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Capítulo I de O Capital: Mercadoria (em português), Manuais, Projetos, Pesquisas de Cultura

Capítulo Mercadoria do Livro I de O Capital de Karl Marx

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

Antes de 2010

Compartilhado em 17/10/2009

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Karl Marx: O Capital
Volume 1 - Parte I
Capítulo I
Mercadoria
Secção 1 - Os Dois Factores da Mercadoria: Valor-de-Uso e Valor-de_Troca ou Valor
Propriamente Dito (Substância do Valor, Grandeza do Valor)
Secção 2 - Duplo Caracter do Trabalho Representado na Mercadoria
Secção 3 - A Forma do Valor [ou o valor-de-troca]
A - Forma simples, [singular] ou acidental do valor
1. Os dois pólos da expressão do valor: a forma relativa e a forma de
equivalente
2. A forma relativa do valor
a) Conteúdo desta forma
b) Determinação quantitativa da forma-valor relativa
3. A forma de equivalente e suas particularidades
4. A forma-valor simples, no seu conjunto
B - Forma-valor total ou desenvolvida
1. A forma desenvolvida do valor relativo
2. A forma-equivalente particular
3. Defeitos da forma-valor total ou desenvolvida
C - Forma geral do valor
1. Mudança de carácter da forma-valor
2. Relação entre o desenvolvimento da forma-valor relativa e o da forma-
equivalente
3. Transição da forma-valor geral à forma-dinheiro
D - Forma-dinheiro
Secção 4 - O Fetichismo da Mercadoria e o Seu Segredo
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Karl Marx: O Capital Volume 1 - Parte I

Capítulo I

Mercadoria

Secção 1 - Os Dois Factores da Mercadoria: Valor-de-Uso e Valor-de_Troca ou Valor Propriamente Dito (Substância do Valor, Grandeza do Valor) Secção 2 - Duplo Caracter do Trabalho Representado na Mercadoria Secção 3 - A Forma do Valor [ou o valor-de-troca] A - Forma simples, [singular] ou acidental do valor

  1. Os dois pólos da expressão do valor: a forma relativa e a forma de equivalente
  2. A forma relativa do valor a) Conteúdo desta forma b) Determinação quantitativa da forma-valor relativa
  3. A forma de equivalente e suas particularidades
  4. A forma-valor simples, no seu conjunto B - Forma-valor total ou desenvolvida
  5. A forma desenvolvida do valor relativo
  6. A forma-equivalente particular
  7. Defeitos da forma-valor total ou desenvolvida C - Forma geral do valor
  8. Mudança de carácter da forma-valor
  9. Relação entre o desenvolvimento da forma-valor relativa e o da forma- equivalente
  10. Transição da forma-valor geral à forma-dinheiro D - Forma-dinheiro Secção 4 - O Fetichismo da Mercadoria e o Seu Segredo

Secção 1

Os Dois Factores da Mercadoria:

Valor-de-Uso e Valor-de-Troca ou Valor

Propriamente Dito

(Substância do valor, Grandeza do Valor)

A riqueza das sociedades em que domina o modo-de-produção capitalista apresenta-se como uma "imensa acumulação de mercadorias". 1 A análise da mercadoria, forma elementar desta riqueza, será, por conseguinte, o ponto de partida da nossa investigação.

A mercadoria é, antes de tudo, um objecto exterior, uma coisa que, pelas suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. Que essas necessidades tenham a sua origem no estômago ou na fantasia, a sua natureza em nada altera a questão. 2 Não se trata tão pouco aqui de saber como são satisfeitas essas necessidades: imediatamente, se o objecto é um meio de subsistência, [objecto de consumo,] indirectamente, se é um meio de produção.

Todas as coisas úteis, como o ferro, o papel, etc., podem ser consideradas sob um duplo ponto de vista: o da qualidade e o da quantidade. Cada uma delas é um conjunto de propriedades diversas, podendo, por conseguinte, ser útil sob diferentes aspectos. Descobrir esses diversos aspectos e, ao mesmo tempo, os diversos usos das coisas, isso é obra da história. 3 Assim, a descoberta de medidas sociais para quantificar as coisas úteis: a diversidade destas medidas decorre, em parte, da natureza diversa dos objectos a medir, em parte, de convenção.

