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Este documento explora a vida e a obra do ícone da geração coca-cola, cazuza. Através de análises de suas canções e influências, este texto despertou inúmeras críticas e debates sobre a importância de cazuza na história da música e da literatura brasileira. Ao longo deste texto, descubra como cazuza foi um poeta, músico e rebelde que deixou um legado significativo na música e na cultura brasileira.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
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Não perca as partes importantes!
Leandro Garcia Rodrigues
O recente sucesso do filme Cazuza O Tempo não Pára tem despertado inúmeras críticas e debates; Cazuza, que foi uma espécie de ícone para a sua geração, estava sendo apresentado para outros jovens que o conheciam insuficientemente através de uma ou outra canção tocada nas rádios ou em coletâneas. Para outros parceiros da época do artista pareceu mesmo que o tempo tinha voltado através das músicas e dos cenários que tão bem reconstituíram aqueles anos.
Os anos 80 As avaliações acerca da década de 80 já fazem parte de acalorados debates e tentativas de se estabelecer em conceitos interpretativos sobre essa época. A Geração Coca-Cola, para usar uma expressão de Renato Russo, cada vez mais é colocada no divã desesperado dos analistas culturais; todos têm demonstrado uma certa unanimidade em reconhecer sua principal característica: a de ser um gap, ou seja, um espaço vazio e paradoxalmente produtivo, tenso em suas experimentações estilísticas, o que poderia ser comparado, respeitando-se os limites, à idéia do entre-lugar defendida por Silviano Santiago anos antes. É neste espaço, aparentemente vazio ideologicamente, que vemos surgir, de forma sintomática, inúmeras manifestações artísticas, particularmente o Rock Brasil. Testemunha pessoal da Ditadura, essa geração viu florescer um ardor de liberdade iniciado com a abertura da Anistia, em 1979, e com o movimento das Diretas Já, em 1984. A primeira eleição presidencial após o Regime de 64 coincidiu com o próprio Rock in Rio I, o ano era 1985 e já antes a empolgação do “poder jovem” podia ser observada, que o diga o showmício de Leonel Brizola, realizado pelo Barão Vermelho em 1982. Na sua histórica entrevista à revista Playboy em 1988, Cazuza afirmou: “Eu tenho orgulho de fazer parte de uma geração que tem o Renato Russo, o Arnaldo Antunes, o Lobão; uma geração que acabou com essa história de que rock é bobagem”. Tal observação não deixa de ser intrigante, pois é muito comum a eterna atribuição de geração vazia e sem atitude. Certamente os críticos mais vorazes não tinham percebido o fato de que a vivência da liberdade trazida por esse novo momento histórico é, em si, uma postura ideológica, e que a galhofa e a rebeldia também se configuram como recursos de afirmação na sociedade, pelo menos pela ótica do rock. Mas a época foi rica em fornecer frutos para
showbizz brasileiro, bandas e mais bandas eram criadas nos fundos de garagens ou de quintais como aconteceu com o Barão Vermelho, chegando a Cazuza através de Leo Jaime em 1981, isto sem dizer nos grupos de Brasília. Na verdade, Cazuza protesta em alta voz, exatamente o contrário da idéia de vazio impetrada à sua geração: “Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro, transformam o país inteiro num puteiro, pois assim se ganha mais dinheiro”. É errônea, portanto, a prática comum de se definir esta época da cultura nacional como fraca de pensamentos ou atitudes, o que surgem são formas nada convencionais de pleitear e assegurar um discurso que pudesse resumir o que se vivia naquele momento.
Ensaios de rebeldias
Como todo bom poeta, Cazuza também soube relacionar (ou pelo menos explicitar) as relações eternas e efêmeras da vida. Em algumas canções, o eu-lírico parece mesmo profetizar acerca das situações limites que precisam ser vividas, todas igualmente importantes para “dar um sentido” à vida, sendo o “agora” o legítimo limite para ser feliz, como na sua canção: “Estamos meu bem por um triz, pro dia nascer feliz, pro dia nascer feliz, o mundo inteiro acordar e a gente dormir, dormir”. Há uma intensa necessidade de se viver todo o amor que houver nessa vida, como bem define o título de uma canção do primeiro LP do Barão Vermelho, de 1982. Outro aspecto a ser evidenciado é a sensação do exagero pregado em muitas das suas letras. Cazuza parece não admitir a prática do comumente aceito e parte para uma expressão hiperbólica de certos sentimentos, como é bem demonstrado na canção Exagerado: “Amor da minha vida daqui até a eternidade, nossos destinos foram traçados na maternidade [...] / Exagerado, jogado aos seus pés, eu sou mesmo exagerado [...] / eu posso até morrer de fome se você não me amar”. Em outros momentos, o exagero é percebido quando o eu-lírico parece querer “sensibilizar” o receptor da sua mensagem, aludindo a sua condição de total solidão sentimental: “Eu tô perdido sem pai nem mãe, bem na porta da tua casa [...] / Eu to pedindo a tua mão me leve pra qualquer lado, só um pouquinho de proteção ao maior abandonado [...] / raspas e restos me interessam, mentiras sinceras me interessam”. É interessante perceber o desejo inclusive pelas sobras e restos de sentimento, há um contentamento com o mínimo e com certos valores agora sob uma outra semântica as mentiras sinceras.
Minhas influências literárias são completamente loucas. Nunca tive método de ler isso ou aquilo. Lia tudo de uma vez misturando Kerouac com Nelson Rodrigues, William Blake com Augusto dos Anjos, Ginsberg com Cassandra Rios, Rimbaud com Fernando Pessoa. Adorava seguir Carlos Drummond de Andrade em seus passeios por Copacabana. Me sentia importante acompanhando os passos daquele Poeta Maior pelas ruas à tarde. Mas meu livro de cabeceira foi sempre "A descoberta do mundo", de Clarice Lispector. Adoro acordar e abrilo em qualquer página.
