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Unidades Decisórias na Política Externa Brasileira: O Papel do Itamaraty, Notas de estudo de Literatura

Este documento discute a 'horizontalização' da política externa brasileira e as causas dessa tendência, enfatizando a importância de estudos diacrônicos para avaliar as transformações nos processos decisórios. O itamaraty, tradicionalmente um ator central na política externa brasileira, é analisado como um caso crucial para o estudo dessa tendência mundial. Evidências empíricas de estudos sobre a ampliação do escopo da política externa e a participação de uma pluralidade de atores.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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4.7

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Caminhos da Horizontalização na Política Externa Brasileira:
Proposta para a classificação e comparação de unidades decisórias
Martin Egon Maitino*
Trabalho preparado para apresentação no VIII Seminário Discente da Pós-Graduação
em Ciência Política da USP, de 9 a 11 de maio de 2018
* Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo, mestrando no Departamento de
Ciência Política da Universidade de São Paulo e bolsista FAPESP.
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Caminhos da Horizontalização na Política Externa Brasileira:

Proposta para a classificação e comparação de unidades decisórias

Martin Egon Maitino*

Trabalho preparado para apresentação no VIII Seminário Discente da Pós-Graduação em Ciência Política da USP, de 9 a 11 de maio de 2018

  • (^) Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo, mestrando no Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo e bolsista FAPESP.

Resumo: Quando as unidades decisórias na política externa brasileira são concentradas no Itamaraty? Quando a decisão ocorre em arenas horizontalizadas? O que explica essa diferença? O artigo discute a “horizontalização” da política externa brasileira e suas causas, associando a agenda às discussões internacionais sobre fragmentação da diplomacia e sobre unidades decisórias. Baseando-se na literatura de Análise de Política Externa, propõe um esquema para analisar a concentração e a dispersão das unidades decisórias. Pretende-se, dessa forma, viabilizar a avaliação futura das hipóteses levantadas pela literatura por meio da comparação estruturada entre diferentes decisões. A aplicação do esquema é ilustrada por uma análise das controvérsias entre Brasil e Argentina sobre a Tarifa Externa Comum do Mercosul em 2001.

1. A “Fragmentação” da Política Externa no Mundo

Uma série de autores aponta para o impacto que as transformações ocorridas no sistema internacional desde o fim da Guerra Fria tiveram sobre a forma de condução da política externa no mundo (Devin e Toernquist-Chesnier 2011; Hill 2003; Hocking 1999; Langhorne e Wallace 1999; Moses e Knutsen 2001). O fim do conflito bipolar e a intensificação dos processos de globalização teriam afetado a agenda internacional, contribuindo para sua diversificação e tornando as fronteiras entre o interno e o externo menos claras (Langhorne e Wallace 1999; Milani e Pinheiro 2017, 10-11). Modificaram- se as arenas de ação nas quais as políticas externas se desenvolvem, multiplicando os atores e agentes envolvidos com temas internacionais e levando à reorganização do papel ocupado pelos atores tradicionais. Tais mudanças tornariam inadequada a visão de que os ministérios de relações exteriores devem ser responsáveis por uma área de competência separada no governo (Moses e Knutsen 2001). Dessa forma, a manutenção do papel de “gatekeeper” - isto é, de “exclusive control over the domestic-international interface” (Hocking 1999, 3) – seria inviável, retirando dos ministérios de relações exteriores a centralidade nas relações internacionais. Tomando por base a trajetória de países ocidentais desenvolvidos, Devin e Toernquist-Chesnier (2011) argumentam que a condução tradicional da política externa, centralizada em e monopolizada por um ministério de relações exteriores, seria um modelo cada vez mais raro. Segundo tal visão, esse tipo de departamento teria perdido espaço diante da competição de múltiplos atores, sofrendo pressões tanto de organizações externas (empresas, sociedade civil) como de órgãos no interior do próprio Estado (a presidência da República, outros ministérios e governos subnacionais). Ainda que esse cenário “declinista” seja exagerado, projetando sobre o papel de “gatekeeper” um monopólio jamais existente de fato (Hocking 1999), as transformações no cenário internacional de fato afetaram as burocracias clássicas^2. Dessa forma, funções (^2) Nas palavras do autor, “’gatekeeping’ continues to be what it has frequently been, namely a shared activity, on occasions involving conflict with other key government departments. This (…) is, somewhat paradoxically, likely to be both more valued yet increasingly challenged by other government agencies engaged in similar processes within specific policy areas” (Hocking 1999, 14-15).

