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bordado passou de um símbolo de subserviência a uma técnica pela qual as ... as várias questões referentes à psicologia e a representação.
Tipologia: Notas de aula
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Belém – Pará 2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA ARTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES – PPGARTES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Artes da Universidade Federal do Pará, como requisito para obtenção do título de Mestra em Artes. Orientadora: Profa. Dra. Bene Martins. Linha de Pesquisa: Teorias e Interfaces Epistêmicas em Artes.
Belém – Pará 2019
Às minhas mulheres: bisavó Joana, avó Delva, mãe Rosana e irmã Renata.
A vida acadêmica vai além de um alcance solitário, necessita de uma grande colaboração de pessoas e instituições que fazem possível a realização de uma pesquisa. Sou grata a rede de ensino pública, que permitiu a realização de toda a minha formação acadêmica e me deu tantas oportunidades. Dentro de uma universidade percebi que a educação era o único caminho pelo qual realizaria meus mais ambiciosos sonhos. À CAPES, pois só com o apoio viabilizado pela bolsa cedida, consegui realizar esta pesquisa de maneiras dedicada e intensa. Ao bordado, que transformou toda a minha vida e me deu razão para criar e sentido ao meu fazer. Às mulheres que me transformaram em uma bordadeira e me iluminaram para esta pesquisa: minha bisavó Joana Amoras e vovó Delva Padilha. À minha primeira professora de bordado Priscila Casna, ao Clube do Bordado – especialmente à Renata Dania e Vanessa Israel
exaustivos e desafiadores da escrita. Aos professores que me permitiram dividir sala com eles em estágio docência, tão generosos e dedicados: Leonardo Valente, Roseli Sousa e Alex Damasceno. À querida professora Rosangela Gouvêa, por sempre me receber de braços abertos na UEPA. À minha mãe, que me criou em meio aos seus livros de história e despertou o meu desejo em pesquisar. Por ter sempre me entusiasmado a estudar, me apresentado a livros e dividir a vida de professora comigo, me fazendo ter ainda mais amor pelo trabalho do educador. Por ter acreditado que eu seria uma bordadeira, financiado cursos e materiais, sem nunca duvidar da minha capacidade. Tu és a mulher que eu mais amo e admiro em todo o mundo. Ao meu amor, meu marido, meu maior companheiro, Erik Lopes. Todo esse processo só foi concluído com o incentivo, apoio e doação dele. Tuas contribuições são inumeráveis! Revisor, fotógrafo, curador, editor, consultor, especialista em editais... Se não fosse o teu ouvir, o teu ler e o teu amparo todas as vezes que eu me sentia frustrada e incapaz de seguir em frente, esta dissertação não existiria. Tantas vezes tu acreditaste mais em mim do que eu mesma, e eu não poderia ser mais grata por te ter na minha vida. À minha família por entender as minhas ausências, me ajudar a realizar meus trabalhos, me darem apoio e carinho em todos os momentos. Principalmente ao papai, grande entusiasta da curiosidade, que além de me transformar em uma pessoa inquieta por informações, me ajudou a pagar passagens para apresentar trabalhos e me levou em tantas aulas. Ao meu irmão, Lucas, que me auxiliou e revisou meus textos, escutou minhas inquietações e contribuiu para esta pesquisa de tantas maneiras. À tia Rose, que me deu apoio financeiro quando precisei viajar para apresentar trabalho e me incentivou a seguir nos estudos. Aos Paiva Lopes pelo cuidado, paciência e ajuda durante todos esses anos nos quais eu estive em constante trabalho. Aos Cardoso de Sousa por me receberem com tanto amor em Brasília, nas corridas viagens para participar de congressos. Às amigas Ana Clara, Drica, Sammliz e Adriana Faria, pelo companheirismo, ajuda e pelas tardes bordando e me fazendo crer que amores e bordados nunca estão separados. Aos meus filhos que, silenciosamente, foram tão importantes nestes últimos meses de dissertação. Me fizeram entender a força que tenho e me incentivaram, ainda mais, a construir um futuro melhor.
SOUSA, Juliana Padilha de. Tramas Invisíveis: Bordado e a Memória do Feminino no Processo Criativo. 2019. 164 f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Programa de Pós-Graduação em Artes, UFPA, Belém.
