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Uma análise histórica e conceitual da psicologia organizacional e do trabalho no brasil, explorando a evolução da área, seus principais marcos, e as diferentes perspectivas disciplinares que a compõem. Aborda a importância do trabalho como atividade humana e social, a influência das organizações no bem-estar e saúde do trabalhador, e as tensões interdisciplinares presentes no campo.
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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mos como a vida de cada um é afetada pela exis- tência das organizações. Ao examinarmos o co- tidiano das pessoas, em diferentes contextos e culturas, notamos que todas estão sempre liga- das às organizações, de diversas naturezas, em todas as fases da vida. Nos processos de socia- lização fundamentais, é fácil ver como muitos dos nossos vínculos de amizade são construídos a partir de convívios em escolas formais ou em escolas de artes, esportes, línguas, etc., nos con- domínios, nas igrejas, nas universidades, nos asi- los e nas organizações ou empresas em que tra- balhamos. Os serviços que devem ser disponi- bilizados à sociedade normalmente dependem de organizações que os executem, a exemplo de hospitais, postos de saúde, escolas, agências da previdência social. Outros produtos e serviços essenciais para nossa vida dependem também de empresas privadas ou mistas, como organiza- ções agrícolas; supermercados; empresas forne- cedoras de energia elétrica, água, telefone, inter- net; teatros; cinemas; lojas; empresas de ônibus e metrô; concessionárias que administram as es- tradas e cobram pedágio por esse serviço. Essas organizações, por sua vez, são reguladas ou rece-
José Carlos Zanelli, Antonio Virgílio Bittencourt Bastos e Ana Carolina de Aguiar Rodrigues
Descrever o processo histórico de constituição da psicologia organizacional e do trabalho (POT) como área de conhecimento e como campo de aplicação Caracterizar como se estruturou o modelo clássico de atuação e a produção de conhecimento na área Analisar as relações entre os contextos sociais e as demandas que colocam à POT, tanto no cenário interna- cional como no nacional Descrever o campo atual da POT, em termos de suas relações interdisciplinares, dos seus domínios intra- disciplinares e de suas atividades profissionais, identificando tensões que caracterizam o campo Discutir tendências de mudança na forma como a POT está redefinindo suas temáticas, seus procedimentos de investigação e suas atividades profissionais Descrever as competências importantes para o desempenho profissional em POT Identificar âmbitos de análise implicados na sua atuação e as necessárias interfaces que constrói com outros domínios do conhecimento humano Discutir a possível identidade do psicólogo organizacional e do trabalho considerando sua inserção em equipes multiprofissionais voltadas para a formulação e a implantação de políticas e práticas de gestão do trabalho e de pessoas Analisar os desafios postos à atuação em POT para os psicólogos neste início do século XXI Psicologia Organizacional e do Trabalho I TEXTO III
bem incentivos de outras organizações, como as agências ou os ministérios, entre eles os Ministé- rios da Saúde, da Educação, dos Transportes, do Trabalho e Emprego, do Comércio, do Turismo, da Defesa, da Cultura, etc. Há situações em que pessoas se organizam para reivindicar ou execu- tar serviços de utilidade social. Exemplos são os grupos comunitários, os sindicatos, as coopera- tivas, as organizações estudantis ou as organiza- ções da sociedade civil de interesse público (não governamentais). Sabemos que algumas dessas organiza- ções respondem ou são atravessadas por insti- tuições sociais, como educação, religião, saú- de, família (como abordado no Capítulo 2 des- te livro). Além disso, podemos pensar o quanto da nossa qualidade de vida, do nosso bem-es- tar e dos problemas que enfrentamos está rela- cionado à dinâmica que as organizações assu- mem na sociedade. Afinal, as organizações são o modo como as pessoas e os grupos se estrutu- ram para atender às suas próprias necessidades. Seu funcionamento depende do trabalho huma- no, que, por sua vez, tem sido também mais de- pendente das organizações, à medida que cres- cem a complexidade das tarefas e a necessidade de recursos, que só encontramos em nível orga- nizacional. Este é, entre outros fatores, o motivo que leva o trabalho a ser tão central em nossas vi- das: é a partir do trabalho e da forma como o or- ganizamos que conseguimos atender às nossas necessidades e às demandas sociais. O trabalho possibilita, também, que cada indivíduo assuma um papel e uma identidade dentro de um gru- po maior. As pessoas perdem o emprego e, mui- tas vezes, perdem a possibilidade de trabalhar. Há algo que afete mais fortemente a vida de um indivíduo e da sua família? Tal questionamento, por si, justifica a inserção do psicólogo em orga- nizações e no trabalho. Além disso, nas organizações, o traba- lho assume uma nova configuração, a partir da qual emergem diferentes processos e fenôme- nos, individuais e grupais. Tanto as organizações quanto o trabalho, sendo parte desses fenôme- nos de natureza psicossocial, passam também a ser objeto de estudo e de atuação dos psicó- logos. Em face disso, a psicologia, tradicional- mente, ocupou-se em compreender e intervir sobre esses fenômenos e processos relativos ao mundo do trabalho e das organizações. De for- ma crescentemente explícita, vamos nos dando conta de que não se pode reproduzir, no cam- po científico e profissional, a separação operada entre a esfera trabalho e as demais esferas da vi- da pessoal. Para compreendermos integralmen- te o ser humano, precisamos também entender sua inserção no mundo do trabalho e as relações que são criadas no interior das organizações em que se insere. Esta é a tarefa central ou a missão que ca- racteriza esse amplo espaço de ação da psicolo- gia – explorar, analisar, compreender como inte- ragem as múltiplas dimensões que caracterizam a vida das pessoas, dos grupos e das organizações, em um mundo crescentemente complexo, cons- truindo, a partir daí, estratégias e procedimentos que possam promover, preservar e restabelecer a qualidade de vida e o bem-estar das pessoas, sem abrir mão da produtividade da qual depende o atendimento das necessidades dos indivíduos e dos grupos sociais. Para caracterizar e discutir a inserção pro- fissional do psicólogo no mundo do trabalho e das organizações, este capítulo se estrutura em quatro segmentos principais. O primeiro des- creve o desenvolvimento histórico da POT como área de conhecimento e como campo de aplica- ção, dando ênfase às relações entre caracterís- ticas dos contextos sociais e demandas que se apresentam, tanto no cenário internacional co- mo no nacional. Essa perspectiva histórica pro- cura fortalecer a compreensão de como se estru- turou o modelo clássico de atuação e produção de conhecimento nesse espaço de ação da psico- logia. O segundo segmento apoia-se em uma rá- pida reflexão das transformações em curso no mundo do trabalho (algo discutido no Capítu- lo 1) para identificar algumas tendências de mu- dança na forma como a POT está redefinindo suas temáticas, seus procedimentos de investiga- ção e, especialmente, suas atividades profissio- nais. A terceira parte volta-se para a descrição do campo atual da POT, ao revelar a amplitude das questões que ocupam pesquisadores e profissio- nais, os diferentes âmbitos de análise implicados na sua atuação e as necessárias interfaces que es- se campo constrói com outros domínios do co- nhecimento humano. Reflexões sobre a identi- dade desse psicólogo e sobre o futuro da POT, bem como uma síntese encerram o capítulo.
