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Este documento aborda a distinção entre capacidade jurídica e personalidade jurídica, conceptos fundamentais no direito civil. A capacidade jurídica é vista como a aptidão para a titularidade de direitos, enquanto a personalidade jurídica é o reconhecimento da pessoa como sujeito de direito. O autor analisa as diferentes teorias e conceitos propostos por diversos juristas, como beviláqua, moreira alves e capelo de sousa, e discute a relação entre capacidade jurídica, capacidade de agir e capacidade de fato. Além disso, é abordada a evolução histórica da capacidade civil e sua relação com o negócio jurídico.
Tipologia: Notas de estudo
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Sumário : 1. Personalidade e capacidade no direito romano;
2. A doutrina dos direitos privados da personalidade; 3. Capacidade civil: conceito e espécies; 4. Os estados da pessoa; 5. O sistema brasileiro de incapacidades civis: 5.1 – Disciplina geral das incapacidades civis; 5.2 – As incapacidades civis na disciplina dos negócios jurídicos; 6. Causas restritivas ou modificadoras da capacidade: 6.1 – Idade; 6.2 – Estado de saúde; 6.3 – Incapacidades especiais. 1. Personalidade e capacidade no direito romano
a) A tutela da personalidade
O direito romano, conforme interpretação mais aceita de suas fontes, não difundiu uma clara concepção de direitos da personalidade. Ao que consta, não permeava o pensamento romano a idéia de que a personalidade jurídica pudesse constituir objeto de direitos, sendo consensual a afirmação de que os direitos da personalidade, enquanto categoria jurídica, sejam criação moderna^1.
Persona , registram as fontes, era o termo usado para designar a pessoa física, isto é, o ser pertencente à espécie humana, assim considerado o que tivesse aspecto humano. Diz- nos Carvalho Santos^2 , conquanto não fosse preciso, que “Não mais se tolera nos tempos hodiernos a doutrina do Direito Romano, que recusava a capacidade jurídica aos que contra formam humani generis, converso more procreantur (D. 1, 5, fr. 14) ”.
(^1) FERRARA, Francesco. Trattato di diritto civile italiano , cit. , pp. 388-389. (^2) Código Civil brasileiro interpretado , cit. , p. 251.
Ademais, não obstante os romanos “considerassem ‘hominum causa omne ius constitutum est’ , nem todo homem, na sociedade romana, podia ser considerado sujeito de direitos. Além dessa qualidade de homem, mister se fazia a reunião de outras condições essenciais, como o ser livre ( status libertatis ), e, quanto às relações de iuris civilis, ser cidadão ( status civitatis )”, conforme Serpa Lopes^3.
O caráter acentuadamente pragmático do pensamento jurídico romano, do qual é reflexo, v.g. , a correspondência necessária entre direito e actio que o tutele^4 , tornou menos provável “a visão filosófica da pessoa e da personalidade, dado o caráter eminentemente nacional do direito, próprio da civitas romana, em que o indivíduo é o cidadão”^5.
Segundo reconstituição que J. Godefroy faz da Lei das XII Tábuas – corpo rígido de regras editadas aproximadamente em meados do século V a.C., extremamente solenes e de acentuado viés formalista, aplicáveis exclusivamente aos cidadãos romanos –, nela não se encontram dispositivos diretamente relacionados com a proteção da personalidade, pois toda e qualquer lesão feita a uma pessoa configurava, conforme a tutela da actio iniuriarum , obrigação derivada de ato ilícito^6.
Conforme Ferrara, por longo tempo foi dominante a opinião – propugnada pelos Romanistas, notadamente por Jhering ( Rechtsschutz gegen injuriöse Rechtsverletzugen ) – segunda a qual o indivíduo, em Roma, era posto sob a tutela exclusiva dos institutos de direito público, pois não havia, conforme interpretação das fontes, a categoria dos direitos da personalidade, cuja proteção se dava por meio da actio iniuriarum^7.
(^3) Curso de Direito Civil , vol. I, cit. , p. 247. (^4) Não obstante a correlação indissociável entre direito e ação constitua, até certo ponto, um traço de arcaísmo do direito romano, não podemos negar que essa concepção tenha se mostrado adequada por um período considerável de tempo, tendo propiciado a solução de uma vasta gama de contendas entre os cidadãos romanos. Daí porque consideramo-na reflexo do espírito pragmático romano. Em verdade, as soluções jurídicas inovadoras, sensíveis sobretudo a partir do século II a.C. – hoje associadas ao que se convencionou chamar período clássico do direito romano –, foram preponderantemente fruto da Lei Ebúcia (149 a 126 a.C.), pela qual os pretores passaram a gozar de maior poder discricionário, tanto para questões processuais, quanto para as de direito material. Assim, assume capital importância, na evolução do direito romano, o exercício de interpretação do ius civile , veiculado pelos pretores em seus editos ( Ius praetorium est, quod praetorum introduxerunt adiuvandi vel supplendi vel corrigendi iuris civilis gratia 5 , D. 1.1.7.1). 6 Daisy Gogliano,^ Direito privados da personalidade ,^ cit. , p. 21. 7 Apud^ GOGLIANO, Daisy.^ Direito privados da personalidade ,^ cit. , p. 27. “ Per lungo tempo infatti l’opinione dominante poneva l’individuo sotto la protezione del diritto pubblico, dottrina propugnata dai Romanisti, perciò che tale categoria di diritti era ignota alle fonti e la protezione della personalità era affidata all’ actio iniuriarum” ( Trattato di diritto civile italiano , cit. , p. 389).
veio constituir o fundamento sobre o qual se erigiu a doutrina moderna dos direitos da personalidade.