A presente pesquisa, pertencente à linha de Teorias e Interfaces Epistêmicas em Artes, discute sobre as relações entre o ato criativo da bordadeira e suas memórias enquanto mulher, na vivência doméstica e familiar. Estudar uma técnica que, por tanto tempo esteve à margem da esfera acadêmica, e que possui diversas facetas e práticas múltiplas, requer um alinhavo calmo e paciente. Como a própria linha de pesquisa incentiva o agregar de conhecimentos, busquei referências em outros espaços científicos como as ciências sociais, a psicanálise, a história, a memória e o design. Costurando aproximações com estudos da historiografia da arte e do bordado, feminismos, memória e identidade, procuro compreender sobre a complexa tessitura da bordadeira contemporânea, por meio de entrevistas realizadas com quatro bordadeiras, com as quais tramo diálogos sobre a invisibilidade de ser mulher na arte e as inquietações que circundam seus processos criativos. Analiso inserções feministas na arte contemporânea, que revelaram o bordado como uma prática repleta de simbologias. Divide-se o trabalho em Avesso e Frente, destacando a dualidade intrínseca que compõe a prática e sua natureza delicada e subversiva. É ainda intenção do trabalho pensar e criar novas bordaduras, materializadas em um álbum de fotos bordadas – “O Álbum Invisível”, experimentações que surgem da escrita científica, tecendo lugares de memórias e existência/resistência. Revisitar a história da arte feminina é um trabalho que requer uma pesquisa longa e vasta, logo o que apresento aqui neste decorrer é parcial, restrito a um tempo, espaço e a um ponto de vista.
Palavras-Chave: Bordado. Memórias. Mulheres Artistas. Traços identitários. Processos Criativos.
SOUSA, Juliana Padilha de. Invisible Threads: Embroidery and the Female memory in the creative process. 2019. 164 f. MA thesis (Master of Arts) – Postgraduate Program in Arts, UFPA, Belém.
The present work, part of reseach line “Theories and Epistemic Interfaces in Arts”, discusses the relationships between creativity and the embroiderer at the same time, in domestic and family life. Studying a technique that, lived at the border of the academic grade for so long, and has multiple functions and multiple practices, requires a calm and patient analysis. As a line of research that encourages the approach of knowledge, this master’s thesis refers to other scientific contexts such as social sciences, psychoanalysis, history, memory and design. The relationship of studies in the historiography of art and of embroidery, women, memory and identity, the study tries to understand the compIex composition of the contemporary embroiderers through interviews, building dialogues about the invisibility of being a woman in the art worlds and the questions that surrounds their creative processes. By analyzing feminist insertions in contemporary art, it is revealed embroidery as a practice fulfilled with symbology. The thesis is divided into Back and Front, highlighting the intrinsic duality that makes up the practice and its delicate and subversive nature. It is also a purpose of the work to think and create new borders, materialized in an artist's book and an album of embroidered photos, "The Album of the Yarns" and "The Invisible Album", experiments that arise from the scientific writing, to weave new spaces of memories and existence /resistance.. To recover the history of the feminine art it is required a long and extensive, however this research is only partial, within a limited space, time and pont of view.
Keywords: Embroidery. Memory. Women Artists. Identity Traits. Creative Processes.
