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“Obrigado por fumar” (Thank You for Smoking, EUA, 2005), do diretor Jason ... mundo, não são capazes de despertar no público o clamor conquistado por.
Tipologia: Esquemas
Compartilhado em 07/11/2022
4.6
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Adriana dos Reis Silva * Maysa de Pádua Teixeira **
Resumo Neste artigo, propomos uma análise dos aspectos enunciativos do filme Obrigado por fumar – Thank you for smoking (2005), do diretor Jason Reitman, adotando, para isso, um modelo de análise do discurso associado a uma concepção erística de argumentação. Privilegiamos, em nossa investigação, uma abordagem linguístico-discursiva do referido filme, na qual o cinema é considerado o portador de um tipo de discurso que incorpora, além da ficcionalidade, uma multiplicidade de códigos semiológicos, como o verbal, o icônico, o musical, o textual, o sonoro etc. A fim de compreender o processo enunciativo que o engloba, com todas as suas peculiaridades, optamos pelo trabalho com a teoria Semiolinguística, desenvolvida por Charaudeau e seus colaboradores, por sua ênfase no quadro enunciativo, considerando os parceiros envolvidos na troca linguageira. Contemplamos ainda a habilidade argumentativa apresentada pelo protagonista Nick Naylor no desenrolar da narrativa, por ser tal habilidade um fato singularmente marcante e decisivo para o desfecho da trama. Ao final, concluímos que o protagonista situa suas estratégias argumentativas em um nível que extrapola a retórica aristotélica, alcançando o domínio da dialética erística, que dá o tom de humor irônico às cenas em que atua o personagem. Palavras-chave: Discurso Fílmico; Enunciação; Argumentação; Erística.
Aspectos Enunciativos do filme Obrigado por fumar
Neste artigo, propomos uma análise dos aspectos enunciativos do filme “Obrigado por fumar” (Thank You for Smoking, EUA, 2005), do diretor Jason Reitman, adotando, para isso, um modelo de análise do discurso associado a uma concepção erística de argumentação. Privilegiamos, em nossa investigação, uma abordagem linguístico-discursiva do referido filme, na qual o cinema é considerado o portador de um tipo de discurso que incorpora, além da ficcionalidade, uma multiplicidade de códigos semiológicos, como o verbal, o icônico, o musical, o textual, o sonoro etc. Justifica-se, assim, a aplicação de uma teoria linguística para sua análise. Inserir o filme na perspectiva da Análise do Discurso implica compreender o processo enunciativo que o engloba, com todas as suas peculiaridades. A fim de explorar essa questão, optamos pelo trabalho com a teoria Semiolinguística, desenvolvida por Charaudeau e seus colaboradores, por sua ênfase no quadro enunciativo, considerando os parceiros envolvidos na troca linguageira. A relação entre cinema e enunciação foi aqui discutida com base nos trabalhos desenvolvidos por Alves (2006). Contemplamos, ainda, a habilidade argumentativa apresentada pelo protagonista Nick Naylor no desenrolar da narrativa, por ser tal habilidade um fato singularmente marcante e decisivo para o desfecho da trama, buscando sua compreensão pelo prisma da dialética erística desenvolvida por Schopenhauer (1997) em seus 38 estratagemas para se vencer um debate sem precisar ter razão.
1 APRESENTAÇÃO DO CORPUS: “OBRIGADO POR FUMAR” (THANK YOU FOR SMOKING)
“Obrigado por fumar” (Thank You for Smoking, 2005), do diretor Jason Reitman, foi inspirado no romance de mesmo nome escrito por Christopher
Aspectos Enunciativos do filme Obrigado por fumar
razão ao culparem a indústria tabagista pelo aumento de casos de câncer no mundo, não são capazes de despertar no público o clamor conquistado por Naylor.