Os atentados contra o indivíduo, como, por exemplo, as ameaças à vida ou a privação dela, as lesões corporais, os raptos e as injuriis de modo geral, que hoje configurariam ofensas a direitos da personalidade, estavam sujeitas, conforme a Lei das XII Tábuas, ao talionato. Embora Justiniano tenha observado, dez séculos mais tarde, o desuso, em seu tempo, das penas de talião^10 , é certo que a vingança privada, como forma de sanção às injuriis , que hoje corresponderiam a ofensas a direitos da personalidade, perdurou até o fim da monarquia romana^11.
Gradativamente, o ius honorarium , no desempenho das funções supletiva e corretora do ius civile , foi superando as deficiências da Lei das XII Tábuas em matéria de tutela do que atualmente corresponderia à categoria dos direitos da personalidade, seja porque as penas de talião já não refletiam o sentir romano, que se refinava, seja porque as penas pecuniárias, rigidamente fixadas nos termos das XII Tábuas, foram se tornando irrisórias, em face da desvalorização monetária. Assim, assistia-se à “gradual extensão da actio iniuriarum, em correspondência com o desenvolvimento da civilização e o refinamento dos sentimentos, sobretudo com Juliano (L. 25 de act. empti, D. 19,1), Ulpiano (L. 24 de injur. D. 47, 10) e Javoleno (L. 44 de injur., D. 47, 10), que acordam ações onde, v.g. , Labão as não admitia”^12.
Na Lei das XII Tábuas, nos ensina Justiniano^13 , a iniuria física compreendia: o membrum ruptum , isto é, a mutilação de membro, sujeita à pena de talião; os fracta , fraturas de ossos apenadas mediante o pagamento de trezentos asses, em sendo o lesado homem livre, ou de cento e cinqüenta asses, se escravo. Já às injúrias simples se aplicava a pena de vinte e cinco asses.
Demonstra-nos Daisy Gogliano, mediante exemplos fornecidos por Gaio em suas Institutas^14 , a clara distinção entre a actio iniuriarum , cujo objeto poderia recair sobre a
(^10) Institutas do Imperador Justiniano , IV, 4, 2 a 7, cit. , p. 238. (^11) Apud GOGLIANO, Daisy. Direito privados da personalidade , cit. , p. 397. (^12) CAPELO DE SOUSA, Rabindranath Valentino Aleixo. O Direito Geral de Personalidade , cit. , p. 52. (^13) Institutas do Imperador Justiniano , cit. , p. 238. (^14) Institutas do Imperador Justiniano , cit. , 3, 223, p. 180.
reparação de qualquer espécie de ofensa, tanto física quanto moral, e a actio legis Aquiliae , prevista para a reparação do dano resultante de “um contato direito do corpo do autor com o da vítima”, que só poderia ser exercida “pelo proprietário da coisa danificada, que devia ser cidadão romano”^15.
Embora admitamos que o pragmatismo romano tenha constituído causa, entre outras, da inexistência de uma teoria acerca dos direitos da personalidade^16 , não podemos olvidar o desenvolvimento pretoriano em torno da actio iniuriarum , enquanto forma de proteção indireta do que hoje chamamos, por herança moderna, personalidade jurídica.
Todavia, faltava, nas palavras de Enéas Costa Garcia^17 , a categoria dos direitos da personalidade, não obstante havemos de reconhecer que a actio iniuriarum aestimatoria tenha servido, de modo geral, à tutela de direitos aos quais modernamente se atribuiu a categorização de direitos da personalidade^18.
b) Capacidade
É bem sabido que a doutrina romana da capacidade esteve sempre associada à noção de tríplice status individual^19. Pela atribuição de diferentes status , termo designativo da situação da pessoa respectivamente a um conjunto de relações sociais, exprimia-se a posição do indivíduo em seus diferentes núcleos de convivência^20.
