Baixe Direitos da defesa no processo penal e outras Transcrições em PDF para Direito, somente na Docsity!
Livro As Nulidades no Processo Penal- Ada Pellegrini Grinover (2011): GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. As Nulidades no Processo Penal. 12. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
P. 71 Capítulo VI- O direito de defesa
1. A defesa como garantia constitucional
- Ao estabelecer o princípio da proteção judiciária, dispondo que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciária lesão ou ameaça a direito” (art. 5, XXXV, da CF), a Constituição eleva a nível constitucional os direitos de ação e de defesa, face e verso da mesma medalha. E mais: dá conteúdo a esses direitos, pois não se limita a permitir acesso aos tribunais, mas assegura também, ao longo de todo o iter procedimental, aquele conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, tutelam as partes quanto ao exercício de suas faculdades e poderes processuais e, do outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição: trata-se das garantias do “devido processo legal” (art. 5º, LIV, da CF). Sobre o direito de ação e de defesa e as garantias do “devido processo”, v. Cintra, Grinover e Dinamarco, Teoria geral do processo, n. 33/36.
- Passando a especificar analiticamente tais garantias, a Constituição assegura aos litigantes e aos acusados em geral o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV, da CF). Defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório (visto em seu primeiro momento, da informação) que brota o exercício da defesa; mas é essa – como poder correlato ao da ação – que garante o contraditório. A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e
é garantida. Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório.
2. As garantias da defesa na Convenção Americana sobre Direitos Humanos
- Também se inserem no direito de defesa as garantias estabelecidas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, cujo texto foi aprovado em São José da Costa Rica em 22.11.1969. P. 72
- A aprovação do mesmo texto no Brasil, pelo Decreto Legislativo 27, de 26.05.1992, levou a sua ratificação pela Carta de Adesão de 25.09.1992, vindo, finalmente, a Convenção a ser incorporada ao direito interno pelo Decreto 678, de 06.11.1992, que determinou seu integral cumprimento.
- O art. 7º da Convenção, que trata do direito à liberdade pessoal, será examinado no capítulo correspondente (cap. XIV, n. 4).
- Por sua vez, reza o art. 8º: “Art. 8º. Das garantias judiciais.
- Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formalmente contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
- Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente a sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, as seguintes garantias mínimas: a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal;
- O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.
- O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da Justiça.”.
- O art. 5º, §2º, da CF afirma expressamente que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
- Assim, todas as garantias processuais penais da Convenção Americana integram, hoje, o sistema constitucional brasileiro, tendo o mesmo nível hierárquico das normas inscritas na Lei Maior. Como antes anotado (cap. II, n. 2), entendemos que a regra do art. 5º, §3º, da CF, acrescentada ao texto constitucional pela Emenda 45/2004, só vale para o futuro, porquanto a Convenção Americana já integra o sistema constitucional interno.
- Isto quer dizer que as garantias constitucionais e as da Convenção Americana interagem e se completam; e, na hipótese de uma ser mais ampla que outra, prevalecerá a que melhor assegure os direitos fundamentais. Assim, por exemplo, a norma convencional sobre a autodefesa e a defesa técnica (n. 2, d, do art. 8º da Convenção) parece tutelar alternativamente uma ou outra; mas, à medida que a interpretação constitucional da norma brasileira sobre o direito à ampla defesa se fixou no sentido da indispensabilidade de ambas (v., infra, n. 3), deve prevalecer a regra constitucional interna, assim como vem sendo interpretada. 3. Defesa técnica e autodefesa
- A defesa, no processo penal, apresenta-se sob dois aspectos: defesa técnica e autodefesa.
- A primeira é sem dúvida indisponível, na medida em que, mais do que garantia ao acusado, é condição de paridade de armas, imprescindível à concreta atuação do contraditório e, consequentemente, à própria imparcialidade do juiz. Por isso, a Constituição de 1988 considera o advogado indispensável à administração da Justiça (art. 133) e estrutura as defensorias públicas (art. 134). P. 74
- Tão essencial é a defesa técnica que, em alguns ordenamentos – como o italiano – não se permite a dispensa da defesa técnica exercida por terceiro, nem mesmo quando o acusado possui habilitação profissional.
- No Brasil, a efetividade da defesa técnica é especialmente assegurada pela regra contida no art. 497, V, do CPP, que inclui entre as atribuições do juiz-presidente do Júri, a de “nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, nesse caso, dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento com a nomeação ou a constituição de novo defensor” (redação Lei 11.689/2008). Mas isso não vale apenas para os julgamentos do júri, consistindo, na verdade, norma de garantia aplicável a todo e qualquer procedimento penal.
