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As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino, é uma obra literária que inspira ... .pt/documentos/1246274436W0nGK1mg5Yw98SG9.pdf, 28/02/2013.
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Ana Carina Oliveira Silva
UMinho | 2013 outubro de 2013
Para uma Cartografia ImagináriaDesfragmentação de "As Cidades Invisíveis" de Italo Calvino
"As Cidades Invisíveis"
A presente dissertação apenas foi possível com o apoio do orientador e professor Eduardo Fernandes a quem gostaria de agradecer toda a ajuda e incentivo ao longo deste processo. Gostaria de agradecer o apoio de alguns amigos que ao demonstrarem interesse pelo tema suscitaram várias conversas e algumas discussões calorosas, em especial a duas amigas sociólogas, a Anita e a Inês, que devido às suas áreas de estudo sempre apresentaram pontos de vista pertinentes, ajudando-me a refletir sobre a cidade mediante um olhar sociológico; ao Duarte e à Marta pelo seu olhar arquitetónico e amizade sempre presente; ao Caleb pela sua visão poética e auxílio no inglês e em particular gostaria de agradecer à minha família por todo o apoio a todos os níveis, em especial aos meus pais e à minha irmã.
Para os meus pais.
Para uma Cartografia Imaginária pretende interpretar todos os lugares que o leitor/a vê ao viajar pelas Cidades Invisíveis. O caminho traçado por Calvino desvenda- nos subtis relações entre personagens sem nome, que nos contam como vivem, onde vivem ou onde poderiam viver. Ao deixar em aberto quais são as cidades descritas, o autor conduz o nosso imaginário por diversos cenários e épocas sem nunca ser possível identificar, com uma certeza inequívoca, a cidade que o autor retrata. Esbate-se a cidade real e a cidade utópica para nascer a cidade invisível.
A desfragmentação que se apresenta nesta dissertação resulta de uma intenção de refletir sobre a cidade. Neste sentido, a nova sequência narrativa que aqui propomos corresponde a uma análise realizada sob o ponto de vista arquitetónico e urbanístico, mas abriu espaço a que outras áreas que se consideraram pertinentes se inscrevessem e diluíssem nesta análise. As cidades foram reagrupadas e analisadas sequencialmente, segundo o tema em que se inserem, e foram realizados vários quadros onde se procuraram conexões variáveis, consoante os pressupostos que interessava analisar. À semelhança do que acontece num tabuleiro de xadrez, tema recorrente no texto, as cidades (como peças) foram deslocadas, propondo novas ligações.
Foi possível estabelecer uma conexão entre as várias narrativas de As Cidades Invisíveis ; aliás, a sua leitura individual torna-as incompletas, sendo apenas na sua continuidade que se complementam. A estrutura dúplice presente na obra é uma das características que estimula a criação de esquemas abstratos, onde se estabelecem ligações que impulsionam a especulação sobre diversos temas, tendo sempre como pretexto uma vontade de pensar a cidade.
The intention of this Imaginary Map is to interpret all the places which the reader visits while he is traveling through The Invisible Cities. The path traced by Calvino unveils to us the subtle relationships between unnamed characters who tell us how they live, where they live or where they could live. In order to leave the described cities open for interpretation, the author leads our imagination through several scenes and times without identifying, with certainty, which city he is describing. The real city and the utopian city merge into the Invisible City.
The intended defragmentation of this dissertation is the result of a reflection upon the city. In this sense, we propose a narrative which corresponds sequentially to an architectural and urban analysis, but gives way to other areas. The cities were grouped according to the subject in which they belonged, and were charted according to their themes even as other connections appeared in the process. The recurring theme in the text is similar to a chessboard, where the cities, like pawns, were displaced by proposing new connections.
It was possible to establish a connection between the various narratives of The Invisible Cities and even though each city’s individual reading makes them incomplete (on their own), only in its continuity do they complement each other. The dual structure (of good and bad) in this work is one of the characteristics that stimulates the creation of abstract schemes, which establish connections that drive speculation on various topics, always having, as a pretext, a willingness to think about the City.
"Um símbolo mais complexo, que me deu as maiores possibilidades de exprimir a tensão entre a racionalidade geométrica e o emaranhado das existências humanas, foi o da cidade. O livro em que creio que disse mais coisas continua a ser Le città invisibili (As cidades invisíveis), porque consegui concentrar num único símbolo todas as minhas reflexões, experiências e conjecturas; e também porque construí uma estrutura multifacetada em que cada texto curto está próximo dos outros numa sucessão que não implica uma consequencialidade ou uma hierarquia, mas sim uma rede dentro da qual se poderão traçar múltiplos percursos e extrair conclusões plurais e ramificadas." (CALVINO, 1990:89)
As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino, é uma obra literária que inspira novos modos de olhar e refletir sobre a cidade. A sua análise introduz inevitavelmente uma nova interpretação, assumidamente subjetiva. Os temas em que se enquadram as cidades referidas no livro servem de mote para a exposição de assuntos que se julgam pertinentes. No entanto, é a vontade de introspeção e deambulação que Calvino desperta no leitor que estimula e permite a elaboração da presente dissertação. As Cidades Invisíveis cria no leitor uma cartografia imaginária , que se alimenta de imagens de cidades reais e de imagens de cidades fictícias, que podem surgir através da literatura, do cinema, da banda desenhada ou de projetos arquitetónicos e urbanísticos utópicos.