Ao longo da história de Roma, os estatutos jurídicos concernentes aos estados da pessoa – e, portanto, à sua capacidade e personalidade, em sentido moderno – foram
(^15) Direitos privados da personalidade , cit. , pp. 30-31. (^16) Idem , p. 22. (^17) O direito geral da personalidade no sistema jurídico brasileiro , cit. , p. 13. (^18) CIFUENTES, Santos. Los derechos personalíssimos , cit ., p. 10. (^19) A noção moderna de estado individual, embora possa ser remotamente associada à idéia de status , não reproduz exatamente esse conceito romano (FERRARA, Francesco. Trattato di diritto civile italiano , cit. , p.), segundo o qual a esfera de relações jurídicas de um indivíduo girava em torno de sua qualidade fundamental de sujeito de direitos, isto é, de seu status. Assim, quanto mais restrito o status de uma pessoa, menos possibilidades de relações jurídicas colocavam-se diante dela. 20 CORREIA, Alexandre; SCIASCIA, Gaetano. Manual de Direito Romano , cit. , p. 36. Embora os autores repilam a concepção romana, segundo a qual a personalidade deriva da posição ( status ) que o indivíduo ocupa na sociedade, concepção esta em tese contrária à do direito atual – fundada no conceito de autonomia privada –, não se pode negar que ainda hoje as potencialidades da personalidade, isto é, as possibilidades de emanações e prolongamentos da individualidade, estejam intimamente relacionadas à posição social e econômica da pessoa.
modernamente se convencionou designar atributo fundamental da personalidade, empregavam esse dois termos para significar a capacidade plena do indivíduo^24.
Conforme Francisco Pereira de Bulhões Carvalho^25 , às progressivas fases de desenvolvimento da pessoa, desde a infância à idade adulta, eram atribuídos crescentes graus de capacidade civil. Distinguia-se, em primeiro lugar, os púberes dos impúberes. Os impúberes, por sua vez, eram distinguidos entre infantes , considerados absolutamente incapazes; infantiae proximi ; ou pubertati proximi^26.
Demonstra-nos o jurista as alterações que sofreu, mediante interpolações nas compilações justinianeas, o pensamento dos antigos jurisconsultos:
“Primitivamente, infância era o período em que a criança ainda não podia materialmente proferir palavras (in=negativa; fari=falar). Desde que podia falar, ainda que sem discernimento, a criança teria atingido o período ‘próximo à infância’, com capacidade restrita para contratar. Segundo a concepção acolhida por JUSTINIANO ao contrário, a infância somente terminaria com a aparição de discernimento, o que ocorreria aos sete anos de idade”^27.
Para efeitos de determinação da capacidade, o infante era equiparado ao louco, cujos atos, faltando-lhe discernimento, eram todos nulos^28. Daí admitir-se que o infante, em regra, assim como o louco, não tinha capacidade jurídica nenhuma^29.
(^24) A esse respeito, cf. RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil , vol. II, cit. , p. 344 e CORREIA, Alexandre e SCIASCIA, Gaetano. 25 Manual de Direito Romano , cit. , pp. 35-36. 26 Incapacidade civil e restrições de direito ,^ cit. , p. 41. Procurando demonstrar o equívoco do entendimento segundo o qual, em Roma, considerava-se infância “o período em que a criança, embora já podendo falar, ainda não o possa fazer com encadeamento de idéias”, Francisco Pereira de Bulhões Carvalho argumenta que esta concepção veio consagrar-se somente com Justiniano, “que adotou a idéia grega de que a infância terminaria aos sete anos, idéia desconhecida dos jurisconsultos clássicos e que não poderia ser por eles adotada quando ainda não admitiam idade fixa para a puberdade, dispensando sua prova material muito mais delicada” ( Incapacidade civil e restrições de direito , cit. 27 , p. 42). 28 Incapacidade civil e restrições de direito ,^ cit. , p. 30. Institutas do Imperador Justiniano (III, 19): “ § 8º – O louco não pode praticar ato jurídico algum, porque não sabe o que faz. [...] § 10 – O que dizemos do pupilo se aplica aos que já têm alguma compreensão, porque o infante ou o próximo à infância diferem pouco do louco, porque não têm compreensão de coisa alguma. 29 [...]” (tradução de de J. Cretella e Agnes Cretella, cit. , p. 196). BULHÕES CARVALHO, Francisco Pereira de. Incapacidade civil e restrições de direito , cit. , p. 42.
Porém, lembra Francisco Pereira de Bulhões Carvalho^30 , tornou-se admissível, na última fase do direito romano, por questão de utilidade prática, a aquisição da posse e a tradição, pessoalmente pelo infante, da coisa a ele doada. Já os púberes, a partir da lei Plaetoria (192 d.C., aproximadamente), passaram a ser submetidos a regime especial de proteção, até que completassem vinte e cinco anos. Segundo o jurista, a puberdade coincidia, em princípio, com um certo estágio de desenvolvimento físico de cada indivíduo ( habitus corporis ), tendo sido fixada, posteriormente, a idade certa de doze anos para as mulheres, embora continuassem os sabinianos sustentando a vigência do anterior regime de inspeção corporal em relação aos homens, ao passo que os procuelanos, tendo adotado a opinião dos estóicos, indicavam a idade de quatorze anos como idade da puberdade. Somente ao tempo de Justiniano, adverte o jurista, essa controvérsia veio a ser dirimida mediante a fixação das referidas idades para os homens e mulheres^31.