Como podemos perceber, além das influências clássicas da MPB, Cazuza também bebeu em fontes literárias de excepcional valor artístico, isto sem dizer que é assaz intrigante a antologia escolhida: Clarice Lispector, Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa, Rimbauld e Blake. Só essa listagem já daria motivos suficientes para um outro trabalho versando sobre as específicas influências de cada um destes. Num outro momento, o poeta declara:
Quando a Brasiliense começou a lançar as obras de Kerouac, Ginsberg, Borroughs, eu quase fiquei pirado, porque eu fazia algo ligado a eles e não sabia. Penso que os anos 50 têm muito a ver com os anos 80. Era uma época de repressão que se soltou lá pela década de 60 como agora.
Tal verdade é, sem dúvidas, o grande diferencial que marca o seu estilo e o configura definitivamente num “entre-lugar” entre o rock a e MPB. E são muitas as suas composições que experimentam novos ritmos e provocam um verdadeiro divisor de águas na história da sua obra. São exemplos dessa sua vertente musical Faz Parte do Meu Show, Solidão que Nada, Só Se For a Dois, Um Trem Para as Estrelas, Minha flor Meu Bebê, Codinome Beija- Flor, Todo Amor que Houver Nessa Vida e outras. Certamente, essas particularidades contribuem para canonizar o que Caetano Veloso profetizou no seu show Uns, no Canecão em 1982: Cazuza é o maior poeta da sua geração.
Spleen um novo mal-do-século?
O Romantismo eternizou as relações traumáticas entre poesia e dor, entre morte e amor, entre morrer de tanto amar e suas naturais conseqüências. A geração de Álvares de Azevedo trouxe à cena literária brasileira uma tradição que começara com Goethe, Byron, Shelley e depois foi vista em Musset, Rimbauld, Verlaine, Baudelaire e Lorca. Ao longo da sua história, a MPB foi profundamente influenciada pela presença da dor como recurso estilístico de criação, não podemos negar também toda a tradição lusitana que sempre evidenciou esse aspecto. É o próprio Cazuza quem declara:
Acho até que, atualmente, poucos compositores falam da dor. Antigamente, tinha aos montes: Dolores Duran, Lupicínio Rodrigues, Noel Rosa, Cartola, Maysa e tantos outros. Depois disso, pintou uma fase em que era cafona e antiquado falar do sofrimento. Não estou sendo pretensioso não, mas vários estudiosos da música popular já me disseram que eu trouxe essa coisa de dor-decotovelo de volta. É claro que isso aconteceu com a moldura mais epidérmica do rock. Todo brasileiro, todo latino-americano, é pego um pouquinho pelo pé nisso de mexer na ferida do amor. E sempre gosta de temas relacionados a uma paixão que não deu certo. Esse é o lado diferente e talvez polêmico do meu trabalho.
Como podemos perceber, o próprio compositor tem clareza quanto ao diferencial estilístico-temático presente na sua obra, todavia, “filtrando” esse tom meio blues por meio da moldura mais epidérmica do rock. Essa presença da dor ganha um tom especial que faz de Cazuza um misto de poeta maldito e roqueiro: ela é vista e vivida pelo signo da rebeldia e não mais pelo conformismo que marcou o Romantismo, o poeta sofre e grita e xinga esse sofrimento, às vezes identificando de forma cruel os motivos que o levaram a sofrer. O spleen de Cazuza tem uma conotação um tanto sórdida do ponto de vista social, como percebemos nos versos que iniciam Blues da Piedade: “Agora vou cantar pros miseráveis que vagam pelo mundo derrotados / pra essas sementes mal plantadas que já nascem com cara de abortadas / [...]. Vamos pedir piedade, Senhor piedade, pra essa gente careta e covarde”. Há uma espécie de solidariedade entre o eu-lírico e os miseráveis derrotados, metaforizados como “sementes abortadas”, ou seja, a melancolia romântica adquire novos receptores que ajudam a ressemantizar o conceito de “poeta maldito”. Em outros momentos, a solidão é encarada de frente, é vista como um entrave que deve ser evitado pois o mais importante é viver, como na canção Solidão que Nada: “Viver é bom nas curvas da estrada /Solidão que nada / Viver é bom partida e chegada / solidão que nada”. Uma outra forma de Cazuza expressar o seu spleen é fazendo algumas constatações quanto ao dia-a-dia das pessoas, tudo, é claro, passado por meio de um crivo subjetivo e altamente sensível. Um Trem Pras Estrelas foi composta por ele e musicada por Gilberto Gil para o filme homônimo de Cacá Diegues, excelente exemplo de criação que está mais para a MPB do que propriamente para o rock, sem mencionar a importante conotação política presente no seu texto. Nela, o poeta utiliza esse sentimento de melancolia misturado à observação, que faz, do cotidiano das pessoas: “São sete horas da manhã, vejo o Cristo da janela / O sol já apagou sua luz e o povo lá em baixo espera nas filas dos pontos de ônibus procurando aonde ir”. Em outro momento, a letra “corta” através de uma crítica amarga às crenças canônicas: “Estranho o seu Cristo Rio que olha tão longe além / com os braços sempre
ASSAD, Simone. Renato Russo de A a Z. As idéias do líder da Legião Urbana. Campo Grande: Letra Livre, 2000.
BIZZ. Edição especial. O poeta está vivo. Rio de Janeiro: Abril, 2004.