- Em decisões recentes, o STF reconheceu haver inexistência de atos processuais praticados por pessoa não habilitada para o exercício da advocacia (RT 843/499) ou por advogado suspenso de suas atividades (RT 853/495).
- O acusado tem o direito à escolha de advogado de sua confiança. Por isso, decidido pelo TJSP, constitui nulidade absoluta e flagrante ofensa aos princípios do devido processo legal a nomeação de defensor dativo sem a intimação do réu para constituir novo defensor de sua confiança, em virtude da renúncia de seu advogado (TJSP, HC 387.363-3/0-00, j. 30.07.2022), RT 807/607). O STJ também concedeu habeas corpus para anular a ação penal, a partir do despacho que determinou a apresentação de razões recursais
para a apresentação de considerações defensivas, pode redundar em sacrifício de toda a defesa.
- Com relação à autodefesa, cumpre salientar que se compõe ela de dois aspectos, a serem escrupulosamente observados: o direito de audiência e o direito de presença. O primeiro traduz-se na possibilidade de o acusado influir sobre a formação do convencimento do juiz mediante o interrogatório. O segundo manifesta-se pela oportunidade de tomar ele posição, a todo momento, perante as alegações e as provas produzidas, pela imediação com o juiz, as razões e as provas. A 1ª Turma do STF firmou posição no sentido do direito do acusado de comparecer, assistir e presenciar os atos processuais, especialmente os realizados na fase instrutória: HC 67.755-0-SP, DJU 11.09.1992, p. 14.714. Em decisão mais recente, o TJSP reconheceu a nulidade absoluta de audiência realizada sem a presença do réu preso, que não fora apresentado em juízo, ressaltando que “ainda que as partes concordem e o defensor dativo alegue que o fato não acarreta prejuízo, está caracterizado o cerceamento de defesa por flagrante violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa” (Ap. 488.443.3/2-00, RT 850/572). A Lei 11.690/2008, alterando a redação do art. 217 do CPP, introduziu a possibilidade de inquirição de testemunhas por videoconferência quando a presença do acusado na audiência puder causar humilhação, temor ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento. Nessa situação, entendemos que – para assegurar a efetividade do direito da defesa –, a testemunha é que deve prestar depoimento em sala separada, com comunicação pelo sistema de videoconferência, permanecendo o acusado na sala de audiência em contato com o defensor.
- Ao lado desses dois aspectos, é preciso ainda lembrar que em certos casos a lei processual penal confere ao próprio réu – e de
forma concorrente com a atuação do advogado – a faculdade de postular diretamente ao juiz, como ocorre com a interposição de recursos (art. 577 do CPP), o pedido de revisão criminal (art. 623 do CPP) e a iniciativa para os procedimentos na execução penal (art. 195 da LEP).
4. O direito de defesa e as nulidades
- Como já se disse, a infringência à norma constitucional com conteúdo de garantia acarreta, como sanção, a nulidade absoluta (retro, cap. II).
- Mas é preciso examinar, caso a caso, se o vício ou a ausência do ato processual defensivo prejudica a ampla defesa como um todo, ou se não têm esse alcance. É esta a exata interpretação dada à Súmula 523 do STF, que estabelece: “No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”. P. 76
- Nessa linha – nulidade absoluta quando for afetada a defesa como um todo; nulidade relativa com prova do prejuízo (para a defesa) quando o vício defensivo não tiver essa consequência – é que deve ser resolvida a questão das nulidades por vício ou inexistência dos atos processuais inerentes à defesa técnica e à autodefesa.
- Assim, inúmeros julgados, sem indagar a respeito do prejuízo, reconhecem a nulidade absoluta em casos como: inépcia da denúncia (STJ, HC 66.195-RJ, j. 26.08.2008); ausência ou mera irregularidade de citação, não sanadas pelo comparecimento do réu (TACrimSP, JTACrim 28/31, 44/75, 52/272 e 65/349; RT 489/380, STJ, HC 91.210-PR, j. 21.02.2008); colidência de defesas (RT 217/78, 302/447 e 357/375; RTJ 32/49 e 42/804, STF HC 91.946-4- RJ, j. 11.12.2007); falta ou inépcia de alegações finais (RT 511/320; JTACrim 71/295); falta ou inépcia das razões de recurso (TACrimSP, Ap. 264.491, O processo constitucional em marcha).
