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Jogo de Poker: Análise Jurídica e Tributária, Notas de aula de Direito

Este documento discute as questões jurídicas e tributárias relacionadas ao jogo de poker, incluindo a exploração de torneios, aplicabilidade da lei de contravenções penais e tributação de prêmios. O texto também aborda a posição da associação internacional de esportes da mente (imsa) em relação ao poker.

O que você vai aprender

  • Qual é a posição legal do Poker no Brasil?
  • Quais são as regras básicas do Poker?
  • Quais são as características que distinguem o Poker de outros jogos de azar?
  • Qual é a tributação aplicável aos prêmios recebidos em torneios de Poker?
  • Podem estabelecimentos empresariais organizar torneios de Poker?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Amazonas
Amazonas 🇧🇷

4.4

(80)

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Não perca as partes importantes!

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yR. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 15, n. 59, p. 199-216, jul.-set. 2012y199
Aspectos Legais e Tributários do
Poker1 e dos Demais Esportes da
Mente: A necessidade de uma
regulamentação específica!
Leonardo Araujo Marques
Promotor de Jusça. Mestre em Direito Empresarial
e Tributário. Presidente da Fundação Escola Superior
do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
FEMPERJ. Professor dos Cursos de MBA e LLM da
Fundação Getúlio Vargas – FGV.
INTRODUÇÃO
Era terça-feira à noite, algum tempo o dia mais esperado da
semana. Religiosamente eu me afastava das rotinas do meio jurídico
e das obrigações diárias para encontrar amigos e jogar Poker, na mo-
dalidade de Texas Hod’em. Além de mim, o grupo era formado por
empresários de diferentes ramos, atores e produtores de televisão e
teatro, além de alguns profissionais liberais. A bem da verdade, o jogo
nunca foi realmente a razão principal desses encontros, pois o que
mais fazíamos era degustar bons vinhos e conversar sobre os mais di-
ferentes assuntos, sempre distantes, para meu descanso, de questões
ligadas ao direito.
Ocorre que há alguns meses, ao chegar atrasado para a reunião
semanal, percebi que meus amigos estavam mais alvoroçados do que
de costume e pareciam, a um só tempo, eufóricos e aflitos. Logo que
ingressei no recinto todos se voltaram para minha direção e falaram ao
mesmo tempo, mas apenas depois de algum tempo pude compreender
1 Poker. Esporte da Mente ou Jogo de Azar. Ar!go 50 da Lei de Contravenções Penais e o Ar!go 814 do Código Civil.
Fator Sorte. Estudos Internacionais e Nacionais. Os Craques do Poker. Reconhecimento Internacional como Esporte
da Mente - IMSA. Registro da CBTH pelo Ministério dos Esportes. Posicionamento dos Tribunais. Legalidade dos
Torneios de Poker com Premiação em Dinheiro. As diferenças entre o Poker “caseiro” e aquele explorado por Esta-
belecimentos Físicos ou Virtuais. Princípio da Livre Inicia!va. Tributação: ISSQN e IR.
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Aspectos Legais e Tributários do

Poker

e dos Demais Esportes da

Mente: A necessidade de uma

regulamentação específica!

Leonardo Araujo Marques

Promotor de Jusça. Mestre em Direito Empresarial e Tributário. Presidente da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – FEMPERJ. Professor dos Cursos de MBA e LLM da Fundação Getúlio Vargas – FGV.

INTRODUÇÃO Era terça-feira à noite, há algum tempo o dia mais esperado da semana. Religiosamente eu me afastava das rotinas do meio jurídico e das obrigações diárias para encontrar amigos e jogar Poker , na mo- dalidade de Texas Hod’em. Além de mim, o grupo era formado por empresários de diferentes ramos, atores e produtores de televisão e teatro, além de alguns profissionais liberais. A bem da verdade, o jogo nunca foi realmente a razão principal desses encontros, pois o que mais fazíamos era degustar bons vinhos e conversar sobre os mais di- ferentes assuntos, sempre distantes, para meu descanso, de questões ligadas ao direito.

