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Em outra meditação sobre este Evangelho, São Josemaria comovia-se: «Jesus, no caminho. Senhor, és sempre tão grande! Mas tu me comoves quando te abaixas a ...
Tipologia: Notas de estudo
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Uma das passagens mais belas do Evangelho – também literariamente – é a descrição do encontro de Jesus ressuscitado com os dois discípulos de Emaús, na tarde do dia da Ressurreição do Senhor.
São Lucas inicia assim o relato: Naquele mesmo dia, o primeiro da semana, dois dos discípulos iam para um povoado chamado Emaús, a uns sessenta estádios de Jerusalém^1_. Conversavam sobre todas as coisas que tinham acontecido... Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus aproximou-se e começou a caminhar com eles._ (Lc 24, 13-14).
São Josemaria, entrando ao vivo nesta cena evangélica, comentava-a com um toque de poesia: «Caminhavam aqueles dois discípulos em direção a Emaús. Andavam a passo normal, como tantos outros que transitavam por aquelas paragens. E ali, com naturalidade, apareceu-lhes Jesus, e caminha com eles, numa conversa que diminui a fadiga. Imagino a cena, bem ao cair da tarde. Sopra uma brisa suave. Em redor, campos semeados de trigo já crescido, e as oliveiras velhas, com os ramos prateados à luz tíbia»^2.
Desses dois discípulos, que aparecem, pela primeira e última vez no capítulo vigésimo quarto do Evangelho de São Lucas, só sabemos três coisas: que eram realmente “discípulos” de Jesus; que tinham ido, como todo judeu piedoso, a Jerusalém para a celebração da Páscoa; e que residiam na aldeia de
(^1) Uns dez quilômetros. Outras cópias dos textos antigos dão uma distância maior
(^2) São Josemaria Escrivá, Amigos de Deus , n. 313
Emaús, relativamente próxima da cidade. Esses traços nos permitem esboçar uma breve síntese biográfica, que nos ajudará a entrar mais a fundo na cena evangélica.
Dizíamos, em primeiro lugar, que eram discípulos de Jesus. Isso significa que haviam conhecido o Senhor em Jerusalém, pelo menos em várias das diversas ocasiões em que ele lá foi para comemorar as principais festas judaicas; tinham escutado os seus ensinamentos, quase sempre nos pórticos do Templo; e quase com certeza viram vários dos seus numerosos milagres. O fato é que acreditaram nele e se tornaram seus seguidores fiéis.
Em contato com a fé dos apóstolos e dos outros discípulos que costumavam acompanhar Jesus – homens e mulheres – , o coração deles vibrava cada vez mais com a esperança de que Jesus fosse o Cristo, ou seja, o Messias ansiosamente esperado por Israel.
A temperatura dessa esperança aumentou ao verem o entusiasmo popular com que Jesus foi acolhido na sua entrada em Jerusalém no “domingo de ramos”, quando se dispunha a preparar lá a celebração da Páscoa e a cidade fervia de gente que lá acorrera para a maior festividade do ano.
Com certeza, os dois amigos de Emaús foram testemunhas emocionadas do fervor com que aquela multidão estendia mantos e ramos de árvores, atapetando o caminho por onde Jesus avançava, montado num jumentinho, tal como anunciara o profeta Zacarias: Dança de alegria, filha de Sião, dá vivas, filha de Jerusalém, pois agora o teu rei está chegando, justo e vitorioso. Ele é pobre, vem montado num jumento, num burrico, filhote de jumenta (Zc 9,9).
A exultação popular via iminente a instauração do reinado do Messias. Jesus, pensavam eles, depois da recente ressurreição de Lázaro, estaria finalmente pronto para estabelecer seu Reino. E, assim, o povo clamava: Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor. Bendito seja o Reino que vem, o Reino do nosso Pai Davi! Hosana no mais alto dos céus! (Mc 11, 9-10).
fosse lei da vida, que a passagem dos anos traga consigo uma invasão de decepções e de ceticismo.
Talvez nos ajude fazer agora – ainda que doa bastante – um breve balanço das esperanças frustradas:
Se lhe sugiro evocar essas decepções não é para que se atormente, desenterrando aflições passadas e presentes. Sugiro-lhe isso para que, acompanhando de perto os discípulos de Emaús e a sua conversa com Jesus, os entenda melhor, e se levante na sua alma uma luz nova de esperança: uma certeza, que não é uma utopia nem um consolo barato. Com Jesus, um esplêndido alvorecer é sempre inesperado e possível.
Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus aproximou-se e começou a caminhar com eles. Os seus olhos, porém, estavam como que vendados, incapazes de reconhecê-lo.
Jesus caminha com eles, e não o veem! Discretamente, vai ao encontro deles, anda junto e os escuta com paciência e carinho. Espera, deixa-os falar, porque quer que tirem para fora do coração tudo o que os oprime. Depois, vai colocar, nos seus corações em trevas, o sol nascente do alto: esse sol de que falava o pai de João Batista, que é Cristo, que veio nos visitar, iluminar os que estão nas trevas e na sombra da morte, e dirigir nossos passos no caminho da paz (Lc 1, 78-79).
«Jesus – comentava São Josemaria Escrivá – caminha ao lado daqueles dois homens que perderam quase toda a esperança, a tal ponto que a vida começa a parecer-lhes sem sentido. Compreende a sua dor, penetra em seus corações, comunica-lhes um pouco da vida que nele habita»^3.
Em outra meditação sobre este Evangelho, São Josemaria comovia-se: «Jesus, no caminho. Senhor, és sempre tão grande! Mas tu me comoves quando te abaixas a seguir-nos, a procurar-nos, na nossa diária roda-viva. Senhor, concede-nos a ingenuidade de espírito, o olhar límpido, a cabeça clara, que permitam entender-te quando vens sem nenhum sinal externo da tua glória»^4.
amos agora refletir um pouco sobre nós e o caminho da nossa vida.
DEUS NOS AMOU PRIMEIRO
A primeira luz que temos de tirar desta nossa meditação é convencermo- nos de que Jesus sempre faz conosco a mesma coisa que fez com os dois de Emaús. Ele sempre vem ao nosso encontro, mesmo quando temos os olhos vendados. Ele quer caminhar todos os dias conosco, e procura aproximar-se do nosso coração, ainda que demoremos anos para lhe abrir a porta.
(^3) São Josemaria Escrivá , É Cristo que passa , n. 105
(^4) São Josemaria Escrivá , Amigos de Deus , n. 313
Os amigos conversavam sobre o que acontecera com Jesus na sexta-feira santa. Agora, não o reconhecem e, por isso, perguntam quase comicamente ao próprio Jesus: “Tu és o único que não sabes?”. Quando nos falta a luz da fé, as nossas tragédias, como a eles, ao mesmo tempo que nos enchem de dor, provocam-nos uma inconsistência que beira o ridículo: «Só tu – o protagonista de tudo – , não sabes o que aconteceu contigo?».
Jesus faz-se de ignorante e retruca: O que foi? Quase se adivinha o esboço de um sorriso de bom humor nessa pergunta, desse bom humor humano e divino que se capta em quase todas as cenas da ressurreição de Cristo.
O que foi? Aí Cléofas rasga o verbo – como se diz – , ou melhor, rasga o coração e deixa extravasar toda a sua amargura: O que aconteceu com Jesus, o Nazareno, que foi profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e diante de todo o povo. Os sumos sacerdotes e as nossas autoridades o entregaram para ser condenado à morte e o crucificaram. Nós esperávamos que fosse ele quem libertaria Israel; mas, com tudo isso, já faz três dias que estas coisas aconteceram! É verdade que algumas mulheres do nosso grupo nos assustaram. Elas foram de madrugada ao túmulo, e não encontraram o corpo dele. Então voltaram, dizendo que tinham visto anjos e que estes afirmaram que ele está vivo. Alguns dos nossos (referem-se a Pedro e João: Jo 20,3 ss.) foram ao túmulo e encontraram as coisas como as mulheres tinham dito. A ele, porém, não o viram.
Mais uma vez, a falta de fé, unida ao preconceito, os fez beirar o ridículo e até afundar nele, pois, na verdade, as santas mulheres – Maria Madalena, Joana, Maria mãe de Tiago, Salomé... – foram as primeiras que tiveram o privilégio de ver Jesus ressuscitado e de lhe ouvir palavras de confiança e de carinho. Mais ainda, Jesus fez delas as primeiras testemunhas e embaixadoras da verdade da ressurreição perante os apóstolos e os discípulos refugiados no Cenáculo (Mt 28,6; Mc 16,7; Lc 24,10).
Uma vez que os discípulos desabafaram, Jesus deu à conversa uma virada radical. Começou com uma sacudida e depois foi inflamando-lhes a alma com três luzes que mudavam todo o panorama. Como é claro que só Cristo é a luz do mundo e pode dizer com verdade: aquele que me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida (Jo 8,12).
