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Um estudo comparativo sobre as teorias de evolução de Alfred Russel Wallace e Charles Darwin
Tipologia: Notas de estudo
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Filosofia e História da Biologia, v. 1, p. 335-350, 2006.
Viviane Arruda do Carmo Lilian Al-Chueyr Pereira Martins
Resumo: O nome de Charles Darwin (1809-1882) é, em geral, imediatamente relaci- onado com a evolução orgânica. Existe, entretanto, um outro nome que diversas vezes aparece associado ao de Darwin: Alfred Russel Wallace (1823-1913). Alguns historiadores da ciência consideram que estes dois naturalistas chegaram indepen- dentemente à concepção de seleção natural. Suas teorias de evolução são consideradas bastante similares, já que ambos comunicaram conjuntamente seus resultados em julho de 1858 à Linnean Society de Londres e logo a seguir publicaram-nos na revista dessa sociedade. O objetivo desta comunicação é comparar a concepção de seleção natural em Darwin e Wallace, considerando seu artigo inicial e outras de suas obras posteriores tais como o Origin of Species (de Darwin) e Darwinism (de Wallace). Este estudo levou à conclusão de que embora Darwin e Wallace concordassem em alguns aspectos (como a relevância da seleção natural para o processo evolutivo, que esta ocorre devido ao grande poder de aumento dos organismos que existem na natureza e que atua no sentido de preservar as variações que forem úteis para a espécie), existem também pontos onde eles divergiam. Por exemplo, ao contrário de Darwin, Wallace acreditava que as diferenças em relação à ornamentação, estrutura e cor existentes entre os machos e as fêmeas era explicada apenas pela seleção natural, sendo que a seleção sexual devia ser restrita à luta entre os machos pela posse da fêmea. Além disso, Wallace (de modo oposto a Darwin) considerava que a origem da natureza moral e das faculdades mentais do homem não podia ser explicada pela ação da sele- ção natural, através de modificações graduais e desenvolvimento a partir de animais inferiores, mas que para dar conta dela era necessário recorrer a “alguma outra influ- ência, lei ou agente”. Palavras-chave: história da evolução; Darwin, Charles Robert; Wallace, Alfred Rus- sel; seleção natural
Charles Darwin, Alfred Russel Wallace and natural selection: a comparative study
Abstract: Charles Darwin (1809-1882) is, in general, immediately associated with organic evolution. However, there is another name which sometimes is associated with Darwin: Alfred Russel Wallace (1823-1913). Some historians of science consider that those naturalists arrived independently to the principle of natural selection. Their theories are regarded as quite similar, since they presented jointly their results to the Linnean Society of London in July 1858 and published them together in the journal of that society. The aim of this paper is to compare Darwin’s and Wallace’s ideas
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about natural selection, taking into account their papers of 1858 as well as some later publications such as Darwins’s The origin of species and Wallace’s Darwinism. This study led to the conclusion that Darwin and Wallace did agree in several respects, such as: that natural selection occurs due to the power of multiplication of the organisms; its relevance for the evolutionary process; and that it acts preserving the variations which are useful for the species. However, they disagreed in other respects. For instance, Wallace believed that the differences between males and females (color, ornamentati- on and structure) could only be explained by natural selection. Sexual selection was to be interpreted as the result of the battle between males for the possession of females. Besides that, Wallace (opposing Darwin’s view) considered that the origin of the mo- ral nature and mental faculties of man could not be explained by the action of natural selection, through gradual modifications and development from lower animals but should be explained by “some other influence, law or agent”. Keywords: history of evolution; Darwin, Charles Robert; Wallace, Alfred Russel; natural selection
ca-se também que, embora Wallace não tenha utilizado a expressão “seleção natural”, referiu-se a um princípio cuja conotação é a mes- ma daquele proposto por Darwin. Além do artigo de 1858, Darwin e Wallace publicaram nas décadas seguintes outras obras onde suas idéias sobre o princípio da seleção natural foram ficando mais claras e abrangentes. No entanto, sabe-se que houve pontos de discordância. De acordo com Malcolm Jay Kottler, as raízes da divergência entre Darwin e Wallace estavam na diferença de opinião quanto às leis da herança das variações e suas relações com a seleção natural. O próprio Dar- win havia reconhecido em uma carta datada de setembro de 1868 dirigida a Wallace: “Eu penso que nós partimos de noções funda- mentais de herança diferentes”. Wallace acreditava que, de modo geral, as variações que apareciam em um sexo eram herdadas igual- mente por ambos os sexos mas que a seleção natural poderia conver- ter esta herança em herança limitada ao sexo, produzindo dimorfismo sexual (Kottler, 1980, p. 204). O objetivo deste artigo é comparar a concepção de seleção natural admitida por esses dois naturalistas, principalmente a partir da sexta edição do Origin of species (1875) de Darwin e de Darwinism (1889) de Wallace^1. Entretanto, recorreremos a outras obras publicadas entre a primeira edição do Origin (1859) e Darwinism, na medida em que puderem trazer esclarecimentos sobre a questão. Embora exista um longo período entre a publicação de uma obra e outra (trinta anos), nossa escolha foi motivada pelo fato de Darwinism representar a ver- são das idéias de Wallace em sua fase madura e porque ele conside- rava estar trabalhando dentro da mesma visão adotada por Darwin, mas sob a luz de novos fatos. No prefácio da primeira edição Walla- ce explicou:
O presente trabalho trata do problema da Origem das Espécies dentro das mesmas linhas gerais que foram adotadas por Darwin: mas de um ponto de vista que se atingiu depois de quase trinta anos de dis-
1 A primeira edição de Darwinism data de 1889. Em nossa análise utilizaremos a segunda edição desta obra, datada de 1890.