tradicionais desses ministérios – como a provisão de comunicação e informação ou a organização de negociações – perderam espaço. Ao mesmo tempo, a função de coordenação teve sua importância ampliada. Evidentemente, as mudanças sistêmicas foram incorporadas de formas distintas em cada país, sendo as transformações nos ministérios de relações exteriores mediadas por fatores como o contexto internacional em que o país se localiza, o ambiente doméstico, os padrões das relações burocráticas e o impacto de policymakers individuais (Hocking 1999). Nesse contexto, o Brasil aparece como um caso interessante para a determinação do escopo desse fenômeno de “fragmentação da diplomacia”. Trata-se de um país em desenvolvimento que possui um Ministério de Relações Exteriores fortemente institucionalizado e organizado de maneira tradicional. Como é amplamente destacado na literatura nacional, o Itamaraty ocupa historicamente um papel central na formulação e na execução da política externa brasileira, o que é atribuído à qualidade de seu serviço, à sua capacidade de insulamento e a seu amplo prestígio (Cheibub 1985; Barros 1986; Lima 2000; Pinheiro 2004)^3. No que se refere à relação com seus principais “competidores” no interior do Estado, o MRE parece encontrar-se em uma posição favorável: a virtual ausência de ameaças militares acaba por enfraquecer a burocracia da Defesa. Também diante da pressão de outros “competidores”, como a Presidência da República e o Ministério da Fazenda, o Itamaraty revelou-se, no passado, capaz de manter seu papel na formulação da política externa (Arbilla 2000)^4. Nesse sentido, o Brasil assume o caráter de um caso crucial (menos provável) para o estudo do processo de transformação das unidades decisórias em política externa no mundo. Dada a força atribuída ao Itamaraty, sua perda relativa de poder no processo (^3) É importante destacar, porém, que, de forma análoga à literatura internacional, a ideia do “monopólio” e “insulamento” do Itamaraty na política externa brasileira também vem sendo questionada no país (ver Faria 2012; Farias e Ramanzini Júnior 2015). (^4) De acordo com Hill (2003) e Devin e Toernquist-Chesnier (2011), os ministérios responsáveis por questões de defesa, inteligência, economia e comércio são os mais tradicionais “competidores” dos ministérios de relações exteriores no mundo. As especificidades do Itamaraty em relação a essas agências tornam o Brasil um caso especialmente interessante para o estudo, mesmo se considerados outros países em desenvolvimento com serviços exteriores tradicionais, como a Índia e a Argentina (Malone 2011; Arbilla 2000).

