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Apraxias em Pacientes com Lesão Cerebral no Hemisfério Esquerdo: Análise de Casos, Notas de estudo de Psicologia

Um estudo de casos múltiplos sobre apraxias em pacientes com lesão cerebrovascular no hemisfério esquerdo. O artigo discute a presença de apraxias ideomotoras e visuoconstrutivas, relacionadas a lesões corticais e subcorticais, e as dificuldades observadas em tarefas de desenho e execução de movimentos. O objetivo do estudo é contribuir para a compreensão das mecanismos envolvidos nas apraxias e planejar programas de reabilitação neuropsicológica.

O que você vai aprender

  • Como as lesões corticais e subcorticais afetam a execução de tarefas práxicas?
  • Quais tipos de apraxias foram observadas em pacientes com lesão cerebrovascular no hemisfério esquerdo?
  • Quais áreas cerebrais estão envolvidas em apraxias ideomotoras e visuoconstrutivas?
  • Como as apraxias podem ser tratadas em pacientes com lesão cerebrovascular?
  • Quais são as dificuldades observadas em pacientes com apraxias ideomotoras e visuoconstrutivas?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Barros32
Barros32 🇧🇷

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Resumo: Estudos evidenciam a dominância do hemisfério cerebral esquerdo (HE) no pla-
nejamento motor. Contudo, são necessárias investigações sobre a participação das regiões
corticais e subcorticais do HE nas apraxias. Este estudo de casos múltiplos analisou o de-
sempenho de cinco pacientes com lesão cerebrovascular isquêmica no HE, em três tipos
de apraxias. Os participantes, com idades entre 43 e 73 anos, foram distribuídos em dois
grupos quanto ao local da lesão, cortical ou subcortical. Utilizaram-se tarefas do instru-
mento de avaliação neuropsicológica breve Neupsilin. Comparou-se a pontuação de cada
caso à média de desempenho de seu grupo normativo. Somente os pacientes com lesão
cortical apresentaram déficit de apraxia ideomotora. Nas apraxias construtivas, os tipos de
erro diferenciaram os dois grupos. O método qualitativo contribuiu para compreender os
mecanismos envolvidos nas apraxias e para o planejamento de programas de reabilitação
neuropsicológica.
Palavras-chave: apraxia; acidente vascular cerebral; neuropsicologia; avaliação neuropsi-
cológica; estudo de casos.
Introdução
O estudo das apraxias foi originalmente proposto por Liepmann (1905, 1908) que, ao
investigar as habilidades dos movimentos de pacientes que sofreram acidente vascular
cerebral (AVC) em ambos os hemisférios, observou a presença de apraxia ideomotora so‑
mente nos casos com lesão no hemisfério esquerdo (HE). Desde então, seus estudos têm
sido replicados, sendo bastante consolidada na literatura a responsabilidade do HE no
planejamento motor. Nesse contexto, a apraxia é associada à destruição das representa‑
ções do movimento localizadas no HE de destros (HAALAND; HARRINGTON, 1996; DE
RENZI; FAGLIONI; SORGATO, 1982).
As apraxias são definidas como a dificuldade ou a impossibilidade de realizar correta‑
mente movimentos proposicionais aprendidos, geralmente como consequência de uma
lesão cerebral (HEILMAN; ROTHI, 1993). Para diagnosticar a apraxia, são excluídos alguns
fatores como perda sensorial, ou transtornos motores, além da ordem do planejamento
(ataxia, distonia etc.), alterações perceptivas ou de compreensão da linguagem, que in‑
fluenciam diretamente no desempenho do paciente nas tarefas práxicas. É possível que o
indivíduo com apraxia também tenha um desses déficits. Contudo, qualquer um deles
não pode ser o principal responsável por suas inabilidades.
Jaqueline de Carvalho Rodrigues
Josiane Pawlowski
Murilo Ricardo Zibetti
Rochele Paz Fonseca
Maria Alice de Mattos Pimenta Parente
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre – RS – Brasil
Avaliação de apraxias em
pacientes com lesão cerebrovascular
no hemisfério esquerdo
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Psicologia: Teoria e Prática – 2011, 13(2):209-220 209