A utilidade de uma coisa transforma essa coisa num valor-de-uso. 4 Mas esta utilidade nada tem de vago e de indeciso. Sendo determinada pelas propriedades do corpo da mercadoria, não existe sem ele. O próprio corpo da mercadoria, tal como o ferro, o trigo, o diamante, etc., é, consequentemente, um valor-de-uso, e não é o maior ou menor trabalho necessário ao homem para se

Um exemplo extraído da geometria elementar ilustra isso claramente. Para medir e comparar as superfícies de qualquer figura rectilínea, decompômo-la em triângulos. Depois reduzimos o triângulo a uma expressão completamente diferente do seu aspecto visível: ao semi-produto da base pela altura. Do mesmo modo, os valores-de-troca das mercadorias devem ser reduzidos a qualquer coisa de comum, de que representam um mais ou um menos.

Este elemento comum não pode ser uma propriedade natural qualquer - geométrica, física, química, etc. - das mercadorias. As qualidades naturais destas só são tomadas em consideração, na medida em que lhes conferem uma utilidade que as torna valores-de-uso. Mas, por outro lado, é evidente que na troca se faz abstracção do valor-de-uso das mercadorias, sendo a relação de troca caracterizada precisamente por essa abstracção. Na troca, um valor-de-uso vale precisamente tanto como qualquer outro, desde que se encontre na proporção adequada. Ou, como diz o velho Barbon: "Uma espécie de mercadoria é tão boa como outra, quando o seu valor-de-troca é igual; não existe nenhuma diferença, nenhuma distinção entre coisas de igual valor-de-troca". 8 Como valores-de-uso, as mercadorias são, sobretudo, de qualidade diferente; como valores-de-troca só podem ser de quantidade diferente [e não contêm, portanto, um só átomo de valor-de-uso].

Ora, se abstrairmos do valor-de-uso das mercadorias, resta-lhes uma única qualidade; a de serem produto do trabalho. Então, porém, já o próprio produto do trabalho está metamorfoseado sem o sabermos. Com efeito, se abstrairmos do seu valor-de-uso, abstraímos também de todos os elementos materiais e formais que lhe conferem esse valor. Já não é, por exemplo, mesa, casa, fio, ou qualquer outro objecto útil; já não é também o produto do trabalho do marceneiro, do pedreiro, de qualquer trabalho produtivo determinado. Juntamente com os caracteres úteis particulares dos produtos do trabalho, desaparecem o carácter útil dos trabalhos neles contidos e as diversas formas concretas que distinguem as diferentes espécies de trabalho. Apenas resta, portanto, o carácter comum desses trabalhos; todos eles são reduzidos ao mesmo trabalho humano, [trabalho humano abstracto,] a um dispêndio de força humana de trabalho, independentemente da forma particular que revestiu o dispêndio dessa força.

Consideremos agora o resíduo dos produtos do trabalho. Eles assemelham- se completamente uns aos outros. Todos eles têm uma mesma realidade fantástica, invisível. Metamorfoseados em sublimados idênticos, fracções do mesmo trabalho indistinto, todos estes objectos manifestam apenas uma coisa: que na sua produção foi dispendida uma força de trabalho humano, que neles está acumulado trabalho humano [independentemente da forma concreta do trabalho]. Enquanto cristais dessa substância social comum, são considerados valores [,valores-mercadoria].

[Na própria relação de troca das mercadorias o seu valor-de-troca aparece- nos como algo de completamente independente dos seus valores-de-uso. Ora, se abstrairmos efectivamente do valor-de-uso dos produtos do trabalho, teremos o seu valor, tal como acaba de ser determinado.] O que há de comum nas mercadorias e que se mostra na relação de troca ou no valor-de-troca é, pois, o seu valor. [Adiante voltaremos a considerar o valor-de-troca, como necessário modo de expressão ou forma de manifestação do valor. Para já, contudo, há que considerar o valor independentemente dessa forma.]

