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A Terceirização da Vida e Suas Consequências, Manuais, Projetos, Pesquisas de Pedagogia

Este documento discute a terceirização da vida, que se refere à delegação de tarefas e responsabilidades para sistemas computacionais ou veículos de comunicação, e seus efeitos na sociedade. O autor argumenta que a terceirização está tornando a vida cada vez mais complexa, desafiadora, competitiva e exigente, e que pode levar a uma sensação de estresse pré-traumático. Ele também discute como a terceirização pode afetar a nossa identidade e nos tornar deslocados de nós mesmos. O autor propõe que para evitar esses efeitos negativos, é importante ter a coragem e a disponibilidade de resgatar a nossa autonomia existencial e assumir o leme de nossa existência.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2020

Compartilhado em 09/04/2024

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rede-ensino-integracao-coordenacao- 🇧🇷

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Não perca as partes importantes!

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Professor? Presente!
- O educador e SEU projeto de vida -
Cheguei ontem de uma cansativa viagem para diversos estados brasileiros. É uma
rotina avassaladora. Avião, carro, reuniões, palestras lotadas, sessões de fotos. Ao
terminar tudo isso num dia, ainda tem o fato de dormir numa estranha cama de hotel
e logo na manhã seguinte mais avião, mais carro, mais reuniões, mais uma palestra,
outra cama estranha para dormir. Ao chegar em casa me prometi que iria dormir até
tarde para repor as energias, para me sentir novo de novo no dia seguinte.
Cedinho de manhã, eis que entram no meio do meu sono leves sons de pingos de
chuva nos rufos que acabei de instalar na minha casa, após quase um ano de
reformas. Sabe aquela sensação de estar entre o sonho e a realidade, quando não
sabemos se estamos sonhando mesmo ou se estamos acordados? Foi exatamente
isso que senti, uma mistura de consciências. Uma parte de mim ainda queria dormir
e a outra escutava os pingos com certa curiosidade até. Eles não estavam me
incomodando, ao contrário, me deixavam calmo.
Como era cedo e os passarinhos ainda cantavam fora, tentei lutar para dormir
mais um pouco. Até que uma ideia saltou para dentro da minha cabeça e de não
mais saiu: Professor? Presente! Fiquei pensando nisso, no quanto estamos
presentes em nossa vida pessoal, o quanto dedicamo-nos a cuidar de nosso projeto
de vida no dia a dia. Questões como estas me inquietam muito. Mas, como era
pouco mais de 6 da manhã de sábado, fiquei lutando para dormir de novo enquanto
minha mente me pedia para escrever, para levantar da cama e deixar acontecer o
gostoso fluir de ideias que todo escritor sonha sentir.
Por que lutar contra meu desejo? Em nome de quê dormir mais se me sinto tão
acordado? O que deve determinar o quanto de sono EU preciso? Ao pensar nisso
tudo tornou-se inevitável não voltar a pegar no sono. Me rendi. Peguei um copo
quentinho de leite com mel e me sentei diante do teclado, rendido às ideias que
vinham me visitar sem terem me pedido para entrar.
Fiquei então pensando no monte de imperativos que tentam hoje fatiar nossa
vida em troca de sermos mais felizes, mais fortes, mais capazes, mais
produtivos, mais charmosos, de sermos mais bem sucedidos e melhores do
que somos. Isso é o que nos tira, muitas vezes, do eixo. Com tantas regrinhas
e axiomas, nos perdemos de nossa sensibilidade interior.
hoje em dia uma infinidade de dicas para quase tudo na vida. Basta uma
Googlada ou um papo desavisado no corredor da escola e acabamos muito
facilmente absorvendo regrinhas prontas de como devemos nos alimentar, do
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Baixe A Terceirização da Vida e Suas Consequências e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Pedagogia, somente na Docsity!

Professor? Presente!