Ocorre que há alguns meses, ao chegar atrasado para a reunião semanal, percebi que meus amigos estavam mais alvoroçados do que de costume e pareciam, a um só tempo, eufóricos e aflitos. Logo que ingressei no recinto todos se voltaram para minha direção e falaram ao mesmo tempo, mas apenas depois de algum tempo pude compreender

1 Poker. Esporte da Mente ou Jogo de Azar. Ar!go 50 da Lei de Contravenções Penais e o Ar!go 814 do Código Civil. Fator Sorte. Estudos Internacionais e Nacionais. Os Craques do Poker. Reconhecimento Internacional como Esporte da Mente - IMSA. Registro da CBTH pelo Ministério dos Esportes. Posicionamento dos Tribunais. Legalidade dos Torneios de Poker com Premiação em Dinheiro. As diferenças entre o Poker “caseiro” e aquele explorado por Esta- belecimentos Físicos ou Virtuais. Princípio da Livre Inicia!va. Tributação: ISSQN e IR.

que Júlio, grão-mestre de xadrez e empresário, normalmente o cam- peão das nossas terças, havia ganhado mais de US$ 120.000,00 (cento e vinte mil dólares americanos) em um torneio online de Poker durante o feriado da semana anterior.

Porém, a boa no"cia trazia consigo questões de alta indagação jurí- dica, pois a administradora de cartão de crédito e a ins!tuição financeira com as quais Júlio !nha relacionamento recusaram-se, terminantemente, a intermediar a vinda do dinheiro, sob o argumento de que havia dúvidas acerca da licitude da origem daqueles recursos. A minha licença semanal do meio jurídico terminara a par!r daquele momento e passei a ser saba- !nado por meus amigos, especialmente Júlio, sobre todas as questões de direito envolvendo o Poker. Alguns, mais alarmistas, chegaram a me per- guntar se estávamos pra!cando algum !po de crime por conta de nosso jogo semanal, enquanto outros, brincalhões, afirmavam que, se a polícia chegasse, o único advogado do grupo teria que defender todos gratuita- mente. Enfim, trocadilhos à parte, afirmei que não !nha as respostas, mas aceitei a incumbência de tentar encontrá-las, concluindo que a maioria das dúvidas poderia ser dissipada se eu conseguisse responder às três principais indagações abaixo:

  1. O Poker é um esporte da mente ou um jogo de azar proi- bido pela legislação brasileira? Como tem se posicionado os Tribunais?
  2. Existe alguma diferença entre o Poker “caseiro” e o pra!ca- do em casas especializadas ou em ambientes virtuais? Existe alguma disciplina legal sobre a exploração dos esportes da mente no Brasil?
  3. Quais as repercussões jurídico-tributárias para o jogador e para o explorador?

Esse é o obje!vo do presente paper. Há de se ressaltar que, estreme de dúvidas, muitas das conclusões açodadas em relação ao Poker - alguns diriam até preconceituosas - decorrem da premissa de que ele era jogado em cassinos e, como estes

a) a casa parcular em que se realizam jogos de azar, quando deles habitualmente parcipam pessoas que não sejam da família de quem a ocupa; b) o hotel ou casa de habitação coleva, a cujos hóspedes e moradores se proporciona jogo de azar; c) a sede ou dependência de sociedade ou associação, em que se realiza jogo de azar; d) o estabelecimento desnado à exploração de jogo de azar, ainda que se dissimule esse desno.

As máquinas de caça-níquel, as roletas, o “vinte e um", o “jogo do bicho”, dentre outros, são exemplos incontestáveis de jogos que depen- dem exclusiva ou principalmente da sorte e, portanto, são proibidos em nosso país. O Poker , contudo, não se enquadra nesse rol. A grande popularidade do Poker é decorrente de ser ele um esporte altamente democrá!co, uma vez que qualquer pessoa pode pra!cá-lo. E se é verdade que o fator sorte não pode ser desprezado, assim como na imensa maioria dos esportes, para se tornar um campeão de Poker é preciso muito mais do que sorte, pois técnica e habilidade são elemen- tos absolutamente imprescindíveis para se chegar ao topo desse esporte, como se verá adiante.