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cussão, com a abundância de fatos novos e a defesa de muitas novas e antigas teorias. (Wallace, 1889, “Preface to the first Edition”, p. v) Este artigo se baseia, em grande parte, na dissertação de mestrado de uma das autoras (Carmo, 2006).
Na introdução do Origin of species, Darwin comentou que, duran- te sua viagem como naturalista do HMS Beagle, ficara bastante im- pressionado com certos fatos referentes à distribuição dos seres vivos que habitam a América do Sul e as relações geológicas existentes entre seus habitantes antigos e atuais. Ele acreditava que tais fatos poderiam trazer algum esclarecimento sobre a origem das espécies (Darwin, [1875], p. 6). Após o retorno da viagem, Darwin se dedicou ao estudo do problema e acabou concluindo que havia uma evolução dos seres vivos que ocorre através de um processo lento e gradual, através do acúmulo de pequenas modificações sobre as quais atua a Seleção Natural^2. Darwin assim conceituou o princípio da seleção natural: “A esta preservação das diferenças e variações individuais favoráveis, e a destruição das prejudiciais eu chamei de Seleção Natural ou Sobrevi- vência do mais apto” (Darwin, [1875], p. 40). Darwin comentou no capítulo 4 do Origin que alguns autores en- tenderam mal ou fizeram objeções ao termo “seleção natural”. Al- guns chegaram a pensar que a seleção natural induzia a variabilidade. Mas para ele, a seleção natural implicava apenas na preservação das variações que surgem e são benéficas para o indivíduo sob suas con- dições de vida. E acrescentou: “Estou convencido de que a seleção é o principal, mas não o exclusivo meio de modificação das espécies” (Darwin, [1875], p. 43). Assim, embora a seleção natural fosse para a principal causa de modificação das espécies, não explicava tudo. Ele admitia também a existência de outros processos que contribuíam
(^2) Para uma análise detalhada do princípio da seleção natural no Origin of species
de Darwin ver Regner, 1995.
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mudanças vantajosas nos indivíduos (Darwin, [1875], pp. 81-82). Conforme o naturalista britânico, as mudanças de condições de vida favorecem a seleção natural porque são mais propícias à produ- ção de variações vantajosas. Essas variações se referem às diferenças individuais, que segundo o autor, teriam a mais alta importância por- que além de serem transmitidas hereditariamente, fornecem material sobre o qual pode atuar a seleção natural (Darwin, [1875], p. 45). Ele explicou:
Uma grande variabilidade – termo onde sempre são incluídas as dife- renças individuais – será evidentemente favorável [à ação da Seleção Natural]. Um grande número de indivíduos, apresentando maiores possibilidades de variações vantajosas num determinado tempo, compensará uma menor variabilidade em cada indivíduo e será, a- credito, um elemento muito importante para o sucesso. (Darwin, [1875], p. 49) De acordo com Darwin, os instintos são tão importantes para uma espécie quanto suas estruturas corporais e é bem possível que mesmo pequenas modificações no instinto possam ser úteis para uma espécie (Darwin, [1875], p. 19). Ele acreditava que as qualidades mentais dos animais domésticos estavam sujeitas a variações que poderiam ser herdadas. No capítulo 8 procurou mostrar que os instintos de animais no estado selvagem poderiam variar ligeiramente. Acreditando que a seleção natural poderia agir sobre tais variações ele comentou:
Ninguém irá questionar que os instintos são da mais alta importân- cia para cada animal. Portanto, não existe nenhuma dificuldade real que, sob mudanças das condições de vida, a seleção natural acumu- le até certo ponto modificações do instinto que possam de algum modo ser úteis. Em muitos casos o hábito e o uso e desuso prova- velmente atuaram. (Darwin, [1875], p. 134) Veremos na próxima seção que Wallace tinha uma posição dife- rente quanto a este aspecto. Darwin utilizou o princípio da seleção natural para explicar a evo- lução de todos os seres vivos, inclusive do homem, incluindo suas faculdades morais e intelectuais. Embora ele não tivesse tratado da origem do homem no Origin, ele abordou este aspecto em uma obra