- O educador e SEU projeto de vida -

Cheguei ontem de uma cansativa viagem para diversos estados brasileiros. É uma rotina avassaladora. Avião, carro, reuniões, palestras lotadas, sessões de fotos. Ao terminar tudo isso num dia, ainda tem o fato de dormir numa estranha cama de hotel e logo na manhã seguinte mais avião, mais carro, mais reuniões, mais uma palestra, outra cama estranha para dormir. Ao chegar em casa me prometi que iria dormir até tarde para repor as energias, para me sentir novo de novo no dia seguinte. Cedinho de manhã, eis que entram no meio do meu sono leves sons de pingos de chuva nos rufos que acabei de instalar na minha casa, após quase um ano de reformas. Sabe aquela sensação de estar entre o sonho e a realidade, quando não sabemos se estamos sonhando mesmo ou se estamos acordados? Foi exatamente isso que senti, uma mistura de consciências. Uma parte de mim ainda queria dormir e a outra escutava os pingos com certa curiosidade até. Eles não estavam me incomodando, ao contrário, me deixavam calmo.

Como era cedo e os passarinhos ainda cantavam lá fora, tentei lutar para dormir mais um pouco. Até que uma ideia saltou para dentro da minha cabeça e de lá não mais saiu: Professor? Presente! Fiquei pensando nisso, no quanto estamos presentes em nossa vida pessoal, o quanto dedicamo-nos a cuidar de nosso projeto de vida no dia a dia. Questões como estas me inquietam muito. Mas, como era pouco mais de 6 da manhã de sábado, fiquei lutando para dormir de novo enquanto minha mente me pedia para escrever, para levantar da cama e deixar acontecer o gostoso fluir de ideias que todo escritor sonha sentir.

Por que lutar contra meu desejo? Em nome de quê dormir mais se já me sinto tão acordado? O que deve determinar o quanto de sono EU preciso? Ao pensar nisso tudo tornou-se inevitável não voltar a pegar no sono. Me rendi. Peguei um copo quentinho de leite com mel e me sentei diante do teclado, rendido às ideias que vinham me visitar sem terem me pedido para entrar.

Fiquei então pensando no monte de imperativos que tentam hoje fatiar nossa vida em troca de sermos mais felizes, mais fortes, mais capazes, mais produtivos, mais charmosos, de sermos mais bem sucedidos e melhores do que somos. Isso é o que nos tira, muitas vezes, do eixo. Com tantas regrinhas e axiomas, nos perdemos de nossa sensibilidade interior.

Há hoje em dia uma infinidade de dicas para quase tudo na vida. Basta uma Googlada ou um papo desavisado no corredor da escola e acabamos muito facilmente absorvendo regrinhas prontas de como devemos nos alimentar, do

esporte certo para perder peso, do livro que não podemos deixar de ler, do curso que temos que fazer ainda neste ano.

Se olharmos em volta estamos o tempo todo sendo bombardeados com ideias que nos prometem atalhos para tudo. Se usarmos a técnica X seremos mais inteligentes e nosso cérebro terá mais longevidade. Não deixe de assistir ao filme que acabou de sair, vai mudar a sua vida. Você ainda não tem este APP? Como assim? Você precisa baixar agora! Deste modo, hoje em dia parece que estamos sempre devendo ou perdendo alguma coisa.

Some-se a isto o fato de que em praticamente todos os grandes meios de comunicação estamos também sendo constantemente bombardeados por narrativas que nos incitam ao caos, remetendo-nos a uma sensação de estresse pré-traumático, em função da qual chegamos até a ter medo de sair de casa, ao sermos bombardeados sobre as mais diversas crises, problemas, violências e faltas. É fácil perceber que nossa vida tem se tornado cada dia mais complexa, desafiadora, competitiva, exigente, conectada. Uma vida, como diria o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, cada dia mais líquida. Com verdades, instituições, referências e parâmetros sendo redesenhados a todo tempo, nos sentimos facilmente deslocados de nosso eixo interno, buscando fora de nós as respostas que nos permitiriam algum senso de estabilidade diante de uma realidade sempre em mudança. E se ela nos assusta, se nos sentimos cansados diante de tanta tecnologia e tantas mensagens nos e-mails e whatsapps, diante de tantos apelos dos muitos grupos a que pertencemos, é bom fazermos algo a respeito, pois a vida não tende a se desacelerar. Muito ao contrário.