2. A doutrina dos direitos privados da personalidade
Tomando por critério a afirmação ou negação, isto é, a existência ou não dos direitos da personalidade, é possível agrupar em três categorias distintas as teorias modernas a respeito do tema^32. A primeira delas nega a existência de direitos da personalidade, por considerar “impossível conceber uma categoria de direitos que tenha por objeto a própria pessoa, um jus ou potestas in se ipsum , em que a pessoa seria sujeito e objeto ao mesmo tempo”^33.
Por outro lado, pretender que o objeto de determinado direito seja necessariamente algo exterior em relação ao sujeito do mesmo direito, como sustentam os partidários dessa teoria, que se apóia no conceito de domínio, reflete claramente a “ originária confusão entre ‘objetividade’ e ‘materialidade’ ”^34.
Se, conforme veremos mais adiante, direitos subjetivos consistem em permissões (faculdades de agir) conferidas ao sujeito por meio de normas jurídicas, então os direitos
(^30) Idem, ibidem. (^31) Idem, ibidem. (^32) A esse respeito, cf. GOGLIANO, Daisy. Direitos privados da personalidade , cit. , pp. 347-348. (^33) Idem, ibidem. (^34) GOGLIANO, Daisy. Idem , p. 359.
Identificamos, assim, a segunda corrente teórica, segundo a qual o objeto dos chamados direitos da personalidade corresponde aos modos de ser da pessoa, isto é, às manifestações, qualidades ou atributos de sua personalidade, reconhecendo-se, dessa forma, múltiplos direitos particularizados, todos abrangidos pela categoria jurídica dos direitos da personalidade. Conforme Perlingieri, essa concepção de direitos da personalidade, a que ele chama “ atomística ”, deu origem a teorias “que consideram a existência de uma série aberta de direitos (atipicidade dos direitos da personalidade) ou fechada (tipicidade)” 40.
Antagonista da corrente teórica que encara os direitos da personalidade como tipos preconcebidos, Perlingieri argumenta que a pessoa não se realiza por meio de um único esquema de situação subjetiva, mas pelas múltiplas situações da vida, “que ora se apresentam como poder jurídico (potestà), ora como interesse legítimo, ora como direito subjetivo, faculdade, poderes”^41.
Segue o jurista sustentando que essa atomização, isto é, o tratamento assistemático e insular de direitos atribuídos à personalidade, reflete uma opção ideológica e cultural, segundo a qual não haveria outras hipóteses de direitos além das expressamente previstas no ordenamento. “Esta perspectiva exaure a relevância de tais direitos no aspecto patrimonial, no ressarcimento dos danos”^42 , adverte Perlingieri.
Tendo exposto os fundamentos de sua crítica à doutrina dos múltiplos direitos da personalidade, Perlingieri conclui que:
segundo a qual “uma situação pode pertencer ou tocar ( spettare ) a um sujeito qualquer; em outros termos, o sujeito é ilimitadamente fungível” ( Perfis do direito civil – introdução ao direito civil constitucional , cit. , p. 109). 40 41 Perfis do direito civil ,^ cit. , n. 100, p. 153 e ss.. Na visão de Perlingieri, devem ser superadas as discussões dogmáticas acerca da categoria jurídica dos direitos da personalidade: “ Nessas discussões controvertia-se principalmente sobre a possibilidade de assimilar a personalidade à categoria (em aparência ‘geral’ e, portanto, vista – sem razão – como ‘universal’) do direito subjetivo, como tinha sido elaborado pela tradição patrimonislística. Não parece fundada, portanto, a opinião de quem nega uma tutela jurídica, ainda que na fase patológica, a tais situações porque não qualificáveis como direitos, ou no pressuposto de que elas não representariam interesses substanciais 42 ” ( Perfis do direito civil – introdução ao direito civil constitucional , cit. , p. 155). Perfis do direito civil – introdução ao direito civil constitucional , cit. , p. 154.
“A personalidade é, portanto, não um direito, mas um valor (o valor fundamental do ordenamento) e está na base de uma série aberta de situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessantemente mutável exigência de tutela. Tais situações subjetivas não assumem necessariamente a forma do direito subjetivo e não devem fazer perder de vista a unidade do valor envolvido. Não existe um número fechado de hipóteses tuteladas: tutelado é o valor da pessoa sem limites, salvo aqueles colocados no seu interesse e naqueles de outras pessoas. A elasticidade torna-se instrumento para realizar formas de proteção também atípicas, fundadas no interesse à existência e no livre exercício da vida de relações”^43.
A terceira teoria, chamada monista ou unitária, identifica como objeto dos direitos da personalidade a própria pessoa em sua totalidade. A partir dessa concepção, desenvolveu-se, inicialmente na Alemanha^44 , a doutrina do direito geral de personalidade.