Vimos que um valor-de-uso ou um artigo qualquer só tem valor na medida em que nele está [objectivizado,] materializado trabalho humano [abstracto]. Ora, como medir a grandeza do seu valor? Pela quantidade da substância "criadora de valor" nele contida, isto é, pela quantidade de trabalho. Por sua vez, a quantidade de trabalho tem por medida a sua duração, e o tempo de trabalho mede-se em unidades de tempo, tais como a hora, o dia, etc.

Poder-se-ia imaginar que, se o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho gasto na sua produção, então quanto mais preguiçoso ou inábil for um homem mais valor terá a sua mercadoria, pois emprega mais tempo na sua produção. Contudo, o trabalho que constitui a substância do valor das mercadorias é trabalho igual e indistinto, um dispêndio da mesma força de trabalho. A totalidade da força de trabalho da sociedade, que se manifesta no conjunto dos valores, só releva, por conseguinte, como força única, embora se componha de inúmeras forças individuais. Cada força de trabalho individual é igual a qualquer outra, na medida em que possui o carácter de uma força social média e funciona como tal, isto é, emprega na produção de uma mercadoria apenas o tempo de trabalho necessário em média, ou o tempo de trabalho socialmente necessário.

no caso dos diamantes. Segundo Eschwege, o produto total da exploração das minas de diamantes do Brasil, durante oitenta anos, não tinha ainda atingido em 1823 o preço do produto médio de um ano e meio das plantações de açúcar ou de café do mesmo país, embora representasse muito mais trabalho e, portanto, mais valor. Com minas mais ricas, a mesma quantidade de trabalho representaria uma maior quantidade de diamantes, cujo valor baixaria. Se se conseguisse transformar com pouco trabalho o carvão em diamante, o valor deste último desceria talvez abaixo do valor dos tijolos. Em geral: quanto maior é a força produtiva do trabalho, menor é o tempo necessário à produção de um artigo, menor é a massa de trabalho nele cristalizada, menor é o seu valor. Inversamente, quanto menor é a força produtiva do trabalho, maior é o tempo necessário à produção de um artigo, maior é o seu va1or. A grandeza de valor de uma mercadoria varia, pois, na razão directa da quantidade e na razão inversa da produtividade do trabalho que nela se realiza

Conhecemos agora a substância do valor: é o trabalho. Conhecemos a medida da sua grandeza: é a duração do trabalho. [Resta analisar a sua forma, que qualifica o valor precisamente como valor-de-troca. Antes disso, porém, importa precisar as definições a que já chegámos.] [10]

Uma coisa pode ser um valor-de-uso e não ser um valor: basta que seja útil ao homem sem provir do seu trabalho. Assim acontece com o ar, prados naturais, terras virgens, etc. Uma coisa pode ser útil e produto do trabalho humano e não ser mercadoria. Quem, pelo seu produto, satisfaz as suas próprias necessidades, apenas cria um valor-de-uso pessoal [,mas não uma mercadoria] .Para produzir mercadorias, tem não somente de produzir valores-de-uso, mas valores-de-uso para os outros, valores-de-uso sociais. [E não basta produzir para os outros. O camponês medieval produzia cereais para pagar o tributo ao senhor feudal e o dízimo à igreja. Mas nem o tributo nem o dízimo, embora produzidos para outrem, eram mercadorias. Para ser mercadoria é necessário que o produto seja transferido para outrem, que o utilize como valor-de-uso, por meio de troca. 10b ] Finalmente, nenhum objecto pode ser um valor se não for uma coisa útil. Se é inútil, o trabalho que contém é gasto inutilmente [,não conta como trabalho] e, portanto, não cria valor.

Início da página

Secção 2

Duplo Caracter do Trabalho Representado na

Mercadoria

Numa primeira aproximação, a mercadoria apareceu-nos sob um duplo aspecto: valor-de-uso e valor-de-troca. Vimos em seguida que todas as características que qualificam o trabalho enquanto produtor de valores-de-uso desaparecem quando ele se exprime no valor propriamente dito. Este duplo carácter do trabalho consubstanciado na mercadoria foi posto em relevo, pela primeira vez, por mim 11. Como a economia política gira à volta deste ponto, precisamos de analisá-lo mais detalhadamente.