- É que, nesses casos, o vício ou inexistência do ato defensivo pode não levar, como consequência necessária, à vulneração do direito de defesa, em sua inteireza, dependendo a declaração de nulidade da demonstração do prejuízo à atividade como um todo. **P. 77
- O interrogatório como autodefesa. O direito ao silêncio**
- Consubstanciando-se a autodefesa, enquanto direito de audiência, no interrogatório, é evidente a configuração que o próprio interrogatório deve receber, transformando-se de meio de prova (como considerava o Código de Processo Penal de 1941, antes da Lei 10.792/2003) em meio de defesa: meio de contestação da acusação e instrumento para o acusado expor sua própria versão.
- É certo que, por intermédio do interrogatório – rectius, das declarações espontâneas do acusado submetido a interrogatório –, o juiz pode tomar conhecimento de notícias e elementos úteis para a descoberta da verdade. Mas não é para esta finalidade que o interrogatório está preordenado. Pode constituir fonte de prova, mas não meio de prova: não está ordenado ad veritatem quaerendam.
- E mais: diante da garantia maior do nemo tenetur se ipsum accusare, o acusado, sujeito da defesa, não tem obrigação nem dever de fornecer elementos de prova. Por isso, não é razoável exigir-se a cooperação do acusado para a obtenção de quaisquer provas incriminadoras. No Brasil, o STF tem proclamado a inadmissibilidade de compeli-lo a fornecer material gráfico (HC 77.135-8, rel. Ilmar Galvão, RT 760/542), particular reprodução simulada dos fatos (HC 69.026-DF, rel. Celso de Mello, DJU 04.09.1992, RTJ 142/855) e também de fornecer padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial de confronto de voz em gravação de escuta telefônica (HC 83.096-RJ, rel. Ellen Gracie, Informativo 330, do STF).
- Assim, mesmo que se quisesse ver o interrogatório como meio de prova, só o seria em sentido meramente eventual, em face da faculdade de o acusado não responder. A autoridade estatal não pode dispor dele, mas deve respeitar sua liberdade no sentido de defender-se como entender melhor, falando ou calando-se. O direito ao silêncio é o selo que garante o enfoque do interrogatório como meio de defesa e que assegura a liberdade de consciência do acusado.
- Por isso, a Constituição de 1988, no inc. LXIII do art. 5º, assegura: “O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. Sobre o direito ao silêncio, v. também a Convenção Americana, art. 8º, n. 2, g: retro n. 2.
- A primeira observação é a de que, aludindo ao direito ao silêncio e à assistência do advogado para o preso, a Lei Maior denota simplesmente sua preocupação inicial com a pessoa capturada: a esta, mesmo fora e antes do interrogatório, são asseguradas as mencionadas garantias. P. 78
- Mas isto não pode, nem quer dizer que ao indiciado ou ao acusado que não esteja preso não seja estendida a mesma proteção, no momento maior da autodefesa que é o interrogatório.
- Em segundo lugar, observe-se que a Constituição prevê a possibilidade de assistência do advogado, seja no momento da prisão, seja – pela mesma extensão – no momento do interrogatório (policial ou judicial), para que haja a interação entre defesa técnica e autodefesa.
- Por último, com a exigência de informação sobre a faculdade de silenciar, a Constituição confere a esta roupagem do verdadeiro direito, que há de ser livre e conscientemente exercido.
P. 79
- Pela mesma razão, nenhuma eficácia pode ser atribuída ao art. 198 do CPP (“O silêncio do acusado não importará em confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz”), não alterado pela Lei 10.792/2003.
- Tudo dentro da inafastável convicção de que não pode haver pressões ou sanções que limitem o pleno exercício de um direito constitucional.
- O que se disse também se aplica ao interrogatório judicial, seja por força do disposto no inc. LXIII do art. 5º da Constituição, seja pela referência do art. 6º, V, do CPP, ao cap. III do Título VII do Livro do mesmo Código. 7. Infringência do direito ao silêncio. Consequências
- Neste ponto, o vício maior do interrogatório é a falta de informação sobre o direito de o indiciado ou acusado permanecer calado. A doutrina estrangeira, há mais tempo afeita à garantia do pleno direito ao silêncio, assentou que o interrogatório do acusado ou mesmo suas declarações espontâneas perante o órgão estatal somente são válidos desde que tenha havido informação sobre a faculdade de calar. Nem pode ser diversamente, sob pena de restringir o direito ao silêncio e a correspondente informação a mera fórmulas, vazias de conteúdo.