Resumo: Estudos evidenciam a dominância do hemisfério cerebral esquerdo (HE) no pla- nejamento motor. Contudo, são necessárias investigações sobre a participação das regiões corticais e subcorticais do HE nas apraxias. Este estudo de casos múltiplos analisou o de- sempenho de cinco pacientes com lesão cerebrovascular isquêmica no HE, em três tipos de apraxias. Os participantes, com idades entre 43 e 73 anos, foram distribuídos em dois grupos quanto ao local da lesão, cortical ou subcortical. Utilizaram-se tarefas do instru- mento de avaliação neuropsicológica breve Neupsilin. Comparou-se a pontuação de cada caso à média de desempenho de seu grupo normativo. Somente os pacientes com lesão cortical apresentaram déficit de apraxia ideomotora. Nas apraxias construtivas, os tipos de erro diferenciaram os dois grupos. O método qualitativo contribuiu para compreender os mecanismos envolvidos nas apraxias e para o planejamento de programas de reabilitação neuropsicológica. Palavras-chave: apraxia; acidente vascular cerebral; neuropsicologia; avaliação neuropsi- cológica; estudo de casos.

Introdução

O estudo das apraxias foi originalmente proposto por Liepmann (1905, 1908) que, ao investigar as habilidades dos movimentos de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral (AVC) em ambos os hemisférios, observou a presença de apraxia ideomotora so‑ mente nos casos com lesão no hemisfério esquerdo (HE). Desde então, seus estudos têm sido replicados, sendo bastante consolidada na literatura a responsabilidade do HE no planejamento motor. Nesse contexto, a apraxia é associada à destruição das representa‑ ções do movimento localizadas no HE de destros (HAALAND; HARRINGTON, 1996; DE RENZI; FAGLIONI; SORGATO, 1982). As apraxias são definidas como a dificuldade ou a impossibilidade de realizar correta‑ mente movimentos proposicionais aprendidos, geralmente como consequência de uma lesão cerebral (HEILMAN; ROTHI, 1993). Para diagnosticar a apraxia, são excluídos alguns fatores como perda sensorial, ou transtornos motores, além da ordem do planejamento (ataxia, distonia etc.), alterações perceptivas ou de compreensão da linguagem, que in‑ fluenciam diretamente no desempenho do paciente nas tarefas práxicas. É possível que o indivíduo com apraxia também tenha um desses déficits. Contudo, qualquer um deles não pode ser o principal responsável por suas inabilidades.

Jaqueline de Carvalho Rodrigues Josiane Pawlowski Murilo Ricardo Zibetti Rochele Paz Fonseca Maria Alice de Mattos Pimenta Parente Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre – RS – Brasil

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pacientes com lesão cerebrovascular

no hemisfério esquerdo

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As apraxias têm bastante impacto na realização das atividades de vida diária, por causa da dificuldade para manipular objetos ou da expressão de gestos que visam à comunicação. Assim, muitos pacientes deixam de trabalhar e realizar suas atividades anteriores à lesão cerebral, tornando‑se dependentes de cuidados especiais (WETTER; POOLE; HAALAND, 2005). Para realizar uma avaliação adequada das apraxias, é importante identificar sua pre‑ sença, classificar corretamente a natureza do déficit práxico de acordo com os erros co‑ metidos pelo paciente e, com base nessas informações, conhecer os mecanismos envolvi‑ dos no déficit, considerando o modelo cognitivo utilizado (POLITIS; RUBINSTEIN, 2007). Entretanto, conforme apontado em estudos de revisão teórica, há uma confusão nas definições realizadas por distintos autores, visto que o mesmo conceito é utilizado para explicar diferentes tipos de apraxias (KOSKI; IACOBONI; MAZZIOTTA, 2002). É possível que isso ocorra porque os indivíduos com apraxia podem apresentar dificuldades distin‑ tas, e, portanto, diferentes tipos de alterações práxicas são descritos, baseados na disso‑ ciação dos déficits. Um dos modelos da neuropsicologia cognitiva bastante difundido para a construção de instrumentos que se propõem a avaliar as habilidades práxicas é o sugerido por Rothi, Ochipa e Heilman (1991). De acordo com esse modelo, os movimentos são mediados por distintos subsistemas, e a execução, imitação e compreensão dos movimentos po‑ dem estar deficitárias de forma independente. Os autores consideram que há dois lé‑ xicos relacionados à ação: entrada (memória dos movimentos reconhecidos) e saída (realização dos movimentos). Essa divisão foi realizada porque esses autores identifi‑ caram pacientes com dificuldades para imitar gestos, mas não para produzi‑los após uma ordem verbal. Nesse modelo, postula‑se ainda a presença de uma via não léxica responsável pela execução de gestos não familiares, sem registro prévio pela via lexical. Por sua vez, os gestos representacionais, como o de se despedir com um aceno, fazem parte do léxico de saída, incorporados a um sistema semântico, em que há o reconhecimento da ação e de como ela deve ser executada (ROTHI; OCHIPA; HEILMAN, 1997). Com base no modelo cognitivo proposto por Rothi, Ochipa e Heilman (1991), outros foram sendo derivados, a fim de explicar os diferentes padrões de erros apresentados pelos pacientes que manifestavam a apraxia (CUBELLI et al., 2000; BUXBAUM; GIOVAN‑ NETTI; LIBON, 2000). A partir disso, diversos tipos de apraxias têm sido descritos: ideomo‑ tora, construtiva, reflexiva, conceitual, orofacial, do vestir, entre outras (GIL, 2002). Con‑ tudo, neste estudo serão abordados apenas os três primeiros tipos citados como foco da discussão. A apraxia ideomotora é relacionada a uma alteração na produção de gestos (léxico de saída) após um comando verbal. Os pacientes geralmente apresentam dificuldades em ambos os membros superiores para realizar gestos simbólicos (transitivos) ou sem objeto (pantomimas). Os indivíduos sabem o que devem fazer, mas, quando têm que colocar o gesto em prática, não conseguem. Por exemplo, eles sabem que, para despedir‑se com um aceno devem “abanar” com a mão, mas, quando solicitados a executar o gesto, ape‑ nas conseguem explicá‑lo verbalmente ou fazer um gesto relacionado (cumprimentar

