



Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
11ª ed.. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016. 288p. PERFORMANCES E PROBLEMAS DE GÊNERO, JUDITH. BUTLER. Marcel de Almeida Freitas1. Judith Butler ...
Tipologia: Notas de aula
Compartilhado em 07/11/2022
4.4
(172)415 documentos
1 / 7
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
Judith Butler é uma filósofa norte-americana de origem russo-judaica pós- estruturalista nascida em 1956. Hoje atua na Universidade da Califórnia, em Berkeley, onde se dedica a temas relativos à retórica, ética, filosofia política, literatura comparada, relações de gênero e aos estudos sobre mulher. Ela realizou seu doutorado na Universidade de Yale em 1984 e tratou da questão do desejo a partir de uma perspectiva hegeliana. De orientação homossexual, a autora fala principalmente a partir da teoria queer e do feminismo pós-moderno. Deste modo, sua extensa obra é fundamental para diferentes campos de conhecimento como as Ciências Sociais, Literatura, Comunicação Social, Psicologia, Direito e, até mesmo, Medicina e Biologia. GenderTrouble: feminism and subversion of identity é uma obra que, mais de 25 anos após sua publicação original nos Estados Unidos ainda vem causando importante impacto nos estudos de gênero e nas teorias queer, não somente no Brasil, mas em praticamente todo o Ocidente.
A própria Butler procedeu a releituras e modificações no prefácio da edição comemorativa dos 10 anos, em 1999, e na conferência realizada quando do aniversário de 25 anos da obra ela revê e problematiza questões ali colocadas inicialmente. Sem abandonar seu olhar inicial sobre as relações sociais, isto é, de que gênero e a sexualidade humana são construídos performativamente pela cultura ao longo do tempo e em diferentes contextos sociais e quenão são somente normativos, em Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade, primeiro livro da filósofa lançado no Brasil e publicado pela primeira vez em 1990,
(^1) Faculdade de Estudos Administrativos. E-mail: marcel.fae.ufmg@gmail.com. Doutor em Educação. Pesquisador Colaborador da Universidade Federal de Minas Gerais e Professor da
cuja 11ª edição é o tema desta resenha, ela agrega indagações, provocações e postulados que contemplam a questão do discurso e do poder, especialmente em Foucault, e dos sistemas simbólicos mais abrangentes como é o caso, por exemplo, daqueles tratados pela Psicanálise, especialmente a lacaniana.
Neste livro provocador Butler elabora incisiva crítica a dois pilares do movimento feminista e dos movimentos sociais em geral: a identidade e a categoria “mulher”. Segundo ela, não é possível existir uma identidade conforme veio preconizando a metafísica ocidental, e o sexo e a sexualidade são tão “convenções sociais” quanto o gênero, sendo, tanto a identidade quanto a sexualidade, constituídas a partir da prática, da performatividade, e não o oposto. Ela argumenta que, paradoxalmente, buscar definir uma identidade para certo movimento político-social acaba por “aprisionar” os indivíduos em categorias ontológicas engessadas ao invés de os libertar como os movimentos pleiteiam, isso valendo não apenas para os movimentos feministas.
Neste sentido, a filósofa rejeita a metafísica da substância subjacente à maior parte do pensamento filosófico desde o Iluminismo e que conduziu a reflexões cristalizadas de que o corpo e o sexo seriam categorias auto evidentes e a priori à cultura. Para ela, também estas categorias como a realidade são produzidas performativa e culturalmente. Além da performatividade, outros pontos fulcrais do livro são a centralidade da categoria gênero, a questão do sujeito, o binarismo cultura versus natureza, a passagem de uma heterossexualidade compulsória para uma heteronormatividade das relações sociais e a constituição linguística do real. Butler também criticou os pressupostos do “construcionismo social”, defendendo que a noção de performatividade busca outro registro teórico para as armadilhas do “culturalmente construído”.
Conforme foi dito, Problemas de gênero foi o primeiro livro de Judith Butler lançado no Brasil, cuja primeira edição (norte-americana) é de 1990, sendo, talvez, sua obra mais conhecida. Propositalmente provocador e escrito em linguagem pouco comum na academia, contribuiu decisivamente para a crítica teórica e para que as metodologias de estudos feministas fossem revisitadas desde então. O livro está segmentado em três grandes capítulos principais que, por sua vez, estão divididos em tópicos mais específicos: capítulo 1- Sujeitos do sexo/gênero/desejo;
e temporais. Este é um dos pontos em que ela contesta Simone de Beauvoir: não haveria nenhuma essência no “ser” fêmea que o levasse, inexoravelmente, a se tornar mulher, tentando, nesta proposta, “libertar” o gênero e o sexo daquilo que Butler nomeia, baseando-se em Nietzsche, da metafísica da substância.