Tomemos duas mercadorias, por exemplo, um fato e 10 metros de tecido; admitindo que a primeira tinha o dobro do valor da segunda, então se 10 metros de tecido = x, o fato = 2 x.

O fato é um valor-de-uso que satisfaz uma necessidade particular. Resulta de um género particular de actividade produtiva, determinada pelo seu fim, modo de operação, objecto, meios e resultado. Ao trabalho que se manifesta na utilidade ou valor-de-uso do seu produto chamamos nós, muito simplesmente, trabalho útil. Sob este ponto de vista, ele é sempre considerado com referência à sua utilidade prática. Assim como o fato e o tecido são duas coisas úteis diferentes, [valores-de-uso qualitativamente distintos,] também o trabalho do alfaiate que faz o fato se distingue [qualitativamente] do trabalho do tecelão que faz o tecido. Se estes objectos não fossem valores-de-uso de qualidade diferente e, portanto, produtos de trabalhos úteis de qualidade diversa, não poderiam contrapor-se como mercadorias. Não se troca um fato por um fato igual, um valor-de-uso pelo mesmo valor-de-uso.

Ao conjunto dos valores-de-uso de todas as espécies corresponde um conjunto de trabalhos úteis igualmente diversos, conforme o género, a espécie, a variedade - uma divisão social do trabalho. Esta é condição de existência da produção de mercadorias, embora reciprocamente a produção de mercadorias não seja condição de existência da divisão social do trabalho. Nas antigas comunidades da Índia, o trabalho encontra-se socialmente dividido sem que por isso os produtos se tornem mercadorias. Ou, tomando um exemplo mais familiar, em cada fábrica existe uma divisão sistemática do trabalho, mas a essa

trabalho não é, portanto, a única fonte dos valores-de-uso que produz, da riqueza material. Ele é o pai e a terra a mãe, como diz William Petty.

Deixemos agora a mercadoria enquanto objecto útil e voltemos ao seu valor. Segundo a nossa hipótese, o fato vale o dobro do tecido. Todavia, trata-se apenas de uma diferença quantitativa que, de momento, não nos interessa. Note-se, pois, que se 1 fato é igual a duas vezes 10 metros de tecido, 20 metros de tecido são iguais a 1 fato. Enquanto valores, o fato e o tecid o são coisas da mesma substância, expressões objectivas de um trabalho idêntico. Mas a confecção dos fatos e a tecelagem são trabalhos [qualitativamente] diferentes. Existem, contudo, situações sociais em que a mesma pessoa é alternadamente alfaiate e tecelão, em que, portanto, estas duas espécies de trabalho são simples modalidades do trabalho de um mesmo indivíduo, e não funções fixas de indivíduos diferentes, tal como o fato que o nosso alfaiate faz hoje e as calças que fará amanhã são apenas variações do mesmo trabalho individual. Um simples olhar mostra ainda que, na nossa sociedade capitalista, de acordo com as flutuações da procura de trabalho, uma dada porção de trabalho humano é fornecida ora sob a forma de confecção de vestuário, ora sob a forma de tecelagem. É possível que essas variações da forma do trabalho não possam efectuar-se sem atritos; contudo, elas são inevitáveis.

Em última análise, se abstrairmos do seu carácter útil, toda a actividade produtiva é apenas um dispêndio de força humana. A confecção do vestuário e a tecelagem, apesar da sua diferença [qualitativa], são ambas um dispêndio produtivo de cérebro, músculos, nervos, mãos do homem e, neste sentido, trabalho humano. [Trata-se apenas de duas formas diferentes de dispender trabalho humano.]