2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ENUNCIAÇÃO
Na perspectiva da Linguística da Enunciação, a linguagem deixa de ser vista apenas como instrumento externo de comunicação e de transmissão de informação para se configurar como uma forma de atividade entre os protagonistas do discurso. Para Bakhtin (1997), a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados, de forma que a realidade fundamental da língua seria constituída pela interação verbal consequente ao fenômeno social da enunciação. Nesse contexto, o enunciado surge como unidade da comunicação discursiva, como um elo na cadeia da comunicação, que varia de acordo com a situação, a posição social e as relações entre os participantes. Dessa forma, a palavra comporta duas faces: ela procede de alguém e se dirige a alguém, constituindo-se como produto da interação do locutor e do alocutário, daí a afirmação de que “o centro organizador de toda enunciação, de toda expressão, não é interior, mas exterior: está situado no meio social que envolve o indivíduo.” (BAKHTIN, 1997, p. 121). De maneira geral, Bakhtin (1997, p. 127) formula os seguintes postulados: a) Como sistema estável de formas normatizadas, a língua nada mais é que uma “abstração científica”, servindo a certos “fins teóricos” e “práticas particulares”, sendo que essa abstração não consegue abarcar de modo conveniente a “realidade concreta” da língua. b) A língua representa um processo evolutivo incessante, que se realiza através da “interação verbal social dos locutores”. c) As leis evolutivas da linguística não correspondem às da psicologia social, entretanto, não podem ser separadas da atividade dos falantes. As leis evolutivas oriundas da linguística têm como essência as “leis sociológicas”.
Adriana dos Reis Silva e Maysa de Pádua Teixeira Paulinelli
d) A “criatividade” da língua não é como a artística, tampouco como a ideológica. Contudo, a criatividade da língua não pode ser entendida “independentemente dos conteúdos e valores ideológicos que a ela se ligam”. Como toda evolução histórica, a evolução da língua compreende-se a partir de “uma necessidade cega de tipo mecanicista”, que também pode tornar-se “uma necessidade de funcionamento livre”, já que atingiu a posição de algo indispensavelmente consciente e desejado. e) A enunciação constitui-se por uma estrutura genuinamente social, sendo que ela só torna-se efetiva entre os falantes. Jakobson (2003), ao propor uma teoria das funções da linguagem, identifica seis integrantes no processo comunicativo: um (a) “remetente” que manda uma (b) “mensagem” a um (c) “destinatário”, sendo que tal mensagem está inserida num (d) “contexto” e é materializada por um (e) “código”, ambos partilhados pelos dois sujeitos desse processo. Essa mensagem é emitida por meio de um (f) “contato”, ou seja, um dispositivo físico e psicológico que une remetente e destinatário e possibilita a comunicação entre eles. O autor relaciona cada um desses elementos a uma função da linguagem. Assim, a função referencial é determinada pelo contexto, a emotiva ou expressiva é centrada no remetente, a conativa é voltada para o destinatário, a fática focaliza o contato, a poética atenta para a mensagem e a metalinguística lança luz sobre o código. Por sua vez, Benveniste postula que “as condições de emprego das formas não são (...) idênticas às condições de emprego da língua” (1989, p. 81). Com isso, o autor quer dizer que o emprego das formas constitui-se como algo necessário a toda descrição, como por exemplo, empregar um som na construção de uma sílaba; utilizar um morfema na construção vocabular; aplicar um sintagma para construir uma sentença e utilizar uma sentença para construir um período. Já o emprego da língua seria um “mecanismo total e constante” que interessa a toda forma linguística de maneira simultânea. Desse modo, Benveniste (1989, p. 82) define enunciação como o colocar a língua em funcionamento por meio de um ato individual. A maneira
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linguísticos que não explica a totalidade da comunicação humana? Como analisar a linguagem sem se preocupar com as condições de produção sem as quais não se capta o fenômeno da significação? Que sintaxe é essa que, apesar de tão elaborada, não explica as expectativas psicossociais que estão em jogo no ato da linguagem? (Charaudeau, 2001). Na expectativa de contemplar a dimensão psicossocial do ato de linguagem, Charaudeau (1984, 2001) propõe uma teoria de análise do discurso que incorpora tanto o âmbito social como a subjetividade dos participantes da troca linguageira, em seu conceito de “enunciação”. No item seguinte, trataremos da teoria Semiolinguística e discutiremos a possibilidade de sua aplicação para a análise do discurso fílmico.
