bate equiparado deve passar a ser o padrão para todos os exercícios. Para explorar ainda mais a discrepância entre os países, o treinamento do Exército dos EUA precisa incluir um entendimento mais compartilhado e técni- co sobre capacidades equiparadas. Em operações em múltiplos domínios, o Exército dos EUA terá de realizar efeitos não letais e letais contra alvos terrestres, aéreos e marítimos com poder de combate equiparado, assim como efeitos informacionais, cibernéticos e espaciais. Além disso, as Forças Armadas norte-americanas precisam incluir todos os efeitos não letais, incluin- do elementos de poder diplomáticos, econômicos e informacionais, para vencer nos conflitos e possibilitar que os EUA mantenham a posição de vantagem nesse conflito infinito. O Exército dos EUA precisa desdo- brar suas forças a oeste da Linha Internacional de Data

nas áreas dos Mares do Sul e do Leste da China, para realizar a preparação do ambiente, indicações e alertas e conduzir o apoio de inteligência aos efeitos não letais cibernéticos, espaciais e informacionais, antes de consi- derar efeitos letais. Além disso, as coalizões e alianças dos EUA nunca foram tão cruciais. Cinco dos sete tratados de defesa mútua se referem ao Indo-Pacífico. A capacidade dos EUA para realizar exercícios com múltiplas coalizões lhes confere uma distinta vantagem. Todas as nações do Indo-Pacífico precisam de nosso apoio. A superioridade regional do ELP nos domínios terrestre, aéreo, maríti- mo, espacial, informacional e cibernético faz dos EUA a única força de equilíbrio contra a China. A capacidade dos EUA e de seus aliados para treinar, equipar e sin- cronizar esforços é crucial para todas as suas alianças e parcerias no Indo-Pacífico e todos os demais comandos geográficos e funcionais. Pode-se e deve-se vencer esse conflito. É preciso ter uma posição de vantagem para estabelecer as condições para a vitória nesse conflito infinito. A coerção econô- mica, informacional e diplomática sustenta as relações transacionais da China com outras nações, em compa- ração com a mensagem dos EUA, de um Indo-Pacífico livre e aberto. Os EUA precisam assegurar aos seus aliados e parceiros de que estão comprometidos a combater a narrativa interna e externa da China nos próximos cem anos. Apesar de sua tentativa de revisar a história (em apoio à tomada de territórios e construção de ilhas artificiais), o PCC ignora importantes aspectos de seu próprio passado. As dinastias chinesas eram corruptas e moralmente deficientes e conquistaram reinos sem nenhum respeito pelas fronteiras dos países ou pelos direitos humanos. A China não conta com o respaldo internacional para essas reivindicações e tem poucos aliados dispostos a oferecer apoio. Os EUA precisam neutralizar a posição de vantagem chinesa mediante a implementação de uma estratégia abrangente, que sincronize a abordagem do “governo como um todo”, desdobre tropas para realizar a preparação do ambiente no Indo-Pacífico e outros comandos geográficos, amplie os exercícios conjuntos que envolvam todos os domí- nios, apoie as forças armadas de aliados e parceiros e conduza a busca de alvos informacionais para combater a narrativa chinesa. O tempo urge, e os EUA podem ser os verdadeiros líderes nesse conflito.

