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Este artigo discute o projeto e construção da catedral de brasília, com ênfase na 'cúpula da nave', que representa a fusão entre forma e estrutura. O texto aborda a carreira de niemeyer, suas contribuições na engenharia do concreto armado e as teorias de mahfuz sobre sua obra. Além disso, analisa as perspectivas de telles sobre a expressão tectônica na catedral e a crítica de joaquim cardozo sobre a imposição da forma em projetos de arquitetura.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
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Eixo Temático: História e Historiografia da Arquitetura e do Urbanismo Modernos no Brasil
Mestre em Arquitetura; Engenheira Civil e Professora do CAU PUC-Rio
Doutor em Arquitetura; Arquiteto e Urbanista; Professor do CAU PUC-Rio e do PPGArq PUC-Rio
Resumo:
A proposta deste artigo é discutir o projeto e construção da Catedral de Brasília, sobretudo o que diz respeito à “cúpula da nave”, tendo como princípio o conceito forma-estrutura, que procura caracterizar a fusão e condensação expressiva entre a forma e a estrutura de certas edificações em uma única essência. Conceito formulado de modo transdisciplinar a partir de fundamentos teóricos da arquitetura e da engenharia estrutural e da relação intrínseca que envolve estas disciplinas no âmbito do projeto e da construção. Trata-se de uma discussão cujo corpus teórico é consubstanciado pelas proposições de Eduard Franz Sekler (1965, 1967) e Kenneth Frampton (1995) sobre tectônica e construção no sentido de aprofundar a análise no que diz respeito à expressão tectônica, que pode ser entendida também como experiência empática. Discussão que, mais especificamente, conta ainda com uma série de reflexões do engenheiro Joaquim Cardozo que, em conjunto com proposições de Adrian Forty, Sophia Telles, Edson Mahfuz e Miguel Wisnik, contribuem sobremaneira para circunscrever o objeto em questão. A partir deste recorte, pretende-se contribuir para o aprofundamento da discussão sobre a relação entre arquitetura e engenharia estrutural que atravessa a Arquitetura Moderna no Brasil, e que, a nosso ver, tem sido pouco considerada na sua historiografia e, portanto, na sua história. Palavras-chave: Catedral de Brasília, forma-estrutura, atectônica, experiência empática.
Abstract:
The purpose in this essay is the discussion about the Brasília Cathedral project and construction, more specifically concerning its nave´s dome, having the structure-form concept as its tenet, in order to characterize the expressive fusion and condensation of the building´s form and structure in a single essence. Concept that was formulated having architectural and structural engineering theoretical foundations considered from a transdiciplinary perspective in addition to the intrinsic relation that engages both disciplines in the project and construction context. It´s a discussion substantiated by Eduard Franz Sekler´s (1695,1967) and Kenneth Frampton´s (1995) propositions about tectonics and construction as an intention to deepen the analysis on tectonic expression, that can also be perceived as empathetic experience. Discussion that counts, more specifically, with a series of remarks made by Joaquim Cardozo that, along with Adrian Forty, Sophia Telles, Edson Mahfuz and Miguel Wisnik have contributed to circumscribe the object at stake. As of this contour, the intention here is to emphasize the relation between architecture and structural engineering that crosses Modern Architecture in Brazil and that, from our point of view, has been neglected in its historiography and, consequently, in its history. Keywords: Brasília Cathedral, structure-form, atectonic, empathetic experience.
Ao longo de sua carreira, Oscar Niemeyer projetou edificações que, além de mobilizarem a opinião pública, instigaram a crítica acadêmica em diversos campos do conhecimento: da arte à arquitetura, passando pela engenharia, tanto no que tange à tecnologia do concreto armado, às metodologias construtivas e seus desafios logísticos e tecnológicos, como também à engenharia estrutural, campo no qual figuras como Joaquim Cardozo, José Carlos Sussekind e Bruno Contarini certamente contribuíram sobremaneira para materialização de seus projetos.