Dizendo de outra maneira, o sexo também é uma categoria sociocultural e também é construído, ao lado de gênero, que é uma categoria construída a partir das práticas, discursos e vivências individuais dentro da sociedade. A partir destas formulações radicais, a autora questiona também a heterossexualidade compulsória, buscando lançar a questão da hetero/bi/homossexualidade em novas linhas de reflexão, criticando algumas pressuposições ontológicas e epistemológicas há muito radicadas nas ciências humanas como, por exemplo: o que é/estar ser mulher, o que é/estar homem? Indagações estas que, conforme a filósofa, ampliam a percepção da multiplicidade de sexualidades e de “gêneros”. Não haveria, então, uma “alma”, natureza ou essência feminina ou masculina.
No que concerne à organização do livro, no primeiro capítulo Butler recoloca a questão de “a mulher” (sempre questionando desde o início o termo no singular) como sujeito do movimento feminista e a diferenciação sexo/gênero, bem como o falocentrismo e a heterossexualidade compulsória, compreendendo tais categorias como regimes de poder/de discurso e arguindo: como a linguagem constrói as categorias de gênero? Onde e como convergem falocentrismo e heterossexualidade? A linguagem realmente funde o sexual e o feminino, sendo o masculino tido como “geral”, como postula a acadêmica Luce Irigaray? Como a linguagem constrói a produção fictícia de “sexo”? Que práticas culturais produzem a dissonância e a descontinuidade subversiva entre gênero, desejo e sexo e suas relações? Estas são algumas importantes perguntas que ela lança neste capítulo.
No segundo capítulo a cientista nos oferta uma leitura crítica do estruturalismo, seja na Psicanálise, seja na Antropologia, bem como discorre sobre as apropriações do termo, algumas, a seu ver, duvidosas, feitas pelo feminismo acerca do tabu do incesto enquanto processo que busca impor identidades e desejos sexuais distintos e internamente coerentes aos sujeitos a partir de uma matriz psicológica estruturada em torno da heterossexualidade. Aqui dialogando principalmente com a teórica feminista Monique Wittig, ela discorda das posturas ortodoxas
do estruturalismo que advogam um estágio “pré-jurídico”, “pré-cultural” e, especialmente, “pré-linguístico” da humanidade. Na sua acepção, não há um “eu” antes que é revelado pela cultura, mas sim o próprio ‘eu’ é produzido e modificado ao longo da sua trajetória de vida social.
Além do discurso, outro tema que atravessa todo o livro é a questão das relações de poder, quando Butler claramente se alicerça em Foucault, mas, obviamente também, não de forma acrítica. Dentre as admoestações mais ácidas que Butler dirige ao corpo teórico psicanalítico é o de considerar a mulher 1- no singular e 2- como ausência. Ademais, ela reprova o fato de “(...) o discurso estruturalista se referir à Lei, no singular, seguindo o argumento de Lévi-Strauss de que existe uma estrutura universal de troca reguladora que caracteriza todos os sistemas de parentesco” (p. 77). Além disso, a autora refuta as ideias de totalidade e de universalidade próprias do estruturalismo, bem como o binarismo e o dualismo que lhe é peculiar. Logo, o sujeito é a um só tempo sexuado e sexuante, ou seja, o sexo não é dado, é elaborado tanto quanto o desejo ou o gênero.
No seu entender, os seres humanos, seja enquanto grupo seja enquanto indivíduos, vão sendo elaborados e modificados paralelamente à construção/ transformação social da própria linguagem e dos elementos sociais que os compõem. Seria, então, um processo dialético. No terceiro capítulo, em que trata da questão da corporalidade, Butler discute (na maioria das vezes concordando) com a antropóloga Mary Douglas e com a filósofa Julia Kristeva sobre a “implosão” dos binarismos sexuais tipo macho-fêmea e ensejando uma subversiva ressignificação dos termos e das práticas corporais e sexuais assim como do desejo. Neste ponto, ela coloca que as identidades e os sujeitos são fundamentalmente performativos, ou seja, não basta dar-lhes nomes, mas há que atentar também para os atos concretos que lhes dizem respeito, não somente sexuais, mas corporais de modo geral.
Colocando em outros termos, o principal intuito da filósofa ao longo de toda a obra foi historicizar e salientar o aspecto socialmente construído dos processos, estruturas e fenômenos ligados ao desejo, ao corpo, à sexualidade e ao gênero. Neste sentido, Butler insere a biologia no domínio do construcionismo social, da mesma forma que procedeu, obviamente, em relação ao gênero. Ademais,
gênero advêm de conjuntos de ações performativas, são práticas performativas (que ela difere do conceito de performances como concebia Erving Goffman, por exemplo) que produzem significados culturais.
Recebido em julho de 2017
Aceito para publicação em maio de 2018