Figura 59 : O álbum invisível, 2018 – Capa, folha 1 e folha 2. Fotografia, Papel, Bordado, Paetê, Acetato, Marcador Permanente e Colagem. 22 x 22 cm ........................................... 136 Figura 60 : O álbum invisível, 2018 – Folha 3 e folha 4. Fotografia, Papel, Bordado, Paetê, Acetato, Marcador Permanente e Colagem. 22 x 22 cm ...................................................... 136 Figura 61 : O álbum invisível, 2018 – Folha 5 e folha 6. Fotografia, Papel, Bordado, Paetê, Acetato, Marcador Permanente e Colagem. 22 x 22 cm ...................................................... 137 Figura 62 : O álbum invisível, 2018 – Folha 7 e folha 8. Fotografia, Papel, Bordado, Paetê, Acetato, Marcador Permanente e Colagem. 22 x 22 cm ...................................................... 137 Figura 63 : O álbum invisível, 2018 – Folha 9 e folha 10. Fotografia, Papel, Bordado, Paetê, Acetato, Marcador Permanente e Colagem. 22 x 22 cm ...................................................... 138 Figura 64 : O álbum invisível, 2018 – Verso da folha 10. Papel, Acetato, Marcador Permanente e Colagem. 22 x 22 cm ..................................................................................... 138
Uma pesquisa é um compromisso afetivo^1 , uma relação de dia e noite que transborda a prática enquanto pesquisador e adentra a vida por inteiro, sendo impossível separarmos o fazer do ser. Desde o início da vida acadêmica almejo um objeto de pesquisa que envolva o fazer científico que me atravesse enquanto pesquisadora e mulher. Assumindo o papel de artista- etc.^2 , transitei por diversas formas do fazer: fotografia, cenografia, pintura, cinema; em uma busca constante pela identificação, pelo compromisso afetivo que poderia advir destas. Era certeza que gostaria de seguir pesquisando, mas que lugar era este que me pertencia? Em 2015, peguei uma agulha com linha pela primeira vez, e poucos pontos depois, enxerguei aquele tecido como uma rede de infinitas possibilidades nas quais eu poderia pespontar este caminho de pesquisadora, envolta de afetos, memórias e manualidades. Assim, o distante e complexo espaço acadêmico se transformara num acolhedor lugar de diálogos e partilhas. Este é um trabalho sobre o fazer feminino a partir das linhas e agulhas. Um tecido-texto
(^1) BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p.
(^2) BASBAUM, Ricardo. Manual do artista-etc. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2013.
A costura e o bordado materializam questões sociais de gênero, limitações dos espaços públicos e privados nos quais as atividades desenvolvidas por mulheres foram por séculos socialmente subalternizadas. Por centenas de anos resignadas à categoria de “artes menores” ou “arte aplicada”, a produção artística têxtil no Ocidente esteve fora da apreciação puramente artística. Acervos de museus dão destaque às grandes pinturas e esculturas de famosos artistas, na maioria homens, nos transmitindo a errônea informação de que estes espaços não pertencem à mulher e às suas agulhas. Algumas coleções, porém, como a do museu britânico Victoria and Albert Museum expandiram seus conceitos de arte e incluíram obras têxteis, dedicando uma seção específica para bordados. Produzidos na Inglaterra, França, Grã-Bretanha, Portugal, Itália e demais países da Europa, o V&A Museum disponibiliza seu vasto domínio em seu portal virtual. Das 669 peças^3 expostas no seu acervo virtual, a maioria destas têm a sua autoria desconhecida, nomes que o tempo ocultou. Hoje, por contribuições de sociólogos, antropólogos, historiadores e demais pesquisadores, sabemos que o bordado, desde a era medieval, era majoritariamente produzido por mulheres. Seguindo na breve análise do contexto britânico, a Inglaterra é um dos países ocidentais que se dedica a valorização e desenvolvimento das artes de agulha, sendo um dos poucos lugares do globo a oportunizar uma graduação com o título de Bacharel em Bordado – curso oferecido pela Royal School of Needlework. O Centro Internacional de Excelência para a Arte do Bordado à Mão existe desde 1872, fundado pela Lady Victoria Welby^4 , oferecendo diversas formações em bordado, tanto como modalidade livre ou em nível acadêmico. Na exposição de conclusão de curso dos bacharéis em bordado de 2018 na New Designers^5 , realizada no período de 27 a 30 de junho de 2018, em Londres, dos 14 formandos, 13 são mulheres. Apesar das novas aplicações das técnicas desenvolvidas em junção a outras áreas como o design de objeto, de moda e artes em geral, o bordado ainda permanece sendo uma prática predominantemente feminina. De que maneira o gênero é imposto ao fazer? Quão determinante é o sexo no momento da escolha pela técnica artística e de que forma isso atravessa nossos processos de criação? Especialmente nos espaços acadêmicos das artes – não só na Europa como também no Brasil –
(^3) Busca realizada pelo endereço: https://collections.vam.ac.uk/technique/embroidery/x40351/. Acesso em: 30 nov.
