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Caminhos para Análise das Políticas de Saúde, Notas de estudo de Políticas Públicas

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fiocruz, Coordenador de. Conteúdos da Página Eletrônica ... Políticas Públicas: uma revisão da literatura.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Aldair85
Aldair85 🇧🇷

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Ruben Araujo Mattos

Tatiana Wargas de Faria Baptista

(org)

Caminhos para Análise das Políticas de Saúde

Rio de Janeiro Agosto 2011

Os autores

Aline Caldas – Nutricionista. Doutoranda em Epidemiologia e Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/FIOCRUZ).

Álvaro César Nascimento - Tecnologista do Departamento de Ciências Sociais da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fiocruz, Coordenador de Conteúdos da Página Eletrônica do Centro Colaborador em Vigilância Sanitária (Cecovisa) da Instituição.

Arthur Lobo Costa Mattos - Psicólogo. Especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ). Pesquisador autônomo.

Camila Duarte Gerassi – Psicóloga. Mestranda em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/FIOCRUZ).

Carolina Fernandes Pombo-de-Barros – Psicóloga. Mestre em Saúde Pública Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/FIOCRUZ). Gestora hospitalar do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro.

Cristiani Vieira Machado – Médica sanitarista. Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ). Pesquisadora do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ) e Professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da ENSP/FIOCRUZ.

Débora Bertussi - Doutora em Ciências da Saúde/UFRJ, Mestre em Saúde Coletiva/UEL, Assessora Técnica do Gabinete da Secretaria de Saúde de São Bernardo do Campo e Professora da UNICID/SP.

Emerson Elias Merhy - Professor Livre-Docente de Saúde Coletiva, Professor Visitante da Clínica Médica da UFRJ, Coordenador da Linha de pesquisa Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde.

Fernando Manuel Bessa Fernandes – Cientista social. Pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/FIOCRUZ). Doutorando em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/FIOCRUZ).

Francini Lube Guizardi - Professora e pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/FIOCRUZ). Doutora em Saúde Coletiva pelo IMS/UERJ.

Ialê Falleiros - Professora e pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – EPSJV/FIOCRUZ. Doutoranda em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/FIOCRUZ).

Laura Camargo Macruz Feuerwerker - Professora Doutora em Saúde Pública, Professora – Adjunto da Faculdade de Saúde Pública da USP e Professora Colaboradora da Linha de Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde.

Luciana Dias de Lima – Médica sanitarista. Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ). Pesquisadora do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ) e Professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da ENSP/FIOCRUZ.

Márcia Raposo Lopes - Professora e pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – EPSJV/FIOCRUZ.

Maria Luiza S.Cunha - Professora e pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – EPSJV/FIOCRUZ.

Marly M. Cruz - Psicóloga. Doutora em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ). Pesquisadora do Departamento de Endemias .... Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ)

Mônica de Rezende - Fisioterapeuta. Pesquisadora da Escola de Governo da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/FIOCRUZ). Doutoranda em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/FIOCRUZ).

Rossana Staevie Baduy - Doutora em Ciências da Saúde/UFRJ, Mestre em Saúde Coletiva/UEL e Professora da Universidade Estadual de Londrina.

Ruben Araujo de Mattos - Médico. Doutor em Saúde Coletiva. Professor adjunto do Instituto de Medicina Social (IMS/UERJ). Professor do Programa de pós-graduação em Saúde Coletiva do IMS/UERJ, e do programa de pós-graduação em Alimentação, Nutrição e saúde, do instituto de Nutrição da UERJ.

Tatiana Wargas de Faria Baptista - Psicóloga. Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ). Pesquisadora do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ) e Professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da ENSP/FIOCRUZ.

Valéria Cristina Gomes de Castro - Professora e pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – EPSJV/FIOCRUZ. Mestre em Saúde Pública – ENSP/FIOCRUZ.

Virgínia Fontes - Professora e pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – EPSJV/FIOCRUZ.