A Igreja de São Francisco de Assis, na Pampulha, a Catedral de Brasília, a Universidade de Constantine e o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, dentre outras, são edificações que traduzem a relação dialógica que permeia o trabalho conjunto do arquiteto com os engenheiros estruturais. Tratam-se de edificações nas quais, em conjunto com obras de outros arquitetos brasileiros, como Affonso Eduardo Reidy e João Batista Vilanova Artigas, entre outros, percebe-se a estrutura incorporada à forma arquitetônica. Configuração que mobilizou nossa pesquisa e que acabou por resultar na formulação do conceito forma- estrutura^1 que apropriado como estratégia projetual pode também operar como matriz de expressão tectônica. Perspectiva que informa a análise do projeto e da construção da Catedral de Brasília, sobretudo o que diz respeito à “cúpula da nave”, enfoque central desta discussão.
No ensaio Structure, Construction, Tectonics , Eduard Franz Sekler afirma que a expressão tectônica das edificações, além de se manifestar por vários meios, também pode ser deliberadamente pouco clara,
[...] deixando o observador maravilhado diante de vastas expansões de matéria pairando aparentemente sem esforço sobre um vazio [...]. Pode haver uma negação tectônica criada com o auxílio de formas atectônicas que tendem a perturbar o observador. (SEKLER, 1965. In: KEPES, 1965, p. 94)
Na Catedral de Brasília é possível observar três objetos simbólicos sobre uma espécie de plataforma^2 : a “cúpula” do batistério, a torre sineira e a “cúpula da nave”. A materialização da “cúpula da nave” se dá por meio de uma matriz radial de repetição de um único elemento estrutural, que Oscar Niemeyer descreve como uma “coluna curva”, estratégia definida por Maria Alice Junqueira Bastos como uma unidade “espaçoestrutural” (BASTOS; ZEIN, 2015, p. 94). Estratégia que se mostrou coerente com a autocrítica de Niemeyer registrada no ensaio Depoimento , publicado em 1958, mesmo ano da elaboração do projeto, no qual indicava novas diretrizes para sua arquitetura, colocando em destaque que a expressão de seus edifícios não se daria mais por elementos secundários, mas pela “própria estrutura devidamente integrada na concepção plástica original” (NIEMEYER, 1958, p. 4). Anos depois, Niemeyer comentaria: “foi em Brasília que minha arquitetura se fez mais livre e rigorosa” (NIEMEYER, 1978, p. 42).
(^1) Conceito elaborado no âmbito da pesquisa que vem sendo desenvolvida pelos autores desde o início de 2016, vinculada ao programa de pós-graduação em Arquitetura da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio. (^2) Mahfuz caracteriza três partidos básicos na obra de Niemeyer: o primeiro é o partido monolítico ou compacto, o segundo é baseado na composição elementar e o terceiro é o que decompõe o programa em átomos funcionais; além de salientar os oito 8 elementos por ele utilizados que são: a barra horizontal, a torre, o prédio viga, o edifício circular de baixa altura, a marquise orgânica, a plataforma, as cascas de forma livre e as calotas e cúpulas semiesféricas (MAFHUZ, 2002, p. 283-287).
plenamente inteligível a se dar pela legibilidade do caminho das forças, como, por exemplo, em um pórtico convencional. Por outro lado, manifesta-se no sujeito alguma perturbação por sua condição de flutuação sobre um espelho d´água. Característica que confere ao edifício qualidade atectônica, que se manifesta no sujeito como certa inquietação, que pode ser caracterizada como experiência empática. Atectonicidade e empatia são consequência da maneira como Niemeyer empregou o concreto neste e também em outros projetos.
Niemeyer não só compreendeu como explorou as possibilidades plásticas e estruturais do concreto armado, material que Adrian Forty caracteriza como essencialmente moderno (FORTY, 2013, p.34). Elaborou projetos cuja expressão tectônica seria também a expressão do desenvolvimento tecnológico desse material de construção.
