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À direita, a estrada era margeada por aglomerações de flores de cores vivas. – Maria-sem-vergonha – explicou Lota. Bishop estava deliciada, queria parar, ...
Tipologia: Notas de estudo
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FLORES RARAS
e
BANALÍSSIMAS
À memória de Magu
Sumário Esclarecimento Epígrafe Inicial Boston, 1978 Ó turista O pedúnculo indecente Era uma vez um rei chinês Rio de Janeiro, 1994 Miudezas do cotidiano O verdureiro da sorte Bela Pindorama Dona Lota Why? O barracão A cadela cor-de-rosa O merdô Noite de luar intenso Bububu no bobobó A fundação Qualquer grande esperança é grande engano A porrada de Camões As melaloucas de Lorena Não temos tempo para lógicas O mafuá Sóis se põem Rio de Janeiro, 1994 Boston, 1978 Epígrafe Final Fontes Agradecimentos Créditos A autora
“Aquela miúda e franzina criatura, toda nervos, toda luz, que se chamava Dona Lota.” Carlos Lacerda Rio, setembro de 1967
(Tudo que já se disse a respeito é totalmente falso.) Elizabeth Bishop, “Crusoe na Inglaterra”
m 30 de novembro de 51, Mary Morse levou Elizabeth Bishop para o apartamento que dividia com Lota de Macedo Soares no Leme, num 11º andar, de frente para a Avenida Atlântica. Inocente do que estava para acontecer com sua vida depois do que ia propor, Mary informou, afavelmente:
Positivamente Bishop não estava gostando do Rio. O panorama visto da janela era lindíssimo. Mas a cidade era terrivelmente quente e, como dizer, desmazelada. Desde cedo a praia virava um vespeiro de banhistas. Homens morenos de calção jogavam bola de meia na rua o dia inteiro. Em vez de lhe distender os nervos, aquela gente transitando indolentemente pelas ruas do Leme produzia o efeito inverso, irritava-a. Em compensação, o miolo de Copacabana era um burburinho, reforçava em Bishop a ideia de despropósito. Sentia-se tolhida e atabalhoada. De combinação, suada, ensaiava um poema no apartamento da Antônio Vieira:
Ó turista então é assim que este país vai atender você e sua imodesta exigência de um mundo diferente?
Ficou feliz quando chegou o dia em que Mary e Lota viriam buscá-la para levá-la à sua casa na montanha. Na hora combinada, um Jaguar vermelho de capota arriada aterrou junto à calçada. Dele saltou, com elegância, uma mulher baixinha que lhe estendeu um sorriso. Ao se aproximar, Bishop notou que era bem mais morena do que se recordava. Com a mão direita Lota apertou vigorosamente a mão de Bishop, enquanto com a esquerda lhe afagava o ombro. Olhava-a nos olhos.
Alunos de pintura na Universidade do Distrito Federal, 1935. Ajoelhada em primeiro plano, Lota, de jabot de pois. Atrás de Portinari: Burle Marx e Mário de Andrade.
Em 42, Lota voltou dos EUA para organizar a Artistas Brasileiros Reunidos. A caricatura é de Augusto Rodrigues.
Ande depressa, Mary, que está na hora de você fazer o almoço!
de Carlos Leão para Lota, 49.
poemas. Bishop recusou.
A cada estrofe Bishop consultava Lota com os olhos claros. Os olhos morenos devolviam a interrogação. A sala ficou cheia de silêncios.
se julga superior, a turista faz longa lista de reclamações e comentários desairosos a propósito do país que a está recebendo. Bishop releu o que tinha escrito até então. Lá estava sua viajante, atônita diante de um mundo que se recusava a se ajustar às suas ideias preconcebidas. Agora precisava terminar o poema. Tinha que rever alguns versos, em especial algumas rimas, e definir a última estrofe. Achava que o poema podia agradar os editores americanos. Com sorte, talvez conseguisse vendê- lo a E Wl Pdg‘ Wg+ Contudo, após mourejar por duas horas, sentia-se malograda e exasperada. Não tinha conseguido resolver nada; ao contrário, passara a desgostar de soluções que já tinha dado como boas. Sentia fome. Sentia vontade urgente de beber.
Mary reparou que Bishop não falava mais em voltar para o Leme. Simplesmente ia ficando. Todo dia, depois do café, ia ver Lota tocar a obra. Morosa e irresoluta no seu fazer literário, Bishop se assombrava com a desenvoltura com que Lota assumia a direção de uma obra tão complexa. Como a maioria das mulheres de classe alta de sua geração, Maria Carlota Costallat de Macedo Soares tinha tido preceptoras e estudado na Europa, mas não tinha cursado a universidade. No entanto, sabia tudo de arquitetura. Sua biblioteca sobre o assunto era exemplar. Acompanhara de perto o trabalho dos jovens arquitetos de vanguarda na construção do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro. Era amiga dos mais respeitados arquitetos brasileiros. Foi a um deles, Sérgio Bernardes, que Lota recorreu para concretizar seu projeto de casa. Queria pousar um objeto retilíneo e enxuto no meio das formas ornadas e sinuosas da natureza. Ali coexistiriam a rigidez do ferro e o quebradiço do vidro, o polido do artefato e o tosco das pedras do rio. Diferentes texturas, volumes e planos colocariam o observador sempre diante de ângulos imprevistos, animando-o, por causa da beleza, a aceitar o que transgredia o padronizado. Aquela casa resumia as ideias apaixonadas de Lota sobre arquitetura moderna. Acontece que Sérgio tinha suas próprias ideias apaixonadas sobre arquitetura moderna. Resultado: intenso foguetório quando os dois se sentavam para debater o projeto. Ele era o bacharel em arquitetura, mas ela era Lota de Macedo Soares. Vezes sem fim Mary viu Sérgio clamar aos céus que lhe dessem paciência para aguentar aquela mulher e depois bater a porta do carrinho esporte e zunir estrada abaixo para nunca mais voltar. E Lota não se limitava à prancheta. Tinha construído ela mesma sua primeira casa em Samambaia, projeto do amigo Carlos Leão. Depois pagou os honorários do advogado que cuidou da legalização do loteamento construindo a casa dele. Aquelas duas casas eram cheias de soluções criativas e inesperadas, que levavam a assinatura de Lota. Aristocrata, latifundiária, do que quer que a chamassem, de uma coisa Mary sabia: Lota não tinha medo do batente. No início da construção, as duas se revezavam diariamente em carregar e