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minância manual direita, presença de lesão vascular de no mínimo três semanas e no máximo três anos, ausência de história atual ou prévia de abuso de substâncias psicoati‑ vas (benzodiazepínicos, álcool e drogas ilícitas), distúrbios psiquiátricos e/ou sensoriais (auditivos e/ou visuais não corrigidos), ou outros acometimentos neurológicos, tais como tumor e traumatismo cranioencefálico.

Tabela 1. Descrição dos participantes

Caso Sexo Idade Anos de estudo Cortical ou subcortical Local da lesão 1 F 50 11 Cortical Região temporoparietal 2 F 68 5 Cortical Região parietal 3 M 73 11 Cortical Região têmporo-occipital 4 F 43 9 Subcortical Região dos núcleos da base 5 F 54 13 Subcortical Região dos núcleos da base

F = feminino; M = masculino.

Instrumentos

Para a avaliação dos critérios de inclusão e a descrição dos participantes utilizaram‑se um questionário de condições de saúde e aspectos socioculturais, a escala de depressão geriátrica Yesavage (YESAVAGE et al., 1983) e o miniexame do estado mental (CHAVES; IZQUIERDO, 1992). Para a investigação dos casos, foi utilizado o instrumento de avaliação neuropsicológica breve Neupsilin (tarefa praxias) (FONSECA; SALLES; PARENTE, 2009), que dispõe de tarefas distintas para avaliar três tipos de praxia:

  • Ideomotora : o participante deve mostrar com gestos como faz para se pentear, esco‑ var os dentes e despedir‑se com aceno, a partir do comando verbal do examinador.
  • Construtiva : o participante deve elaborar a cópia de três figuras – um quadrado, uma flor e um cubo. Por último, deve fazer o desenho de um relógio, marcando o horário 15 horas e 45 minutos.
  • Reflexiva : o participante deve realizar a sequência de movimentos gesto punho fecha‑ do, gesto mão aberta na horizontal e gesto mão aberta na vertical.

Delineamento e procedimentos

Foi utilizado o delineamento de estudo de casos múltiplos (YIN, 1994), sendo a amos‑ tra selecionada parte do projeto intitulado “Neupsilin: validade de critério e perfil neu‑ ropsicológico de adultos lesados de hemisfério esquerdo”, com aprovação pelo Comitê de Ética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), sob o Protocolo n. 08‑254. Os participantes foram contatados após internação nesse hospital e convidados a participar

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do estudo. Todos os procedimentos éticos na pesquisa com humanos foram respeitados. A avaliação foi efetuada em uma sessão individual com duração aproximada de 45 minu‑ tos, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Análise dos dados

Para analisar o desempenho dos participantes nas tarefas de praxias do Neupsilin, a pontuação de cada caso foi comparada à média de desempenho de seu grupo nor‑ mativo, seguindo critérios de idade e escolaridade. Calculou‑se o escore padronizado em cada tarefa (escore Z), sendo um escore ≤ ‑1,5 indicativo de déficit (SCHOENBERG et al., 2006).