Assim que comecei os estudos para a Catedral de Brasília, soube que meu projeto deveria, pela sua leveza, ilustrar a técnica contemporânea. [...]Com o concreto armado, que oferece infinitas possibilidades, sabia que podia ambicionar algo mais. (NIEMEYER, 1998, p. 2)
Ao “ambicionar algo mais”, Niemeyer estaria indo ao encontro de certa tradição da tectônica que, segundo Kenneth Frampton (1995), caracteriza-se por uma permanente busca de reinterpretar o velho e criar o novo. Fenômeno de inegável evolução, demostrando que, apesar de sua significância variar de uma situação para outra, o que persiste ao longo do tempo é a representação e a apresentação do edifício como produto de um processo de construção. Para Frampton, a materialização é fruto de um processo construtivo que é essencial “à presença fenomenológica de um trabalho arquitetônico e sua literal incorporação na forma” (FRAMPTON, 1995, p. 375).
A presença da Catedral, especialmente da “cúpula da nave”, provoca inquietação justamente por sua condição de edifício construído, e não como desenho. Condição que é resultante de um processo construtivo, mesmo sendo de leitura complexa. Elementos estruturais, de um modo geral, não possuem significado a priori , exceto aqueles que remetem às suas funções estruturais intrínsecas. Quando o elemento estrutural extrapola sua função e se incorpora à arquitetura, ou seja, onde forma e estrutura se fundem em uma única essência, de matriz racionalista ou não, o conjunto se expressa tectonicamente, mesmo que seja por uma negação deliberada da legibilidade construtiva. Configura-se, assim, o que nos parece possível caracterizar como forma-estrutura atectônica.
Explicitada pelo caminho das forças ou mesmo pouco clara por sua negação, a expressão tectônica é também manifestação empática, na medida em que o sujeito interage com as edificações. Para ilustrar esse argumento Sekler cita Frank Lloyd Wright, quando explicou a forma da First Unitarian Church (Wisconsin, Estados Unidos), projeto de sua autoria inaugurado em 1951. Ao aludir às mãos unidas em oração, Wright estava ilustrando a expressão de “reverência e aspiração” e, por isso, não falava de estrutura, mas sim de tectônica (SEKLER, 1965. In: KEPES, 1965, p. 94). Sekler, portanto, vincula a expressão tectônica não somente aos aspectos técnicos do processo construtivo mas também à configuração simbólica das edificações e à experiência empática.
Quando Niemeyer pensou uma catedral que podia “tal qual uma escultura monumental, traduzir uma ideia religiosa, uma prece” (NIEMEYER, 1968), e projetou sobre uma plataforma uma cobertura “circular, com colunas curvas se elevando em um gesto de súplica e de comunicação” (NIEMEYER, 1998), estava chamando atenção para a associação desses elementos a um gesto simbólico e, por isso, falava de tectônica, assim como Wright. A materialização dessa intenção no edifício construído proporciona ao sujeito uma experiência empática tanto no campo da fenomenologia como por sua configuração
simbólica e isso se traduz em expressão tectônica. Expressão que já se anunciava condensada nas poucas linhas do croquis de Niemeyer (Figura 1).
Figura 1 : Catedral de Brasília, Brasil, 1958. Oscar Niemeyer. Fonte: http://www.archdaily.com.br/br/01-14553/classicos-da-arquitetura-catedral-de-brasilia-oscar- niemeyer/14553_15286.
Essa é, portanto, uma outra chave que se propõe para a leitura do projeto e construção da Catedral de Brasília e também, possivelmente, de outros projetos de Niemeyer. Leitura que propõe uma análise do projeto a partir de três categorias: imposição da forma, legibilidade estrutural e materialidade estrutural. Categorias que procuram explicitar a configuração de atectonicidade intrinsecamente refletida na relação de empatia estabelecida entre o sujeito e o objeto construído.