de testes psicológicos com a finalidade de ma- ximizar o ajuste das pessoas aos cargos. O no- me da obra guarda uma estreita relação com o próprio nome pelo qual a área passou a ser re- conhecida: psicologia industrial, motivo que tal- vez justifique sua publicação como o marco de início da área. O livro, tomado como marco de nasci- mento da psicologia industrial, estruturava-se em três partes que bem demonstram as preo- cupações centrais de Münsterberg, as quais fo- ram, também, as preocupações centrais do no- vo campo: o melhor homem possível para o trabalho (tratando da seleção de trabalhadores); o melhor trabalho possível (discutindo os fa- tores que afetam a eficiência do trabalhador); e o melhor efeito possível (analisando as técni- cas de venda, publicidade e marketing ). Subjacente à obra está um princípio ainda hoje caro à área: a necessidade de que os traba- lhadores atuem em cargos que se ajustem às suas habilidades emocionais e mentais, para que haja eficiência no trabalho, produtividade da empre- sa e satisfação do trabalhador. Münsterberg, no entanto, vai além, como bem descrevem Schultz e Shultz (2004). Ele desenvolveu pesquisas so- bre várias ocupações (capitão de navio, con- dutor de bonde, telefonista e vendedor), cons- truindo testes e simulações para avaliar conheci- mentos, competências e habilidades necessários para o trabalho em que estavam sendo aplicada. Também surgiu dos seus estudos a recomenda- ção de reorganizar os locais de trabalho de for- ma a minimizar as oportunidades de que os tra- balhadores conversassem entre si – conforme interpretava, fator de diminuição da eficiência do trabalho. Nesse período inicial de estruturação do campo, outro nome, com preocupações simi- lares, exerceu importante impacto. Frederick Winslow Taylor, engenheiro em sua formação básica, desenvolveu o que ele chamou de admi- nistração científica, com o objetivo de estabele- cer princípios para orientar as práticas organi- zacionais e aumentar a produtividade. O livro de Taylor, The Principles of Scientific Management, que constitui difundida referência desse período, a partir de 1911, é tomado como marco inicial da administração como campo científico e profissio- nal. As ideias de Taylor, já apresentadas no Capí- tulo 1, não precisam ser aqui retomadas em mais detalhes. Como bem sintetiza Spector (2002), quatro princípios de gestão noteiam a proposta taylorista de organização do trabalho e da pro- dução: cada trabalho deve ser analisado e descrito detalhadamente, para que o modo otimizado de executar as tarefas possa ser especificado; os trabalhadores devem ser contratados de acordo com as características relacionadas ao desempenho do trabalho, e cabe aos gerentes avaliar os funcionários para identificar quais características pessoais são importantes; os trabalhadores devem ser treinados para executar suas tarefas; e os trabalhadores devem ser recompensados por sua produtividade, para incentivar me- lhor desempenho. A partir de ideias de Taylor, Frank e Lillian Gilbreth (ele, engenheiro; ela, psicóloga) dedi- caram-se a investigar a forma como as tarefas são executadas pelas pessoas, desenvolvendo o que veio a ser chamado de “estudo de tempos e movimentos”. Esses estudos, cerne de uma pers- pectiva taylorista para maximizar a eficiência do desempenho no trabalho, estiveram na base do campo denominado fatores humanos, voltado para analisar e projetar ambientes de trabalho e tecnologias que levassem em consideração as ca- racterísticas humanas. A grande proximidade entre as ideias e pro- postas de Münsterberg e Taylor revelam que am- bos estavam imersos em um mesmo conjunto de preocupações e noções sobre o mundo do traba- lho que guardam, certamente, estreita relação com a crescente industrialização que ocorreu nos países dominantes, do cenário ocidental, no fim do século XIX e início do século XX. Nesse perío- do, como fatores em interconexões, pode-se ob- servar um incremento populacional crescente na maioria dos países, o que levou progressiva- mente a uma demanda em ascenção por bens e serviços. A denominada “Segunda Revolução In- dustrial” caracterizou-se pelo advento do mo- tor a explosão interna, da utilização do petróleo e da eletricidade, que resultaram no desenvol- vimento da indústria petroquímica, das máqui-
nas de automação rígida, nos novos meios de transporte, de novas técnicas e meios de comuni- cação (telégrafo, rádio, telefone, cinema). O mo- delo taylorista-fordista constituiu o paradigma de gestão da produção nesse período histórico. É interessante assinalar que a psicologia industrial nasceu em um berço comum com a administração científica, mostrando, desde es- se momento, como os dois campos científicos e profissionais estão próximos e construíram tra- jetórias que, apesar de singulares, apresentam muitas sobreposições e nomes que contribuí- ram para o avanço de ambos os domínios. Am- bos nasceram, também, como domínios emi- nentemente aplicados, já que estavam engajados no desenvolvimento de contextos de trabalhos e de modelos de gestão mais efetivos, geradores de maior produtividade. Ainda nesse período inicial de constitui- ção do campo, uma importante vertente de con- tribuição surge nos anos de 1920 e tem clara in- fluência na década posterior. Trata-se das clás- sicas investigações de Elton Mayo na Western Electric Company, as quais ficaram largamente conhecidas como os estudos de Hawthorne (um bairro da cidade de Chicago) e que revelaram a importância de considerar os fatores sociais im- plicados em uma situação de trabalho. As ciên- cias do comportamento (com base na psicolo- gia, na sociologia e na antropologia), desde en- tão, alçaram relevância no mundo dos negócios. Mayo divulgou The Human Problems of Indus- trial Civilization , em 1933, uma obra que sinte- tizou as descobertas daqueles estudos e que deu impulso à era das relações humanas. Definidos os marcos iniciais de constitui- ção do campo, seu desenvolvimento e sua cons- trução ao longo da história estão, neste capítulo, organizados por períodos, e não por nomes ou autores isolados. Criar ou definir períodos que caracterizam um processo histórico e contínuo de construção de um campo científico e profis- sional não é uma ação simples e está sempre su- jeita a críticas, pela arbitrariedade que sempre envolve definir os anos iniciais e finais de movi- mentos que são complexos e diversificados, es- pecialmente quando tomados em uma dimen- são internacional. Ainda assim, o propósito di- dático, sua função de síntese e sua contribuição para o entendimento do processo de desenvol- vimento