Sem dúvida, a força humana de trabalho, que não faz mais que mudar de forma nas diversas actividades produtivas, tem de estar mais ou menos desenvolvida para poder ser dispendida sob esta ou aquela forma. Mas o valor das mercadorias representa simplesmente trabalho do homem, um dispêndio de força humana em geral. Ora, tal como na sociedade civil um general ou um banqueiro desempenham um grande papel, enquanto que ao homem vulgar cabem apenas funções secundárias 13 , o mesmo se passa com o trabalho humano: é um dispêndio da força de trabalho simples que [,em média,] todo o homem comum, sem desenvolvimento especial, possui no seu organismo. É

certo que o trabalho simples médio muda de carácter conforme as regiões e as épocas, mas numa dada sociedade é sempre determinado. O trabalho complexo (skilled labour, trabalho qualificado) é apenas trabalho simples potenciado, ou melhor, multiplicado, de modo que uma dada quantidade de trabalho complexo corresponde a uma quantidade maior de trabalho simples. A experiência mostra que esta redução se faz constantemente. Mesmo quando uma mercadoria é produto do trabalho mais complexo, o seu valor equipara-a numa proporção qualquer ao produto de um trabalho simples, representando, portanto, apenas uma quantidade determinada de trabalho simples 14. As diversas proporções segundo as quais as diferentes espécies de trabalho são reduzidas ao trabalho simples, como sua unidade de medida, estabelecem-se na sociedade sem que os produtores disso se apercebam, parecendo-lhes portanto estabelecidas pelo costume. Daí resulta que, na análise do valor, todas as variedades de força de trabalho devem ser consideradas como força de trabalho simples. [11]

Portanto, do mesmo modo que nos valores tecido e fato se abstrai da diferença dos seus valores-de-uso, igualmente se abstrai, no trabalho que estes valores representam, da diferença das suas formas úteis: confecção e tecelagem. E tal como os valores-de-uso tecido e fato são combinações de actividades produtivas especiais com o fio e a fazenda, enquanto que, ao invés, os valores destas coisas são meras cristalizações de um trabalho idêntico -, assim também os trabalhos contidos nesses valores relevam, não pela sua relação produtiva com o fio e a fazenda, mas apenas como um dispêndio da mesma força [ de trabalho] humana. A tecelagem e a confecção criam o tecido e o fato [como valores-de-uso] precisamente porque têm qualidades diferentes; mas [a substância de] os valores do fato e do tecido, criam-na apenas na medida em que possuem uma qualidade co mum: a qualidade de trabalho humano.

Contudo, o fato e o tecido não são apenas valores em geral, mas valores de uma grandeza determinada; e, de acordo, com a nossa hipótese, 1 fato vale o dobro de 10 metros de tecido. Como se explica esta diferença? A explicação está no facto de o tecido conter apenas metade do trabalho do fato, de modo que, para a produção deste último, a força de trabalho deve ser dispendida durante o dobro do tempo exigido pela produção do primeiro.

Se, portanto, quanto ao valor-de-uso, o trabalho contido na mercadoria apenas é relevante qualitativamente, já no que se refere à grandeza do valor, ele

Das considerações precedentes, resulta que, embora se não possa falar propriamente em duas espécies de trabalho na mercadoria, todavia o mesmo trabalho apresenta-se nela sob dois aspectos opostos, conforme se reporte ao valor-de-uso da mercadoria, como seu produto, ou ao valor dessa mercadoria, como sua pura expressão objectiva. Todo o trabalho é, por um lado, dispêndio, no sentido fisiológico, de força humana, e é nesta qualidade de trabalho igual, [abstracto,] que ele constitui o valor das mercadorias. Todo o trabalho é, por outro lado, dispêndio da força humana sob esta ou aquela forma produtiva, determinada por um objectivo particular, e é nessa qualidade de trabalho concreto e útil que ele produz valores-de-uso ou utilidades. Tal como a mercadoria tem, antes de tudo, de ser uma utilidade para ser um valor, assim também o trabalho tem de ser, antes de tudo, útil, para ser considerado dispêndio de força humana, trabalho humano, no sentido abstracto do termo. 15

Estão agora determinados a substância do valor e a grandeza de valor. Resta analisar a forma do valor.

Início da página

Secção 3

A Forma do Valor [ou o valor-de-troca]

As mercadorias vêm ao mundo sob a forma de valores-de-uso ou de objectos-mercadorias, tais como ferro, tecido, lã, etc. É essa, precisamente, a sua forma natural [,vulgar]. Todavia, só são mercadorias na medida em que se apresentam sob um duplo aspecto: como objectos de uso e como suportes de valor. Só podem, portanto, entrar em circulação [ como mercadorias ou sob a forma de mercadorias], na medida em que se apresentem sob uma dupla forma: a sua forma natural e a sua forma-valor.