Joaquim Cardozo, engenheiro estrutural responsável pelo projeto da Catedral de Brasília, em discurso dirigido a formandos da Faculdade de Arquitetura de Pernambuco, proferido em Olinda em 1962, criticava certa arquitetura moderna que se baseava então na “exibição de formas arbitrárias, de superfícies imaginadas e sentidas como simples e originais expressões estéticas” (CARDOZO, 1962. In: MACEDO; SOBREIRA, 2009, p. 150.). Contrapondo-se a essa criação arbitrária, Cardozo citava as construções de Brasília, onde havia “mais harmonia, mais sentido estético de escolha e de refinamento de proporção” (CARDOZO, 1962. In: MACEDO; SOBREIRA, 2009, p. 150).
Ao descrever o projeto da Catedral na revista Habitat, em 1958, Niemeyer se refere à pureza de sua forma e a relação da estrutura com a racionalidade e construtibilidade:
[...] uma solução compacta, que se apresentasse externamente de qualquer ângulo com a mesma pureza. Vem daí a forma circular adotada, que além de garantir essa característica, oferece à estrutura uma disposição geométrica, racional e construtiva. (NIEMEYER, 1958, p. 2)
Niemeyer parece justificar ali o rigor que associa à forma livre do projeto da Catedral, ampliando o campo de compreensão do termo racionalidade. Não seria mais a racionalidade
o formato desses elementos implica em uma subversão conceitual, pois a relevância dos esforços de flexão que os solicitam é flagrante, o que implica uma incoerência estrutural funcional quanto à proposição de Niemeyer.
Cardozo enfrentou o problema determinado pela imposição da forma como inerente ao processo de elaboração do projeto estrutural. Entendia que se tratava de uma prerrogativa do projeto de arquitetura, que, por sua vez, determinava todo o problema inerente ao processo de elaboração do projeto estrutural, pois caso a estabilidade da construção fosse o único critério direcionador do projeto, a forma estética poderia ser comprometida pela forma estática, porque:
[...] o que existe de verdadeiro, é o ser a forma projetada pelo arquiteto uma forma estabelecida a priori , apenas condicionada a uma questão de estabilidade, mas nunca resultante a posteriori desta última. (CARDOZO,
No texto em que relata a construção, ao descrever a concepção do sistema estrutural adotado, Cardozo resume a complexidade analítica que precisou enfrentar:
A estrutura da Catedral é constituída de seis elementos de forma estranhíssima, são verdadeiros arcobotantes, não mais escorando uma abóbada, mas escorando-se entre si: têm, ao rés do chão, um anel de tração, e, na função que fazem, ao alto, um anel de compressão, que fica escondido dentro dos próprios elementos construtivos da estrutura. Estes arcobotantes sustentam ao alto uma laje de cobertura de forma circular com 16 metros de diâmetro, assim como sustentarão lateralmente grande esquadria de vidros; a forma da catedral está teoricamente envolvida por uma série de superfícies tangentes: tronco de cone, zona de pseudoesfera, duas zonas de toxo (internas) e, na parte mais alta, uma zona de hiperboloide de uma folha, e de revolução. (CARDOZO, 1958. In: MACEDO; SOBREIRA, 2009, p. 136)
Consta que não restaram registros do trabalho elaborado por Cardozo (VASCONCELOS, 1992, p. 86)^4. O projeto estrutural da Catedral pode ter se perdido, restando apenas a obra construída como testemunha de seu trabalho. Todavia, este fato não impede a realização de análises a posteriori , que servem como comprovação de sua inventividade, principalmente no que tange à criação de um modelo abstrato de análise estrutural que venha a representar a estrutura construída. Ponto crucial na interação entre os projetos de estrutura e arquitetura e seu desenvolvimento.
Nas palavras de Cardozo o modelo está exposto: no chão um anel de tração e no topo um anel de compressão servindo de escora aos arcobotantes invertidos que, na extremidade superior, sustentam uma laje de cobertura e lateralmente sustentam as esquadrias. A simplicidade do modelo idealizado comprova sua engenhosidade, porém não é possível extrair do texto como este modelo seria analisado estruturalmente, segundo as teorias estruturais conhecidas e utilizadas na época em que foi concebido.