- Resulta daí que a ausência de informação implica nulidade do interrogatório, a qual, por sua vez, pode assumir duas dimensões: a mais grave, consubstanciada na nulidade de todo o processo, a partir do interrogatório, se, no caso, o ato viciado redundou no sacrifício da autodefesa e, consequentemente, da defesa como um todo. Ou, na dimensão mais moderada, pela invalidade do interrogatório, com sua necessária repetição, mas sem que os atos sucessivos fiquem contaminados, se se verificar que o conteúdo das declarações não prejudicou a defesa como um todo e os atos sucessivos.
Mesmo neste último caso, porém, o vício transmite-se às provas derivadas (ou seja, às provas contra reum por este indicadas no interrogatório irregular), invalidando-as também: exatamente como ocorre com o interrogatório prestado sob coação ou sevícias. Ver, sobre as provas ilícitas por derivação, cap. IX, seção II, n. 10. No julgamento do HC 78.708-SP, a 1ª Turma do STF assentou expressamente que, “em princípio ao invés de constituir desprezível irregularidade, a omissão do dever de informação ao preso dos seus direitos, no momento adequado, gera efetivamente a nulidade e impõe a desconsideração de todas as informações incriminatórias dele anteriormente obtidas, assim como as provas derivadas”; todavia, no caso tratado, a Suprema Corte não reconheceu a nulidade, ressalvando que, “em matéria de direito ao silêncio e à informação oportuna dele, a apuração do gravame há de fazer-se a partir do comportamento do réu e da orientação de sua defesa no processo: o direito à informação oportuna da faculdade de permanecer calado visa a assegurar ao acusado a livre opção entre o silêncio – que faz recair sobre a acusação todo o ônus da prova do crime e de sua responsabilidade – e a intervenção ativa, quando oferece versão dos fatos e se propõe a prová-la; a opção pela intervenção ativa implica abdicação do direito de manter-se calado e das consequências da falta de informação oportuna a respeito” (RTJ 168/977). P. 80
- Mas, na hipótese de ser o interrogatório essencial para a validade de outro ato processual (como ocorre, por exemplo, com a prisão em flagrante: art. 304 do CPP), não há dúvidas de que a nulidade se comunicará em qualquer caso ao ato processual embasado no interrogatório viciado. O STJ decidiu, entretanto, que a omissão quanto à informação de que o preso podia permanecer calado não é motivo de
STF, RHC 87.172-1-GO, j. 15.12.2005; STJ, HC 83.513-MS, j. 29.08.2007, HC 73.179-DF, j. 18.6.2007. A partir da Lei 11.719/2008, que alterou os procedimentos, serão certamente mais raras as situações de ausência do defensor no interrogatório, pois na nova sistemática o interrogatório é realizado ao final da audiência de instrução, à qual deve estar necessariamente presente o defensor do acusado. P. 81
- Mas é evidente que não basta a presença do defensor ao longo do interrogatório. Há que se assegurar, antes de sua realização, o prévio contato do defensor com o acusado. É o que ficou expressamente assegurado pelo §5º, do artigo 185, introduzido pela Lei 11.900/2009: “Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala na sala de audiências de Fórum, e entre este e o preso”. Fez bem o legislador, pois, com a nova disposição, deixou assentado que a entrevista prévia do acusado com o defensor é essencial para que a autodefesa e a defesa técnica se integrem, por intermédio do contato reservado dos dois protagonistas da defesa penal, indispensável ao adequado exercício da defesa, em sua dúplice configuração. Como anotado (supra, n. 3), o STF já reconhecera antes da Lei 11.900/2009, a nulidade por cerceamento de defesa em situação em que a ré, presa em São Paulo e respondendo a processo no Rio de Janeiro, viu-se impossibilitada de entrevistar-se com a defensora pública nomeada no juízo da causa. Ficou então sublinhado que a falta de recursos materiais a inviabilizar as garantias constitucionais dos acusados em processo penal é inadmissível, na medida em que implica disparidade dos meios de manifestação entre a
acusação e a defesa, com graves reflexos, em um dos bens mais valiosos da vida, a liberdade (STF, HC 85.200-9-RJ, rel. Min. Eros Grau, j. 08.11.2005, DJU 03.02.2006). Observe-se que com a nova sistemática dos procedimentos, introduzida pela Lei 11.719/2008, o contato entre o acusado e defensor deve anteceder à audiência de instrução e julgamento, pois o interrogatório é o último ato da audiência (art. 400, caput, do CPP, com a nova redação). O estatuído pelo referido §5º do art. 185 constitui consagração legal do que expressamente era assegurado pelo art. 8º, 2, d, do Pacto de São José da Costa Rica, o qual prevê “o direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor” (grifo nosso). Também pela necessidade de entrevista prévia do acusado com o seu defensor, não é possível a atuação de um único defensor nos interrogatórios de dois ou mais corréus, quando as defesas são colidentes. Nesse sentido, TJRS, Ap. 70011077534, rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho, j. 06.04.2005, RT 836/632. 8a. As reperguntas das partes no interrogatório
- Mais uma importante inovação da Lei 10.792/2003: o novo art. 188 do CPP prescreve: “Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante”. P. 82
- Correta a disposição: sobretudo em relação à defesa, é indispensável que sobre todos os fatos o acusado possa desenvolver plenamente sua autodefesa. É em face dos princípios da igualdade processual, era necessário garantir a mesma faculdade à acusação. Mas tudo será filtrado pelo juiz, a quem se atribui a aferição da pertinência e relevância das questões levantadas.