Assim como no futebol, o Poker tem seus craques, o que é inima- ginável nos jogos de azar. Os craques do Poker são jogadores que ficaram milionários ganhando, seguidas vezes, torneios internacionais disputados por milhares de pessoas de todo o mundo. É absolutamente leviano dizer que eles sempre ganham porque têm mais sorte do que os demais joga- dores. Ainda tomando por base o nosso esporte mais popular, o futebol, não raro uma equipe mais fraca supera a mais forte numa par!da em razão de um “lance de sorte”. Nessa linha, mesmo sendo possível que um !me de segunda divisão ganhe uma par!da do atual campeão brasileiro, se forem disputadas dez par!das entre os mesmos !mes dificilmente esse feito se repe!rá e o !me mais forte tecnicamente ganhará a maioria das par!das. Ocorre exatamente a mesma coisa no Poker****!

Para confirmar essa asser!va, um jogador de Poker profissional americano desafiou qualquer congressista ou jornalista contrário a esse

esporte para disputar com ele ou com outro campeão mundial uma longa sessão de Poker. Se o profissional perdesse o desafiante ganharia um mi- lhão de dólares. Caso contrário, o desafiante pagaria ao profissional ape- nas um dólar, mas deveria defender, publicamente, que o Poker era um esporte de habilidade. Não houve desafiantes.

Em nosso Poker caseiro das noites de terça-feira, Júlio, exímio jo- gador de xadrez, frequentemente é o vencedor dos nossos pequenos tor- neios de cinquenta reais e seria injusto desmerecer toda a sua habilidade, concentração e raciocínio, afirmando que suas vitórias decorrem exclusi- va ou principalmente da sorte.

No Brasil existem vários livros publicados que se dispõem a ensinar as técnicas do Poker , demonstrando as inúmeras variáveis que influenciam diretamente no resultado. A posição do jogador na mesa, a esta"s!ca, a simulação, a dissimulação, o controle da emoção, o comportamento e o padrão de jogo dos seus adversários são apenas alguns desses fatores.

No exterior se destacam dois estudos sobre a questão. O professor NOGA ALON, da Faculdade de Matemá!ca e Ciência da Computação da Universidade de TelAviv, Israel, pautado no teorema do limite central, ao analisar a modalidade de Texas Hold’em^3 , concluiu que:

(...) a práca e o estudo realmente ajudam a melhorar no poker, e embora a sorte possa desempenhar um papel essen- cial em uma única mão, acreditamos que a habilidade é, de longe, o principal componente para decidir os resultados de uma longa sequência de mãos; isso confirma solidariamente a conclusão de que a habilidade é muito mais dominante do que a sorte e de que o Poker é predominantemente um jogo de habilidade.

Mais adiante, o mesmo professor israelense, ao comparar os seus estudos com um jogo real de Poker , salientou que:

O jogo real é muito mais complicado do que as modalidades simplificadas analisadas aqui, e é necessária muita habilidade para se jogar bem. Um jogador experiente deve ser capaz de avaliar a força de sua mão como uma função de suas cartas

3 Informação ob!da no site da CBTH: h"p://www.cbth.org.br/cbth/public/files/Noga_Alon.pdf

Xadrez e outros esportes, existem os campeões que são idolatrados, en- quanto que nos verdadeiros jogos de azar, como roleta, bacará, “jogo do bicho”, loterias e nos demais que dependem exclusiva ou principalmente da sorte, jamais teremos ídolos, campeões ou outras pessoas de desta- que, a não ser que seja um “anão do orçamento^6 ”. Acompanhando essa tendência, o Ministério dos Esportes, no dia 26 de janeiro de 2012, reconheceu o Poker como esporte intelectual e registrou, oficialmente, a Confederação Brasileira de Texas Hold’em em seus quadros^7. Na prá!ca, isso permite que os eventos de Poker possam ser incluídos no calendário espor!vo oficial do país, conforme matéria pu- blica na Folha em 08/03/2012.

O Tribunal de Jus!ça de Santa Catarina é um dos poucos tribunais em que conseguimos encontrar um número razoável de decisões sobre o tema. Em todas elas não restou a menor dúvida de que o Poker não é jogo de azar. Contudo, permanece viva a discussão sobre a legalidade das apostas livres em dinheiro.