Cardozo pode ter imaginado um modelo estrutural que se aproximasse de soluções conhecidas das teorias clássicas da hiperestática na época em que elaborou o projeto. Uma consulta ao engenheiro e professor emérito da Faculdade de Engenharia Civil da Universidade Federal da Bahia, Antônio Carlos dos Reis Laranjeiras, sobre um possível modelo utilizado por Cardozo para o enfrentamento do problema, resultou na seguinte resposta:
(^4) Aqui ele se refere a “seis elementos de forma estranhíssima”, quando na verdade são dezesseis.
O modelo escolhido pode ter sido o de um simples pórtico plano, que se repetiria oito vezes, constituído por duas hastes curvas, opostas, e o anel superior como uma haste horizontal, interligando as hastes opostas. As duas hastes inclinadas seriam articuladas na extremidade inferior. A extremidade inferior teria vínculos, impedindo seu deslocamento horizontal e vertical. Nesse pórtico, as cargas gravitacionais seriam simétricas e iguais, enquanto a ação do vento seria um carregamento assimétrico, horizontal, aplicado nas hastes. As hastes inclinadas seriam dimensionadas para as cargas gravitacionais e vento, (LARANJEIRAS, 2017)
Tal modelo pode, de maneira sintética, ser representado a partir do próprio croquis de Niemeyer (Figura 3).
Figura 3 : Catedral de Brasília. Esquema de pórtico plano idealizado sobre croquis de Niemeyer. Fonte: Antônio Carlos dos Reis Laranjeiras.
A escolha de um modelo simplificado seria a chave de solução do problema e estaria de acordo com as proposições de Pier Luigi Nervi, engenheiro contemporâneo de Cardozo, que, segundo Ada Louise Huxtable, considerava que:
O estágio formativo do design, durante o qual as características principais são definidas e suas qualidades e defeitos são determinados de uma vez por todas (assim como as características de um organismo são claramente definidas no embrião), não pode fazer uso da teoria estrutural e deve se basear na simplificação esquemática. (HUXTABLE, 1960, p. 17)
Quanto à abordagem na criação de um modelo estrutural, Cardozo e Nervi possivelmente compreendiam a engenharia estrutural da mesma maneira, apesar de haver uma distinção fundamental no trabalho de ambos. Para Nervi, a melhor forma estética viria de uma síntese com a melhor forma estática, enquanto Cardozo aceitava as implicações provenientes da imposição da forma, como teve oportunidade de expressar no ensaio de 1958, Forma Estática-Forma Estética ; não obstante, é possível aproximar o trabalho de ambos no que diz respeito à simplificação inicial de um modelo de análise.
Recentemente, modelagens computacionais de estruturas espaciais e não apenas pórticos planos, como fez Cardozo, têm sido propostas para investigar o comportamento da estrutura
construções de cúpulas e telhados, que atuavam nas paredes portantes das edificações. Para cumprir essa função, eram construídos com a forma arqueada, comprovadamente eficiente para suportar as forças de compressão que neles se desenvolviam como reação às forças de tração provenientes das cúpulas (Figuras 5).
Figura 5 : Catedral de Brasília. Arcobotantes invertidos. Fonte: https://pixabay.com/pt/catedral-metropolitana-de-bras%C3%ADlia-1205602/. Catedral de York Minster, Inglaterra. Arcobotantes tradicionais. Fonte: http://www.historyasstories.com/wp-content/uploads/2015/01/H1.-Close-up-flying-buttresses-York- Minster.jpg.