posterior, The descent of man (1871). Considerando que as faculda- des morais e intelectuais do homem derivaram-se de seus rudimentos nos animais inferiores, da mesma maneira e pela ação das mesmas leis gerais das quais derivou-se sua estrutura física (Darwin, [1871], p. 285). Além da seleção natural, Darwin sugeriu um outro mecanismo que poderia ocasionar a modificação das espécies: a seleção sexual. No Origin ele explicou que a seleção sexual está relacionada à luta entre indivíduos do mesmo sexo (em geral machos) pela posse do sexo oposto. A seleção sexual, diferentemente da seleção natural, está associada com a vantagem que certos indivíduos apresentam sobre os outros do mesmo sexo e da mesma espécie, somente naquilo que concerne à reprodução (Darwin, [1875], p. 43). Ele esclareceu:
Esta forma de seleção não depende da luta pela existência em relação a outros seres orgânicos ou às condições externas, mas à luta entre indivíduos de um mesmo sexo, geralmente os machos, pela posse do outro sexo. O resultado não é a morte do competidor mal sucedido, mais deixar poucos descendentes ou nenhum. (Darwin, [1875], p. 43) Neste caso, em vez da sobrevivência, o fator crucial seria a repro- dução. Qualquer caráter que fosse útil no sentido de obter uma com- panheira iria se desenvolver bastante no macho. Por exemplo, as co- res vivas de muitos pássaros quando bem desenvolvidas permitiriam que eles atraíssem mais fêmeas e que deixassem mais descendentes (Bowler, 1990, p. 118) Assim, segundo Darwin, quando machos e fêmeas de qualquer es- pécie animal apresentam os mesmos hábitos de vida, mas diferem sob o ponto de vista de estrutura, cor ou ornamentação, estas diferen- ças são devidas quase que unicamente à seleção sexual e eles as transmitem somente à sua descendência masculina (Darwin, [1875], p. 44).
Foi após a morte de Darwin que Wallace escreveu o livro Darwi- nism, procurando apresentar de forma unificada sua visão sobre a
após ano e são acumuladas da maneira já descrita. A pureza da raça, com a seleção repetida das melhores variedades daquela raça, é a ba- se de toda a melhoria de nossos animais domésticos e plantas culti- vadas. (Wallace, 1890, p. 85) De modo análogo a Darwin (ver Carmo, 2006, capítulo 2, seção 2.3), Wallace acreditava que as espécies na natureza se formavam através da seleção natural e procurou apresentar no decorrer de Dar- winism uma série de fatos e argumentos que mostrassem isso (Walla- ce, 1890, p. 103). Como Darwin, ele considerava que a luta pela exis- tência presente na natureza se devia ao grande poder de aumento de todos os organismos, que por sua vez são expostos a numerosos e variados perigos durante toda a sua existência. É somente por meio da exata adaptação de sua organização ao ambiente, incluindo seus instintos e hábitos, que eles poderão sobreviver e produzir descen- dentes que poderão ocupar seu lugar quando deixarem de existir (Wallace, 1890, p. 103). Wallace ainda ressaltou que, da totalidade do aumento anual somente uma pequena fração pode sobreviver, e concluiu:
Embora em alguns casos a sobrevivência dos indivíduos possa ser devida mais ao acidente do que à sua real superioridade, ainda assim não podemos duvidar que, a longo prazo, aqueles que sobrevivem são mais adaptados através de sua perfeita organização, de modo a escapar dos perigos que os circundam. Esta “sobrevivência do mais adaptado” é o que Darwin chamou de “seleção natural,” porque na natureza conduz aos mesmos resultados que são produzidos pela se- leção feita pelo homem entre animais domésticos e plantas cultiva- das. Seu efeito primário será, claramente, conservar cada espécie na sua mais perfeita saúde e vigor, com cada parte de sua organização em completa harmonia com as condições de sua existência. Impede qualquer possível deterioração no mundo orgânico e produz a apa- rência de vida exuberante e felicidade, de saúde e beleza, que pro- porciona tanta paz, e que pode levar o observador superficial a supor que a paz e quietude reinam na natureza. (Wallace, 1890, p. 103) Wallace afirmou que, além da luta pela existência entre animais, plantas e seus inimigos diretos, tais como animais que se devoram ou as forças da natureza que podem causar sua destruição, existe um outro tipo de luta que pode ocorrer entre espécies proximamente re-