Uma primeira luz
Vamos deixar que Jesus acenda esta primeira luz nos nossos corações. Então ele lhes disse: “Ó homens sem inteligência e lentos de coração para crer em tudo quanto os profetas anunciaram! Não era necessário que o Cristo sofresse tudo isso, para entrar na sua glória?” E, começando por Moisés e passando por todos os Profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, as passagens que se referiam a ele.
As Escrituras, o Antigo Testamento da Sagrada Bíblia, continha profecias muito claras sobre o Messias sofredor e, ao mesmo tempo, triunfante. Mas, na mentalidade do povo judeu, depois dos grandes sofrimentos por que passou, tinha arraigado a esperança num Messias terreno, nacional, imperialista. Ele estabeleceria seu Reino humano nesta terra, com total poder e influência sobre o mundo inteiro.
Tão enraizada estava essa interpretação, que até mesmo os apóstolos, depois da ressurreição de Cristo e às vésperas da sua Ascensão ao Céu, ainda lhe perguntaram: Senhor, será agora que vais restabelecer o Reino de Israel? Nosso Senhor teve que desconversar, dizendo-lhes: Não vos compete saber os tempos nem os momentos que o Pai fixou com sua autoridade. Mas ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis as minhas testemunhas...até os confins do mundo (At 1, 6-8).
Tinham esquecido as referências tão claras à Paixão, que Deus fizera através da profecia de Isaías: Não tinha aparência que agradasse. Era o mais desprezado e abandonado de todos, homem do sofrimento, experimentado na dor... Eram na verdade os nossos sofrimentos que ele carregava, eram as nossas dores que levava às costas...O castigo que teríamos que pagar caiu sobre ele, com as suas chagas veio a cura para nós (cf. Is 53,2 ss).
Decidamo-nos a dedicar diariamente uns bons minutos à leitura e meditação da Escritura, especialmente dos Evangelhos. E habituemo-nos a ler, também todos os dias, obras sobre a vida e as virtudes cristãs que sejam fiéis à doutrina da Igreja. Obras sobre as virtudes, a espiritualidade, a oração, a ação apostólica no meio do mundo... Há um autêntico tesouro de boa literatura espiritual que conta, entre as suas joias, com muitos livros clássicos, escritos pelos santos ao longo dos séculos. Aconselhe-se com um diretor espiritual de bom critério.
Segunda mensagem. Como os discípulos de Emaús, também nós, quando aparecem as dificuldades, decepções e sofrimentos, perdemos a lucidez da fé, e somos lentos de coração para crer. Muitas vezes podemos dizer, como o salmista arrependido, quando meu coração se amargurava e sentia dor aguda em minhas entranhas, eu era um insensato e não entendia, como um jumento eu era diante de ti (Sl 73, 21-22).
São Paulo, em meio a terríveis tribulações, manteve a fé, e por isso escrevia, cheio de esperança: Sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus... Se Deus é por nós, quem será contra nós?...Quem nos separará do amor de Cristo? (Rm 8, 28.31.35). Ele conhecia muito bem as Escrituras e nunca perdeu de vista o que Deus falou por boca de Isaías: Acaso uma mulher esquece o seu filhinho ou o amor ao filho de suas entranhas? Mesmo que alguma se esqueça, eu de ti jamais me esquecerei (Is 49,15). E acreditou também firmemente nestas outras palavras divinas: O meu pensamento não é o vosso pensamento, vossos caminhos não são os meus caminhos - Oráculo do Senhor (Is 55,8).
Só a fé arranca a venda dos olhos, e nos faz descobrir e adorar os planos da Providência de Deus.
Segunda luz
A conversa no caminho ia se prolongando, e os de Emaús bebiam literalmente as palavras de Jesus, de maneira que, como narra São Lucas,
quando chegaram perto do povoado para onde iam, ele fez de conta que ia adiante. Eles, porém, insistiram: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!” Ele entrou para ficar com eles.
Com que dor o Cardeal Robert Sarah, africano procedente de uma família da Guiné Bissau, meditava nessas palavras dos discípulos de Emaús, ao constatar que são muitos os que, sobretudo no velho mundo, não estão deixando Jesus entrar na sua casa e até o expulsam da vida^6.