As colunas curvas de Niemeyer têm, entretanto, sua função subvertida. Uma vez que, devido à forma curva invertida, à distância entre os apoios e à direção de incidência das cargas, estão submetidas a esforços preponderantes de flexão, como é possível constatar nos diagramas de momentos fletores e de esforços cortantes provenientes de modelagem computacional, deixam de funcionar como colunas. Os resultados atuais confirmam a hipótese do comportamento estrutural inusitado antecipada por Joaquim Cardozo.
O que se deduz dessa análise é que a imposição da forma influencia o comportamento da estrutura, e que, apesar de Cardozo inicialmente associar as “colunas curvas” de Niemeyer a arcobotantes invertidos, estas, na verdade, se comportam como vigas. Entretanto, no edifício da Catedral, independentemente do comportamento ou função, tudo é estrutura, como queria Niemeyer e como possibilitou Cardozo, e ali a imposição da forma, longe de ser limite se mostrou como uma fronteira que, ultrapassada, permitiu sua materialização. Materialização que possibilitaria a experiência empática pretendida por Niemeyer.
A forma elaborada por Niemeyer para a “cúpula da nave” da Catedral, aqui caracterizada como forma-estrutura atectônica, obrigou Cardozo a formular um sistema estrutural que, apesar de fundamentado nos preceitos da simplicidade estática, pela provável associação daquela estrutura espacial a um conjunto de pórticos planos, escamoteia sua imediata compreensão. A legibilidade estrutural baseada no caminho racional das forças desaparece deixando ao sujeito incógnitas e mistérios que dificultam sua leitura, mas por outro lado instigam a imaginação. Ao se referir ao trabalho de Eduardo Torroja e de Nervi, Sekler comenta:
O trabalho de Torroja e Nervi é muito adequado para nos lembrar da simples verdade de que a expressão tectônica poderosa não precisa estar vinculada
a um sistema que remeta à interação entre horizontalidade e verticalidade relacionada ao pórtico. (SEKLER, 1965. In: KEPES, 1965, p. 94)
Possivelmente, ao associar a estrutura da “cúpula” da Catedral, que é uma estrutura espacial, a um conjunto de pórticos planos, cujo modelo se distanciava dos pórticos clássicos, Cardozo pode ter feito uma transposição analógica que vai na direção do entendimento de Sekler, abandonando a interação entre horizontalidade e verticalidade. Na realidade, o fato do caminho das forças não ser observável em uma apreensão imediata não retira do objeto construído sua expressão tectônica. É possível observar, portanto, que mesmo uma forma atectônica pode se expressar tectonicamente.
A legibilidade estrutural da “cúpula” pode se dar de modos diferentes, dependendo se é apreendida pelo lado externo ou interno do edifício. No lado externo, a base, constituída pelo anel de tração que recebe os esforços das “colunas curvas”, fica fora do campo de visibilidade do sujeito, dando a impressão que estas flutuam, imprimindo ao edifício o efeito de leveza pretendido por Niemeyer. O apoio superior configurado no anel de compressão também não é visível como tal, por estar situado no ponto de tangência entre os pilares, levando o sujeito a acreditar que estes apenas se tocam naquele trecho para em seguida voltarem a se separar, providenciando, um pouco acima desse ponto, o necessário apoio para a laje da cobertura que sustenta a cruz.
Já o interior da “nave” se constitui de um espaço livre de elementos estruturais, sendo perceptíveis apenas os elementos opacos e translúcidos do teto, agora não mais como elementos estruturais e sim como elementos de uma cobertura. A legibilidade do espaço delimitado por uma delgada cobertura^7 , não coincide necessariamente com a legibilidade estrutural, pois ali todos os elementos, vidro e “faixas” curvas, parecem flutuar. Além de cobrirem o espaço de modo praticamente coplanar, dificultando a percepção de que apenas alguns são estruturais, a armação metálica das esquadrias e os vidros nelas fixados podem possivelmente induzir a uma leitura em que as colunas curvas formam com eles um único conjunto. A sensação de leveza induz à obliteração da estrutura portante.