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lacionadas, durante uma mesma época e que ocupam lugares próxi- mos na natureza, quase sempre, termina com a destruição de uma delas (Wallace, 1890, p. 34). De modo semelhante a Darwin, Wallace considerava este tipo de luta, ou seja, de espécies muito próximas que ocupavam a mesma região, como sendo o mais severo (Wallace, 1890, p. 33). Como é bem sabido, a idéia de uma luta pela existência entre indivíduos de uma mesma espécie, indivíduos de espécies diferentes e dos indiví- duos com o meio já aparecia em Darwin, no Origin (Carmo, 2006, capítulo 2, seção 2). Wallace discutiu também o aspecto ético da luta pela existência, dedicando uma seção do capítulo 2 a este ponto, portanto, um espaço maior do que Darwin dedicara à discussão desse mesmo tema. Wal- lace comentou que diversos escritores tinham salientado que a luta pela existência trazia quantidades maciças de crueldade e dor e mui- tas pessoas questionavam se a dor, sofrimento e morte seriam inven- ções que podiam ser atribuídas a um Deus bondoso. Wallace consi- derava tal posicionamento exagerado e que o suposto tormento e mi- séria tinham pouca existência real. Eram mais o reflexo de sensações cultivadas e imaginadas por homens e mulheres em circunstâncias similares. Porém, na realidade, o sofrimento causado pela luta pela existência entre animais era totalmente insignificante (Wallace, 1890, p. 37). Como Darwin, ele acreditava que a seleção natural atuava somen- te no sentido de preservar as variações que fossem benéficas para o organismo (Wallace, 1890, p.120; Darwin, [1875], p. 40; Carmo, 2006, capítulo 2, seção 2.3). Entretanto, isso não implicava em qual- quer lei que preconizasse um progresso na organização dos indiví- duos (Wallace, 1890, p. 121), como supunha Lamarck na primeira lei que aparece na sua teoria da progressão dos animais, por exemplo (Martins, 1993, cap.5; Martins, 1997, pp. 35-37). Poderia ocorrer muitas vezes um avanço na organização, porém nem sempre, pois muitas vezes formas com organização mais simples permaneciam na natureza, como Wallace exemplificou através do caso da serpente que teria se desenvolvido a partir de algum tipo de lagarto que perde- ra seus membros (Wallace, 1890, p. 121).
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como as cigarras macho, tinham desenvolvido órgãos musicais, que permitem o reconhecimento pelo sexo oposto (Wallace, 1890, p. 269). Wallace discordava de Darwin em relação à atribuição dos pa- drões e cores das asas das borboletas à seleção sexual, ou seja, devi- do à preferência das fêmeas por machos mais brilhantes, sendo as cores transmitidas às vezes somente aos machos e às vezes a ambos os sexos. Ele comentou: “Esta visão sempre me pareceu não ser a- poiada pelas evidências, sendo bastante inadequada para dar conta dos fatos” (Wallace, 1890, p. 274). E continuou:
É sabido que as borboletas preferem algumas flores mais coloridas; mas isto não prova nem torna provável qualquer preferência pela cor em si, mas somente por flores com certas cores devido a terem um néctar mais agradável ou mais abundante. (Wallace, 1890, p. 275) Para Wallace as diferenças sexuais não podiam ser explicadas a partir da hipótese da ação direta da escolha ou preferência da fêmea. Sabe-se que Darwin atribuía a origem de todos os caracteres sexuais secundários (cristas ornamentais, plumas acessórias nos pássaros, sons nos insetos, cristas e barbas nos macacos e outros animais e cores e padrões brilhantes dos pássaros machos e borboletas), exceto as armas de ataque e defesa, à seleção sexual. Darwin ia além disso, pois atribuía uma grande parte das cores brilhantes que ocorrem em ambos os sexos, ao princípio da variação que ocorria em um sexo e que era às vezes transmitido apenas ao sexo masculino, às vezes a ambos devido às peculiaridades das leis de herança (Wallace, 1890, p. 283). Wallace explicou:
Nessa extensão da seleção sexual que inclui a ação da escolha ou preferência da fêmea, e na tentativa de dar a esta escolha tais efeitos de alcance amplo, eu sou incapaz de segui-lo [...] e vou apontar agora algumas razões pelas quais penso que suas idéias não fazem sentido. (Wallace, 1890, p. 283) Para Wallace, as armas adquiridas pelo macho para lutar com os outros machos, sons e odores peculiares ao macho que servem para chamar a fêmea ou para indicar sua presença, chamados e cantos dos pássaros, plumas e ornamentos úteis para cada espécie foram desen-