da área justificam sua utilização neste capítulo. Para cada período, é apresentada uma fi- gura estruturada em três segmentos interli- gados: O primeiro indica elementos do contexto macrossocial, político, econômico e cultural que colocam desafios e oportunidades para a emergência de respostas no campo científico e profissional. O segundo indica, de forma concreta, ações e produtos que responderam a esses desafios. O terceiro segmento descreve as abordagens teóricas, os procedimentos e métodos que caracterizam, dominantemente, o trabalho do psicólogo naquele período. A Figura 15.1 sintetiza as principais ca- racterísticas desse período inicial de constitui- ção do campo, destacando, na ótica de Shimmin e Strein (1998), como se articularam demandas sociais que colocaram desafios para a área e co- mo ela respondeu a tais desafios. Características importantes dos contex- tos social, econômico e político desse primeiro período foram: o processo de industrialização (Segunda Revolução Industrial, com a inven- ção de novas máquinas, demandando raciona- lização dos processos de trabalho); o avanço das ciências naturais e biológicas, que reestrutura- ram crenças sobre a natureza humana; a pres- são por reformas sociais e a luta contra a ex- ploração do trabalho, que ganha voz na teoria marxista; a Primeira Grande Guerra, que incre- menta a indústria bélica, demandando solução de problemas decorrentes da sobrecarga de tra- balho; a grande depressão na década de 1930; e a eclosão da Segunda Grande Guerra. Esse con- junto de eventos está na base dos desafios e das oportunidades que geraram a constituição inicial da psicologia industrial descrita anteriormen- te como marco inicial do campo. Vale enfatizar, contudo, que o binômio avaliação psicológica e ajuste homem/máquina/trabalho constituiu o grande elemento definidor desse período ini- cial. Consolida-se o que é denominado human engineering (o desenho de equipamentos para o uso humano, incluindo armamentos que eram uma demanda dos períodos de guerra), expres- são clara do paradigma taylorista de administra- ção do trabalho. O segundo período, denominado “expan- são e consolidação pós-guerra”, vai de 1945 a
industrial é substituída pela psicologia organi- zacional, que, mesmo mantendo a seleção como uma de suas principais atividades, incorpora a atenção ao funcionamento organizacional com foco principal no comportamento gerencial (li- derança, participação, democracia). Duas grandes características marcam a POT nesse período:
1. o grande destaque para as ações de treina- mento, especialmente voltadas para os ges- tores – o training with in industry (TWI), que promove estilos menos autoritários, é difundido em toda a Europa abrangida pe- lo Plano Marshall; 2. o trabalho realizado pelo Tavistock Institu- te of Human Relations, de onde emerge o modelo de pesquisa-ação, base para os tra- balhos de mudança organizacional, os mo- delos de grupos de trabalhos semiautôno- mos e o conceito de sistema sociotécnico. É importante destacar outros marcos. Na década de 1950, acompanhando as novas de- mandas, entre as várias teorias de motivação que vinham sendo propostas, ganhou destaque o estudo de Abraham H. Maslow. Publicado em 1954, sob o título de Motivation and Personality , propõe uma hierarquia das necessidades huma- nas. Poucos anos depois, despontou a reflexão de Douglas McGregor sobre os pressupostos que os administradores estabelecem para as pessoas, divulgada em 1960 como Teoria X (tradicional) e Teoria Y (emergente), na obra The Human Si- de of Enterprise. As características que relacio- nam sistemicamente os indivíduos, os grupos e a própria organização, sob o controle de fatores in- ternos e externos ao sistema organizacional, pas- saram a ter relevância na interpretação do com- portamento humano. O terceiro período chega no fim dos anos de 1970 e é definido por Shimmin e Strein (1998) como novas direções e reorientação. A síntese das características desse período está apresentada na Figura 15.3. O período de ouro de crescimento e con- solidação do Estado de Bem-estar Social deu lu- gar, a partir dos anos de 1970, a um período de grandes incertezas. A guerra fria faz explodir conflitos em várias partes do mundo (a exem- plo da Guerra do Vietnã). Em termos da econo- mia, apareceram os sinais de transição para uma sociedade pós-industrial, com o crescimento do setor de serviços e o aparecimento de organiza- ções sem fins lucrativos. O Japão despontava co- mo grande potência econômica depois de ter si- do arrasado na Segunda Grande Guerra. De lá, surgiu um novo modelo de relações de traba- Figura 15.3 Terceiro período de constituição histórica da POT (fim da década de 1960 até a década de 1970). Incertezas e tensões Ampliação do campo da POT Desafios e oportunidades Abordagens e métodos Respostas aos desafios Transição para uma socie- dade pós-industrial e ten- sões no mundo do trabalho Testes psicológicos critica- dos Desafio de ir além do âmbi- to individual de análise Trabalhos emergentes lidam com desenvolvimen- to, resolução de conflitos e desenho de trabalho Cresce o debate sobre questões éticas A interface com outros domínios revela a falta de integração teórica Programas de qualidade de vida no trabalho Modelos de gestão de controle começam a ser substituídos por modelos de compromisso e envolvi- mento
lho. Surgiu a crise de energia que revela o poder da Organização dos Países Exportadores de Pe- tróleo (OPEP). Ampliou-se a competição com os avanços tecnológicos e a busca de lucros, le- vando a fusões e enxugamentos. Cresceram os conflitos no interior das organizações, apesar do nascimento do discurso da qualidade de vi- da no trabalho (QVT). No campo da psicologia, cresceram as críticas ao modelo psicométrico de avaliação psicológica. A POT se amplia, buscan- do entender e lidar com questões que extrapolam o nível individual de análise. Surgiram experiên- cias de humanização do trabalho na Escandiná- via e em outros países, as quais se concretiza- ram nos programas de QVT. O foco das mudanças deixou de ser nos pequenos grupos, dando lugar a intervenções mais abrangentes. Emergiu, com os avanços tecnológicos, o campo da ergonomia cognitiva. Os modelos de gestão passaram a in- corporar, em oposição à noção de controle, a no- ção de envolvimento e compromisso. Cresceu a atenção às experiências de cogestão e ao forma- to das cooperativas. Por fim, embora não conste no trabalho original de Shimmin e Strein (1998), podemos pensar em um quarto período, corresponden- do às mudanças contemporâneas que marcam o fim do século