Os anéis de tração na base e de compressão no topo também são igualmente ilegíveis estruturalmente, a partir do interior do edifício. O que se percebe é apenas a potência de criação de um enorme espaço interno a partir da construção de uma cobertura, sem configuração explicitamente estrutural, que não parece descarregar seu peso nas paredes da periferia, ao contrário, transmite a sensação de flutuação intencionada por Niemeyer.
Quanto à legibilidade estrutural, portanto, a “cúpula” da Catedral de Brasília é ambígua. Externamente os elementos que se elevam em curva podem ser lidos estruturalmente, mesmo que pareçam flutuar, pois é nítida sua condição de nervura e de suporte para a laje da cobertura. Internamente, entretanto, a estrutura, também flutuante, é pouco perceptível como estrutura funcional, de característica portante.
Ainda nessa categoria de análise está a questão do esforço técnico que Wisnik, conforme mencionado anteriormente, sugere ser determinante, porém invisível, em inúmeros projetos de Niemeyer. Esforço técnico que, no entanto, deveria ser entendido em toda a abrangência do termo, onde, entre outros aspectos, estariam incluídos o projeto estrutural que confere a condição de equilíbrio surpreendente, e a legibilidade estrutural dela proveniente, além do próprio processo construtivo. O esforço técnico, em projetos ancorados no princípio da forma-estrutura, neste caso forma-estrutura atectônica, começa no projeto da estrutura portante, que é resultado da imposição da forma.
(^7) Característica da arquitetura da denominada Escola Carioca que Forty descreve como “delgadas superfícies curvas de concreto e uma negação de formas ortogonais” (FORTY, 2013, p. 124).
As “formas livres e inesperadas” se materializaram no projeto da Catedral e a questão que se coloca com relação à materialidade estrutural neste edifício é ambígua.
As “colunas curvas” se mostram em um movimento ascendente a partir do piso da esplanada agregando-se monoliticamente no ponto de tangência onde se configura o anel de compressão em que se apoiam. Continuando seu movimento ascendente, a partir desse anel os elementos voltam a se desagregar em direção ao topo; desagregação que poderia continuar virtualmente até o céu. Em um mesmo edifício, portanto, Niemeyer apresenta possibilidades contraditórias com relação à materialidade do concreto que, dependendo de sua apropriação formal, pode ser a representação do peso e da densidade ou, contraditoriamente, da leveza. Na “cúpula” da Catedral ambas as qualidades, que caracterizam a expressão tectônica do edifício, podem ser observadas simultânea e contraditoriamente, leveza na base e peso no topo, o que empaticamente instiga ainda mais sua condição de flutuação.
Ainda com relação à expressão tectônica, a materialidade estrutural pode ter sido fundamentalmente alterada. É possível constatar em foto de 1970, ano de sua inauguração, que a Catedral foi construída em concreto aparente. Essa materialidade foi conseguida por uma carpintaria de fôrmas extremamente artesanal^9. O sistema de escoramento foi executado em estrutura metálica tubular, que necessitou de fundação própria em estacas inclinadas solidarizadas por blocos de concreto. Após a retirada das fôrmas e do escoramento, as estacas foram cortadas no nível do piso do subsolo e ficaram perdidas no terreno.
A Catedral foi inaugurada em concreto aparente, e assim permaneceu por 17 anos, quando em 1987 foram feitas intervenções no edifício para substituição dos vidros incolores por outros com desenhos coloridos e, nessa intervenção, a estrutura de concreto foi pintada de branco. É interessante notar a diferença entre a materialidade estrutural em concreto aparente e sua atual configuração. O concreto aparente comunica a existência de uma estrutura portante, mesmo que sua legibilidade não seja de imediata compreensão, uma vez que não ficam claros o caminho das forças, as tensões que se desenvolvem nos elementos estruturais e as condições que promovem o equilíbrio do conjunto.