3. Capacidade civil: conceito e espécies
a ) Conceito
Surgido no âmbito do direito privado, o conceito de capacidade, como requisito do negócio jurídico, veio atender, em sua gênese, à necessidade de segurança nas relações contratuais^45. Da aplicação de tal conceito decorre que a validade dos negócios jurídicos, assim também a de seus efeitos, é primordialmente condicionada a um modo de ser da pessoa que pretende pratica-los ou que já os praticou^46.
(^43) Idem, ibidem. (^44) GOGLIANO Daisy. Direitos privados da personalidade , cit. , p. 348; PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil , cit. , p. 153; e GARCIA, Enéas Costa. O direito geral da personalidade no sistema jurídico brasileiro 45 , cit. , p. 74. 46 CARNELUTTI, Francesco.^ Teoria geral do direito ,^ cit. , p. 344. Conforme as teorias do fato e ato jurídico, formuladas por Carnelutti em sua Teoria geral do direito, “os modos postos pela norma como relevantes para atribuir ao fato efeitos jurídicos” devem ser distinguidos em virtude da relação entre o fato, objeto de análise, e a situação anterior a ele, relação essa que pode e deve ser ao mesmo tempo de coincidência e de divergência: “De coincidência, na medida em que o fato é uma projeção da situação; de divergência, na medida em que, pela sua própria natureza de fato, se desenvolve em situações diversas ou pelo menos sucessivas” ( Teoria geral do direito , cit. , § 115º, p. 339). Quanto aos atos jurídicos, o autor observa que “a norma, com freqüência, faz depender o efeito jurídico do ato (material) de um modo de ser da pessoa que o pratica” ( Idem , p. 343). Esta dependência, adverte-nos Carnelutti, é estabelecida apenas com relação a alguns efeitos dos atos jurídicos. A esse respeito, o autor propõe-nos confrontar os artigos 1106 com o 1306 do Código Civil Italiano então vigente, “ou este com o artigo 97º do Código Penal: o menor com menos de catorze anos que pratique um ato, embora este contenha todos os requisitos do contrato, não obterá qualquer efeito jurídico; pelo contrário, se o ato por ele praticado contiver
direitos, própria do ser humano, é também referida como idoneidade para a aquisição e titularidade de direitos.
É no sentido comum de aptidão, adverte Virgilio de Sá Pereira^53 , que o adjetivo capaz é empregado no artigo 1º do Código Civil:
“É como se o legislador dissera – todo homem é suscetível, todo homem é apto. No sentido jurídico seria criticável o seu uso. Ter-se-ia tratado da capacidade antes de se ter assentado que é pessoa, e, ao mesmo tempo, ter-se-ia insinuado que a capacidade é inerente à condição de homem, o que seria errôneo. O que decorre da humanidade é a personalidade, porquanto a lei não distingue entre nacionais e estrangeiros quanto à aquisição e gozo dos direitos civis”.
Em um segundo momento, o conceito de capacidade civil mostra-se relacionado à noção de discernimento, que, nas palavras de Antonio Chaves^54 , “é justamente critério, prudência, juízo, tino, inteligência, e, sob o ponto de vista jurídico, a aptidão que tem a pessoa de distinguir o que é bom do que é mau, o que é lícito do que não é, o que é conveniente do que é prejudicial”.
definidos, sinteticamente, com estes precisos termos: são permissões jurídicas. Quem tiver permissão jurídica, permissão dada por meio de norma jurídica, para fazer ou não fazer alguma coisa, para ter ou não ter alguma coisa, possui o direito (o Direito Subjetivo) de fazê-la ou não fazê-la, de tê-la ou não tê-la. Quem não tiver tal permissão, não possui esse direito (embora possa ter a faculdade de fazê-la ou não fazê-la, de tê-la ou não tê-la). Por exemplo, são Direitos Subjetivos as permissões de ter um nome, de ir e vir livremente, de manifestar o pensamento, de ter domicílio inviolável; de casar e constituir família; de adotar pessoa como filho; [...]. essas permissões, como uma infinidade de outras, não são permissões simples. São permissões jurídicas. Constituem, portanto, Direitos Subjetivos. E constituem Direitos Subjetivos porque são permissões concedidas por meio de normas jurídicas” ( Estudos , cit. , pp. 119-120). A respeito da dicotomia entre direito objetivo e direito subjetivo , é oportuno colacionar o magistério de Norberto Bobbio: “É supérfluo acrescentar que a distinção, que ainda encabeça a maioria dos nossos tratados, entre direito subjetivo e direito objetivo, não é uma grande dicotomia. A necessidade que o jurista sente de deter-se nessa distinção nasce exclusivamente de uma homonímia. A distinção entre direito subjetivo e direito objetivo serve para esclarecer uma possível confusão terminológica derivada do fato de que a mesma palavra ‘direito’ é empregada, em certas línguas, com dois significados diferentes. Não serve, como serve, ao contrário, a distinção entre direito privado e direito público, para dividir em duas subclasses, reciprocamente excludentes e conjuntamente exaustivas, o universo do direito. Para início de conversa, a expressão ‘direito objetivo’ não designa uma subclasse, mas toda a classe dos entes (idest as normas) que estão incluídos no universo a que se refere a teoria do direito. Além disso, a expressão ‘direito subjetivo’ designa uma subclasse cuja subclasse contraposta não é a que se designa pelo nome de ‘direito objetivo’, mas aquela a que comumente se atribui o nome de ‘obrigação’ ou ‘dever’ ou similares. De um lado, não existe coisa alguma que não seja direito objetivo; de outro, o que não é direito subjetivo não é o direito objetivo, mas, sim, a obrigação” ( 53 Da estrutura à função , cit. , p. 143). 54 Manual do Código Civil brasileiro ,^ cit. , p.. “Capacidade civil”, in Enciclopédia Saraiva , vol. 13, p. 2.