XX e a primeira década do século XXI. Na Figura 15.4, está representada uma sín- tese dos elementos básicos que caracterizam o momento mais atual do campo. As décadas finais do século passado e a inicial deste século foram marcadas pelo apro- fundamento do processo de globalização e pe- las mudanças na demografia da força de traba- lho, crescendo a dependência de empregos tem- porários e de tempo parcial (Jex; Britt, 2008). Os avanços da tecnologia e seus impactos nos pro- cessos de trabalho tornaram-se cada vez mais acelerados, implicando novos formatos organi- zacionais e novos modelos de gestão. O contexto social mais amplo foi marcado por um período de domínio do neoliberalismo e desmonte do Estado de Bem-estar Social, pro- cesso liderado pelo Reino Unido, mas com refle- xos em várias outras sociedades, mesmo aque- las que nunca chegaram a ter os mecanismos de proteção ao trabalho, como era o caso do Brasil. Desapareceu o mundo bipolar que emergiu da Segunda Grande Guerra, com o fim do comu- nismo “real” e extinção da URSS, reunificação da Alemanha e queda dos governos comunistas nos países da Europa Oriental. O poder do ca- pital, sempre em busca de lucros maiores e mais fáceis, tornou voláteis as economias nacionais e subordinou-as ao receituário do Fundo Mone- tário Internacional. A primeira década do sécu- lo atual é marcada por uma profunda crise nos países capitalistas centrais, incluindo os Estados Unidos (em 2008, o que ficou conhecido como a crise originada pelo “estouro da bolha imobiliá- ria”, ou “crise das subprimes ”, que abalou o merca- Figura 15.4 Quarto período de constituição histórica da POT (da década de 1990 até a década de 2010). Globalização e crise Ampliação do campo da POT Desafios e oportunidades Abordagens e métodos Respostas aos desafios Avanços da globalização e da tecnologia de informa- ção Neoliberalismo Crise nos países capitalis- tas centrais Crescimento dos BRICS Maior atenção às questões de saúde no trabalho Consolidação de outros tópicos de estudo: estresse, conflito trabalho-família e aposentadoria Concepções tradicionais (estilos de liderança, racionalização e hierar- quização) deram lugar a novos conceitos (gestão do conhecimento, ética empresarial, organizações virtuais, tempo ocioso, etc.)
de uma maior eficiência econômica, sob o ar- gumento de melhoria das condições do traba- lho operário. Há, também, tentativas de organizar os períodos que marcaram a constituição da POT no Brasil. Em geral, o movimento identificado no Brasil reproduz, com algum atraso temporal, o movimento mais geral do campo no cenário internacional. Sampaio (1998) e Freitas (2002) identificam três principais fases no desenvol- vimento da área no Brasil, cujas característi- cas estão sinteticamente apresentadas na Figu- ra 15.5. É importante destacar, no entanto, que tais fases não significam momentos que se impõem e eliminam o anterior. Trata-se de uma amplia- ção de foco, agregando novos direcionamentos e, muitas vezes, incorporando novas perspectivas teóricas e técnicas de intervenção. Mais apro- priadamente, também, poderíamos denominar a terceira fase da POT, apoiada no pressuposto de que organizações e trabalho são duas faces de uma mesma moeda, já que as organizações im- plicam trabalho, e o trabalho humano, na con- temporaneidade, como meio de subsistência, ocorre quase sempre ligado a redes sociais ou coletivos, que denominamos “organizações”. No primeiro período, Léon Walther trou- xe a psicotécnica para o País, que foi acolhida como instrumental para a viabilização das pro- postas tayloristas. Posteriormente, Henri Piéron desencadeou os estudos dos testes psicológicos, também em um curso sobre psicotécnica, mi- nistrado na Escola Normal de São Paulo. As pri- meiras aplicações de testes ocorreram em 1924, no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, sob a direção de Roberto Mange (Antunes, 1998). As aplicações de testes psicológicos, ou, mais apropriadamente, do exame psicotécnico, com a finalidade de selecionar empregados, ex- pandiram-se rapidamente, em especial nas em- presas ferroviárias. Externo ao circuito sulista, em 1925, no Recife, Ulysses Pernambuco, neu- rologista e psiquiatra, criou o Instituto de Psi- cologia de Pernambuco, que passou a ser deno- minado, a partir de 1929, Instituto de Seleção e Orientação Profissional de Pernambuco, uma organização que produziu numerosas pesquisas aplicadas (Antunes, 1998; Pessoti, 1988). O Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT), criado em 1930, veio atender a uma expectativa, então já remota, entre os em- presários paulistas e serviu para treinar profis- sionais psicotécnicos, em sua maioria engenhei- ros dedicados aos problemas de ajustamento humano ao trabalho. O IDORT teve importân- cia crucial na difusão das aplicações da psicolo- gia ao trabalho no Brasil. A difusão das atividades de inserção do psicólogo nos contextos de traba- lho no País reproduziu a busca de racionalização que se generalizou na sociedade, sobretudo pela crença na aplicação de testes psicológicos, com claro e restrito objetivo econômico de aumentar a produtividade das empresas. A psicologia, uma jovem ciência na primeira metade do século XX, passou a figurar entre as disciplinas que forne- Figura 15.5 Fases do desenvolvimento da POT no Brasil. Psicologia industrial A partir dos anos de 1930 Psicotécnica Seleção e colocação de pessoal Psicologia organizacional Ênfase na produtividade das empresas, ampliando o foco de atuação Trabalho com grupos Psicologia do trabalho Maior ampliação do foco, com ênfa- se nas questões de saúde Preocupação para além das organizações