No primeiro caso que examinei, uma sociedade empresária ques- !onava o ato administra!vo da Prefeitura de Lages que negou a licença de funcionamento para o estabelecimento. O Tribunal, mesmo reconhecen- do que o Poker não é jogo de azar, negou a segurança por entender que as apostas, e não o jogo, são proibidas. Vejamos:

DIREITO ADMINISTRATIVO - ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO CARTE- ADO DE LAGES - ALVARÁ DE FUNCIONAMEN-TO - INDEFERI- MENTO - JOGO DE AZAR - PÔQUER NA MODALIDADE TEXAS HOLD'EM - INEXISTÊNCIA DE PROVA PROIBITIVA DA APOSTA.

O pôquer, em princípio, é considerado jogo não proibido, vis- to que não se amolda na definição legal de jogo de azar, pois em regra a habilidade do jogador impera sobre a sua sorte.

No entanto, a ilicitude recai justamente sobre o ato de apos- tar, que sabidamente é da essência do jogo de pôquer em qualquer uma de suas modalidades. Assim, incumbe à en-

6 Os chamados "Anões do Orçamento" foram congressistas brasileiros que no final dos anos 80 e início dos anos 90 se envolveram em fraudes com recursos do Orçamento da União até serem descobertos e inves!gados, em 1993, perante uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de grande repercussão. A denominação de "anões" era uma alusão à coincidência de serem os principais envolvidos homens de baixa estatura 'sica. Um dos Envolvidos, o De- putado Baiano João Alves, alegou que Deus o ajudou a ganhar mais de duzentas vezes na loteria. 7 h"p://www.esporte.gov.br/cen/listagemEndadesHomologadas.do

dade patrocinadora ou organizadora de compeções ou tor- neios desse po de jogo a prova cabal de que não ocorrerão apostas ou cobranças com a mesma finalidade, providência absolutamente inviável em sede mandamental^8.

No entanto, o mesmo Tribunal de Santa Catarina, em outro Man- dado de Segurança, desta vez contra o ato do Secretário de Segurança daquele Estado, concedeu a ordem para autorizar a realização de um grande evento de Poker , na modalidade Texas Hold’em , que se realizou entre os dias 04 e 08 de agosto de 2010, no Costão do San"nho. A limi- nar, então concedida pela Desembargadora Sônia Maria Schmitz, salien- tou, inclusive, que no Reino Unido, em 2012, o Poker entrará no calendá- rio dos Jogos Mundiais dos Esportes da Mente. Vejamos um trecho dessa decisão:

  1. Overbet Eventos Ltda. impetrou mandado de segurança contra ato do Secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão, que se negou a conceder autorização e/ ou alvará para realização de torneio de pôquer, modalidade "Texas Hold'em" - previsto para acontecer entre os dias 04 e 08 de agosto de 2010, no Costão do San!nho, Resort & SPA, nesta Capital -, sob fundamento de que o evento caracteriza a!vidade "pica de exploração de jogos de azar, consoante art. 50 do Decreto Lei n. 3.688/41, sendo, portanto, ilegal. Após considerações acerca do direito que o ampara, ul!mou, pleiteando a concessão de liminar para suspender os efeitos da decisão, com sua confirmação a final (fls. 02-20). (...) No que per!ne à relevância do fundamento, o Decreto n. 3.688/41, em seu art. 50, § 3º considera jogos de azar, dentre outros, "o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusi- va ou principalmente da sorte. " As dúvidas, porventura, existentes acerca da ilicitude do jogo de pôquer dimanam da falta de critério obje!vo que permita incluir a modalidade em a!vidade daquela natureza - jogos

8 TJSC, Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2011.043164-9, de Lages, Relator: Des. Luiz Cézar Medeiros, julg. em 10/04/2012.