Capítulo 12 - Análise textual com o programa ALCESTE: uma aplicação em pesquisa de representações sociais no campo da política Carolina Pombo de Barros

Capítulo 13 - Sobre o uso de técnicas estatísticas na análise de políticas Luciana Dias de Lima

Capítulo 14 - Propaganda de Medicamentos. É possível regular? Álvaro César Nascimento

Capítulo 15 - Como temos armado e efetivado nossos estudos, que fundamentalmente investigam políticas e práticas sociais de gestão e de saúde? Laura Camargo Macruz Feuerwerker - Emerson Elias Merhy

Capítulo 16 - Viagem cartográfica: pelos trilhos e desvios Débora Bertussi - Rossana Staevie Baduy - Emerson Elias Merhy - Laura Camargo Macruz Feuerwerker

Caminhos para Análises de Políticas de Saúde

Este projeto surge a partir de algumas inquietações, de um grupo de pesquisadores e estudantes da área da saúde coletiva, no processo de estudo e busca de compreensão sobre o modo de construção das políticas de saúde no Brasil. De fato, na busca de respostas para diferentes questões sobre os problemas que se apresentam no contexto do sistema de saúde e das práticas em serviço e que dificultam o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde, tal como idealizado na Constituição Federal de 1988. Nossas questões assim se apresentavam: Por que algumas políticas parecem nunca sair do papel? Por que algumas políticas vingam e outras não? Por que o que se expressa no discurso de governantes e representantes das instituições de governo muitas vezes parece estar tão distante do que é o dia-a-dia da política ou do que se faz no contexto de uma instituição e das práticas em serviço? Por que há uma tendência a acreditar que as políticas nacionais são capazes de mudar realidades no âmbito das localidades e serviços? Quem são os grupos, instituições e sujeitos na discussão política no Brasil? Por que a política é comumente tratada como uma atribuição de governos e grupos sociais organizados? As questões que mobilizam os estudos de política conseguem responder às inquietações de movimentos sociais, de profissionais de saúde e outros grupos sociais? As pesquisas acadêmicas possibilitam o diálogo com outros grupos? Afinal, para que servem os estudos de análise de política? E por que uma pessoa se coloca o desafio de fazer um estudo deste tipo? Ao nos aproximarmos destas questões, percebemos pelo menos três grandes desafios no desenvolvimento dos estudos de análise de política de saúde no Brasil:

  1. O desafio de reconhecimento de nossa trajetória política, social e cultural e suas interferências no processo político. A análise das políticas de saúde não deveria manter- se restrita ao olhar setorial. Assim, entendemos que é preciso extrapolar a análise e aprofundar as especificidades e diversidades do modo de produção das políticas no Brasil.

O projeto apresenta dois produtos: um livro sobre os caminhos possíveis na análise de políticas de saúde e um site com divulgação de todos os conteúdos do livro, links e materiais diversos (www.ims.uerj.br/ccpas). O site visa permitir aportes e críticas contínuas e também constituir-se num espaço plural de debate e uma ferramenta abrangente de formação. Sabemos que este projeto é o início de um longo caminho e que, pela sua proposta, não se faz sozinho, mas em rede, com diferentes olhares e percepções sobre um mesmo objeto. Também por isso, trata-se de um projeto que assume uma postura construcionista do conhecimento e da ciência. Ou seja, desejamos contribuir para estudos não neutros, guiados pela aspiração de construir uma sociedade mais justa e um sistema de saúde capaz de responder de modo integral às necessidades de saúde da população brasileira; aspiramos colaborar com a realização de estudos que se pautem na busca da objetividade, entendida não mais como correspondência à realidade, mas como o exame sistemático das premissas, das crenças e dos valores que norteiam a investigação, de modo a evitar que as conclusões sejam tão somente a expressão daquelas crenças e valores do investigador. Assim, contribuir para a formação de pesquisadores nessa perspectiva implica enfatizar a capacidade de refletir e de compreender criticamente o próprio processo de investigação no qual se engajam. Este material reúne um conjunto de diferentes aportes teóricos e contribuições para o debate. Não se trata de desenvolver uma nova abordagem ou outro modo de pensar a investigação das políticas de saúde no Brasil, e sim de fomentar a pesquisa e a troca em rede. Sejam muito bem-vindos!