3 A SEMIOLINGUÍSTICA
Na Teoria Semiolinguística, a comunicação é definida como uma relação contratual entre sujeitos, constituída e restringida por três componentes: o comunicacional - quadro físico da situação interacional; o psicossocial - estatutos sócio-institucionais dos interlocutores; e o intencional - expectativas recíprocas estabelecidas entre os interlocutores em função das estratégias planejadas. Nesse contexto, a enunciação surge como encenação do ato de linguagem (mise-en-scène), que depende de um dispositivo que compreende dois circuitos: o circuito externo - o situacional (lugar do fazer psicossocial), onde se localizam as circunstâncias de produção do discurso e os sujeitos responsáveis por essa produção; e um circuito interno - discursivo (lugar da organização do dizer), que dá lugar à materialização do discurso. Quatro sujeitos podem ser vislumbrados nesses dois circuitos. No circuito do fazer, estão o Sujeito Comunicante (Euc) e o Sujeito Interpretante (Tui), seres reais historicamente determinados, que participam do ato comunicativo, enunciando e co-enunciando; no circuito do dizer, encontram-se o Sujeito Enunciador (Eue) e o Sujeito Destinatário idealizado (Tud),
Aspectos Enunciativos do filme Obrigado por fumar
classificados por Charaudeau como seres de fala, já que estão no nível discursivo. Convém esclarecer que, para Charaudeau (2001), o sujeito é o lugar de produção da significação linguageira. Ele não é um indivíduo preciso, nem um ser coletivo. É uma abstração, o lugar da produção/interpretação da significação. Retomando a noção de linguagem como relação contratual assumida pela Teoria Semiolinguística, observa-se que o contrato de comunicação é estruturado em três níveis: I - o nível situacional, que diz respeito à estrutura do contrato e envolve questões como o reconhecimento da identidade dos interlocutores, as finalidades (fazer fazer, fazer saber, fazer crer, fazer sentir), o domínio temático e o suporte material do ato de comunicação; II - o nível comunicacional, que se relaciona com a dinâmica e o funcionamento do contrato e diz respeito às estratégias possíveis como, por exemplo, as relativas à legitimidade, à credibilidade e à captação; III - o nível discursivo, que contempla o desempenho linguístico- enunciativo dos interlocutores – as estratégias efetivas – ou ainda, o “como dizer?”. A título de ilustração das referidas hipóteses, reproduzimos, abaixo, o quadro comunicacional proposto por Charaudeau (2001):
Quadro 1: Contrato Comunicacional
Circuito externo – Fazer
EUc TUi
Relação Contratual
Circuito interno – Dizer
EUe ←______________________→ TUd
Aspectos Enunciativos do filme Obrigado por fumar
Em termos de circunstâncias materiais de produção, o discurso fílmico é constituído de outros dispositivos além do texto, já que o roteiro é apenas a primeira etapa da construção da obra cinematográfica. Tem-se um argumento inicial, que é a ideia do que vai ser o filme, e, a partir dele, é escrito o roteiro, com a descrição das cenas e dos personagens, a elaboração dos diálogos, a costura das sequências que determinam como os fatos vão se desenrolar. Produtor, diretor de arte, diretor de fotografia, figurinista, atores, técnicos de som, compositor de trilha sonora, editor/montador, maquiador, figurantes trabalham juntos para conferir o máximo de verossimilhança ao mundo proposto pelo autor do texto (ALVES, 2006). O roteirista seria o Sujeito Comunicante (Euc), um ser social e historicamente constituído que tem um projeto de comunicação a propor. A equipe responsável por corporificar o discurso que está no roteiro adquire a configuração do scriptor, que é a ponte entre o roteirista e os Sujeitos Enunciadores (Eue) presentes no circuito interno. Tais Sujeitos Enunciadores, por sua vez, tomam forma como personagens da obra e, ao estabelecerem relações de comunicação entre si, reproduzem simbolicamente, no nível discursivo, encenações do ato de linguagem. Esse jogo de linguagem é criado para um sujeito (Tud) projetado inicialmente pelo autor, mas quem vai efetivamente participar da encenação “real” do ato de linguagem é o sujeito que irá assistir ao filme (Tui), um ser social e historicamente constituído que, com suas interpretações e representações acerca da obra com a qual estabelece contato, exerce a co-enunciação.
3.2 Relação contratual no filme “Obrigado por fumar”
Como se afirmou, existem várias enunciações no discurso fílmico. A primeira, no circuito externo – fazer –, travada entre um Euc (sujeito autor) e um Tui (espectador), ambos sujeitos empíricos, tendo a obra como veículo de interação entre eles. E no nível interno do quadro enunciativo – dizer –, verifica- se uma outra interação, que se dá entre os personagens no interior do próprio filme.