precisão conceitual entravam o avanço empírico e teórico da agenda, interferindo no acúmulo e comparação dos estudos e reduzindo sua validade externa. Tendo esses problemas em vista, torna-se necessário delimitar mais claramente o objeto de estudo desse trabalho, esclarecendo o que se entende aqui por “horizontalização”. Este estudo refere-se especificamente a mudanças nas unidades decisórias do Executivo federal brasileiro com relação a temas de Política Externa - mais especificamente, à redução no grau de concentração relativo de poder decisório no MRE em comparação com outros órgãos do Executivo^6. A lógica da “horizontalização”, que remete à divisão de competências entre diferentes burocracias de mesmo nível hierárquico, define-se em oposição à “verticalização”, isto é, à centralização em uma única burocracia, organizada de forma hierárquica (C. L. de França e Sanchez Badin 2009; Figueira 2010). Mesmo restringindo o conceito de horizontalização à transformação do processo decisório no Executivo, ainda é preciso reconhecer que se trata de um fenômeno amplo. Se tomamos como correta a tese da primazia do MRE, a horizontalização como perda relativa de poder do Itamaraty no processo decisório em relação a outros atores no Executivo poderia se dar por três caminhos distintos^7. O primeiro deles diz respeito à maior participação no processo decisório de atores mais poderosos que o MRE – a Presidência da República, por exemplo^8. O segundo consistiria no aumento do poder de atores até então secundários ou alijados do processo decisório em Política Externa^9. Por fim, uma terceira possibilidade seria a redução absoluta dos poderes do Itamaraty ou a abdicação voluntária de certas atribuições, optando por exercer um papel mais coordenativo no processo decisório^10. (^6) Pode-se dizer, portanto, que este trabalho se insere entre aqueles que, nos termos de Farias e Ramanzini Júnior (2015, 10), usam o conceito “to explain the widening authority of government agencies in the field of foreign policy”. (^7) Ainda que os autores não explorem o terceiro caminho, tratando-o como consequência dos outros dois, é ilustrativo que o artigo de Cason e Power (2009) sobre o tema aponte esses três caminhos já em seu título: “ Presidentialization, Pluralization and the Rollback of Itamaraty ”. (^8) O processo de aumento da participação presidencial na condução da política externa brasileira é inicialmente estudado por meio do conceito de “diplomacia presidencial” (Danese 1999), mas é incorporado na agenda mais ampla dos estudos sobre a dispersão do processo decisório (ver, e.g., Cason e Power 2009; Figueira 2009). (^9) Esse tipo de explicação para a horizontalização aparece, por exemplo, nos estudos de Machado (2009) sobre o desenvolvimento institucional do Ministério da Agricultura (MAPA). (^10) Ainda que seja uma possibilidade lógica de um processo de horizontalização, a redução absoluta dos poderes do MRE, se medida em termos de recursos humanos e financeiros, não se verifica empiricamente

A diferenciação desses três caminhos para a horizontalização da política externa se revela especialmente importante para a discussão das eventuais causas das transformações no processo decisório, uma vez que os três processos podem responder a estímulos diferentes e um mesmo estímulo pode afetar os atores de formas distintas^11. Um segundo problema conceitual é responsável por problemas metodológicos mais amplos na agenda de pesquisa: a horizontalização deve ser concebida como um processo ou como uma situação? Entender a horizontalização enquanto situação significa compreendê-la enquanto uma característica de uma unidade decisória, associando-a, portanto, a decisões específicas. O estudo da horizontalização como processo, por outro lado, implica uma alegação mais ampla: afirma-se a existência de uma correlação entre a passagem do tempo e um aumento do número de decisões de política externa tomadas em unidades dispersas. Como ressaltam Farias e Ramanzini Júnior (2015), a comprovação da tese de que teria havido uma mudança geral no grau de concentração/dispersão dos processos decisórios da política externa brasileira exige estudos diacrônicos, com grande cuidado em relação ao recorte temporal utilizado e às bases de comparação. Grande parte da base empírica levantada sobre o tema, no entanto, se dá por meio de estudos de caso sobre decisões específicas (e.g. Mello 2010; M. E. P. M. de Oliveira 2014) ou sobre órgãos específicos no interior do Executivo ( e.g. Machado 2009; Campos Lima 2011; Faria, Nogueira, e Lopes 2012), o que reduz a capacidade de inferência sobre o fenômeno mais amplo em questão^12. Os estudos que de fato se dedicam a uma investigação geral da transformação das unidades decisórias na política externa brasileira, contudo, acabam por se restringir a ao longo do período no qual a literatura localiza o processo (desde a redemocratização, tendo seu auge nos governos Cardoso e Lula). Entretanto, destaca-se a possibilidade de um reposicionamento do MRE no ciclo de produção da política externa “passando da condição de operador preferencial e praticamente onipresente (...) para uma função mais propriamente supervisora e articuladora” (Faria, Nogueira, e Lopes 2012, 212– 13). (^11) Como destacam Farias e Ramanzini Júnior (2015, 15) ao apontar a capacidade de adaptação do Itamaraty às transformações sistêmicas, “[t]hese forces do not exert a direct and one-dimensional impact on the bureaucratic apparatus of the state. (...) it is possible to have consequences which are unforeseeable or contrary to what was expected, depending on the interaction of ideas, policies, institutions and legacies of previous processes.” (^12) Como destaca Gerring (2004, 346), “it is often difficult to tell which of the many features of a given unit are typical of a larger set of units (and hence fodder for generalizable inferences) and which are particular to the unit under study”.