Introdução

Este material pretende contribuir para a produção de conhecimento sobre políticas de saúde. Mas o que significa produzir conhecimento sobre políticas? Esta é uma pergunta central que não tem uma resposta única, nem uma resposta certa. Em torno desta pergunta existem debates bastante significativos, com posições distintas. Por isso, talvez seja melhor perguntarmos o que significa, no contexto deste material, produzir conhecimento sobre políticas. É exatamente por aí que queremos começar. Dentre os diversos debates existentes, há dois que queremos destacar: um sobre a produção de conhecimento e outro sobre a produção de políticas. São debates de ordens diferentes, visto que o primeiro aprofunda a reflexão sobre a noção de ciência como uma das formas da produção de conhecimento e o segundo nos ajuda a compreender a relação entre a noção de política, poder e Estado. Estes debates se entrelaçam e nosso posicionamento frente a cada um deles ajuda a explicitar como damos sentidos aos estudos de políticas que desejamos realizar. Vamos iniciar pela reflexão sobre o que entendemos a respeito da produção de conhecimento. Partimos do pressuposto de que o conhecimento só é possível porque existem sujeitos, que interagem e reagem, gerando conhecimento. Todo sujeito é detentor e produtor de conhecimento e pode de diferentes formas divulgá-lo e materializá-lo. Produzimos conhecimento no nosso dia-a-dia a partir da interferência mais imediata na realidade, na relação que estabelecemos com o outro e no processo reflexivo que nos move. Produzimos conhecimento a partir da pintura, da literatura, da música e outras formas de produção artística. Produzimos conhecimento quando nos colocamos o desafio de explicar/entender uma dada questão, o que costumamos denominar situação de pesquisa. Enfim, há inúmeras formas de produção de conhecimento e não há necessariamente um único modo/método para sua produção, pois cada produção é particular/própria/singular e gera efeitos também particulares. Há variações, portanto, nestas produções e também intenções e alcances diferentes. Mas de todas estas formas de produção, a que ganhou maior destaque ou status de conhecimento na sociedade moderna foi a produção científica. Em torno da ciência se delimitou um campo de saber e poder, de afirmação da verdade, como se esta fosse a forma de detenção do conhecimento puro da realidade. Com este movimento, a concepção moderna da ciência ignorou outras formas de conhecimento, como se só as

porque apostamos que essa forma de construir conhecimento pode potencializar mudanças. Ou seja, ao contrário da visão moderna de ciência, entendemos que a construção de um conhecimento não pode pretender encontrar respostas universais, nem pode pretender descrever o que de fato acontece. O que ele pode fazer é ofertar diferentes narrativas que problematizem a realidade e, exatamente por isso, enriquecem o debate em torno de certas questões. Não acreditamos em uma ciência neutra. Consideramos que uma das mais interessantes características das práticas da pesquisa científica decorre do exame sistemático das premissas, crenças e valores que norteiam a investigação, bem como das características do uso da crítica como parte central do processo de construção do conhecimento. Um dos blocos do nosso material volta-se exatamente a trabalhar esta visão da ciência, que pensamos ser muito interessante para os estudos sobre políticas de saúde. Este é um lado da questão, o outro é o que entendemos por produção de políticas, pois se queremos discutir o que é a produção de conhecimento sobre política(s) é igualmente importante explicitarmos de que política estamos tratando. De forma análoga ao que foi feito com a palavra conhecimento, podemos nos questionar sobre o sentido que trabalhamos a política e sobre quem produz política. Não para chegar a uma única resposta, mas para buscar entender como as diferentes concepções presentes em torno desta palavra, de algum modo, sustentam práticas e formas de andar a vida na atualidade. É bastante comum, quando questionamos o que vem a ser política, termos como resposta a ideia de política como um programa governamental ou uma ação estatal, associando-a a uma prática de integrantes do governo ou de parlamentares. Sobressai, portanto, nesta concepção, o lado formal da política - o legal (a Constituição Federal, as leis e atos executivos), o institucional (os Ministérios, as Secretarias e o Legislativo), o enunciado oficial (a política nacional de saúde) e a prática de um conjunto de indivíduos na sociedade que têm como atribuição principal elaborar leis e executar as políticas, os chamados “políticos profissionais”^2. Não há problema algum nesta associação, mas há problema quando se restringe a política apenas ao seu aspecto formal, pois a política extrapola a formalidade.