Adriana dos Reis Silva e Maysa de Pádua Teixeira Paulinelli
Aplicando esse modelo ao filme “Obrigado por fumar”, teríamos os seguintes desdobramentos: a) O roteirista, que nesse filme também é o diretor, Jason Reitman, seria o Sujeito Comunicante (Euc), a instância originária da enunciação, com seu projeto inicial. Ele não enuncia diretamente, visto que é um sujeito constituído no nível situacional do contrato comunicacional. b) Em contrapartida, projeta vários Sujeitos Enunciadores (Eue), que são os personagens. Nick Naylor, Robin Willinguer, Senador Ortolan Finisterre, Mr. Herrera, o técnico em saúde pública, Senador Lothridge e Senador Dupree surgem como sujeitos de uma enunciação existente no nível discursivo. Ao estabelecerem relações de comunicação entre si, eles reproduzem, simbolicamente, encenações do ato de linguagem. Ressaltamos que os personagens interagem como se estivessem em uma situação real, mas seu diálogo está a serviço do projeto de fala idealizado pelo roteirista e pela equipe de produção. c) A figura do scriptor, conforme já afirmamos, é preenchida pela equipe responsável pela materialização da ideia presente no roteiro, pois é ela quem vai realizar uma ponte entre o roteirista/diretor e os Sujeitos Enunciadores (Eue) que aparecem no circuito interno. Para elucidar a dinâmica desse jogo selecionamos a última cena do filme^2 , na qual Nick Naylor comparece a uma sessão do Senado Federal para responder questões relativas às atividades realizadas pelas indústrias de cigarros. É importante esclarecer que o protagonista Naylor é vice-presidente e porta-voz da Academia de Estudos sobre o Tabaco. Nesta sessão, seria discutido um projeto de autoria do senador Ortolan Finisterre, propondo a inserção nos maços de cigarro de um logotipo representado por uma “caveira”, a fim de alertar os consumidores dos perigos do tabagismo. Quando o senador Ortolan Finisterre inicia o interrogatório e determina a Nick Naylor que “Diga seu nome, endereço e ocupação”, ele é um EUe do roteirista. Nick, a quem é dirigida esta fala, é seu TUd, e é também seu TUi, o alocutário que recebe a fala de Ortolan. Na direção inversa, quando Nick
(^2) A cena objeto de análise foi transcrita e encontra-se em anexo.
Adriana dos Reis Silva e Maysa de Pádua Teixeira Paulinelli
Por essa falta de compromisso, até mesmo com a verossimilhança, e pelo desejo de vencer a qualquer custo, identificamos nessa argumentação uma semelhança com o que Schopenhauer (1997) chamou de Dialética Erística, ou seja:
(...) a arte da discussão contenciosa, que, utilizando os instrumentos da dialética, da sofística, da erística e da retórica aristotélicas, abrange também os aspectos psicológicos do duelo argumentativo, ao mesmo tempo que deixa de lado as regras de ordem ética 4 que faziam da dialética aristotélica um instrumento confiável de investigação”. (Carvalho, 1997, p. 41- 42, grifo nosso)
A Dialética Erística se configura, assim, como a arte de ganhar uma discussão “a ferro e fogo”, por meios limpos ou sujos. Schopenhauer (1997) emprega o termo “esgrima intelectual” para se referir à erística e elabora uma listagem, não exaustiva, de estratagemas usados por uma ou outra parte para derrotar seu oponente. Citamos, em seguida, alguns dos estratagemas mais comumente observados nas contendas: ampliação indevida, uso intencional de premissas falsas, encolerizar o adversário, perguntas em ordem alterada, salto indutivo, manipulação semântica, falsa proclamação de vitória, negação da teoria na prática, discurso incompreensível. No filme em análise, o protagonista faz uso de vários desses estratagemas nos debates de que participa como defensor dos interesses das indústrias de cigarro. Até mesmo em sua vida pessoal, nas discussões com a ex-esposa e com o filho, Naylor faz prevalecer suas teses, ainda que elas não sejam as mais verossímeis. Para demonstrar como os estratagemas erísticos fazem parte das estratégias discursivas do protagonista, retomamos a referida cena final do filme. Logo abaixo, transcrevemos um trecho em que o Senador Ortolan Finisterre pergunta a Naylor sobre as atividades da “Academia de Estudos do Tabaco”:
O.F.: Sr. Naylor, como vice-presidente da Academia de Estudos sobre o Tabaco, o que o senhor fazia?