ciam apoio e legitimidade aos métodos adminis- trativos e suas correspondentes práticas. Quan- do a profissão foi reconhecida legalmente, na dé- cada de 1960, o campo da psicologia aplicada ao trabalho já estava consolidado. Roberto Mange, Emilio Mira y López, Bet- ti Katzenstein e Oswaldo de Barros Santos são nomes frequentemente citados como psicólogos desse período de constituição inicial da POT no Brasil. Ao mesmo tempo que mantinham inte- resses voltados para a aplicação da psicologia ao trabalho, foram autores de textos que permiti- ram a difusão do conhecimento na área, embora muitas vezes trabalhassem em organizações ex- ternas ao circuito universitário formal (Pessoti, 1988). O segundo período, psicologia organiza- cional, nasce com a intensificação do processo de industrialização no País, iniciado sobretudo a partir da Era Vargas. Acompanhou a Consolida- ção das Leis Trabalhistas (CLT), que foi fruto da longa luta da classe operária, na transição entre o século XIX e o século XX, por melhores condi- ções laborais para regulamentar direitos e bene- fícios dos trabalhadores. Ocorreu uma expansão das organizações produtivas brasileiras após a Segunda Grande Guerra, com a instalação de multinacionais e com a presença do Estado nas indústrias side- rúrgica e petrolífera. Entretanto, a mão de obra continuava, em grande parte, desqualificada. As preocupações com a formação profissional só começaram a ganhar força a partir desse mo- mento, atraindo também os profissionais vincu- lados à psicologia. O processo de industrialização intensifi- cou-se com a gestão desenvolvimentista de Jus- celino Kubitschek (1956-1961), com a instalação de montadoras de automóveis internacionais no Brasil, ampliando sobretudo o parque fabril do Estado de São Paulo. A partir daí, cresceram os investimentos na qualificação dos trabalhado- res, e maior atenção passou a ser dirigida aos métodos de gestão mais apropriados às condi- ções e às características da realidade brasileira, embora seja evidente o quanto continuam sen- do reproduzidas as elaborações originadas nos países centrais. As linhas gerais de atuação seguiram a ten- dência internacional de ampliação do foco dos postos de trabalho, para considerar as organi- zações, suas estrututras, sua dinâmica cultural e política como elementos importantes nos resul- tados gerados. A área de gestão de recursos hu- manos mostrou um incremento das ações para além de recrutamento e seleção, incorporando de forma mais vigorosa as atividades de trei- namento e desenvolvimento e de avaliação de desempenho. No Brasil, até os anos de 1980, a formação em POT foi largamente influenciada pela obra de um autor norte-americano, Joseph Tiffin, pu- blicada em primeira edição no ano de 1942: In- dustrial Psychology. A partir de 1958, Ernest J. McCormick passou a compartilhar a autoria na revisão do texto. Com base em tal revisão, o li- vro foi traduzido e utilizado, de forma ampla e duradoura, nos cursos de psicologia brasileiros, a partir do fim da década de 1960. Tal fato re- vela o descompasso entre os avanços do campo no exterior e o modelo predominante de atua- ção aqui no Brasil. O movimento de crítica ampla ao mode- lo de atuação profissional do psicólogo no Bra- sil, intenso nos anos de 1970 e 1980, coinciden- te com um período acirrado e com o término do regime militar, teve importante reflexos na área da POT. O psicólogo organizacional (ain- da atuando nos moldes do psicólogo industrial) foi um dos alvos mais criticados, senão o mode- lo mais criticado de atuação profissional da psi- cologia, sob o estigma de descomprometimen- to com as demandas sociais. Em 1984, foi lança- da uma coletânea de textos organizada por Silvia Lane e Wanderley Codo, Psicologia social: o ho- mem em movimento , que incluiu um capítulo intitulado “O papel do psicólogo na organização industrial (notas sobre o lobo mau em Psicolo- gia)”, de autoria de Wanderley Codo. Esse tex- to, em particular, teve um importante impacto, ao apontar que a psicologia produzida e a prá- tica profissional, mesmo dos psicólogos organi- zacionais, desconsideravam a categoria trabalho. Para Codo, de um lado, havia muitos psicólogos que atuavam no mundo do trabalho sem qual- quer perspectiva crítica e, de outro lado, muitos psicólogos críticos sem qualquer inserção nas questões práticas postas por esse domínio. A re- percussão desse trabalho foi muito grande, pois, ao mesmo tempo, expôs o estigma que cercava a inserção do psicólogo nas organizações e aler- tou pesquisadores e profissionais sobre a neces- sidade de construção de um modelo de atuação que não se pautasse exclusivamente nas necessi-
e de que decisões e políticas organizacionais podem ser a base de bem-estar ou de adoeci- mento no trabalho; as condições de trabalho podem ser de- sumanizadoras e precárias em inúmeros segmentos, formas e tipos de organizações: industriais, comerciais, escolares, hospitala- res, sindicais, judiciais, esportivas, militares, legislativas, cooperativas populares e outras. O que está em jogo são as formas de or- ganizar o trabalho e as contingências a elas atre- ladas. Ao lado de enfrentamentos e tensões, há também espaços para o diálogo e a negociação, incrementados pelo surgimento das redes so- ciais, aqui interpretadas como novos modos de organizar e reivindicar reposicionamentos da estrutura e dinâmica social de poder. Assim, de- ve-se valorizar a complementaridade, e a com- preensão do trabalho se dá não pela cisão, mas pela análise de sua interdependência com os múl- tiplos aspectos do meio, com destaque para os contextos definidos como organizações.
De que maneira um conjunto de práticas, sabe- res e objetos de estudo adquire identidade gra- dativamente, de tal modo que possa ser reco- nhecido como disciplina ou campo específico de atuação profissional e produção de conheci- mento? Para Barros (2011, p. 253), [...] todo campo “disciplinar”, seja qual ele for, é histórico, no sentido de que vai surgindo ou começa a ser percebi- do como um novo campo disciplinar em algum momento, e que depois disso não cessa de se atualizar, de se transfor- mar, de se redefinir, de ser percebido de novas maneiras, de se afirmar com no- vas intensidades, de se reinserir no âm- bito dos diversos campos de produção de conhecimento ou de práticas especí- ficas [...] Assim, todas as disciplinas experimen- tam um processo histórico de construção. Sur- gem em momentos distintos da história e vi- venciam processos de transformação que lhes podem conferir diferentes configurações ao longo do tempo, considerando as alterações nos seus objetos, definições, métodos e mesmo objetivos. Que características nos permitem afirmar que a POT constitui um campo disciplinar especí- fico? Quais são seus limites e suas interfaces com outros campos disciplinares e com o campo mais geral da psicologia em que se insere? Que mudan- ças são perceptíveis na forma como sua identida- de vem sendo redefinida contemporaneamente? Para respondermos a essas questões, neste segmento, vamos discutir: a singularidade da POT em termos dos cam- pos intradisciplinares que a constituem; os níveis em que se organizam os fenômenos que são alvo da sua pesquisa e intervenção; as interfaces interdisciplinares, cujas oposi- ções e diálogos permitem identificar a singu- laridade da disciplina imersa em um grande campo interdisciplinar; o conjunto de atividades profissionais que definem, ao longo da história, os limites do campo; e as competências requeridas do processo de formação para a atuação em POT.