Como se pode ver, trata-se a capacidade, sobretudo quando quer significar discernimento, de um atributo convencional, cambiável de acordo com o tempo, lugar e, também, o grau de desenvolvimento (biológico e social) da pessoa, a quem se atribui, conforme sua capacidade , a titularidade de direitos, pretensões, ações e exceções, como também a potencialidade para ser sujeito (passivo) de deveres, obrigações, ações e exceções^55.
Assim, o discernimento constitui a um só tempo requisito de validade do ato ou negócio jurídico – em outros termos, a capacidade, traduzida na idéia de discernimento, constitui uma exigência legal acerca do modo de ser do sujeito do ato ou negócio. Isto é, a capacidade consiste no requisito relacionado ao conjunto de qualidades do agente, das quais depende a validade e a eficácia dos atos por ele praticados.
Essas duas noções – a de aptidão, ou idoneidade, e a de discernimento – correspondem, em última análise, às duas macro-unidades semânticas que, conforme a tradição jurídica ocidental, conferem ao conceito de capacidade civil o seu significado mais amplo: a capacidade jurídica ( capacidade de gozo ) e a capacidade de agir, capacidade de exercício ou, ainda, capacidade de fato. Alguns juristas, ao mesmo tempo em que associam ao conceito de capacidade jurídica a noção de aptidão/idoneidade da pessoa para a aquisição e gozo dos mais variados direitos subjetivos, consideram-no idêntico ao conceito de personalidade jurídica.
Entre os que defendem a identidade de tais conceitos, destacam-se Clovis bevilaqua^56 , Carvalho Santos^57 , Pontes de Miranda^58 , Moreira Alves^59 , Orlando Gomes^60 , Vicente Ráo^61 e Cunha Gonçalves^62.
(^55) PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado , vol. I, cit. , p. 155. (^56) Ao mesmo tempo em que propõe distinguir a personalidade da capacidade ( Teoria geral do Direito Civil , cit. , p. 81), Beviláqua afirma, em nota, que “ a capacidade de direito confunde-se com a própria personalidade ” ( Idem , p. 82), depois de observar a distinção, que fazem os autores alemães, entre capacidade de direito ( Rechtsfaehigkeit ) e faculdade de agir ( Geschaeftsfaehigkeit ), sendo esta equivalente, em nosso sistema jurídico, à capacidade de agir (ou capacidade de exercício). 57 Após equiparar conceitualmente capacidade de direito e personalidade jurídica, o autor considera ser forçoso “reconhecer, portanto, que a personalidade nada mais é senão a idoneidade de poder querer juridicamente 58 ( capacidade )” ( Código Civil brasileiro interpretado , vol. I, cit ., p. 230). Em sua concepção, “Personalidade é o mesmo que (ter) capacidade de direito, poder ser sujeito de direito” ou, ainda, “Personalidade é a capacidade de ser titular de direitos, pretensões, ações e exceções e também ser sujeito (passivo) de deveres, obrigações, ações e exceções. Capacidade de direito e personalidade são o mesmo” ( Tratado de Direito Privado , vol. I, cit. , p. 154-55).
Contrários a esta posição, em que pese ao louvor de seus sectários, Rubens Limongi França^66 , Pietro Perlingieri^67 , Capelo de Sousa^68 e Daisy Gogliano sustentam a absoluta inconfundibilidade entre personalidade e capacidade. Desta última, extraímos o seguinte magistério:
“Apesar de seguir pari passu com a personalidade, não há de se confundir uma com outra, porque, como vimos, esta é pressuposto daquela. Além disso, enquanto a personalidade jurídica é ampla e abrange todo o âmbito geral da vida do direito, a capacidade de direito é limitada, constituindo uma prerrogativa da pessoa à face dos direitos particularmente considerados” 69.