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CHINA CONTEMPORÂNEA

Referências

  1. Qiao Liang e Wang Xiangsui, Unrestricted Warfare: China’s Master Plan to Destroy America (Beijing: PLA Literature and Arts Publishing House, Feb. 1999). [O trecho traduzido foi extraído da versão em português intitulada “A guerra além dos limites: con- jecturas sobre a guerra e a tática na era da globalização”, tradutor desconhecido, disponível em https://www.egn.mar.mil.br/arquivos/ cepe/GUERRAALEMLIMITES.pdf — N. do T. ]
  2. Xi Jinping, “Secure a Decisive Victory in Building a Mode- rately Prosperous Society in All Respects and Strive for the Great Success of Socialism with Chinese Characteristics for a New Era” (discurso, 19º Congresso Nacional do Partido Comunista da China, Beijing, 18 out. 2017), acesso em 17 jul. 2019, http://www.xinhua- net.com/english/download/Xi_Jinping’s_report_at_19th_CPC_Na- tional_Congress.pdf.
  3. China Power Team, “How Much Trade Transits the South China Sea?”, China Power, atualização 27 out. 2017, acesso em 15 jul. 2019, https://chinapower.csis.org/much-trade-transits-south- -china-sea/.
  4. David Lague e Benjamin Kang Lim, “Special Report: China’s Vast Fleet is Tipping the Balance in the Pacific”, Reuters, 30 Apr. 2019, acesso em 17 jul. 2019, https://www.reuters.com/article/ us-china-army-navy-specialreport/special-report-chinas-vast-fleet- -is-tipping-the-balance-in-the-pacific-idUSKCN1S612W.
  5. Simon Sinek, Leadership Development Discussion (discurso, U.S. Special Operations Command Commander’s Speaker Series, Special Operations Headquarters, Tampa, FL, Oct. 2018).
  6. Zheng Wang, “In China, ‘History Is a Religion’”, The Diplomat (site), 16 Jun. 2014, acesso em 17 jul. 2019, https://thediplomat. com/2014/06/in-china-history-is-a-religion/.
  7. “China in 1000 CE: The Most Advanced Society in the World”, The Song Dynasty in China, Columbia University, acesso em 29 jul. 2019, http://afe.easia.columbia.edu/songdynasty-mo- dule/index.html; “Qing Dynasty (1644-1912)”, Asia for Educators: Timeline of Asia in World History, Columbia University, acesso em 29 jul. 2019, http://afe.easia.columbia.edu/tps/1750.htm#qing.
  8. Pamela Kyle Crossley, “Xi’s China is Steamrolling Its Own History”, Foreign Policy (site), 29 Jan. 2019, acesso em 17 jul. 2019, https://foreignpolicy.com/2019/01/29/xis-china-is-steamrolling-its- -own-history/.
  9. Daniel Hartnett, “The Father of the Modern Chinese Navy— Liu Huaqing”, Center for International Maritime Security, 8 Oct. 2014, acesso em 17 jul. 2019, http://cimsec.org/father-modern-chi- nese-navy-liu-huaqing/13291.
  10. Ibid.
  11. Ibid.
  12. Ibid.
  13. China Power Team, “How Much Trade Transits the South China Sea?”
  14. Ibid.
  15. Xi, “Secure a Decisive Victory in Building a Moderately Prosperous Society”.
  16. Bureau of Democracy, Human Rights and Labor, Country Reports on Human Rights Practices for 2018 (Washington, DC: Department of State, 2018), p. 19-21, acesso em 25 nov. 2019, https://www.state.gov/wp-content/uploads/2019/03/CHINA-IN- CLUDES-TIBET-HONG-KONG-AND-MACAU-2018.pdf.
  17. Sun Tzu, The Art of War, trans. Thomas Cleary (Boulder, CO: Shambhala, 1 Jan. 2005). [O trecho traduzido foi extraído de Sun Tzu, A Arte da Guerra, tradução de Pietro Nassetti, São Paulo: Editora Martin Claret, 2001. — N. do T.]
  18. Office of the Secretary of Defense (OSD), Annual Report to Congress: Military and Security Developments Involving the People’s Republic of China 2017 (Washington, DC: Department of Defense, 15 May 2017).
  19. Ibid.
  20. Yang Yujin, “Defense Ministry’s Regular Press Conference on Jan. 29, 2015”, China Military Online, 29 Oct. 2015, acesso em 17 jul. 2019, http://english.chinamil.com.cn/news-channels/china- -military-news/2015-01/29/content_6332211.htm.
  21. China Military Power: Modernizing a Force to Fight and Win (Washington, DC: Defense Intelligence Agency, 2019), p. 34.
  22. Office of the Spokesperson, “Advancing a Free and Open Indo-Pacific region”, U.S. Department of State, 18 Nov. 2018, aces- so em 17 jul. 2019, https://www.state.gov/advancing-a-free-and- -open-indo-pacific-region/. Em 2017, o Presidente Donald Trump anunciou a visão dos EUA, de um Indo-Pacífico livre e aberto, durante a Reunião de Cúpula do Fórum de Cooperação Econômi- ca Ásia-Pacífico, no Vietnã.
  23. China Military Power, p. 20.
  24. Ibid., p. 4.
  25. Sun Tzu, The Art of War. [Os trechos traduzidos foram ex- traídos de Sun Tzu, A Arte da Guerra, tradução de Pietro Nassetti, São Paulo: Editora Martin Claret, 2001. — N. do T.]
  26. Richard Heydarian, “China-Philippines ‘Hit and Run’: Du- terte’s Downplaying of the Incident is Sign of his Beijing Dilemma”, South China Morning Post (site), 17 Jun. 2019, acesso em 29 jul. 2019, https://www.scmp.com/week-asia/opinion/article/3014918/ china-philippines-hit-and-run-dutertes-deafening-silence-sign-his.
  27. 2017 Outbound Chinese Tourism and Consumption Trends (New York: Nielson, 2017), acesso em 17 jul. 2019, https://www. nielsen.com/wp-content/uploads/sites/3/2019/05/outbound-chi- nese-tourism-and-consumption-trends.pdf.
  28. “Li Chunli: Focus on Solving the Problem of ‘Two Abilities Are Not Enough’”, People’s Liberation Army Daily, 30 Dec. 2014, acesso em 17 jul. 2019, http://theory.people.com.cn/n/2014/1230/ c40531-26302150.html.