Aspectos Enunciativos do filme Obrigado por fumar
Nick Naylor: Eu informava o público sobre as pesquisas realizadas quanto aos efeitos do tabaco. O.F.: E o que, até o momento, a Academia concluiu nessa investigação dos efeitos do tabaco? Nick Naylor: Muitas coisas. Outro dia, divulgaram provas de que o fumo pode equilibrar a doença de Parkinson. A Academia de Estudos do Tabaco, no filme, é uma instituição de fachada, que faz parte de uma superestrutura montada pelos tabagistas para construírem uma imagem de que o setor se preocupa com a saúde dos consumidores. Ao afirmar que essa instituição conseguiu provas de que o fumo pode equilibrar o mal de Parkinson, o protagonista utilizou o estratagema n.º 28, que consiste no argumento ad auditores. Tal argumento é uma afirmação inválida, mas que apenas um especialista no assunto pode demonstrar. Assim, ainda que provoque estranhamento no auditório leigo o fato de que o cigarro pode contribuir no tratamento do Parkinson, é necessário que o adversário apresente provas científicas de que isso é impossível. Como afirma Schopenhauer (1997, p. 158), “(...) o adversário deverá entrar numa longa discussão e remontar aos princípios da ciência ou a qualquer outro recurso. Mas não é fácil encontrar um auditório interessado nesse assunto”. No trecho abaixo, inferimos que Nick Naylor utiliza o estratagema n.º 26, intitulado retorsio argumenti. Vejamos:
O.F.: (...) Sr. Naylor, quem patrocina a Academia de Estudos sobre o Tabaco? Nick Naylor: O Conglomerado do Tabaco. O.F.: São as indústrias de cigarro? Nick Naylor: Na maior parte, sim. O.F.: E isso afeta as prioridades dela?[da Academia de Estudos] Nick Naylor: Não. Como estou certo de que contribuições de campanha não afetam as suas. [prioridades] A estratégia do Senador era mostrar ao público o caráter falacioso das pesquisas da Academia de Tabaco, ao revelar que a fonte de custeio da instituição vem das próprias indústrias de cigarro. Contudo, Naylor lembrou a todos que a situação do Senador era análoga à da Academia, pois sua campanha eleitoral também seria financiada por diversos grupos, com interesses vários. Segundo Schopenhauer (1997), o retorsio argumenti é um
Aspectos Enunciativos do filme Obrigado por fumar
Senador Lothridge: Como já falamos, os rótulos não são para os que sabem, mas para aqueles que não sabem. E quanto às crianças? Nick Naylor: Senhores, isso se chama educação. E isso não está num maço de cigarros. Isso vem de nossos professores e, principalmente, de nossos pais. É tarefa dos pais advertir os filhos dos perigos do mundo, incluindo os cigarros, para que um dia, quando adultos, possam escolher. Eu olho para meu filho, que veio hoje comigo, e não posso deixar de pensar que sou responsável pelo crescimento e desenvolvimento dele. E tenho orgulho disso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta breve análise procurou mostrar, sob a perspectiva da teoria Semiolinguística, como se configura a enunciação em um tipo peculiar de discurso, que é o fílmico. Percebemos que os sujeitos ficcionais e o ato situacional estabelecem a “forma e o estilo ocasionais da enunciação” (BAKHTIN, 1997, p. 114), sendo que o filme constitui-se como um gênero que atua não apenas como mapa ou como modelo prescritivo, mas também como modelo interpretativo de um mundo construído à semelhança da realidade (MOTTER E MUNGIOLI, 2002). Ao investigar determinados aspectos enunciativos do filme “Obrigado por fumar”, chegamos às estratégias discursivas empregadas pelo protagonista Nick Naylor e concluímos que a argumentação dominante nesse filme é a dialética erística, que dá o tom de humor irônico às cenas em que atua o personagem. Existem, ainda, inúmeras observações interessantes a serem feitas em relação ao quadro enunciativo no discurso fílmico, mas isso ficará como convite para estudos posteriores.
Abstract In this work, we propose an analysis of the enunciative aspects of the movie Thank You for Smoking (2005), from director Jason Reitman, therefore adopting a discourse analysis model associated with an eristical conception of argumentation. In our research, we privilege a linguistic-discursive approach to the movie, in which cinema is considered a holder of a discourse type that incorporates, beyond fictionallity, a multiplicity of semiological codes, such as verbal, iconic, musical, textual, sound etc. In order to understand the enunciative process that incorporates it, with all its peculiarities, we choose to work with the Semiolinguistics theory, developed by Charaudeau and its
Adriana dos Reis Silva e Maysa de Pádua Teixeira Paulinelli
collaborators, because of its emphasis on the enunciative frame, considering the partners involved the language exchange. We also consider the argumentative hability presented by the protagonist Nick Naylor in unwinding the narrative, because this ability is a striking and decisive fact for the plot. At the end, we conclude that the protagonist situates its argumentative strategies at a level that extrapolates Aristotelian rhetoric, reaching the eristic dialectics domain, which gives an ironic humor tone to the scenes in which the character is playing. Keywords: Filmic Discourses; Enunciation; Argumentation; Eristic.