Cléofas e o companheiro não só deixaram que Jesus entrasse, como quase o forçaram. Depois que se sentou à mesa com eles, tomou o pão, pronunciou a bênção, partiu-o e deu a eles. Com assombro, perceberam que seu hóspede – ainda não o tinham identificado, – repetia ao pé da letra as palavras e os gestos de nosso Senhor quando, na Última Ceia, instituiu o sacramento da Eucaristia. Neste momento, seus olhos se abriram, e eles o reconheceram.
É importante lembrar que, no primeiro século cristão, o mistério da Eucaristia, a celebração da Missa e da comunhão, designava-se com o nome de Fração do Pão. Assim, lemos nos Atos dos Apóstolos que os fiéis da primitiva comunidade cristã de Jerusalém eram perseverantes em ouvir os ensinamentos dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações (At 2,42). Tempo depois, no mesmo livro dos Atos, São Lucas conta que, estando com São Paulo em Trôade, preparando-se para uma viagem cheia de perigos a Jerusalém, no primeiro dia da semana (que hoje chamamos domingo), estávamos reunidos para a fração do pão. Paulo, que devia partir no dia seguinte, dirigia a palavra aos fiéis e prolongou o discurso até meia noite...Depois, partiu o pão (At 20, 7-11).
O que você observa nesse trecho do encontro dos dois discípulos de Emaús com Cristo? Não vê o primeiro esboço de uma Missa, como assinala explicitamente o Catecismo da Igreja Católica^7? Primeiro, Jesus lhes explicou pelo caminho as Escrituras (Liturgia da Palavra), depois, em casa, fez a fração do Pão
(^6) Cardeal Robert Sarah. A noite se aproxima e o dia já declinou.
(^7) Catecismo da Igreja Católica, n. 1347
«O que o alimento material produz em nossa vida corporal, a comunhão o realiza de maneira admirável em nossa vida espiritual. A comunhão da Carne de Cristo ressuscitado, vivificado pelo Espírito Santo e vivificante, conserva, aumenta e renova a vida da graça recebida no Batismo. Este crescimento da vida cristã precisa ser alimentado pela Comunhão Eucarística, pão da nossa peregrinação, até o momento da morte, quando nos será dado como viático»^10.
Em todos os Sacramentos, Cristo age, comunicando-nos a graça do Espírito Santo. Na Eucaristia, é o próprio Autor da graça que nós recebemos, é a Fonte de todas as graças. Participando da Santa Missa, abeiramo-nos da abundância da fonte de água viva que Jesus oferecia à Samaritana (Jo 4,13) e que, na festa dos Tabernáculos, ele prometeu fazer jorrar copiosamente dentro do nosso coração: Se alguém tem sede venha a mim e beba. Do seio daquele que acredite em mim, correrão rios de água viva, como diz a Escritura. Jesus falava do Espírito que haviam de receber os que nele acreditassem (Jo 7, 37-39).
Um dos nomes da Eucaristia é «viático», ou seja, alimento para a «via», para o caminho; no caso, para o caminho da vida. Dela tiraram força impetuosa os discípulos de Emaús. E nós? Com que amor preparamos e vivemos cada Missa, cada Comunhão, cada adoração do Santíssimo Sacramento? Temos consciência de que é o alimento necessário para – como diz São Paulo – não sermos mais como crianças, entregues ao sabor das ondas e levados por todos os ventos de doutrina [dos palpites, das teorias, das invencionices]. Ao contrário, vivendo segundo a verdade, no amor, cresceremos em todos os aspectos em relação a Cristo (Ef 4, 14-15).
São João Paulo II, falando da Eucaristia, e como que evocando o caminho de Emaús, escrevia: «Cristo caminha conosco como nossa força e nosso viático, e torna-nos testemunhas de esperança para todos»^11.
Terceira luz
(^10) Ibid. n. 1392
(^11) São João Paulo II. Encíclica Ecclesia de Eucharistia , n. 62
«Testemunhas de esperança», acabamos de ler. É a terceira lição que nos dá o evangelho dos discípulos de Emaús.
Tornemos a meditar no relato de São Lucas. Depois de falar de que os dois discípulos reconheceram Jesus na fração do pão, acrescenta: Ele, porém, desapareceu da vista deles. Então um disse ao outro: “Não estava ardendo o nosso coração, quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” Naquela mesma hora, levantaram-se e voltaram para Jerusalém, onde encontraram reunidos os Onze e os outros discípulos... Então os dois contaram o que tinha acontecido no caminho, e como o tinham reconhecido ao partir o pão.