QUE DEPENDE PREPONDERANTEMENTE DAS HABILIDADES

DO PARTICIPANTE E NÃO MERAMENTE DA SORTE. MODA-

LIDADE QUE NÃO SE ENQUADRA NO PRECEITO DO ART. 50,

§ 3º, "A", DO DECRETO 3.688/41. CAMPEONATO, ADEMAIS,

QUE VEDA APOSTA OU JOGO ADINHEIRO. JOGO NÃO PROIBI-

DO. LIMINAR CONFIRMADA. SEGURANÇA CONCEDIDA.

"4.1 - O jogo de pôquer não é jogo de azar , pois não depende

  • exclusiva ou principalmente da sorte - (DL 3.688/41, art. 50, -a-), norma cujo rumo não pode ser inver!do, como se dis- sesse que de azar é o jogo cujo ganho ou perda não depende exclusiva ou principalmente da habilidade. É o contrário. Diz que pode prevalecer é o fator sorte , e não que deve prevale- cer o fator habilidade. 4.2 - No pôquer, o valor real ou fic"cio das cartas depende da habilidade do jogador, especialmente como observador do comportamento do adversário, às vezes bastante sofis!- cado, extraindo daí informações, que o leva a concluir se ele está, ou não, blefando. Não por acaso costuma-se dizer que o jogador de pôquer é um blefador. Por sua vez, esse adversá- rio pode estar adotando certos padrões de comportamento, mas ardilosamente, isto é, para também blefar. Por exemplo, estando bem, mostra-se inseguro, a fim de o adversário au- mentar a aposta, ou, estando mal, mostra-se seguro, confian- te, a fim de o adversário desis!r. Em suma, é um jogo de matemá"ca e de psicologia compor- tamental. " (TJRS / Mandado de Segurança n. 70025424086, de Porto Alegre, Primeira Câmara Cível, rel. Des. Irineu Ma- riani , j. 17.12.2008)^9.

Como já destacado, o grande “nó” não se refere ao jogo em si, que não é de azar e, portanto, não é proibido. Toda a celeuma diz respeito às apostas. No acórdão supra o Desembargador reconheceu que no caso sob julgamento:

9 TSCS, Mandado de Segurança 2010.047810-1, relator DESEMBARGADOR SÉRGIO ROBERTO BAASCH LUZ, Grupo de Câmaras de Direito Público, julgado em 08/11/2011 e transitado em julgado em 09/01/2012.

o jogador PAGA uma determinada QUANTIA para inscre- ver-se no torneio e recebe um número de fichas, com valores ficcios, sendo vedada a aquisição de novas fichas. Conside- ra-se campeão não aquele que possuir o maior número de fichas, mas campeão aquele que permanecer por úl!mo na mesa, ou seja, o que importa é o lugar que se obtém no pro- cesso de eliminação. A premiação, neste caso, é o rateio dos valores arrecadados com as inscrições de acordo com os lugares ocupados pelos concorrentes ao final da compeção. Por conta disso, afasta-se qualquer suposição de que o cam- peonato em questão pudesse envolver apostas ou jogo a di- nheiro, o que seria defeso por lei.”

Ao que tudo indica, o Tribunal de Jus!ça de Santa Catarina já paci- ficou a sua jurisprudência ao não enxergar óbice algum nos torneios de Poker. Contudo, ainda se debate em relação às apostas avulsas, em di- nheiro (fichas), numa modalidade conhecida como “ cash game ”. E para que não se deixe margem à dúvida, o acórdão fez uma inte- ressante comparação:

Apenas a #tulo de exemplo, importa gizar que este evento ora em debate muito se assemelha aos nossos tradicionais campeonatos de dominó, onde os parcipantes pagam uma taxa de inscrição, sendo vedada qualquer aposta interve- niente, e o prêmio para os vencedores é rateado conforme os valores arrecadados.

Esta solução, aliás, encontra guarida na redação expressa dos §§ 2º e 3º do ar!go 814 do Código Civil:

Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pa- gamento; mas não se pode recobrar a quan!a, que volun- tariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito.

§ 1o^ Estende-se esta disposição a qualquer contrato que en- cubra ou envolva reconhecimento, novação ou fiança de dí-

recebem fichas de valor fic#cio (por exemplo: R$ 300,00 = 8000 fichas), para disputar prêmios, também em dinheiro, na esteira do que permite os §§ 2º e 3º do ar!go 814 do Código Civil.