Resultados

Na tarefa praxia ideomotora, somente os casos 1, 2 e 3 com lesão cortical apresenta‑ ram déficit, não conseguindo executar o movimento de “acenar”. Não foi possível a exe‑ cução dos cálculos de escores Z nessa tarefa, pois o desvio padrão dos grupos normativos foi igual a zero, por causa do efeito de teto obtido pela amostra de comparação de par‑ ticipantes saudáveis. Na tarefa praxias construtivas, os casos 1, 2, 3 e 4 tiveram escores rebaixados, apresen‑ tando déficit, enquanto o caso 5 mostrou desempenho satisfatório (Tabela 2). Entretan‑ to, observações detalhadas dos desenhos indicam algumas distinções nos tipos de erros cometidos pelos pacientes, conforme será descrito.

Tabela 2. Escores dos participantes na tarefa praxias construtivas

Caso Quadrado Flor Cubo Relógio Escore Z 1 3 2 4 0 - 2,06* 2 3 2 1 0 - 1,64* 3 3 2 3 0 - 1,62* 4 2 2 2 2 - 2,56* 5 3 2 5 2 - 0,

Escores máximos: quadrado (3), flor (3), cubo (5) e relógio (5).

  • Déficit.

O desenho do quadrado foi realizado adequadamente por todos os participantes, exceto o caso 4, que desenhou o quadrado com ângulos arredondados, apresentando dificuldade para realizar essa tarefa. Apenas essa participante realizou a tarefa com a mão não dominante por apresentar hemiparesia direita (redução parcial da força dos membros).

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Discussão

Com base nesses resultados, sugere‑se que os diferentes perfis de déficits de apraxias podem ser mais bem entendidos a partir da sua associação com lesões corticais e subcor‑ ticais. A análise quantitativa possibilitou a diferenciação dos casos avaliados em alguns déficits, tendo a análise qualitativa contribuído em mais detalhes para agrupar os pacien‑ tes quanto a lesões corticais e subcorticais. De modo geral, os casos investigados apresen‑ taram déficit em praxia ideomotora e construtiva, corroborando outros estudos (ZADI‑ KOFF; LANG, 2005; GALEANO; POLITIS, 2008). Contudo, a análise dos erros cometidos pelos participantes fez‑se importante para entender a natureza dos déficits apresentados por eles. A apraxia ideomotora é descrita por diferentes pesquisadores como característica em lesões em HE tanto corticais quanto subcorticais (ZADIKOFF; LANG, 2005); contudo, em nosso estudo, somente os pacientes com lesão cortical apresentaram déficit nessa tarefa. Esses resultados confirmam os achados de Hanna‑Pladdy, Heilman e Foundas (2001) que, ao compararem pacientes com lesões corticais versus subcorticais em tarefas que simula‑ riam o uso de objetos e gestos comunicativos, encontraram diferenças entre esses grupos. Evidenciou‑se, também, nesta amostra que somente os pacientes com lesão cortical apre‑ sentaram déficit nos gestos que não dispõem do uso do objeto. Desse modo, os gestos que requerem a capacidade mental de imaginar e a intencionalidade comunicativa pare‑ cem ser mais sensíveis a lesões corticais, talvez por sua complexidade e ligação com o contexto de interação sociocomunicativa (HAALAND; FLAHERTY, 1984). A apraxia ideomotora pode surgir quando as áreas de programação motora são des‑ conectadas das regiões motoras primárias. Assim, os pacientes podem conceitualizar a ação, mas não executá‑la, demonstrando reconhecimento de ferramentas, mas inabilida‑ de para usá‑las de forma apropriada (KOSKI; IACOBONI; MAZZIOTTA, 2002; WHEATON; HALLETT, 2007). Essa falha para realizar uma ação, mesmo reconhecendo‑a, é relacionada à perda da representação semântica da ação. Esta última é afetada por lesões no HE (SIL‑ VERI; CICCARELLI, 2009); neste trabalho, porém, foram encontradas tais falhas somente em lesões corticais, salientando a necessidade de mais investigações. A dificuldade de integração léxico‑semântica da praxia ideomotora associada à execu‑ ção errônea das tarefas suscita a hipótese da participação da linguagem nas praxias. Tais achados também foram encontrados por Hanna‑Plady, Heilman e Foundas (2001), os quais relacionaram as capacidades linguísticas após uma lesão cerebral e o desempenho práxico. O fato de os participantes executarem adequadamente os gestos descritivos da ação (pentear‑se e escovar os dentes), enquanto não conseguiram realizar um gesto ex‑ pressivo (despedir‑se com um aceno), reforça a hipótese da participação da linguagem nas apraxias. Isso também sugere que a execução de tarefas exteroceptivas (relacionadas a movimentos externos ao corpo) semanticamente dependentes são inferiores às tarefas proprioceptivas (relacionadas ao próprio corpo), nos casos de lesão no HE que, segundo Politis (2004), poderiam compensar essas dificuldades. A tarefa praxia reflexiva exige a repetição de gestos não familiares, avaliando um sis‑ tema direto entre a análise visual da ação e os padrões inervados por áreas motoras sem