dessa forma, uma “politização” da política externa, que estaria em uma relação de reforço mútuo com a “potencial diminuição da autonomia decisória prévia do MRE na condução da política externa” (Lima 2000, 295). As implicações das transformações nas arenas internacional e doméstica, porém, não se restringem ao aumento dos efeitos distributivos da política externa. Como destacam Milani e Pinheiro (2012, 15), as relações internacionais contemporâneas englobariam “um leque mais amplo de questões – meio ambiente, direitos humanos, internacionalização da educação, da saúde e da cultura, etc. - , que demandam conhecimentos e expertises particulares”. Assim, além dos efeitos distributivos ampliarem o interesse de diferentes atores domésticos na política externa, a diversificação temática e a complexidade técnica tornariam a participação desses atores mais importante, ampliando seus recursos informacionais perante o MRE (Faria 2012; Figueira 2010). Conforme Figueira (2010), para os atores estatais, esse processo é reforçado por um processo de mudança na cultura da administração pública. Os princípios de “administração gerencial” – que propõem a descentralização política e administrativa – apontariam para um processo de mudança incipiente, marcado pelo convívio entre lógicas distintas: a porosidade e o insulamento. Um caminho explicativo distinto para explicar a horizontalização da política externa brasileira é oferecido por Cason e Power (2009). Ainda que reconheçam, como Lima (2000), os efeitos da democratização sobre o envolvimento de atores societários na política externa, os autores restringem o escopo de suas análises às presidências de Cardoso e Lula. Assim, dão maior atenção a variáveis conjunturais e individuais – como a personalidade e recursos pessoais de FHC e Lula, e as particularidades das trajetórias de PT e PSDB – para compreender o fenômeno da diplomacia presidencial. Figura 1. Cadeias Causais e Horizontalização

A figura 1 busca conectar as cadeias causais propostas na literatura aos três caminhos identificados anteriormente como relevantes para o fenômeno da horizontalização. A ênfase da literatura em transformações mais próximas da estrutura (sistema internacional, modelo econômico, cultura administrativa) dificulta a aplicação dessas explicações à análise de decisões específicas. Para uma passagem da análise da horizontalização enquanto processo à da horizontalização enquanto situação, seria essencial uma maior atenção aos agentes (preferências e comportamento dos atores). O caminho proposto por Cason e Power (2009), enfatizando o nível individual, tampouco oferece uma alternativa muito robusta. Por um lado, as proposições desse tipo

Trabalhando nessa linha, Ingram e Fiederlein (1988) ressaltam que a dinâmica do processo decisório em política externa pode ser afetada por uma série de variáveis, como a força do efeito doméstico da decisão, a distribuição desses efeitos, e o caráter rotineiro ou crítico da decisão. Da mesma forma, outros modelos relativos à variação do processo decisório podem contribuir para a compreensão da dispersão de unidades decisórias no Brasil. O trabalho de Rosati (1981) enfatiza a especificidade do ambiente decisório no Executivo, no qual os atores reagem de formas distintas a depender do comportamento da Presidência. Coloca-se, então, o interesse presidencial – conceito que permitiria abranger tanto as situações de crise como aquelas descritas por Cason e Power (2009) - como central para definir a concentração da unidade decisória^16. Visando a construção de um esquema parcimonioso, capaz de orientar o olhar para elementos centrais do fenômeno da horizontalização, propõem-se aqui três condições que afetariam a dispersão de unidades decisórias no país: o efeito distributivo da decisão, o interesse presidencial na questão, e a temática à qual a questão encontra-se vinculada. Contudo, antes de ser capaz de avaliar os efeitos dessas condições e os mecanismos pelos quais operam, o estudo precisa criar procedimentos claros para identificá-las, viabilizando a comparação entre casos distintos. É esse o intuito da seção seguinte.