Aliás, poder-se-ia indagar: mas o § 3º do ar!go 50 da Lei de Con- travenções também não proíbe as apostas em compe!ções despor!- vas? Antes de responder a essa indagação, relembremos a redação do disposi!vo:

(...). § 3º Consideram-se, jogos de azar: a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; c) as apostas sobre qualquer outra compeção esporva.

O obje!vo do legislador é tentar evitar qualquer influência externa e, portanto, perniciosa, nos resultados das compe!ções espor!vas. Como os resultados dessas compe!ções dependem da habilidade $sica ou inte- lectual dos par!cipantes, o legislador procurou evitar que eles possam ser cooptados por quadrilhas de criminosos para que fabriquem resultados em razão das apostas. É de amplo conhecimento que alguns resultados em compe!ções espor!vas já foram manipulados em vista das apostas ilegais. No Brasil, ganhou notoriedade a chamada “máfia do apito”^11. Na Itália já teria ocor- rido o mesmo, só que a par!r do envolvimento direto dos atletas^12.

No entanto, nos torneios de Poker , assim como nos torneios de do- minó, para usar a comparação feita pelo Desembargador paranaense, não

11 Máfia do Apito foi o nome dado pela imprensa brasileira a um esquema de manipulação de resultados futebolís- !cos, descoberto por Promotores de Jus!ça de Combate ao Crime Organizado, em São Paulo, conjuntamente com o Departamento de Polícia Federal. A inves!gação se tornou pública por meio de reportagem da revista Veja, em outubro de 2005. 12 De acordo com o promotor Roberto Di Mar!no, responsável pela operação "Lastbet" (úl!ma aposta), estas pes- soas foram presas por "formação de quadrilha com finalidade de fraude espor!va". A sede da organização estava em Cingapura, com ramificações no Leste Europeu, de acordo com a polícia. O chefe da rede criminosa seria EngTanSeet, de Cingapura, mais conhecido pelo apelido de "Dan". Doni, atacante de 38 anos que já ves!u sete vezes a camisa da seleção italiana, era capitão da Atalanta na temporada passada e teria entrado em contato com jogadores adversários para "comprar" par!das do seu clube, que na época estava na segunda divisão.

existe aposta propriamente dita, mas pagamento de taxas de inscrição, o que afasta a hipótese de manipulação de resultados e, assim, a incidência da proibição decorrente daquele comando legal.

Aliás, é preciso deixar bem claro que no Brasil não existe regramen- to legal para os chamados esportes intelectuais, bem como sobre a pos- sibilidade de uma sociedade empresária explorar economicamente essas a!vidades.

Como já alinhavado, entre nós existem os chamados jogos permi- !dos, os jogos proibidos e, finalmente, os jogos tolerados, isto é, aqueles que não são proibidos, mas também que não contam com uma disciplina legal específica. O Poker integra a úl!ma categoria, e essa é uma das ra- zões pelas quais pairam muitas dúvidas sobre a sua exploração por casas especializadas.

Entendemos, com fundamento no § 3º do ar!go 814 do Código Civil e, principalmente, no ar!go 170 e seu parágrafo único da Cons!tuição Fe- deral, que assegura a livre inicia!va, que é absolutamente legal a exploração empresarial de torneios de Poker ou de qualquer outro esporte da mente.

Adverte-se, contudo, que a Comissão de Reforma da Legislação Pe- nal, cons!tuída para auxiliar o Senado Federal e presidida pelo Ministro do Superior Tribunal de Jus!ça, Gilson Dipp, ao apresentar uma proposta de criminalização dos jogos de azar^13 , revoga totalmente o ar!go 50 da Lei de Contravenções Penais e, com isso, a proibição de apostas em compe!- ções despor!vas, o que não concordamos em hipótese alguma.

3) Quais as repercussões jurídico-tributárias?

Par!ndo da premissa de que estabelecimentos empresariais, $sicos ou virtuais, de forma habitual ou eventual, podem organizar torneios de Poker em que os par!cipantes pagam determinadas quan!as em dinheiro em troca de fichas de valor fic#cio, com o fim de disputar prêmios em di- nheiro de acordo com a sua colocação final na disputa, resta-nos analisar como se dará a tributação.

