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As três acepções fundamentais da palavra. Direito (*). Miguel Reale. A filosofia do Direito coloca-nos em face da necessi-.
Tipologia: Exercícios
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A filosofia do Direito coloca-nos em face da necessi- dade de discriminar, preliminarmente, algumas das acep- ções fundamentais da palavra "Direito". Nas ciências cha- madas exatas, os vocábulos têm, e m regra, u m significado bastante preciso; u m físico ou u m químico jogam com u m vocabulário próprio e o fazem com certa garantia de que dada palavra traduz, sempre, u m significado constante e c o m u m entre os cultores das respectivas ciências. Nas ciências culturais, essa precisão terminológica é difícil, quando não impossível. A vacilação do significado dos termos resulta da di- ferença mesma existente entre as ciências físico-matemá- ticas e as ciências que chamamos culturais, ou "ciências do espírito". Naquelas o observador coloca-se diante de u m objeto, procurando alcançar a máxima neutralidade, de maneira que o seu coeficiente pessoal não possa per- turbar o resultado da pesquisa. O cientista de laboratório pretende adquirir u m grau extremo da despersonalização, de modo que o fenômeno e m exame seja apreendido tal como êle é. H á dois ele- mentos fundamentais nessa análise científico-positiva: de A m lado, a possibilidade de u m a crescente despersonaliza- ção do observador e, de outro, a estabilidade do objeto
(*) Este artigo corresponde a u m a das aulas do curso de Fi- losofia do Direito, e m 1949, conforme notas taquigráficas revistas.
da própria pesquiza. Os elementos formadores do mundo material, embora não se comparem com os do mundo ma- temático, são estáveis; se provoco u m a reação com deter- minados líquidos, tenho a certeza de que, mantidas iguais condições, eles reagirão sempre da m e s m a maneira. Isso não acontece no mundo das criações humanas, pois o ob- jeto de estudo do Direito, da Política, da Economia, etc, é, e m última análise o h o m e m mesmo, ou seja, u m ser livre, que m u d a continuamente através do tempo, e que, com a sua liberdade, representa u m a soma de imprevistos e de contingência no processo dos fatos analisados. As ciências culturais, e m contraposição á exatidão e á certeza das ciências chamadas positivas, apresentam duas características: menor possibilidade de despersonalização por parte do cientista, e a mutabilidade nos elementos sob análise. Se existem tais diferenças é claro que se apre- sente também u m a variação de terminologia, que não en- contramos no campo físico-matemático. Daí dizer-se que nas ciências culturais pode haver "rigor", mas não exa- tidão de resultados. H E N R Y B E R G S O N (1859-1940), u m dos grandes vultos do pensamento filosófico de nosso tempo, afirmou que as pa- lavras são prisões dentro das quais se contêm idéias, que se transformam, que vivem e se ajustam a situações dife- rentes. E' preciso penetrar nessas prisões, partir a es- trutura gráfica das palavras, para entrar e m contacto com a riquesa do conteúdo que nelas se encerra. E' o que pre- tendemos fazer, e m linhas gerais, com a palavra, "DIREI- TO", palavra trabalhada por gerações e gerações através de séculos de lutas e indagações, palavra que, no fundo, se confunde com o próprio destino da espécie humana. Desde que u m h o m e m surge, posto diante de outro homem, põe-se o Direito, como u m a delimitação garan- tidora de atividades recíprocas. Através da história, obe- decendo a idéias diversas, o h o m e m vem realizando, o Di- reito, vivendo regras jurídicas, e m u m a experiência inces- sante e ás vezes trágica.
que se deva impor também aos mais fortes?". O problema do justo remonta, por assim dizer, ás raizes das pesquizas humanas. Só mais tarde é que o Direito como sistema positivo de normas passa a ser objeto de cogitações de u m a ciência autônoma. Cronológica e filosòficamente fa- lando, ou seja, do ponto de vista histórico e lógico, o pro- blema básico é o do Direito como justo.
Essa preocupação de alcançar a justiça, esse desejo ardente que a espécie humana alimenta de realizar a igual- dade e a harmonia dos interesses, através dos tempos, dá lugar a u m a experiência social, a u m a forma de con- duta, a u m modo de ser e de comportar-se que nós de- nominamos "experiência jurídica".
0 Direito é uma experiência uital; é u m a soma de atos que as gerações vão vivendo, u m a após outras, do- minadas, todas, pelo ideal que chamamos do justo. Pois bem, a esta experiência histórica, que se concretiza no tempo, ao fato social que progride ou regride assumindo fisionomias e aspectos diversos, variando de lugar para lu- gar, de tempo para tempo, e exprimindo-se e m sistemas de normas positivas também damos o nome de Direito.