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participação do sistema léxico‑semântico (POLITIS, 2004). Isso sugere que a via não lexical dos pacientes com lesão no HE mantém‑se preservada, talvez conferindo essa habilidade ao hemisfério direito, conforme proposto por Goldenberg (2001). Já na praxia construtiva, embora exista uma dissociação entre a cópia do desenho a partir de um modelo externo e a habilidade de desenhar uma figura a partir de sua re‑ presentação mental (OGAWA; INUI, 2009), nossos resultados não apontaram para isso. A cópia mais complexa (cubo) e o desenho do relógio foram ambos capazes de demons‑ trar tipos de erros que mais diferenciaram pacientes com lesões corticais e subcorticais. Na cópia do cubo, por exemplo, a diferença que mais salienta a distinção entre os grupos foi a simplificação (junção de dois quadrados, em vez de desenhar um cubo, menor quan‑ tidade de traços, erros em criar perspectiva, omissão de detalhes dos desenhos). No dese‑ nho do relógio, as dificuldades na distribuição e caracterização dos números e do posicio‑ namento dos ponteiros no horário adequado, nos casos que apresentavam lesão cortical, também podem denotar a diminuição da habilidade de se basear em informações arma‑ zenadas no sistema semântico (GOLDENBERG; HAGMANN, 1997). Salienta‑se, ainda, que a observação da ocorrência de déficits práxicos construtivos em 4 de 5 casos de pacientes com lesão no HE corrobora estudos que associam esse tipo de déficit práxico com acometimentos neurológicos de hemisfério direito (HEILMAN; WAT‑ SON; ROTHI, 2006). Há indícios, assim sendo, de que pode haver uma representação bila‑ teral dessa função cognitiva.

Conclusão

Nos casos avaliados no presente estudo, parece que a lesão cortical prejudicou mais o desempenho dos participantes nas tarefas de praxias do que a lesão subcortical, confir‑ mando achados de Hanna‑Pladdy, Heilman e Foundas (2001). Na análise com os escores Z, houve diferença descritiva entre os dois grupos na tarefa praxia ideomotora. Contudo, os tipos de erro observados nas tarefas proporcionaram uma melhor diferenciação entre os grupos. A análise qualitativa foi adequada para uma compreensão complementar dos mecanismos envolvidos nas apraxias, método de análise que tem sido ressaltado por ou‑ tros estudos nessa temática (ROTHI; OCHIPA; HEILMAN, 1997; HANNA‑PLADY; HEILMAN; FOUNDAS, 2001). A investigação das características dos diferentes padrões clínicos de al‑ terações práxicas pode possibilitar um maior número de informações sobre os déficits, constituindo‑se numa ferramenta importante para o planejamento de programas de re‑ abilitação neuropsicológica. Por tratar‑se de um estudo preliminar de verificação do processamento de praxias em indivíduos com lesão no HE, sugere‑se o aumento da amostra com o objetivo de análise de maior número de casos, bem como a realização de estudos de grupos com‑ parativos homogêneos, considerando tipos, local e extensão da lesão, além de critérios sociodemográficos, tais como escolaridade e idade. Estudos mostram que as caracterís‑ ticas sociodemográficas, tanto de populações cínicas quanto de indivíduos saudá‑ veis, influenciam em tarefas cognitivas, sendo importante o controle dessas variáveis (BANHATO et al., 2009; ARDILA et al., 2000). Além disso, avaliar outras modalidades de

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