Em relação às sociedades empresárias organizadoras, é importante gizar que elas cobram o “ rake, isto é, ficam com parte do valor arrecada-

13 O texto proposto pela Comissão criminaliza apenas quem “explora jogos de azar sem autorização legal”.

(Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 – Regulamento do Imposto sobre a Renda – RIR/1999, art. 685, inciso II, “a”; Parecer Norma!vo CST nº 173, de 1974; Parecer Norma!vo CST nº 62, de 1976)

Defendemos, no entanto, que deve ser descontada da base de cál- culo do Imposto de Renda a taxa de inscrição paga pelo jogador, pois se ao final do torneio o prêmio recebido por sua colocação for rigorosamente o mesmo que ele pagou para se inscrever na compe!ção, não haverá pro- priamente aumento de renda, fato gerador do tributo.

O que falta no Brasil, enfim, é uma regulamentação clara sobre o tema. Precisamos de uma disciplina legal específica sobre a exploração econômica dos chamados esportes intelectuais, também chamados de jogos da mente. É certo, entretanto, que o conjunto de disposi!vos legais examinados, em especial a correta interpretação do ar!go 50 da Lei de Contravenções Penais, do ar!go 814 do Código Civil, do item 12.11 da lista anexa à Lei Complementar 116, de 31 de outubro de 2003 e, é claro, do caput do ar!go 170 e do seu parágrafo único da Cons!tuição Federal, que asseguram o livre exercício de qualquer a!vidade econômica, permite a exploração econômica dos torneios de poker , seja em estabelecimentos $sicos ou virtuais.

CONCLUSÕES

A par de tudo que foi discu!do e examinado chegamos às seguintes conclusões:

® Todos os estudos realizados, no Brasil e no Exterior, con- cluíram que o Poker não é um esporte em que se dependa exclusiva ou preponderantemente da sorte, logo não é jogo de azar;

® Atualmente, os Organismos Internacionais do Esporte con- sideram o Poker um esporte intelectual, em pé de igualdade com xadrez, go, gamão e dama, razão pela qual há uma ex- pecta!va de que ele entre no calendário dos Jogos Mundiais dos Esportes da Mente;

® O Ministério dos Esportes reconheceu o Poker como es- porte intelectual e registrou, oficialmente, a Confederação Brasileira de Texas Hold’em em seus quadros, permi!ndo que os eventos de Poker possam ser incluídos no calendário espor!vo oficial do país;

® A Jurisprudência caminha a passos largos para admi!r, de forma irrefutável, a exploração empresarial de torneios de Poker.

® O único ponto de discórdia na jurisprudência, hodiernamen- te, são os jogos de Poker em que as apostas em dinheiro são ilimitadas, em modalidade conhecida como “ cash game ”.

® Diante do princípio cons!tucional da livre inicia!va, da redação do § 3º do ar!go 814 do Código Civil e, especial- mente, da inexistência de proibição legal, é absolutamente lícita a a!vidade de exploração empresarial, $sica ou virtual, de torneios envolvendo os esportes da mente, dentre eles o xadrez, a dama, o gamão e o Poker.

® As sociedades empresárias que explorarem essa a!vidade deverão recolher todos os tributos inerentes a essa a!vidade econômica, em especial o Importo Sobre Serviços de Qual- quer Natureza - ISS sobre o rake , que nada mais é do que a diferença entre o valor total arrecadado e o total das premia- ções que é distribuído entre os compe!dores.

® Elas também deverão reter, na fonte, o Imposto de Renda sobre os prêmios distribuídos aos compe!dores, observadas as alíquotas vigentes, descontando-se o valor pago pela ins- crição no torneio.

® Somos, finalmente, contrários à liberalização dos jogos de azar no Brasil, dentre eles, com destaque, máquinas caça-ní- quel, roleta, bacará, black-jack e “jogo do bicho”. Mais ainda, defendemos a criminalização^14 da sua exploração.

14 Deixando de ser mera contravenção penal.