Vejam bem: em primeiro lugar, o Direito é percebido como justo, ou seja, como u m sistema de valores subor- dinado ao ualor de Justiça, valor que consiste em servir aos demais valores na coexistência social, pois é próprio do Direito criar as condições indispensáveis para que indi- víduos e grupos possam realizar plenamente suas aspira- ções ou tendências no sentido do bem, do belo, do útil, do verdadeiro ou do santo.
E m segundo lugar, tem-se o Direito como forma mais concreta, como fato social, como "a objetivação do justo no tempo", o que eqüivale a ver o Direito Positivo como u m a realidade posta pelo Espírito, u m a objetivação do Es- pirito no sentido intencional do valor do justo.
Mas, não se para aí. O h o m e m não faz apenas regras de conduta; tão pouco se limita a obedecê-las ou a desres- peitá-las. E m certo momento da evolução cultural, surge a necessidade de se estudar a experiência jurídica, de exa- minar o mundo complexo das regras, buscando-se entre elas u m a constante, a razão de sua unidade, os laços de subordinação recíproca, os motivos de sua composição e m u m todo lógico coerente. Tal fenômeno de compreensão unitária, de sistemática da realidade histórico-social, verifica-se quando surge a Ciência do Direito. Esta aparece milênios após o início da experiência jurídica, cujo estudo e m si (a Sociologia Jurídica) é ainda mais recente. Foram os romanos que, não se limitando a viver o Direito, quizeram compreende-lo, na sua unidade siste- mática e lógica. A ciência só surge quando há unificação e sistematiza- ção. O primeiro povo a se preocupar com a coordenação lógica das regras jurídicas, com a distribuição dos precei- tos e m institutos, destes em sistemas particulares e destes ainda e m sistemas gerais, á luz de princípios diretores, foi o povo romano. Temos, assim, a terceira acepção da palavra Direito: o Direito como ciência, ou seja, como compreensão racional, unitária e lógica, do fato social que denominamos também Direito. Estão vendo, portanto, que a palavra Direito designa três coisas distintas mas que, efetivamente, não são senão três aspectos distintos da mesma realidade, três facetas do mesmo objeto, ou se quizerem, três momentos distintos da objetivação do Espírito. D o exposto resulta o quadro gráfico que podemos es- tabelecer, discriminando no Direito as três faces com as quais se compõe a pirâmide jurídica:
Se o Direito é u m fato social que se desenrola no tempo, variando de país para pais, de época para época, é suscetível de ser estudado pelo historiador. H á u m a his- tória do Direito, como há u m a história particular de cada u m a de suas instituições; podemos estudar, por exemplo, o matrimônio ou a propriedade através dos tempos. Os problemas de História do Direito põem e m vista, evidente- mente, outro problema complementar que é o da Filosofia da História do Direito. A Sociologia do Direito distingue-se da História do Di- reito, porque esta estuda o desenvolvimento e a concate- nação dos fatos e m sua singularidade, ou seja, com todas as suas características de elementos individuais, muito embora o deva integrar no fluxo geral dos acontecimentos, buscando-lhe o sentido perene. Diversa é, porém, a finalidade da Sociologia do Di- reito que estuda os fatos na sua generalidade. E' claro que a Sociologia também está condicionada pelo espaço e pelo tempo, mas, a preocupação do sociólogo não é u m fato que tenha acontecido, "hic et nunc", mas sim, as condições ou as causas geradoras do acontecimento, bem como seus nexos com os demais elementos ou fatores sociais. Para o historiador u m fato particular tem u m signi- ficado extraordinário. O nascimento de Napoleão é u m fato histórico que revoluciona todo o desenvolvimento po- li tico-cultural da espécie humana; entretanto, o fato do nascimento de Napoleão não interessa ao sociólogo senão como dado ou élo de u m sistema, sucetíivel de ser consi- derado e m grau de generalidade. E m suma, o fato histórico particular ou geral é sempre estudado, tanto pela História do Direito como pela Socio- logia do Direito, mas com diverso entendimento, embora entre ambas existam relações íntimas. Não há e m ver- dade grande sociólogo que não seja dotado de grande las- iro de conhecimentos históricos, e vice-versa. Podemos dizer que a história representa a laboratório de experiência do sociólogo. C o m o não podemos provocar