O desenvolvimento de qualquer disciplina con- duz a um nível de complexidade interna que ge- ra os campos intradisciplinares, desdobramen- tos internos, em um processo de crescente es- pecialização, como afirma Barros (2011). Essa diversidade interna, no entanto, é amalgamada pelo compartilhamento de teorias, métodos e discursos por uma comunidade ou rede de pes- quisadores e por profissionais que se identificam como membros desse campo disciplinar. O interesse da POT pela ação humana ins- creve-se no interior de dois outros fenômenos: o trabalho e a organização, configurando uma su- perfície que delimita três campos dentro da área. De um modo muito simples, o conceito de compor- tamento ou ação, transposto para a área da POT,
pode ser apreendido como o fazer humano no am- biente de trabalho. Não se restringe, portanto, àquilo que pode ser observado diretamente, in- cluindo estados subjetivos, intenções, motiva- ções, crenças e valores. Esse fazer humano impli- ca uma unidade complexa que articula, no pla- no pessoal, as dimensões cognitiva e afetiva em seus elementos implícitos e explícitos; unidade que integra, em cada ação específica, fatores in- dividuais, sociais e culturais. Vale destacar, des- de já, que o comportamento humano no traba- lho se torna foco de interesse em diferentes ní- veis ou âmbitos de análise – ele é tomado como objeto de estudo e de intervenção nos âmbitos micro, meso e macro. A trajetória histórica apresentada nos seg- mentos anteriores deste capítulo revela que o campo da POT foi se estruturando em torno de três principais vertentes ou campos relati- vamente bem delimitados. A relativa singula- ridade de cada campo esbarra nas interdepen- dências e articulações que mostram que cada um deles, em separado, não assegura a adequada compreensão dos fenômenos que pretendem es- tudar e intervir. A Figura 15.6 mostra esses três campos interdisciplinares que, de forma inter- dependente, configuram a POT. O foco de interesse em compreender e li- dar com as questões que relacionam o compor- tamento humano e o trabalho (emprego e/ou ta- refas) constitui o campo denominado Psicologia do Trabalho, que, entre vários outros objetos de investigação e de intervenção, estuda a natureza dos processos de organização do trabalho e seus impactos psicossociais, especialmente sobre a qualidade de vida e a saúde do trabalhador, tan- to individual quanto coletivamente. Esse campo preocupa-se em entender como o desempenho humano no trabalho é afetado por fatores pes- soais, ambientais e pela forma como o trabalho está organizado. No entanto, vai além do traba- lho em organizações ao tomar como foco de in- teresse, por exemplo, a questão do desemprego, do afastamento do trabalho por aposentadoria e seus impactos, assim como todo o processo de preparação para a inserção no trabalho. O segundo campo, a psicologia organiza- cional, emerge das interações entre comporta- mento no trabalho e a organização. Seu interesse central é entender e lidar com os processos psi- cossociais que caracterizam as organizações de trabalho como conjuntos de pessoas cujas ações precisam ser coordenadas a fim de atingir metas e objetivos que definem a missão de uma organi- Figura 15.6 Campos intradisciplinares que configuram a psicologia organizacional e do trabalho. Comportamentos processuais Indivíduos Grupos Não trabalho Organização Psicologia do trabalho Psicologia organizacional Gestão de pessoas Políticas e práticas Trabalho de gestão
pressupostos culturais e políticas macroeconô- micas que fragilizam o trabalho e geram insegu- rança. Da mesma forma, um desempenho insa- tisfatório não pode ser atribuído ao trabalhador apenas no plano de competências individuais, desconsiderando dinâmicas grupais, mudanças tecnológicas, características estruturais e cultu- rais que singularizam uma determinada organi- zação ou, até mesmo, as políticas governamen- tais relativas à educação em geral e à qualificação do trabalhador. Isso faz todo esse domínio amplo de conhecimento partilhado por várias áreas dis- ciplinares tornar-se patrimônio comum para um conjunto de pesquisadores e profissionais preo- cupados com o trabalho e com os contextos e as condições em que ele é realizado. Esse movimento, que torna o campo difu- so e amplo, não é isento de tensões e conflitos. Implica questionar a identidade historicamente construída e a possibilidade de o psicólogo or- ganizacional e do trabalho perder característi- cas distintivas diante de outros profissionais que atuam nesse amplo espaço de ação. Em alguns casos, tal movimento, de forma exagerada, ne- gligencia, perde de vista e até abandona a pers- pectiva do fenômeno psicológico ou o âmbi- to individual que classicamente lhe foi confiado nessa divisão do trabalho. A psicologia desapa- rece no meio de explicações sociológicas, an- tropológicas, políticas e econômicas. Os psicólo- gos acabam aprendendo a reproduzir discursos e ficam incapacitados para agir diante de pro- blemas concretos e de indivíduos e grupos sin- gulares. Contudo, movimentos para reafirmar a importância do sujeito em todo esse proces- so se fortalecem, em uma tensão contínua que revela as dificuldades do campo em equacio- nar, ainda nesse momento, a clássica dicotomia entre indivíduo e organização ou entre indiví- duo e sociedade. Mais do que nunca, impõe-se a necessidade de um conhecimento multidisci- plinar e de uma intervenção multiprofissional para os fenômenos que configuram tal campo da psicologia. Figura 15.7 Exemplos de conhecimentos e habilidades exploratórias e de intervenção em seis âmbitos de análise. Fonte: Com base em Peiró e Tetrick (2011). Interface trabalho/ não trabalho Societário Organizacional Conhecimentos e habilidades exploratórias Legislação sobre segurança e saúde no trabalho; fatores econômicos, sociais e tecnológicos nacionais e internacionais Intervenção exige diálogos interdisciplinares Questões da interface família-trabalho; desemprego; sono e trabalho; aposentadoria Orientação para aposentadoria; projetos de ambientes de trabalho apoiadores da família; programas para empregabilidade Clima e cultura organizacional; justiça organizacional; compensação; desen- volvimento de carreiras; TD&E Gestão da mudança; desenvolvimento organizacional; programas de assistência ao empregado Suporte social; violência e assédio; conflitos; liderança; equipes virtuais; tecnologia colaborativa Desenvolvimento de equipes; trei- namento de coaching para gestores; intervenções em conflitos interpessoais e intergrupais Novas formas de trabalho, virtual, emo- cional; sobrecarga de trabalho; pessoas com deficiência Ergonomia; planejamento de postos de trabalho; equipamentos de proteção individual; definição de papéis laborais Valores, crenças e cognições; comprometimento; contrato psicológico; estresse Mudança comportamental e atitudinal; intervenções do estresse centradas na pessoa; intervenções em saúde e segurança Conhecimentos e habilidades de intervenção Âmbitos Social, grupal e das unidades de trabalho Contexto e conteúdo do trabalho Individual