projeção concretizadora da própria garantia constitucional da plenitude de defesa, cuja integridade há de ser preservada por juízes e tribunais”; daí ter sido reconhecida, no caso, a nulidade absoluta dos atos processuais sucessivos (STF, Segunda Turma, HC 94016/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 16.09.2008, Informativo STF, n. 250).
9. O momento do interrogatório
- O interrogatório, sendo ato fundamental – mesmo que não imprescindível –, deve sempre ser realizado quando o acusado estiver presente, a fim de que ele, no exercício de sua defesa pessoal, possa apresentar diretamente a sua versão a respeito do fato, influindo no convencimento do juiz. P. 83 No sistema original do CPP, o interrogatório era previsto como primeiro ato de instrução. Após a Lei 11.719/2008, o interrogatório é realizado como último ato da audiência de instrução (art. 400, caput, nova redação). Idêntica determinação já existia para o procedimento sumaríssimo das infrações de menor potencial ofensivo, pois a Lei 9.099/ determina que o interrogatório seja realizado em seguida à inquirição da vítima e das testemunhas, o que melhor atende
- sem dúvida –, ao pleno exercício do direito de defesa.
- Por isso, o art. 185, caput, do CPP diz que o acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado, na presença de seu defensor, constituído ou nomeado. Por outro lado, o Código estatui, no art. 564, III, e, que há nulidade na falta de interrogatório do réu presente. Cuida-se de nulidade insanável. A jurisprudência ora proclama expressamente a nulidade por não oitiva do réu que comparecer durante o processo (TACrimSP, RT 641/346), ora prefere, apesar de afirmar a importância do interrogatório, transformar o julgamento da apelação em diligência a fim de que ele seja efetivado (STF,
JTACrim 90/381). Em decisão de 24.10.2002, assentou o TJRS: “A não realização do interrogatório do acusado, quando ele estava à disposição da Justiça, acarreta a nulidade do procedimento, na forma do art. 564, III, e, do CPP. Trata-se de desobediência ao princípio constitucional da ampla defesa, uma vez que aquele ato se constitui na primeira defesa do réu no processo” (ApCrim 70004926812. RT 812/666).
- Caso o réu seja revel, após a condenação, venha a ser preso, deve ser ouvido antes do julgamento da apelação já interposta. Neste sentido, de forma bem expressiva, v. acórdão proferido pelo TACrimSP (RDJTACrimSP 2/147). Há, contudo, tendência a considerar que só se deve determinar o interrogatório se ele se vislumbrar útil para o julgamento: TACrimSP, JTACRim 25/241, 25/203 e 54/206. Todavia, esse entendimento só pode ser aceito em situações excepcionais, quando o tribunal perceba que o acusado será absolvido, sendo então despicienda a sua oitiva. Mas serão raros os casos em que esse juízo antecipado poderá ser feito com segurança, sendo então preferível que o réu seja ouvido, para pleno resguardo do seu direito constitucional de se defender diretamente da acusação.
- Por fim, se o réu solto, revel, na apelação que interpôs, manifestar expresso interesse em ser ouvido, deve ser o julgamento convertido em diligência a fim de que se proceda ao interrogatório. Neste sentido, STF, JTACrim 90/381. P. 84 9a. O interrogatório por videoconferência. A Lei 11.900/
- questão atual e importante, na ótica do direito de defesa, é a possibilidade de realização do interrogatório do réu por meio do sistema eletrônico de videoconferência.