4. Unidades decisórias concentradas e horizontalizadas: esquema de análise

Para analisar de forma adequada o fenômeno da horizontalização em decisões específicas, a primeira condição a ser operacionalizada é a própria ideia de “horizontalização”. Para isso, retoma-se aqui o trabalho de Hermann e Hermann (1989) sobre o estudo e a classificação de unidades decisórias. Preocupados em construir uma tipologia para comparar o processo decisório em diferentes países, os autores desenvolvem o conceito de “unidade última de decisão”, isto é, “a set of authorities with the ability to commit the resources of the society and, with respect to a particular problem, the authority to make a decision that cannot be easily reversed” (Hermann e Hermann (^16) O modelo parte da ideia, compatível com a literatura mais ampla sobre as relações Presidência-Burocracia (Krasner 1972; Moe 1982, 1993; Bendor e Hammond 1992; Rudalevige 2002), de que o presidente possui recursos para moldar as unidades decisórias conforme sua preferência, embora nem sempre os utilize.

1989, 362). Este estudo, no entanto, possui uma abordagem um pouco distinta: o interesse não é exatamente saber quais atores poderiam ter suas decisões revertidas, mas se e quando ministérios além do MRE podem influenciar a policy – ou seja, se a unidade decisória é concentrada no MRE ou horizontalizada^17. Levando em consideração a própria definição de “unidade decisória” tomada de Hermann e Hermann (1989), podem-se identificar dois fatores para definir uma “unidade horizontalizada”: a) número de participantes superior a uma agência e b) compartilhamento do controle sobre a decisão. Isso não significa que todos devem ter o mesmo nível de controle, mas que deve haver algum grau de compartilhamento – isto é, deve haver participação efetiva de múltiplos atores. Ou seja, as posições de atores distintos devem ser levadas em consideração, mesmo que, em última instância, seja um ator específico que decida^18. A concentração da decisão no MRE também é identificada pelos dois critérios, mas em valores inversos: a) o MRE deve ser o único participante no processo decisório e/ou b) o MRE não compartilha o controle sobre a decisão. A decisão é considerada concentrada no MRE se é tomada apenas no interior do ministério, mesmo que haja uma antecipação dos interesses de outros agentes. É também considerada concentrada no MRE a decisão em que, ainda que haja participação de outros atores, os interesses desses atores não sejam levados em consideração no processo de tomada de decisão. Tendo em vista tais critérios, adaptou-se para nossos propósitos o procedimento proposto por Hermann e Hermann (1989, 370–71) para a identificação e classificação de unidades últimas de decisão. O procedimento foi resumido na Figura 2. (^17) Uma terceira possibilidade lógica de unidade decisória seria a concentração em uma agência distinta do Ministério das Relações Exteriores (a Presidência da República, por exemplo). Dados os objetivos do trabalho e visando à simplificação do modelo, no entanto, optou-se por manter esse tipo de caso fora do escopo da pesquisa. (^18) A baixa atenção à dimensão referente à influência efetiva dos participantes na decisão é uma das principais críticas de Farias e Ramanzini (2015) à literatura que analisa a “horizontalização” a partir de aspectos meramente formais, como as competências normativas das agências e a participação em comissões interministeriais.