A realidade do valor das mercadorias distingue-se da amiga de Falstaff, a viúva Quickly, pelo facto de não sabermos onde agarrá-la [13]. Em flagrante contraste com a materialidade palpável da mercadoria, não existe um único átomo de matéria que entre no seu valor. Podemos, pois, dar voltas e mais voltas a uma certa mercadoria: enquant o objecto de valor, ela permanecerá

inapreensível. No entanto, se nos recordarmos que as mercadorias só possuem valor enquanto são expressão da mesma unidade social - trabalho humano -, que, portanto, o valor das mercadorias é uma realidade puramente socia l, torna- se evidente que essa realidade social também só se pode manifestar nas transacções sociais, nas relações das mercadorias umas com as outras. De facto, partimos do valor-de-troca ou da relação de troca das mercadorias para chegar ao seu valor, aí escondido. Temos agora de voltar a essa forma de manifestação do valor.

Toda a gente sabe, mesmo quando não se sabe mais nada, que as mercadorias possuem uma particular forma-valor [comum,] que contrasta da maneira mais flagrante com as suas múltiplas formas naturais - é a forma- dinheiro. Importa agora fazer o que a economia burguesa nunca tentou: fornecer a génese da forma-dinheiro, ou seja, seguir o desenvolvimento da expressão do valor contida na relação de valor das mercadorias, desde o seu esboço mais simples e menos aparente até essa forma-dinheiro que salta aos olhos de toda a gente. Com isso se resolve e se faz desaparecer ao mesmo tempo o enigma do dinheiro.

Em geral, a única relação entre as mercadorias é uma relação de valor, e a mais simples relação de valor é, evidentemente, a relação de uma mercadoria com outra qualquer mercadoria de espécie diferente. A relação de valor ou de troca de duas mercadorias fornece, portanto, a uma mercadoria, a expressão mais simples do seu valor.

A - Forma simple s, [singular] ou acidental do valor

x da mercadoria A = y da mercadoria B, ou x da mercadoria A vale y da mercadoria B. (20 metros de tecido = l fato, ou 20 metros de tecido valem 1 fato).

O mistério de qualquer forma-valor esconde-se nesta forma simples. É portanto na sua análise que se encontra a dificuldade.

1. Os dois pólos da expressão do valor: a forma relativa e a forma de equivalente

Duas mercadorias diferentes, A e B (no exemplo que escolhemos: o tecido e o fato) desempenham aqui, evidentemente, dois papéis distintos. O tecido

a) Conteúdo desta forma

Para descobrir como a expressão simples do valor de uma mercadoria está contida na relação de valor de duas mercadorias, é preciso primeiramente examiná-la, abstraindo [ completamente] do seu lado quantitativo. Em geral faz-se o contrário, considerando na relação de valor exclusivamente a proporção em que se equivalem quantidades determinadas de duas espécies de mercadorias. Esquece-se que coisas diferentes só podem ser comparadas quantitativamente depois de reduzidas à mesma unidade. Somente então têm o mesmo denominador e se tornam grandezas comensuráveis. 16

Que 20 metros de tecido = 1 fato, ou = 20 fatos, ou = x fatos, - isto é, que uma dada quantidade de tecido valha mais ou menos fatos -, qualquer dessas proporções implica sempre que o fato e o tecido, como grandezas de valor, são expressões da mesma unidade [,coisas da mesma natureza] .Tecido = fato, eis o fundamento da equação.

Mas as duas mercadorias, assim equiparadas na sua qualidade e na sua essência, não desempenham o mesmo papel. Só o valor do tecido é que se encontra aí expresso. E como? Relacionando-o com uma mercadoria de espécie diferente, o fato, como seu equivalente, isto é, algo que pode substituí-lo ou é permutável com ele. É desde logo evidente que nesta relação o fato aparece exclusivamente como forma de existência do valor, [como coisa-valor,] pois [só nessa qualidade é que ele é o mesmo que o tecido,] só exprimindo valor é que ele pode figurar como valor em face de uma outra mercadoria. Por outro lado, a própria propriedade de valor do tecido revela-se aqui ou adquire aqui uma expressão distinta. Com efeito, poderia o valor fato ser posto em equação com o tecido ou servir-lhe de equivalente, se o tecido não fosse também valor?