acontecimentos sociais, como faz o físico ou o químico, outra coisa não nos resta senão voltar os olhos para o pas- sado, observando as experiências de outras gerações e ti- rando conclusões para os nossos tempos. Visto, assim, o Direito como experiência histórica, pas- semos a considerá-lo como "estrutura normativa", ou seja como processo ou técnica de pensamento, como compreensão racional. Então surge outro campo de pesquizas, outra ordem de indagações — é a Ciência de Direito, ou Jurisprudência. Nesta Faculdade, não estudamos de preferência o Direito como fato social e m si, mas sim e m "referibilidade norma- tiva", isto é como conjunto de princípios ou de conceitos, pelos quais se ordenam e se compreendem certas regras sociais dotadas de garantias específicas. Costumamos dar a essa parte do Direito o nome tradicional de "jurispru- dência", que se desdobra e m múltiplos aspectos, como se- jam o Direito Civil, o Direito Comercial, o Direito Penal etc. Como, porém, o Direito não pode ser separado dos demais fatores, que compõem o processo cultural, nas Fa- culdades de Direito estudam-se disciplinas que não são, pro- priamente, jurídicas, mas que iluminam a visão dos fatos jurídicos; entre elas, podemos citar a Economia Política, a Ciência das Finanças, a Teoria do Estado, a Criminologia, e a Medicina Legal. Estão vendo os senhores que, pela própria análise da palavra Direito, desdobrada na riquesa dos seus significa- dos, temos o programa daquilo que nos cumpre estudar durante este ano. Fazendo o estudo do justo, do fato social com referência ao justo, dos processos lógicos da ciência jurídica também com relação ao justo, o que nos cabe ponderar, de princípio, é que não pretendemos jamais partir sua unidade, n e m fazer prevalecer u m dos seus aspectos sobre os outros, porquanto o Direito não é outra coisa senão o Espjírito como intersubjetívidade. Mesmo e m nossa época, encontramos autores que, dando demasiada importância a u m determinado aspecto ou ob-
xa, que se integra de três elementos: fato, valor e norma. Só mais tarde poderão os senhores compreender toda a riqueza dessas palavras. Por enquanto, são meras noções que demonstram como, através da análise do termo, do vocábulo Direito, vamos arrancando dele, sucessivamente, os elementos que nos permitirão u m a sondagem nas raí- zes do problema basilar que nos preocupa. Eiri resumo, a realidade jurídica é u m a realidade com- plexa, que reúne e m si três elementos complementares, de maneira absolutamente necessária. Podemos mesmo dizer que a experiência jurídica, o fato social, vai se integrando cada vez mais na estrutura lógico-normativa da Ciência do Direito, afim de alcançarmos as condições ideais do que consideramos justo. H á u m a perfeita entrosagem no pro- cesso histórico, porquanto o h o m e m aperfeiçoa a Ciência do Direito para apreender o fato social no sentido autên- tico do justo. 0 estudo dos senhores tem sido dirigido no sen- tido da Ciência do Direito; estudaram jurisprudências, como o Direito Civil, o Direito Penal, e, assim por diante; re- ceberam o Direito na sua estrutura lógico-compreensiva de regras de conduta. Cumpre, agora, verificar que as regras jurídicas não surgiram por acaso, nem por u m ca- pricho do legislador, mas que, ao contrário, representam a expressão lógica de u m a realidade subjacente, á qual se ligam fenômenos econômicos, geográficos, demográficos, artísticos, éticos, religiosos etc. e que tal expressão lógica tem, como finalidade única, a realização dos valores do justo.
O Direito desenvolve-se, por conseguinte, como a pró- pria vida humana na sua expressão de co-existência pací- fica e livre. Enquanto o h o m e m se concentra e m si m e s m o e vive como h o m e m isolado, não há que falar e m Direito. O Direito surge tão somente quando u m h o m e m se coloca diante de outro h o m e m e há recíproca afirmação do "eu". Se ambos dizem "eu sou", surge o problema da existência
do "outro", que só se resolve plenamente pela afirmação: "nós somos". Esta já é a afirmação do Direito mesmo, porque pelo Direito se torna possível a co-existência pacífica e orde- nada de indivíduos e de grupos, distintos segundo sua livre razão c o m u m de ser. Igualdade de homens livres e m u m a convivência feita de recíproco respeito e de con- córdia. , Não há, pois, que separar a Filosofia do Direito da Sociologia ou da História do Direito. São pesquizas que se conjugam e se coordenam, distinguindo-se apenas por u m esforço de abstração, por necessidades lógicas e peda- gógicas, mas que devem, depois, ser reconduzidas e m sín- tese, no momento da atividade prática da aplicação do Direito, de sua integração como momento da vida. Os grandes jurisconsultos, da familia de BEVILACQDA (1833-1946), de TEIXEIRA D E FREITAS (1817-1883), de LAFAIETE (1734-1917), jamais ficaram ilhados no exclusivismo da téc- nica jurídica. Sabiam aliar a ciência do justo á do fato social e histórico, porque viam o Direito e m sua totalidade, multi- plicando-se e m facetas, arestas, ângulos e perspecticas, co- m o partes sempre ligadas umas à s^ outras na harmonia de u m todo orgânico.