(^4) Dados retirados do site oficial da Royal School of Embroidery : https://www.royal-needlework.org.uk/our- history/. Acesso em: 30 nov. 2018. (^5) Lista de bacharéis expositores retirada da publicação disponível no endereço: https://www.newdesigners.com/exhibitors/royal-school-of-needlework/. Acesso em: 30 nov. 2018.
texturas e formas. Abertos a experimentação e com o intuito de derrubar os conceitos de artes aplicadas e as Belas Artes, artistas envolvidos nos movimentos Dadaísta, Surrealista e Construtivista acreditaram na junção das técnicas de pintura e de bordar para a criação de uma arte mais relevante às massas. O artista alemão dadaísta Hans Arp (1887-1966) afirmava que o bordado era tão natural quanto a pintura a óleo, negando por completo o status de arte aplicada ao bordar^8. No entanto, a junção das técnicas como tentativa de romper com a hegemonia das Belas Artes beneficiou mais a pintura e o desenho do que o bordado. O que poderia ter sido uma influência contra a dominação masculina nas Belas Artes, tornou-se uma valorização do trabalho masculino, mais uma vez, deixando o aspecto de inovação e criatividade ao homem que recebe o status de artista, e as mulheres permanecem em segundo plano. Nestes movimentos artísticos é claro o destaque que os artistas homens obtiveram comparado às mulheres que produziam com eles. Este caso, brevemente apresentado, levanta questionamentos acerca da valorização de certas práticas em função do gênero do criador. Quando o bordado assume um espaço enquanto técnica artística só se faz relevante se esse mesmo nega seus traços femininos e “artesanais”? Se, ao nos apropriamos dele, estaremos sempre desenvolvendo uma narrativa feminina, enquanto artistas mulheres? O bordado, a arte feminina por excelência, foi historicamente dado como adequado às mulheres por sua graça, encanto, domesticidade e pela percepção social de que os objetos realizados em tecidos eram “por natureza” femininos, deixando então as artes de agulha, até o início do século 20, ligadas aos estigmas do amadorismo, do artesanato e da domesticidade^9. Por esta percepção que atribuí por longos anos a presença do bordado em minha própria vida. Neta de bordadeira, observava o trabalho de agulhas como um ingênuo passatempo para as senhoras aposentadas, como a minha avó. Ela, Delva Padilha, bordara desde o início de sua adolescência, quando aprendeu com a sua mãe, minha bisavó Joana Amoras. Sua residência era o seu museu particular, paredes da memória, exposição de feituras diversas: pintura, bordado, crochê. Tudo de sua autoria. No corredor principal da casa estavam pendurados os quadros que ela mais estimava: a pintura a óleo que pintara aos seus 15 anos de idade e dois quadros bordados produzidos no período em que ela já havia conquistado seu descanso como funcionária pública aposentada e se empenhava em tempo integral para o fazer manual. Eram estes seus momentos prediletos, talvez até mais do que a missa e o rezar diário. Juntando estes
(^8) PARKER, 2010, p. 191, tradução nossa. (^9) SIMIONI, op. cit., p. 8.
dois amores, orientou na paróquia do Santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Belém, oficinas para ensinar seus conhecimentos como bordadeira e crochêteira. Admirei e guardei cada bordado que ela produziu para mim, meus irmãos e primos. Da toalha ao bordado em ponto-cruz que ela fez em uma roupa minha. Objetos que representavam o carinho de uma avó, materialização do cuidado familiar que repousava em caixas como uma forma de protegê-los do tempo que, incansavelmente, os desgastava. O tempo inquieto agia tanto no tecido fiado quanto em nós mesmos e, em 26 de junho de 2015, minha avó Delva partiu. O meu apego humano à matéria é tão forte, que com a circunstância de sua morte, cultivei todos os objetos que ela deixara. Bolsas, blusas, fotografias, tudo o que podia me remeter a uma sutil e constante presença dela. Apesar de não sermos demasiadamente próximas, me sentia guardiã daqueles últimos retalhos dela que me restavam da sua costura no tempo. Nenhuma herança, porém, representava mais sobre ela, para mim, do que sua caixa de costura e materiais têxteis. Agulhas de crochê, agulhas de bordar, fios de lã, fios de seda, fios de algodão, pedaços de trabalhos inacabados e uma infinidade de minúcias que não faziam sentido para ninguém, além dela. Atribuí a eles então um enorme significado, era ali a minha avó em seu mais íntimo e estimado momento no qual ela não dividia com ninguém. Todos os outros bens materiais que ela deixara expressavam uma importância financeira, mas seus fios, agulhas, e peças inacabadas perderam o sentido funcional para a família. Eram apenas coisas. Lamento este muito verbalizado pela minha avó durante a sua vida: “ninguém da família se interessou em aprender a bordar”, em um tom de uma enorme tristeza. Eu, a neta artista da família Padilha