dificuldade se apresentaria no momento de transformar as considerações teóricas em previsões empiricamente testáveis: e.g., assumindo que o interesse presidencial é a reeleição, como saber se uma situação de política externa específica afeta esse interesse? Corre-se o risco de construir um argumento tautológico, enviesando a classificação do caso conforme as expectativas da própria teoria a ser testada. Como forma de contornar o problema, buscou-se um conceito correlacionado ao de interesse presidencial, mas que fosse empiricamente observável. Adotou-se, dessa forma, a participação presidencial no processo decisório como proxy do interesse. Com o objetivo de estabelecer que tipo de evidência caracteriza participação presidencial em um processo decisório, retomaram-se os procedimentos de Hermann e Hermann (1989). Os autores destacam dois tipos de ação importantes em um processo decisório^20 : o presidente pode participar a) estabelecendo e manifestando uma direção geral para lidar com o problema ou b) atuando, de forma ativa e regular, no processo decisório. Assim, um caso será classificado como tendo participação presidencial caso qualquer uma das duas condições esteja presente. Efeito Distributivo da Política Externa O impacto da distribuição dos ganhos e custos da política pública sobre o processo decisório está amplamente estabelecido tanto na literatura de Ciência Política (Lowi 1964), como na de Análise de Política Externa (Ingram e Fiederlein 1988; Lima 2000). Em alguns casos, a mensuração do efeito distributivo pode ser feita de forma relativamente objetiva, calculando custos e benefícios econômicos potenciais da decisão. Entretanto, para alguns tipos de política, esse tipo de abordagem é mais complexo e esbarra em problemas mais amplos – como calcular, por exemplo, os potenciais ganhos econômicos e os custos potenciais de uma política de segurança? Não obstante, a literatura trabalha com essa variável para a comparação entre casos, contornando essa dificuldade ao evitar medidas quantitativas precisas do efeito distributivo. Ingram e Fiederlein (1988) usam, para isso, um critério mais amplo para facilitar a classificação: a percepção dos atores sobre a existência de impactos (^20) Para Hermann e Hermann (1989), a presença de ambas as condições em um mesmo processo é um dos passos para caracterizar uma unidade como de “líder predominante”.

diferenciados ou indiferenciados. De fato, dado que, as características da política pública afetam o processo decisório por meio das expectativas dos atores (Lowi 1964), mais importante que o impacto objetivo é a forma como os atores entendem esse impacto. Dessa forma, estabelecem-se duas perguntas para guiar essa classificação: a) os atores relevantes na sociedade e no governo entendem que a decisão escolhida implicará em uma distribuição desigual de custos entre diferentes grupos na sociedade? e b) os mesmos atores entendem que a decisão acarretará em uma distribuição desigual de benefícios? Ainda que, para o desenvolvimento do caso, seja relevante perguntar que atores devem arcar com os custos ou receber os benefícios da política pública, trata-se de uma questão irrelevante para a classificação. Caso alguma das duas questões seja respondida de forma afirmativa, pode-se classificar o caso como um caso de política externa com Impacto Diferenciado. Caso ambas tenham respostas negativas, trata-se de uma política com Impacto Indiferenciado. Temática A temática ( issue-area) à qual a decisão de política externa está vinculada é também amplamente reconhecida como um fator que potencialmente afeta a unidade decisória (Hermann e Hermann 1989; Mitchell 2010; Farias e Ramanzini Júnior 2015; Duarte e Lima 2017). A identificação da temática é, em geral, tomada como auto- evidente, sem grandes problemas para operacionalização. É preciso, porém, tomar cuidado com dois aspectos que podem atrapalhar a classificação: a observação dos atores envolvidos na decisão como critério para a determinação da temática e o número de categorias utilizadas. O primeiro aspecto diz respeito ao cuidado de não incluir o resultado (unidade decisória) como parte da definição de uma condição (pertença a determinada temática). Isto é, a classificação de uma decisão como pertencente a determinada temática (econômica, e.g.) não pode ser motivada pela participação de um órgão vinculado a tal temática (Banco Central, e.g.) no processo decisório, sob o risco de serem geradas tautologias.

públicas, etc. Em geral, apresenta a participação de burocracias que apresentam um histórico recente de inserção internacional.