Você reparou? Não ficaram em casa, “curtindo” juntos a imensa emoção de ter estado com Cristo vivo, evocando comovidos detalhes preciosos desse encontro (“Você percebeu com que força falava da profecia de Isaías...?” “Com que clareza nos fazia entender aquelas palavras de Ezequiel” “Como todas as suas palavras tocavam o coração!”...).
Não ficaram fechados em si mesmos. Sentiram a urgência de transmitir essa alegria aos demais. Por isso, levantaram-se no mesmo instante e, como que impelidos por uma mola, lançaram-se de novo à estrada, já tendo anoitecido, e desfizeram o caminho andado, regressando apressadamente a Jerusalém. Precisavam dividir a sua felicidade com os outros discípulos de Jesus, com os companheiros da aventura divina a que Jesus os chamara. «Não cabe num peito só tanta alegria», dizia São Josemaria, comentando essa cena^12. Aquele que achou realmente a Cristo não pode ficar trancado em si mesmo: tem de compartilhar, tem de irradiar.
E o que encontraram ao chegar, lá no Cenáculo? Uma confusão maravilhosa. Um ir e vir trazendo notícias da ressurreição, que acendia o ambiente daquele “bando de irmãos” como uma fornalha.
(^12) São Josemaria Escrivá. Amigos de Deus , n. 314
de Emaús – que o escutavam de novo boquiabertos – quando estava com eles no caminho: Era necessário que se cumprisse tudo o que está escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. Então abriu a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras.
E, desta vez, foi mais longe. Abriu-lhes o significado, para o mundo todo e para todos os séculos, do mistério redentor que os tinha feito sofrer tanto nos dias passados: da Paixão, Morte e Ressurreição vitoriosa de Jesus: Assim está escrito: o Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia, e no seu nome será anunciada a conversão, para o perdão dos pecados, a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sois as testemunhas dessas coisas. E eu enviarei sobre vós o que meu Pai prometeu, o Espírito Santo. O cristão – você e eu! – recebeu de Cristo a missão de ser testemunha dele por toda a terra, em todos os ambientes.
Nós já assumimos esta missão que é de todos os batizados? Será que nem pensamos nela, ou nem sequer tínhamos a mínima ideia de que, desde antes da fundação do mundo, Deus nos elegeu em Cristo para sermos santos e levar Cristo, a salvação, a muitos (cf. Ef 1, 4 ss.)?
Há umas palavras de São Josemaria que vem a calhar neste ponto da nossa meditação: «Agora que nos abeiramos um pouco do fogo do Amor de Deus, deixemos que seu impulso mova as nossas vidas, sonhemos com a possibilidade de levar o fogo divino de um extremo ao outro do mundo, de o dar a conhecer aos que nos rodeiam, para que também eles conheçam a paz de Cristo e, com ela, encontrem a felicidade»^13.
Nós levaremos a outros, com o exemplo e com a palavra, o fogo divino , se primeiro o temos bem aceso na nossa alma. Procure gravar na consciência essa verdade, que São Josemaria comentava a um advogado que lhe perguntava sobre o apostolado, num encontro com centenas de pessoas em São Paulo, no dia de Pentecostes de 1974:
(^13) São Josemaria Escrivá. É Cristo que passa , n. 170
«Todos os cristãos temos a obrigação de ser apóstolos. Todos os cristãos temos a obrigação de levar o fogo de Cristo a outros corações. Todos os cristãos temos que fazer com que se alastre a fogueira da nossa alma.
Olhe, você e eu somos pouca coisa... No fundo do meu coração, vejo-me como uma espécie de nada. Vamos dizê-lo com uma comparação: vejo-me a mim mesmo como um carvão que nada vale: preto, escuro, feio... Mas o carvão, metido no fogo, se acende e se converte numa brasa: parece um rubi esplêndido. Além disso, dá calor e luz: é como uma joia reluzente. E caso se apague? Outra vez carvão! E caso se consuma? Um punhadinho de cinza, nada.
Meu filho, você e eu temos de inflamar-nos no desejo e na realidade de levar a luz de Cristo, a alegria de Cristo, as dores e a salvação de Cristo a tantas almas de colegas, de amigos, de parentes, de conhecidos, de desconhecidos – sejam quais forem as suas opiniões em coisas da terra – , para dar a todos um abraço fraterno. Então, seremos rubi aceso, e deixaremos de ser esse nada, esse carvão pobre e miserável, para sermos voz de Deus, luz de Deus, fogo de Pentecostes!»^14.