(^2) Na Parte 1 – Capítulo 2 do material este tema será aprofundado.

Junto com esta concepção formal da política, normalmente associa-se uma percepção de distância e baixa capacidade de interferência dos cidadãos nas questões relativas ao Estado, aos governos e à própria política, como se a mesma se constituísse num espaço externo ao debate social. Esta aparente dificuldade de acesso, em algumas realidades, tem se traduzido muitas vezes numa percepção negativa da política, como se a mesma interferisse de forma concreta na vida das pessoas, mas não permitisse a interferência dos sujeitos nos processos de decisão. Talvez por isso, para a população, as decisões políticas parecem estar longe de expressar as vontades e necessidades de uma comunidade. Mas, ainda que essa seja uma prática corrente da política em nosso âmbito, é também importante perceber que mesmo as políticas governamentais são desenhadas a partir de conflitos e debates entre grupos e sujeitos, expressando interesses em disputa e um dado modo de construção social. Ou seja, nenhuma política formal é distante de um contexto social. Ela é fruto de embates e conflitos de posições e de percepções de mundo. Há vida na política e ela é a expressão de acordos momentâneos e dinâmicos, que expressam contextos históricos de cada sociedade. Para exemplificar esta dinâmica, vejamos a trajetória de construção da política para a AIDS no Brasil. Em torno do problema „atenção à saúde para portadores de HIV/aids‟ mobilizou- se, num determinado momento de nossa história, um conjunto diverso de sujeitos e interesses - do movimento social dos gays, das mulheres, da saúde, da indústria farmacêutica, dos diferentes governos, dos organismos internacionais e tantos outros. Uns preocupados com o controle da AIDS no mundo, outros com a saúde e atenção a milhares de pessoas infectadas; alguns lutando pela garantia de direitos e contra preconceitos e ainda aqueles que viam nesse motivo a oportunidade de lucro e expansão de um mercado. Portanto, muitos interesses convergiam nesse momento em torno de um mesmo tema, mas não necessariamente visavam atingir os mesmos objetivos. O resultado deste processo foi a definição, pelo governo brasileiro, de uma política nacional que garante o conjunto de medicamentos retrovirais a todos os pacientes portadores do vírus e que necessitam de tratamento, enfrentando as orientações e diretrizes dos organismos internacionais para esta área. A solução para a política nesta área no Brasil não foi igual a outras partes do mundo. Ao contrário, foi única. Nossa política resultou condizente com os princípios e diretrizes da política de saúde preconizados desde a Constituição Federal de 1988 e foi uma resposta às