ALVES, Carolina Assunção e. Narradores de Javé: uma análise semiolingüística do discurso fílmico. Dissertação (Mestrado em Letras: Estudos Lingüísticos) - Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 8 ed. São Paulo: Hucitec,
BENVENISTE, É. O aparelho formal da enunciação. In: SOBRENOME, Nome. Problemas de Lingüística Geral II. Campinas: Pontes, 1989. p. 81-90.
CHARAUDEAU, P. Uma teoria dos sujeitos da linguagem. In: MARI, H.; MACHADO, I. L; MELLO, R. Análise do Discurso: fundamentos e práticas. Belo Horizonte: NAD/FALE/UFMG, 2001. p. 23-38.
JAKOBSON, Roman. Lingüística e Comunicação. 19. ed. São Paulo: Cultrix,
MACHADO, Ida Lucia. Uma teoria de Análise do Discurso: A Semiolingüística. In: MARI, H.; MACHADO, I. L; MELLO, R. Análise do Discurso: fundamentos e práticas. Belo Horizonte: NAD/FALE/UFMG, 2001. p. 23-38.
MAINGUENEAU, D. Pragmática para o discurso literário. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
MELLO, R. (Org.) Análise do Discurso & Literatura. Belo Horizonte: NAD/FALE/UFMG, 2005.
MOTTER, Maria Lourdes; MUNGIOLI, Maria Cristina Palma. Gênero teledramatúrgico: entre a imposição e a criatividade – um breve retrospecto. p. 1-12. 2002. Disponível em:
Adriana dos Reis Silva e Maysa de Pádua Teixeira Paulinelli
Nick Naylor: Sim. Seria difícil encontrar quem não creia que os cigarros são prejudiciais. Levantem as mãos – quem aqui acha que os cigarros não são perigosos? Senador Dupree: Sr. Naylor, esse teatro não é necessário. Nick Naylor: Não vejo necessidade de um aviso para algo que todos já sabem. Senador Dupree: O símbolo de aviso é um lembrete dos perigos do fumo. Nick Naylor: Se queremos lembrar as pessoas do perigo, por que não coloca- lo nos aviões Boeing, Senador Lothridge, e em todos os Fords, Senador Dupree? O.F.: Isso é ridículo. A taxa de mortalidade em aviões e automóveis nem se compara com a dos cigarros. Nick Naylor: Isto vem de um senador que chama Vermont de lar. Senador Lothridge: Eu não entendi, Sr. Naylor. Nick Naylor: O maior assassino do país é o colesterol. E eis o Senador Finisterre cujo estado entope as artérias da nação com queijo cheddar de Vermont. Se falamos em números, que tal os milhões que morrem de infarto? Talvez o cheddar de Vermont devesse trazer um logotipo... O.F.: Isto é rid... O Estado de Vermont não vai se desculpar pelo queijo. Senador Lothridge: Sr. Naylor, estamos discutindo cigarros. Não aviões, nem carros. Cigarros. Naylor sorridente. Sorriso de Monalisa. Senador Lothridge: Como já falamos, os rótulos não são para os que sabem, mas para aqueles que não sabem. E quanto às crianças? Nick Naylor: Senhores, isso se chama educação. E isso não está num maço de cigarros. Isso vem de nossos professores e, principalmente, de nossos pais. É tarefa dos pais advertir os filhos dos perigos do mundo, incluindo os cigarros, para que um dia, quando adultos, possam escolher. Eu olho para meu filho, que veio hoje comigo, e não posso deixar de pensar que sou responsável pelo crescimento e desenvolvimento dele. E tenho orgulho disso. O.F.: Bem, já disse isso, você aceitaria que ele fumasse? Nick Naylor: É claro que não, não tem 18 anos. Isso seria ilegal. O.F.: Eu o vi dizendo isso na TV, já chega de evasivas. O que fará quando ele fizer 18 anos? Vamos, Sr., Naylor! No 18º aniversário, vai partilhar um cigarro com ele? Vão passar uma tarde agradável, como em seus anúncios ridículos? Você tem muito a dizer sobre como criamos nossos filhos. E o seu filho? O que fará quando ele fizer 18 anos? Nick Naylor: (pausa para reflexão). Se ele quiser mesmo um cigarro, eu lhe comparei o primeiro maço. O.F.: Obrigado por seu testemunho, Sr. Naylor. Está dispensado.