Caminho de Emaús, caminho de vida. Como toca fundo na alma esta passagem do Santo Evangelho! Peçamos luz e forças a Deus, para que aquilo que o caminho de Emaús foi para aqueles dois amigos, o seja também para nós.
SEGUNDA PARTE: LUZES E SOMBRAS DA FÉ
Ó lentos de coração para crer (Lc 24, 25)
A BELA LUZ DA FÉ
Uma das páginas mais comoventes do livro das Confissões de Santo Agostinho é a oração que dirige a Deus, com um misto de alegria e de dor, ao se lembrar das hesitações e das demoras que atrasaram a sua conversão:
(^14) São Josemaria Escrivá. Tertúlia em São Paulo, 2-VI-
alegria deduz-se do texto original do Evangelho, que é difícil reproduzir com exatidão: Alegraram-se com uma alegria muito grande! Uma explosão de alegria no coração.
Lembremos outro relato do Novo Testamento. A comunidade cristã acabava de nascer e já sofria perseguição. Como é que viviam a fé? São Pedro o conta: Este Jesus vós o amais sem o terdes visto; credes nele sem o verdes ainda, e isto é para vós a fonte de uma alegria inefável e gloriosa, porque estais certos de obter, como preço da vossa fé, a salvação de vossas almas (1 Ped 1,8- 9).
Os testemunhos sobre a alegria da fé são inúmeros. Quero lembrar agora apenas um dos tempos modernos, o do jornalista André Frossard. Filho do primeiro Secretário geral do partido comunista francês, criado totalmente à margem da religião, entrou um dia por acaso numa igreja, apenas para esperar lá um amigo. De repente, instantaneamente, Deus o atingiu com a sua graça e passou a crer sem nenhuma dúvida, a crer em “todas” as verdades da fé católica. Foi um milagre do amor de Deus, que jamais esqueceria. Assim o comentava posteriormente:
«Como esquecer o dia em que, numa capela subitamente rasgada de luz, se descobre o amor ignorado pelo qual se ama e se respira, em que se aprende que o homem não está só, que uma presença invisível o penetra, o rodeia e o espera, que para lá dos sentidos e da imaginação existe um outro mundo, em comparação com o qual este universo material, por mais belo que seja e por mais atrativo que se apresente, não passa de vaga neblina e reflexo distante da beleza que o criou»^16.
(^16) Frossard, André. Há um outro mundo , Editora Quadrante, 2003.
Proclamado pelo Papa Bento XVI em 2011 com a Carta Apostólica Porta fidei (“A porta da fé”), o Ano da Fé teve início em 11 de outubro de 2012, quando se completavam 50 anos da abertura do Concílio Vaticano II e 20 anos da publicação do Catecismo da Igreja Católica.
É interessante observar que a palavra “alegria” – e também a palavra “beleza”– aparece em quase todos os escritos e alocuções do Papa Bento sobre a Fé, e em quase todos os documentos do Papa Francisco, a começar pela sua primeira encíclica, A alegria do Evangelho.
A carta apostólica Porta fidei fala da «necessidade de redescobrir o caminho da fé, para fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo»^17.
Na audiência da quarta-feira, 10 de outubro de 2012, véspera do início do Ano da Fé , o Papa Bento exortava a «redescobrir cada dia a beleza da nossa fé». No dia seguinte, na homilia da Missa inaugural desse Ano, a 11 de outubro, voltava a referir-se à « alegria de crer e à sua importância vital para nós, homens e mulheres». E, poucos dias depois, na audiência da quarta-feira, 17 de outubro, dizia: «Quereria que fizéssemos um caminho para reforçar ou reencontrar a alegria da fé , compreendendo que a fé não é algo alheio, separado da vida concreta, mas é a sua alma».
Conclamava a «descobrir novamente os conteúdos da fé professada (as verdades da fé), da fé celebrada (nos Sacramentos), da fé vivida (na conduta, na vida real, na vida moral), e da fé rezada (da oração e da vida de oração)»^18.
Se você conhece o Catecismo da Igreja Católica , deve ter observado que, em poucas palavras, o Papa menciona as quatro partes em que o Catecismo se divide: I. A profissão da fé; II. A celebração do mistério cristão; III. A vida em Cristo; IV. A oração cristã.
(^17) Papa Bento XVI. Carta apostólica Porta fidei, n.
(^18) Ibid. n.