A POT, para cumprir seu papel como área de co- nhecimento e campo de intervenção, requer, ne- cessariamente, estreita interface com outros campos científicos e profissionais. Os mode- los teóricos e seus procedimentos metodológi- cos vêm considerando o fato de que, ao longo do tempo, tanto o indivíduo como o contexto de trabalho mudam sob a influência de fatores di- versos. Diante de tais complexidades e dinamici- dade, os estudos e as intervenções da POT têm- -se tornado visivelmente interdisciplinares. Foi analisado, nos Capítulos 2 e 3 deste li- vro, que o estudo e a compreensão das organiza- ções de trabalho requerem o aporte de conceitos e de metodologias originados de áreas discipli- nares distintas. Nenhuma área científica especí- fica detém o monopólio no tratamento de um determinado fenômeno; ao contrário, o mais comum é que um mesmo fenômeno seja objeto de análise de diferentes áreas científicas. Assim, para o psicólogo atuar de forma abrangente e tecnicamente competente, é necessária também uma aproximação desses conhecimentos e des- sas perspectivas de análise que provêm não ape- nas da psicologia, mas também de outras áreas de conhecimento e atuação profissional. Ou se- ja, para compreender os problemas organizacio- nais e do trabalho, o psicólogo depende de resul- tados científicos de uma vasta gama de pesquisa- dores, estabelecendo, para tanto, interfaces com outros domínios. Ao mesmo tempo, porém, que a simila- ridade de objetos e a oportunidade de integra- ção impulsionam o contato entre a POT e esses outros domínios, há um conjunto de premissas que orientam e identificam cada grupo, a ponto de torná-los distintos entre si e, por vezes, diver- gentes. É nesse ponto que surgem os conflitos. Bendassoli, Borges-Andrade e Malvezzi (2010) discutem como essa multiplicidade de interfaces provoca tensões a respeito da natureza do objeto (questões ontológicas), da relação entre esse ob- jeto e o pesquisador (questões epistemológicas) e de como o objeto pode ser estudado (questões metodológicas). Essas premissas, que são compartilhadas pelas pessoas de uma comunidade científica, in- dicam se um fenômeno pode ser considerado real e objetivo, ou subjetivo e passível de ser re- construído a partir de diferentes interpretações, para citar dois extremos. Esse ponto de partida orienta a produção do conhecimento, seja de- limitando como o pesquisador deve se colocar diante do objeto (se alheio ou como parte do fe- nômeno investigado), seja organizando um en- cadeamento de métodos e técnicas coerentes com o modo como é definido o fenômeno. É por isso que as discussões metodológi- cas sobre o tipo de delinamento utilizado nas pesquisas, se quantitativo ou qualitativo, são so- mente a ponta do iceberg. A questão é que, ao se tomarem concepções distintas do mesmo fenô- meno, o próprio fenômeno parece assumir uma identidade diferente a depender da área que o estuda. Da mesma forma, a atuação profissional, guiada pelo campo de conhecimento que a sus- tenta, poderá ser palco de tensões se os atores tratam o mesmo objeto sob perspectivas dife- rentes. Mais uma vez, ressaltamos que, se, de um lado, a existência de diferentes abordagens gera conflitos, de outro, garante a crítica e o desen- volvimento contínuo do estudo do fenômeno. Tendo descrito como emergem as tensões nos diálogos entre campos científicos, podemos citar três fontes de tensão da POT: seu contato com os demais campos intradisciplinares da psi- cologia, sua relação com outros campos interdis- ciplinares e as particularidades existentes inter- namente, na própria constituição da POT. Peiró (2011) discutiu as interlocuções da POT com vários outros campos da própria Psi- cologia, tendo destacado oito campos que são fundamentais para a compreensão de fenôme- nos com os quais lida. A Figura 15.8 sintetiza suas ideias, colocando-as em relações com os tó- picos identificados por Gondim, Borges-Andra- de e Bastos (2010) como os mais estudados em POT. Como reconhece o próprio Peiró (2011), essas conexões não esgotam todas as estabele- cidas e/ou possíveis de o serem entre a POT e outros domínios da psicologia. Ele, no entan- to, deixa clara a riqueza de tais interações e co- mo conhecimento, tecnologias e estratégias me- todológicas de pesquisa e trabalho desenvolvi- das em outros domínios são fundamentais para compreender a dinâmica de indivíduos, grupos e organizações. Tal pluralidade de contatos e in- terlocuções é responsável, também, pela diversi-
to, fronteiras pouco nítidas e, em alguns mo- mentos, tensões explícitas quanto aos limites de atuação de cada profissional. Malvezzi (2007) fez uma interessante reflexão a respeito de co- mo tal interlocução se construiu historicamente com o objetivo de assinalar as singularidades e, ao mesmo tempo, apontar a complementarida- de evidente entre o olhar da psicologia e da ad- minstração sobre os fenômenos organizacionais e do trabalho. Nesse estudo, o autor faz o exer- cício de comparar duas obras publicadas qua- se ao mesmo tempo como exemplos desse polo singularidade-complementaridade. O indivíduo na organização , de Jean F. Chanlat, traz a pers- pectiva da psicologia, explorando o impacto das transformações em curso no mundo do traba- lho (a crescente tecnologização, as pressões por desempenho, o desequilíbrio nas relações de po- der) sobre o psiquismo do trabalhador, especial- mente gerando tensões e sofrimento. Já o livro de Peter Drucker, As novas realidades , representa a perspectiva da gestão, ao destacar o desempe- nho do indivíduo como elemento que assegura a competitividade e a sobrevivência da organi- zação, ressaltando a importância da capacitação e do comprometimento no trabalho. Uma con- clusão importante é, assim, apresentada: Se essas duas obras forem assumidas como representativas do conhecimento dos dois campos, no macrocontexto do