volvidos através da ação da seleção natural (Wallace, 1890, pp. 284- 285). Ele explicou que as cores dos animais eram fundamentalmente pa- ra proteção e isso provavelmente se aplicavas às cores primitivas de todos os animais. No decorrer da evolução as cores foram produzidas e modificadas pela ação da seleção natural como sinal de advertên- cia, reconhecimento, mimetismo ou proteção especial (Wallace, 1890, p. 288). Ele concluiu:
O termo “seleção sexual” deve, portanto, ser restrito aos resultados diretos da luta e combate entre os machos. Isto é realmente uma for- ma de seleção sexual e assunto de observação direta; enquanto seus resultados podem ser claramente deduzidos como aqueles dos muitos outros modos através dos quais age a seleção natural. E se esta restri- ção do termo é necessária no caso dos animais superiores, é ainda muito mais no caso dos inferiores. (Wallace, 1890, p. 286) Darwin explicou no Descent of man que algumas vezes ações ha- bituais poderiam ser herdadas e que “a semelhança entre o que era originalmente um hábito e um instinto se tornava tão pequena a pon- to de não poder fazer uma distinção entre eles”. Ele pensava, além disso, que quando havia mudanças nas condições, pequenas modifi- cações do instinto poderiam ser proveitosas para uma espécie e que a seleção natural poderia preservar e acumular tal tipo de variação (Darwin, [1871], p. 119). Wallace, contrariamente a Darwin, não acreditava que os instintos tinham surgido a partir de variações úteis, que, de modo análogo a outras variações tinham sido herdadas (Wallace, 1890, p. 441). Ele esclareceu:
À primeira vista pode parecer que os hábitos adquiridos de nossos cachorros treinados – pointers, retrievers, etc.– são certamente her- dados; mas este não é o caso porque algumas peculiaridades físicas e estruturais como modificações nos ligamentos dos músculos, aumen- to do refinamento do faro ou visão [...] são herdados; e a partir des- ses, segue-se como uma conseqüência natural, que são facilmente adquiridos. Agora, como a seleção está sempre trabalhando para me- lhorar nossos animais domésticos, nós inconscientemente modifica- mos a estrutura preservando somente os animais que melhor servi-
camente à seleção sexual, por conferirem ao macho superioridade em relação à beleza, defesa, etc. e serem transmitidas somente à descen- dência masculina. Para Wallace, tais diferenças podiam ser explica- das pela seleção natural estando relacionadas à defesa, proteção ou reconhecimento pela própria espécie, não dependendo, portanto, da escolha da fêmea. Wallace discordava de Darwin que o instinto dos animais tivesse surgido a partir do acúmulo de variações que tivessem utilidade para a espécie, selecionadas pela seleção natural, e que estas fossem her- dadas. A posição adotada por Darwin em relação à origem da natureza moral e das faculdades mentais do homem, através de modificações graduais e desenvolvimento a partir de animais inferiores, sob a ação da seleção natural, não era compartilhada por Wallace. Ao contrário de Darwin, que acreditava que todas as variações que ocorriam no homem “eram induzidas pelas mesmas causas gerais e governadas pelas mesmas leis gerais e que estavam sujeitas à ação da Seleção Natural” (Darwin, [1871], p. 285), Wallace se propôs a mostrar que a natureza moral e intelectual do homem não haviam sido desenvolvi- das somente pela variação e seleção natural mas que para dar conta delas era necessário recorrer a “alguma outra influência, lei ou agen- te” (Carmo, 2006, capítulo 3, seção 3.5). Ele justificou sua posição explicando que um número bem grande de faculdades mentais que não existiam nos selvagens ou então exis- tiam em condição muito rudimentar apareceram de repente bastante desenvolvidas nas raças civilizadas, caracterizando uma pequena parte da comunidade. Tais características não poderiam ter sido de- senvolvidas através da ação da seleção natural. Isso o levou a crer que havia uma diferença entre a origem das características físicas e mentais do homem em relação àquelas de outros animais. Assim, ele pensava que a presença de tais características não podia ser explicada pela seleção natural, como pensava Darwin (Wallace, 1890, pp. 461- 464).
As autoras agradecem à Secretaria de Educação do Estado de São
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Paulo e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec- nológico (CNPq) pelo apoio recebido que viabilizou a realização desta pesquisa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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