Podemos ir buscar uma analogia à química. O ácido butírico e o formiato de propileno são dois corpos diferentes, não só na aparência como também nas qualidades físicas e químicas. Contudo, são compostos pelos mesmos elementos: carbono, hidrogénio e oxigénio. Além disso, contêm-nos na mesma proporção: C4H8O2. Se agora equacionássemos o formiato de propileno com o ácido butírico ou se o constituíssemos, em seu equivalente, o formiato de propileno figuraria nesta relação apenas como forma de existência de C4H8O2, ou seja, da substância que é comum a si e ao ácido. Uma equação em que o formiato de propileno desempenhasse o papel de equivalente do ácido butírico

seria, portanto, uma maneira um tanto canhestra de expressar a substância do ácido como qualquer coisa completamente distinta da sua forma corpórea.

Se dizemos: enquanto valores todas as mercadorias são apenas trabalho humano cristalizado, então estamos a reduzi-las a uma abstracção - valor -, mas elas continuam a possuir apenas uma forma, a sua forma natural de objectos úteis. [Não lhes damos portanto uma forma-valor distinta das suas formas naturais.] Coisa completamente diversa se passa quando se põe uma mercadoria em relação de valor com uma outra. Nesse caso, o seu carácter de valor sobressai, afirmando-se como propriedade inerente que determina a sua relação com a outra mercadoria.

Ao considerar-se o fato como equivalente do tecido, considera-se o trabalho contido no fato idêntico ao trabalho contido no tecido. É certo que a confecção do fato se distingue da tecelagem. Mas a sua equiparação à tecelagem recondu- la àquilo que ambas têm de realmente comum, ao seu carácter de trabalho humano. É uma maneira indirecta de dizer que a tecelagem, na medida em que tece valor, em nada se distingue da confecção de vestuário, isto é, é trabalho humano abstracto. Esta equiparação exprime, portanto, o carácter específico do trabalho que constitui o valor do tecido. [Somente a expressão de equivalência de mercadorias distintas põe em relevo o carácter específico do trabalho que cria valor, dado que ela reduz os diferentes trabalhos incorporados nas diversas mercadorias àquilo que têm efectivamente de comum: trabalho humano em geral. 16a ]

Todavia, não basta exprimir o carácter específico do trabalho que constitui o valor do tecido. A força de trabalho humano em acção, ou o trabalho humano, cria o valor, mas não é valor. Só se torna valor quando cristalizado sob a forma de objecto. Deste modo, as condições que é necessário preencher para exprimir o valor do tecido parecem contradizer-se. Por um lado, é preciso representá-lo como uma pura condensação de trabalho humano abstracto, pois que, enquanto valor, a mercadoria não tem outra realidade. Ao mesmo tempo, esta condensação deve revestir a forma de um objecto claramente distinto do próprio tecido mas que, ao mesmo tempo, seja comum a ele e às outras mercadorias. Este problema já está, porém, resolvido.

Vimos, com efeito, que a partir do momento em que é considerado como equivalente do tecido, o fato deixa de ter necessidade de etiqueta para afirmar o

distinta da sua tessitura material, ele diz que o valor tem a figura de um fato e que, por isso, ele próprio, como coisa valiosa, se parece com o fato, como um ovo com outro. Notemos de passagem, que a linguagem das mercadorias possui, além do hebraico, muitos outros dialectos mais ou menos correctos. A palavra alemã Wertsein, por exemplo, exprime menos nitidamente do que os verbos românicos valere, valoir e valer, que a equiparação da mercadoria B com a mercadoria A é precisamente a expressão do valor de A. Paris vaut bien une messe. [17]

Em virtude da relação de valor, a forma natural da mercadoria B torna-se a forma-valor da mercadoria A, ou melhor, o corpo de B torna-se no espelho do valor de A. 17 O valor da mercadoria A, assim expresso no valor-de-uso da mercadoria B, adquire a forma-valor relativa.