5. Aplicando a classificação: a Argentina e a discussão da TEC do Mercosul

Ao longo de 2001, o então ministro da Economia argentino, Domingo Cavallo, atacou duramente a tarifa externa comum (TEC) do Mercosul, gerando uma série de problemas de política externa para o Brasil. Como forma de averiguar a utilidade do esquema proposto acima^22 , esta seção dedica-se a estudar o caso, enfatizando a variação nas unidades decisórias responsáveis pela situação ao longo do período. A análise foi baseada em literatura secundária (M. E. P. M. de Oliveira 2014; Bernal-Meza e Quintanar

  1. e em material primário – relatos jornalísticos, notas de associações empresariais e entrevistas de história oral (Gonçalves 2010). Para fins de apresentação, o caso foi separado em três grandes períodos. Ainda que os problemas aos quais o Brasil deve responder variem no decorrer do caso, as condições de interesse do esquema se mantêm, em geral, constantes. Ao longo de todo o processo, os atores percebem o tema como tendo um claro efeito distributivo doméstico: os custos de uma redução da TEC recairiam de forma concentrada sobre as indústrias (sobretudo de informática e tecnologia), enquanto, pela lógica econômica, os benefícios da liberalização seriam diluídos entre a população^23. A temática é claramente classificada como econômica, envolvendo discussões relativas à política comercial e alfandegária. Mesmo que se considere o fato de, em alguns momentos do caso, os atores enquadrarem a questão em termos de “continuidade do Mercosul” ou de garantia da “estabilidade argentina”, esses termos aparecem sempre sob uma referência econômica – a integração regional assume, nesse momento, um significado mais econômico que (^22) A utilidade do modelo, aqui, é avaliada conforme a adequação ao caso observado e sua capacidade de simplificar e clarificar o entendimento dos eventos (Ingram e Fiederlein 1988). (^23) Para um exemplo detalhado, ver a carta das entidades empresarias contra a redução. Ver ( Folha Online 2001a)

político^24 ; a estabilidade argentina, por sua vez, é pensada em termos dos efeitos da crise econômica sobre o país. A participação presidencial, no entanto, varia, como é de se esperar em casos que se desenvolvem em um período mais alongado. A variação no nível de participação presidencial acompanha também transformações na unidade decisória, tornando o caso interessante para observar os mecanismos que ligam a ação presidencial e o processo decisório^25. Etapa 1: março a julho de 2001 A questão da TEC surge na agenda do governo em março, quando Cavallo anuncia um pacote de reativação da economia ao assumir o cargo de ministro na Argentina. Entre as medidas, havia a proposta de reduzir tarifas alfandegárias para bens de capital extra- Mercosul. A reação brasileira é imediata: os Ministérios das Relações Exteriores (MRE), da Fazenda (MF) e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) se reúnem e lançam uma nota conjunta repudiando as propostas do pacote referentes ao Mercosul (M. E. P. M. de Oliveira 2014, 95). Apesar do rechaço inicial, após uma reunião de Cavallo com o ministro da Fazenda, Pedro Malan, e o chanceler Celso Lafer, o Brasil aceitou as exceções à TEC para a Argentina (M. E. P. M. de Oliveira 2014, 96). Negociando com o ministro argentino, Alcides Tápias - o ministro brasileiro do Desenvolvimento - conseguiu, ainda, que Cavallo retirasse os bens de informática e telecomunicações (BITs) da lista de produtos com alíquota zero. A unidade decisória, nesse momento, é horizontal, com participação do MF, do MRE e do MDIC. Tanto a formulação da posição brasileira como as reuniões com os representantes argentinos se dão com a presença de representantes dos diferentes (^24) Ver, como exemplos, diferentes editoriais da Folha de S. Paulo sobre o tema à época ( Folha de São Paulo 2001b; Folha de São Paulo 2001g; Folha de São Paulo 2001h; Folha de São Paulo 2001i; Folha de São Paulo 2001j). (^25) De fato, ao fazer uma comparação entre diferentes momentos do caso, poder-se-ia aproximar a análise de um desenho de most similar systems (Blatter e Haverland 2013, 42). Dados os objetivos do trabalho (ilustrar e observar plausibilidade do esquema proposto), no entanto, o caso não será tratado como teste de hipóteses. Antecipa-se, com isso, um segundo problema: a escolha de limites dos subcasos poderia afetar o resultado do teste.