Com efeito, personalidade e capacidade são institutos essencialmente distintos. Enquanto aquele se refere ao modo de ser da pessoa, isto é, ao complexo de qualidades e características que lhe garantem as mais variadas possibilidades de emanações e prolongamentos no mundo que a circunda^70 , tornando-a assim um ser único e distinguível dos demais, o conceito de capacidade trata de atribuir-lhe, por sua própria condição, a titularidade de direitos, pretensões, ações e exceções, como também a potencialidade para ser sujeito (passivo) de deveres, obrigações, ações e exceções, qualificando-a juridicamente.
No entanto, o conceito de capacidade não se refere apenas à condição, inerente ao ser considerado pessoa, para o gozo de direitos ( capacidade jurídica ), mas também às
(^66) “Com referência a esta matéria, cumpre assinalar desde logo que não pode ser aceita a orientação de certos autores, segundo a qual a noção de capacidade se identifica com a de personalidade jurídica. Personalidade é a qualidade do ente que se considera pessoa. A pessoa a possui desde o início até o fim da sua existência. Não assim a capacidade, que pode sofrer modificações profundas e em muitos casos deixar de existir. Essa modificação e essa falta entretanto não afetam a personalidade, que continua a mesma” ( Manual de direito civil 67 , vol. I, cit, p. 147). “La personalità, s’insegna tradizionalmente, è l’idoneità ad essere itotlare di diritti soggettivi: essa, quindi, significa capacita giuridica. [...] È necessario, invece, superare la visione strutturale e riservare alla personalità una valutazione funciónale. Soggetto non è personalità; quando ci si limita al solo profilo Della soggettività, dell’attitudine cioè ad essere titolare di situazioni giuridiche soggettive non s’è ancóra détto che si discorre di personalità. Persona non significa ancóra personalità; capacità giuridica e personalità, anche sul piano strettamente civilistico, non coincidono, perché la capacità giuridica, cioè la soggettività, è valore che si esprime soltando sul piano strutturale, mentre la personalità è, per definizione, titolarità istituzionale di certe situazioni giuridiche soggetive ed è presente anche dove la capacità giuridica o non v’è o ancóra manca” ( 68 La personalità umana nell’ordinamento giuridico , cit. , pp. 137-138). Para o jurista português, os institutos da personalidade e da capacidade se interpenetram, sem no entanto se confundirem, na medida em que “o bem jurídico da personalidade reivindica e incorpora um direito ao bem da personalidade jurídica plena e clama, conseqüência ou postula o bem de uma capacidade jurídica extensa” ( 69 O Direito geral de personalidade , cit. , p. 107). 70 Direitos privados da personalidade , p. 331. GOGLIANO, Daisy. Direitos privados da personalidade , pp. 363-364.
potencialidades, cambiáveis de acordo com o tempo e lugar, da pessoa individualmente considerada ( capacidade de exercício ). Nesse sentido, trata-se da aptidão da pessoa para enquadrar-se, em maior ou menor grau, nas diversas esferas em que se desenvolve o complexo das relações de natureza privada^71.
Todavia, não é o enquadramento do indivíduo em determinadas situações de fato, a partir das quais lhe podem ser atribuídos estados correspondentes, a única determinante de sua maior ou menor capacidade. Há de se levar em conta também as possibilidades abstratas de enquadramentos, que, conforme as qualidades particulares da pessoa, se colocam diante dela ao longo de sua existência, e que constituem índice de sua capacidade, que é dinâmica.
Idéia próxima à de enquadramento , difundida entre nós por Rubens Limongi França, é veiculada por Capelo de Sousa. Na concepção do jurista português, a idéia de personalidade jurídica implica o reconhecimento de que toda pessoa constitui um “centro autônomo de direitos e obrigações” abstratamente considerado, ao passo que a capacidade jurídica caracteriza-se pela “possibilidade jurídica inerente a esse centro de ser titular de direitos e obrigações em concreto”^72.
O conceito de Capelo de Sousa assemelha-se, é bem de ver, aos enunciados propostos por Ferrara, para quem o conceito de capacidade jurídica remete à “abstrata possibilidade de receber os efeitos da ordem jurídica”, sendo “o fundamento e a pré- condição de todo direito”^73 , e por Messineo, de cujo magistério extraímos a afirmação de que “o principal atributo da personalidade do sujeito e de sua existência é, segundo o direito , constituído pela sua capacidade jurídica ou capacidade de direitos, que é a aptidão (ou idoneidade) para ser sujeito de atribuições (por parte do ordenamento jurídico) de direitos subjetivos em geral (arg. I); assim, não se concebem seres humanos que não sejam dotados de capacidade jurídica. A capacidade jurídica é atributo inseparável da pessoa
(^71) LIMONGI FRANÇA, Rubens. Manual de direito civil , vol. I, cit ., p. 148. (^72) O Direito geral de personalidade , cit. , p. 106. (^73) “La capacità di diritto o capacità giuridica è l’attitudine ad esser titolare di diritto ed obblighi, l’astratta posibilità di ricevere gli effetti dell’ordine giuridico. La capacità è il fondamento e la precondizione di ogni diritto, ed è uno status” ( Trattato di diritto civile italiano , cit. , n. 98, p. 458).