b) Determinação quantitativa da forma -valor relativa

Qualquer mercadoria, cujo valor haja de ser expresso, é uma certa quantidade de uma coisa útil (por exemplo, quinze alqueires de trigo, cem libras de café, etc.), que contém uma quantidade determinada de trabalho. A forma- valor tem de exprimir, portanto, não somente valor em geral, mas um valor de uma certa grandeza. Na relação de valor da mercadoria A com a mercadoria B, a mercadoria B é equiparada a A não somente sob o ponto de vista da qualidade, mas ainda sob o ponto de vista da quantidade: uma certa quantidade de B equivale a uma certa quantidade de A.

A equação 20 metros de tecido = 1 fato, ou 20 metros de tecido valem 1 fato, pressupõe que as duas mercadorias [contêm a mesma substância de valor, que] custam ambas o mesmo trabalho ou se produzem no mesmo tempo; mas esse tempo de trabalho necessário à sua produção varia com cada variação da força produtiva do trabalho que as produz. Vejamos agora a influência destas variações sobre a expressão relativa da grandeza de valor.

I - O valor do tecido varia enquanto que o valor do fato permanece constante. 18 Se duplicar o tempo de trabalho necessário à produção do tecido, em consequência, por hipótese, de um menor rendimento do solo que produz o linho, nesse caso duplica o seu valor. Em vez de 20 metros de tecido = 1fato, teríamos: 20 metros de tecido = 2 fatos, uma vez que 1 fato contém agora apenas metade do tempo de trabalho contido em 20 metros de tecido. Se, pelo

contrário, o tempo necessário à produção do tecido diminuir para metade, em consequência, por hipótese, de um aperfeiçoamento dos teares, nesse caso o seu valor diminui na mesma proporção. Então teríamos: 20 metros de tecido = 1/ fato. Por conseguinte, o valor relativo da mercadoria A, ou seja, o seu valor expresso na mercadoria B, sobe ou desce, na razão directa da variação do valor da mercadoria A, se o valor da mercadoria B permanecer constante.

II - O valor do tecido permanece constante, variando o valor do fato. Se o tempo de trabalho necessário à produção do fato duplica, em consequência, por hipótese, de uma baixa na produção da lã, em vez de 20 metros de tecido = 1 fato, teremos agora: 20 metros de tecido = 1/2 fato. Se, pelo contrário, o valor do fato se reduz a metade, então teremos: 20 metros de tecido = 2 fatos. Permanecendo constante o valor da mercadoria A, o seu valor relativo, expresso na mercadoria B, sobe ou desce na razão inversa das variações de valor de B.

Se compararmos os diversos casos compreendidos em I e II, constata-se que a mesma mudança de grandeza do valor relativo pode resultar de causas completamente opostas. Assim, a equação 20 metros de tecido= 1 fato transforma-se em 20 metros de tecido = 2 fatos, quer porque o valor do tecido duplicou, quer porque o valor dos fatos se reduziu a metade; e transforma-se em 20 metros de tecido = 1/2 fato, quer porque o valor do tecido se reduziu a metade, quer porque o valor do fato duplicou.

III - As quantidades de trabalho necessárias à produção do tecido e do fato variam simultaneamente, no mesmo sentido e na mesma proporção. Neste caso, permanece a equação 20 metros de tecido = 1 fato, quaisquer que sejam as suas variações de valor. Descobrem-se estas variações por comparação com uma terceira mercadoria cujo valor permaneça constante. Se os valores de todas as mercadorias aumentassem ou diminuíssem e na mesma proporção, os seus valores relativos não sofreriam qualquer variação. A sua mudança real de valor reconhecer-se-ia pelo facto de, num mesmo tempo de trabalho, se produzir em geral uma quantidade de mercadorias maior ou menor que anteriormente.

IV - Os tempos de trabalho necessários à produção do tecido e do fato, assim como os seus valores, podem variar simultaneamente e no mesmo sentido, mas numa proporção diferente, ou num sentido oposto, etc. A influência de todas as possíveis combinações deste género sobre o valor relativo de uma mercadoria calcula-se facilmente recorrendo aos casos I, II e III.