final do milênio, suas leituras sugerem uma visão diversificada, porém com- plementar do mesmo objeto; enquanto uma foca a atenção no impacto da em- presa sobre o indivíduo, a outra direcio- na seu olhar para o impacto do indiví- duo sobre a empresa, ambas reconhe- cendo sua mútua interdependência na busca de suas próprias finalidades. (Mal- vezzi, 2007, p. 413). Mesmo não esgotando todas as possibilida- des, o conjunto de interfaces que a POT mantém com outros campos da psicologia e com outras disciplinas e campos profissionais é bem revela- dor de que nossa característica é de uma área in- terdisciplinar e, mais importante, que requer, ne- Figura 15.9 Interfaces entre a psicologia organizacional e do trabalho e outros campos disciplinares e profissionais. Teoria das organizações, tecnologia organizacional, mudança organizacional. Ambiente organizacional. Estratégias organizacionais. Poder, política, conflito. Dinâmica do mundo do trabalho. Emprego e desempre- go. Sociologia do trabalho. Diversidade cultural: valores e atitudes comparadas. Análise transcultural. Cultu- ra organizacional. Conflitos, políticas intraorganizacionais, poder. Coalizões. Qualificação e trabalho. Processos educativos. Métodos de ensino-aprendizagem. Recursos instrucionais. Ensino a distância. Dinâmica produtiva. Impactos de novas tecnologias. Produtividade. Emprego e desemprego. Políticas macroeconômicas. Mercado de trabalho. Novas tecnologias. Organização dos processos de trabalho. Planejamento ambien- tal. Sistemas sociotécnicos. Relações trabalhistas. Leis trabalhistas. Assédio moral. Discriminação. Retalia- ção. Implicações legais. Anatomia humana, fisiologia, antropometria, biomecânica. Políticas de saúde. Comportamento de risco. Prevalência. Prevenção e promoção. Administração Sociologia Antropologia Ciências políticas Educação Economia Engenharia/ arquitetura Direito Medicina/ saúde coletiva
cessariamente, uma atuação multiprofissional. Como bem assinala Barros (2011, p. 256), [...] embora cada campo de saber apre- sente certamente uma singularidade que o faz único e lhe dá identidade, não existe na verdade um só campo discipli- nar que não seja construído e constan- temente reconstruído por diálogos (e oposições) interdisciplinares. Queiram ou não os seus praticantes, toda discipli- na está mergulhada na interdisciplinari- dade. Tais diálogos são importantes para enten- dermos as diferenças que surgem no interior da POT. Bendassoli, Borges-Andrade e Malve- zzi (2010) refletem sobre como os principais ei- xos temáticos da POT (comportamento, subjeti- vidade e clínica) se relacionam com os diferen- tes pressupostos mencionados anteriormente. O primeiro está voltado para o estudo do compor- tamento, que contempla as dimensões afetiva e cognitiva, com foco na avaliação e diagnóstico a partir de aplicações de medidas e de análises cor- relacionais. Suas pesquisas são orientadas prin- cipalmente por métodos multiníveis, partindo do princípio de que os fenômenos são multide- terminados. A ênfase na validade e no rigor me- todológico é colocada, para esse eixo, como cau- sa para uma menor atenção à dimensão política. Um segundo eixo (da subjetividade) busca con- siderar o processo social e histórico que com- põe a construção do sujeito. A preocupação em compreender o contexto e o papel do trabalho na subjetivação do trabalhador incentiva a apli- cação de técnicas como entrevistas, análises de discurso e de narrativas. Espera-se que essas téc- nicas possam subsidiar a intervenção, no âmbi- to coletivo, para a transformação das condições de trabalho. Suas fronteiras são colocadas como tênues por permitirem sua sobreposição com os demais eixos da POT. Por fim, o eixo clínico traz, assim como o da subjetividade, um olhar com- preensivo e interpretativo, mas aqui centrado no indivíduo. Abordagens clínicas são transpostas para o contexto organizacional sob uma pers- pectiva crítica que se manifesta em um senso de resistência. Nesses dois últimos eixos, a tensão se estabelece quando o posicionamento crítico dá lugar a uma postura política e questionadora do poder. Nesse caso, a crítica a determinados tipos de organização faz com que se coloquem à mar- gem, pelas possibilidades reduzidas de comuni- cação, fenômenos e organizações que, nem por isso, deixam de existir. Esse olhar para dentro da POT promovi- do por Bendassoli, Borges-Andrade e Malvezzi (2010) deixa claro que, para além das questões ontológicas, epistemológicas e metodológicas, há tensões de fundo ideológico, que impactam em discussões mais amplas, como o compromisso so- cial do psicólogo organizacional e do trabalho e as transformações em curso nas relações de tra- balho. Cada campo, dentro e fora da POT, em função de diálogos mais frequentes com outros campos disciplinares, termina construindo dis- cursos, linguagens, métodos, procedimentos di- ferenciados. Tal diferenciação está na base do processo de mudança que ocorre em todo cam- po disciplinar. Novos campos surgem em um processo complexo envolvendo disputas, lutas, conflitos e, ao mesmo tempo, redes de solidarie- dade com antigas e novas disciplinas. As fron- teiras fluidas que delimitam disciplinas em um vasto território interdisciplinar é que permitem a emergência não só de novos campos discipli- nares como também dos campos multi, inter e transdisciplinares. Assim, concluímos que as fronteiras que separam as disciplinas, os campos de saber e as práticas, mais do que linhas nítidas, são espaços pouco precisos, nebulosos, em que as identidades se diluem, o que revela o caráter historicamente construído da própria ciência. No caso da POT, isso é muito evidente quando se toma a admi- nistração, com quem partilha uma origem his- tórica bastante próxima, com nomes de autores centrais comuns. Muitas vezes, o gestor de pes- soas ou o profissional que atua nas atividades desse campo terminam sendo, agindo e pensan- do as questões organizacionais de forma muito similar, independentemente de ser psicólogo ou administrador. Situação análoga encontramos entre os que lidam com processos educativos, treinamento e desenvolvimento, quando psicó- logos e pedagogos compartilham modos de tra- balhar muito próximos. É evidente que o lastro maior da psicologia, da administração ou da pe- dagogia, para nos limitarmos a esses exemplos, termina introduzindo diferenciações em ênfa- ses ou habilidades com que os profissionais que atuam em POT executam as suas atividades e fa-