Em 1965, Gordon Moore , um dos fundadores da Intel, que produz boa parte^1 dos chips de computadores vendidos no mundo, já apregoara que a capacidade de processamento de dados iria dobrar a cada ano. Não só sua profecia se realizou, como atualmente se sabe que ela dobra a cada 18 meses. Isso significa que a velocidade de processamento das informações que usamos no dia a dia tende a crescer de forma exponencial, em progressão geométrica.

Pense no disquete que até pouco tempo atrás ainda usávamos. Hoje é tudo guardado na nuvem. Lembra-se das listas telefônicas? Basta usar um bom buscador que achamos tudo e todos. E os CDs de música que tanto apreciamos comprar? Hoje, basta usarmos um aplicativo para ouvirmos uma infinidade de músicas. Lembra que há poucos anos ainda nos localizavamos pelas cidades e

(^1) SUSSKIND, Daniel; SUSSKIND, Richard. The future of professions. Canadá, OUP OXFORD, 2016.

Assim, pouco a pouco foi sendo escrita uma ordem de vida na qual cada vez menos se percebe o gosto do prato, pois o que mais importa é postar no Insta a foto para os outros curtirem. Da mesma forma, é comum ver hoje em dia pessoas andando nas calçadas com os olhos no celular. Cada vez menos se escuta a própria fome, pois há sempre uma dieta da vez a ser seguida. Cada vez menos se escuta o sono, pois quem sabe naquela última olhada no celular antes de dormir poderemos descobrir algo que não podemos perder.

Segundo Nicholas Carr, autor do livro A geração superficial: o que a internet está fazendo com o nosso cérebro 6 , estamos nos tornando pessoas-panqueca, que sabem quase nada sobre quase tudo, com uma mente largamente estimulada, mas rasa demais.

Já Yuval Noah Harari, autor do livro 21 Lições para o Século 21 7 , aponta que o grande perigo deste nosso tempo é a sensação de inutilidade, de sermos dispensáveis diante das novas tecnologias que vêm, pouco a pouco, terceirizando nossas sensações, escolhas e decisões cotidianas. Temos confiado cada vez mais no Google para decidir que música iremos ouvir, na Netflix para decidir a próxima série e na Internet para saber do que devemos saber. Confiamos cada vez menos no que estamos realmente sentindo.

Com a nossa humanidade deslocada ao exterior, pouca chance teremos de saber o que nos torna felizes, o que nos encanta, o que nos estimula, o que nos inspira. Sem isso, nos desumanizamos e entristecemos. Morremos por dentro, ainda que diante de uma vida acelerada, que não leva a lugar algum.

Carl Gustav Jung, psiquiatra e psicoterapeuta suíço que fundou a psicologia analítica, disse: “Quem olha fora sonha, quem olha dentro desperta”. Isso nos lembra que se queremos que nossos alunos se importem com o que temos a lhes ensinar, se queremos nos sentir dignos de valor e se almejamos uma vida feliz é preciso ter a coragem e a disponibilidade de resgatar a nossa autonomia existencial, sair da terceirização tão comum de hoje e assumir o leme de nossa existência, negando cair no que o filósofo Étienne de La Boétie chamara de servidão voluntária, em que relegamos ao “outro” nossa liberdade, nossa identidade.

Só quem enfrenta o desafio de estar à frente do outro, seja dando uma aula, um treinamento ou uma palestra, sabe da energia que despendemos nesta atividade tão mágica quanto estressante que é a arte e a ciência de ensinar.