A Catedral de Brasília construída em concreto aparente não é a mesma Catedral de Brasília pintada de branco. A pintura branca retira a potência estrutural do edifício, subtraindo a comunicação de um processo construtivo, conferindo-lhe o que Telles caracteriza como “a dissolução da matéria pelo esquecimento da técnica no olhar contemplativo” (TELLES, 1992. In: GUERRA, 2010, p. 261).
A materialidade estrutural, nesse caso, comunica ideias distintas que alteram não somente o projeto como um todo, mas também sua relação com as pessoas e com a cidade, sua expressão tectônica e, portanto, sua manifestação empática (Figura 6).
(^9) Conforme depoimento do arquiteto Carlos Magalhães, a geometria dos pilares era tão complexa que foi necessário desenhar no canteiro de obras, em escala 1:1, um protótipo que servisse de modelo, para a partir dele montar aproximadamente 20 cortes transversais que pudessem auxiliar a execução de fôrmas de madeira (PESSOA; CLÍMACO, 2002, p. 25).
Figura 6 : Catedral de Brasília. Concreto aparente, foto de 1970. Fonte: http://www.archdaily.com.br/br/01-14553/classicos-da-arquitetura-catedral-de-brasilia-oscar-niemeyer. Catedral de Brasília. Pintura branca, foto de depois de 1987. Fonte:https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/98/Catedral_BSB_lomd_01.jpg.
A “cúpula” da Catedral em concreto aparente, de certa maneira, se coloca no espaço como a versão em negativo daquela pintada de branco. A primeira informa a potência da implementação do conceito forma-estrutura como matriz de expressão tectônica, proveniente da interação entre arquitetura e engenharia estrutural, onde o concreto aparente comunica a presença da técnica. A segunda estará mais próxima da esfera simbólica, onde a característica escultórica pretendida por Niemeyer pode estar mais evidente afastando a noção de construção tão presente no concreto aparente.
De qualquer maneira, em ambas as configurações, a estrutura da “cúpula da nave” da Catedral se manifesta como matriz de expressão tectônica, seja pela construção e/ou pela experiência empática. Além disso a estrutura exposta e incorporada na arquitetura, em qualquer das duas versões, mantém visível a lógica moldável e indivisível do concreto armado (WISNIK, 2004. In: ANDREOLI; FORTY, p. 30), propriedade monolítica de sua materialidade, apropriada em inúmeros projetos por Niemeyer.
Brandão extrai do ensaio de Heidegger A Origem da Obra de Arte o que diferencia o objeto artístico do objeto instrumental. Para Heidegger, segundo Brandão, a matéria tende a desaparecer no objeto instrumental onde, por exemplo, “a pedra desaparece no calçamento, o concreto desaparece na laje, o aço desaparece na tesoura [...]” (BRANDÃO, 2000, p. 3). Já na obra de arte a matéria se revela, e é assim que Niemeyer lida com o concreto, quando extrai do material toda a potência de sua plasticidade unida à sua capacidade resistente como material estrutural.
O princípio forma-estrutura que caracteriza a “cúpula da nave” da Catedral de Brasília pode ser considerado uma síntese potente do trabalho conjunto de Niemeyer e Cardozo. Síntese cuja geratriz se encontra no princípio forma-estrutura que nesta obra, especificamente, é caracterizado como forma-estrutura atectônica, cuja potência expressiva mobiliza corpos e mentes a partir dos âmbitos material e simbólico.
Espera-se, por meio desta discussão, contribuir para a ampliação do campo relacionado ao conceito tectônica, além de colocar em pauta o tema do atravessamento transdisciplinar entre arquitetura e engenharia estrutural, no sentido de estimular uma revisão historiográfica
________. Arquitetura Moderna no Brasil: O desenho da superfície. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1988. Dissertação de Mestrado.
VASCONCELOS, A. C. O Concreto no Brasil: Recordes-Realizações-História. São Paulo: Pini,
WISNIK,G. Modernidade Congênita. In: ANDREOLI, E.; FORTY, A. (Org.). Arquitetura Moderna Brasileira. London: Phaidon, 2004. p. 20-55.