forma independente realizam o aborto, ou não, trazendo à tona novas questões e efeitos para o debate político e social. Todos esses modos de atuar se apresentam e se reproduzem em nosso contexto. Este é apenas um exemplo do modo como a política perpassa a vida social. O que se pode perceber nele é que existem interesses diversos em jogo nas disputas políticas, bem como processos de transformação social em curso, que podem ou não se expressar no formato legal do Estado no futuro. Ou seja, uma política formal expressa parcialmente as regras e padrões de funcionamento de uma dada coletividade, pois não há política que consiga abarcar o conjunto de pactos e práticas sociais estabelecidas no âmbito de um Estado e de suas instituições. De qualquer maneira, pode-se dizer que uma política formal será sempre por definição momentânea, porque está sujeita a revisões e reinvenções no cotidiano das práticas. Mas o enunciado de uma política pode ser considerado como um momento de um processo de negociação, sujeito a revisões e reformulações. Assim, é claro, que nenhuma política dará conta de atender a todas as questões e/ou problemas que perpassam o ambiente social. As questões que permeiam as práticas podem ou não constituir-se em problemas que serão objeto de disputa entre os grupos para sua inserção no âmbito de uma agenda de Estado, e existem questões que nunca entrarão no debate. Mas o fato de uma questão não ser objeto de política estatal não deveria ser desconsiderado na análise das políticas públicas. A definição de política pública que partilhamos neste material busca ressaltar o conjunto de questões que perpassam o Estado e a sociedade e que, em algum momento, tornam-se objetos de políticas oficiais ou não. Para nós, a política pública não pode se restringir ao que se promove a partir dos Estados e seus governos. É preciso considerar os movimentos que podem possibilitar a inclusão, mudança ou entrada de novos temas na agenda decisória do Estado^3. Sabemos que esta não é a visão mais corrente de política pública. Para muitos analistas, a política pública se restringe ao conjunto de respostas dos Estados aos problemas que são reconhecidos neste âmbito, são as respostas governamentais aos problemas públicos que se apresentam. No nosso entendimento, para uma compreensão das definições das políticas públicas de um Estado é preciso identificar e entender o que se considerou ou não como um problema de política pública, por que um problema foi reconhecido ou não. Ou seja,

(^3) O conceito de agenda será trabalhado em outra parte deste material. Neste momento basta entender como a lista de assuntos que integra a política de um governo.

trata-se de reconhecer as lutas sociais em curso; tanto as que foram quanto as que não foram reconhecidas ou incorporadas nos debates governamentais. Assim, na nossa perspectiva, os estudos de políticas públicas deveriam lidar com a dinâmica que envolve a construção das demandas e suas respostas, não restringindo-se apenas ao que entrou na agenda oficial de governo. Quando buscamos compreender/analisar uma política pública, nos interessa saber quem foram/são os participantes do processo político e como se definiram os rumos da ação política, mas também os embates e disputas, o que ficou e o que saiu na política oficial. Obviamente, não será possível trabalhar todos os âmbitos e questões que perpassam o processo de construção de uma política, mas visa-se explorar os modos de fazer e conduzir uma política. O estudo de uma política mobiliza o exercício reflexivo sobre as opções e rumos dos diversos grupos sociais numa certa sociedade e visa potencializar a interferência dos diferentes sujeitos neste processo, buscando uma compreensão mais dinâmica e particular de cada realidade. Com esta perspectiva, assumimos que tanto a política como o conhecimento são exercícios de poder e que os sujeitos exercem poder uns sobre os outros, defendendo seus interesses e pressionando por decisões a partir de suas perspectivas. Poderíamos dizer que analisar uma política é, neste sentido, analisar o poder em ação, analisar o processo de formulação e tomada de decisões nos diferentes âmbitos de atuação da política. Mas, afinal, quem pode produzir conhecimento sobre política? Por tudo que discutimos até aqui não é possível dizer que exista um único modo de produzir conhecimento sobre política. Ao contrário, o que se quer valorizar é a possibilidade de construção de narrativas diversas sobre as políticas em curso bem como sobre as políticas em construção ou em disputa. Portanto, em princípio, todos produzem conhecimento sobre política, pois é a prática política que produz conhecimento. Veremos na trajetória de constituição do campo de análise das políticas que este se delimitou como um campo de saber que visava orientar a tomada de decisão, entendendo a política como um processo meramente racional e controlável, deixando de lado os sujeitos, seus interesses e implicações. Não é desta análise de política que pretendemos tratar neste material. Não se trata de propor modelos a priori para a análise e controle das políticas em curso. Ao contrário, trata-se de reconhecer que qualquer estudo, invariavelmente, é proposto por

científico, buscando a construção de uma ciência objetiva e implicada, crítica e rigorosa. Com esta perspectiva, pretendemos deixar claro que não queremos chegar a uma „verdade‟ sobre as políticas em curso, mas estimular o pensamento crítico sobre os caminhos de política tomados, buscando diferentes interpretações e narrativas sobre uma mesma questão e assim talvez promover um diálogo entre diferentes na busca de zonas de contato.

PARTE 1

SOBRE A CIÊNCIA E A POLÍTICA