(^6) CARR, Nicholas. A geração superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros. Rio de Janeiro: Agir, 2011 7 HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21. São Paulo: Companhia das Letras, 2018

Muitas vezes nos sentimos absolutamente cansados, quando não nos sentimos vistos, reconhecidos, quando nossos alunos, as famílias, ou a coordenação não percebe o valor do que fazemos. Muitas vezes bastaria um “Obrigado”, “Me ajuda”, “Que interessante isso”, para mudar nosso dia. Sim, pois vivemos por estas frases mágicas, não por uma simples vaidade, mas porque elas revelam que neste momento estamos sendo vistos, notados, que temos valor diante do outro, que estamos fazendo alguma diferença.

É esta a ideia por trás de Professor? Presente!. Se praticarmos mais a presença em nossa própria vida, se pegarmos nas mãos o nosso projeto de vida, teremos uma chance de viver uma vida para além dos manuais superficiais de qualidade de vida que muitas vezes não nos servem. Temos a oportunidade de ganhar o que em psicologia se chama de vida qualificada. Uma forma de existir que se situa num bom ponto entre o perfeccionismo, que de nada nos serve além de esmagar nosso cotidiano com imperativos exaustivos, e os automatismos habituais, que também nos roubam o brilho nos olhos e a paz de espírito.

Se queremos uma vida com qualidade, é preciso, sobretudo, cuidar da qualidade daquilo que há de mais simples: nossa energia. Se prestarmos mais atenção ao modo com que nos alimentamos e passarmos a escolher mais aquilo que verdadeiramente nos serve, aos alimentos que nos deixam leves e satisfeitos e não pesados após ingeri-los, já teremos dado bons passos neste sentido. Dicas e blogs podem ajudar, mas de nada adiantarão se uma pessoa continuar comendo olhando ao telefone ou vendo televisão. Ela será incapaz de escutar sua fome, e muito menos perceber a maravilha que é ter o que comer.

Quantos cafés você pode tomar por dia? Isso, só o seu corpo pode dizer. Há quem desenvolva gastrite com 3 xícaras, enquanto outros podem ingerir mais de 8 sem problema. Ao escutar como nos sentimos depois de beber cada gole poderemos entender isso melhor.

Que tipo de exercício precisamos? Certamente não é o que está na última moda nas academias e sim aquela espécie de movimento que nos deixa bem depois. Hoje em dia há algum consenso científico sobre a necessidade de movimento para nossa saúde e vitalidade. Mas isso pode significar subir para seu apartamento de escada, caminhadas, HIIT, artes marciais ou Tai Chi. O que importa é se mexer ao menos 2 a 3 horas por semana, seja da forma que for. Se desprezamos nossos corpos, como querer ter uma mente sadia?

Ainda não consegui prender a atenção desta turma, mas deve ter um jeito, vou pesquisar. Ainda não sei direito como me organizar melhor, mas quero aprender. Ainda não descobri como envolver os pais dos meus alunos para que se comprometam mais com o aprendizado deles, mas deve ter alguém que já conseguiu isso, então vou pesquisar. Com um mindset de crescimento, com uma postura de vida na qual somos seres em desenvolvimento, podemos abandonar tanto o medo de errar como a prepotência e abrir espaço para a mais relevante das forças humanas: a humildade. Com elas aprendemos um pouco mais a cada dia e vencemos o medo do “Será?”, pela atitude do “Serei!”.

Desprezar nossos sentimentos e necessidades corporais tem um alto custo para nossa vitalidade. Por isso, meu convite com este texto sugere algo muito simples: Professor? Presente!

Quando nascemos diz-se que nossa mãe deu à luz. Ao observar uma criança podemos facilmente perceber que chegamos ao mundo cheios de energia, curiosidade e vontade de aprender. A partir de nossas escolhas, de nossos hábitos e de nosso autoconhecimento, podemos chegar à vida adulta e desenvolvermos um impactante trabalho, aquele que é feito com brilho nos olhos. E você, como tem cuidado do seu brilho interior?

Leo Fraiman é Psicoterapeuta, Escritor e Palestrante. Autor da Metodologia OPEE, adotada atualmente por mais de 800 escolas em todo o Brasil. É Autor do livro "Como Ensinar Bem", além de outros títulos publicados nas áreas de Orientação Profissional, Familiar e de Educação.