Moreira Alves, a fim de sustentar a identidade entre personalidade e capacidade jurídica, chega ao máximo da simplificação, ao afirmar que a capacidade jurídica “nada mais é do que o limite da personalidade jurídica”^79. Assim também o magistério de Carvalho Santos, para quem as restrições à capacidade de agir, impostas ao sujeito consoante suas qualidades intrínsecas, equivale mesmo a um “ limite da personalidade ”^80 , ao passo que a personalidade seria, segundo a concepção do jurista, simplesmente a “ capacidade de adquirir direitos ”^81.
Com efeito, discordamos da idéia segundo a qual a capacidade consistiria em “ limite da personalidade ”. A hipótese mais aceitável, conforme a orientação dada ao presente estudo, é a de que a capacidade jurídica constitua um atributo da personalidade^82 , que, enquanto modo de ser do sujeito^83 , é ilimitada, porquanto sejam igualmente irrestritas suas possibilidades de emanações e prolongamentos^84.
Personalidade jurídica não significa propriamente a aptidão para ser titular de direitos, mas sim o modo de ser da pessoa (o modo como ela se relaciona no mundo e o modo como os outros a vêem no mundo). Capacidade jurídica sim é a aptidão, a qualidade jurídica própria do ser considerado pessoa, para ser titular de direitos, enquanto a assunção de obrigações e deveres, assim como o exercício pessoal de certos direitos, relacionam-se à capacidade de fato.
Mais nos aproximamos do conceito de Beviláqua, para quem capacidade jurídica é a dimensão que, conforme o ordenamento, se dá aos “ poderes de ação ” inerentes à personalidade e próprios de qualquer pessoa^85.
De fato, capacidade jurídica e capacidade de agir não são direitos, mas “pressupostos de todos os direitos ou do seu exercício, somente influenciados por
(^79) A parte geral do projeto de Código Civil brasileiro , cit. , p. 132. (^80) Código Civil brasileiro interpretado , vol. I, cit. , p. 231. (^81) Idem , cit. , p. 245. (^82) A esse respeito, cf. LIMONGI FRANÇA, Rubens. Manual do direito civil , vol. I, cit. , p. 145. (^83) ONDEI, Emilio, apud GOGLIANO, Daisy. Direitos privados da personalidade , cit. , p. 337. (^84) GOGLIANO Daisy. Idem , cit. , p. 363-64. (^85) Teoria geral do Direito Civil , cit. , p. 81.
qualidades jurídicas ”^86 , idéia que, como vimos anteriormente, também permeia o conceito de Ferrara^87.
Concebendo-a como pressuposto de validade dos negócio jurídicos, Emilio Betti observa que a capacidade, enquanto atributo que diz respeito às “qualidades intrínsecas da pessoa, que a tornam mais ou menos idônea para exercer a sua autonomia privada”^88 , costuma ser definida no ordenamento jurídico mais em sentido negativo do que positivo, na medida em que a regra geral implica o reconhecimento de capacidade a todas as pessoas:
“O código determina os casos de incapacidade: e a doutrina vai deduzir da disciplina desses casos, a contrário, a noção da capacidade legal para agir, porque as hipóteses de incapacidade constituem os limites da capacidade”^89.
Em suma, o conceito de capacidade, como pudemos ver, não se resume nem se esgota na noção de aptidão ou idoneidade, na medida em que também exprime a idéia de discernimento. A capacidade civil, seja a capacidade jurídica, seja a de fato ou de exercício, não se confunde absolutamente, segundo a concepção que adotaremos no presente estudo, com o conceito de personalidade jurídica.
A personalidade jurídica, sendo o modo de ser do sujeito, é ilimitada, porquanto assim também o são as possibilidades de “ enquadramento ” do indivíduo em suportes fáticos sobre os quais incidam normas jurídicas. Conforme Rubens Limongi França, capacidade constitui “um dos atributos da personalidade”^90 , estreitamente ligado à noção de estado, embora com esta não se confunda, como veremos mais adiante. Afastamo-nos, assim, do entendimento segundo o qual a capacidade resumir-se-ia em um “limite da personalidade”^91 , a qual, como já tivemos oportunidade de sustentar, é ilimitada.
(^86) CHAVES, Antonio. “Capacidade civil”, in Enciclopédia Saraiva , vol. 13, cit. , p. 3. (^87) Trattato di diritto civile italiano , cit. , n. 98, p. 458. (^88) Teoria geral do negócio jurídico , cit. , p. 11. (^89) Idem , p. 18. (^90) Manual de direito civil , cit. , pp. 147-148. (^91) A esse respeito, cf. CARVALHO SANTOS, Código Civil brasileiro interpretado , vol. I, cit. , p. 231; MOREIRA ALVES, A parte geral do projeto de Código Civil brasileiro, cit. , p. 132; TRABUCCHI, Istituzioni... , cit. , p. 63.