A desfragmentação que pretendemos fazer da obra resulta de uma intenção de refletir sobre a cidade. Neste sentido, a análise da obra é realizada sob o ponto de vista arquitetónico e urbanístico, mas abre espaço a que outras áreas (que se afirmem pertinentes) se inscrevam e diluam nesta análise. Face às imagens sugeridas pelo autor, propomo-nos identificar as cidades descritas e, principalmente, enquadrá-las num discurso sobre a cidade.
Os cinquenta e cinco pequenos contos (ou apólogos-poemas, como os define o seu autor) que constituem o livro são organizados em onze temas, apresentados alternadamente em nove capítulos. A desfragmentação que aqui se apresenta propõe uma nova leitura do livro, agrupando as cidades consoante o tema em que se inserem; ao longo de todo o processo foram realizados vários quadros onde se enfatizaram conexões e se procurou reorganizar as cidades. À semelhança de um jogo de xadrez, tema recorrente no texto, as peças foram deslocadas, propondo novas ligações.
As Cidades Invisíveis , escrita em 1972, foi considerada a obra mais emblemática de Italo Calvino. É composta por 55 cidades de nome feminino intercaladas por diálogos entre o mercador veneziano Marco Polo e o imperador mongol Kublai Khan. As cidades que compõem o império de Kublai Khan surgem como personagens dotadas de diferentes carácteres. Estão inseridas em onze temas que vão indicando o assunto abordado: memória , desejo, sinais, subtis, trocas, olhos, nome, mortos, céu, contínuas e ocultas. No entanto, apesar de cada cidade se inserir num tema especifico é possível encontrar relações entre os temas. O primeiro obstáculo que se coloca na análise surge na definição do género^1 da obra. Não é percetível se nos deparamos com um romance, um livro de contos, um tratado filosófico, ou se as pequenas narrativas são fábulas, contos ou poemas-apólogos. Calvino qualifica os seus textos " entre o apólogo e o pequeno poema " 2. A dificuldade em definir o género estende-se à estrutura formal da obra sendo difícil classificar se as nove partes em que se divide são capítulos, secções ou unidades.
(…) cada texto curto está próximo dos outros numa sucessão que não implica uma consequencialidade ou uma hierarquia, mas uma rede dentro da qual se podem traçar múltiplos percursos e extrair conclusões multíplices e ramificadas. (CALVINO, 1990:86)
A organização dos textos reflete uma ideia de cidade que se transforma num processo contínuo de construção e de desconstrução. A numeração dos textos, crescente e decrescente, também pode ser analisada como o reflexo do império de Kublai Kan, que deambula entre a decadência e a esperança de um futuro. A dualidade construção/desconstrução é expressa engenhosamente na constituição formal da obra e está presente em todos as cidades, talvez mais explicitamente na cidade Tecla (As cidades e o céu. 3).
- Porque demora tanto tempo a construção de Tecla? - os habitantes sem deixarem de içar baldes, de soltar fios de prumo, de mover para baixo e para cima longas trinchas, respondem: - Para que não comece a destruição. (CALVINO, 2002:130) À semelhança de um labirinto, as cidades de Calvino estimulam diversos percursos dando espaço à interpretação do/a leitor/a numa linha temporal e espacial descontínua. No entanto, essa aparente descontinuidade orienta simbolicamente o/a leitor/a para o caminho pretendido pelo autor. Ao longo da descrição das várias cidades apercebemo-nos de uma dualidade que se repete: o autor começa por conduzir o/a
(^1) MATTA, Eduarda Regina da; RIBAS, João Amalio; SGOBARO ZANETTE, Lúcia. Cidades inexistentes, cavaleiros invisíveis: questões da pós-modernidade em Italo Calvino. Rev. Let. São Paulo, n.2, p.153-169, jul./dez. 2011. 2 CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milénio. Trad. José Colaçoes Barreiros. Teorema, 1990.
Existe ainda outro paralelismo entre As Cidades Invisíveis e A Utopia : às 54 cidades utopianas, Calvino acrescenta uma cidade, que se acredita ser Berenice ( As cidades ocultas_5 ), a última do livro. O nome Berenice induz-nos a pensar que talvez exista uma ligação com o poema Sobre a Cabeleira de Berenice de Calímaco , poema que se insere num manifesto poético que quebrou com as regras poéticas de Homero, como veremos no capítulo 2.11.5. Nesta obra, Calvino demonstra a sua paixão pela numerologia, a inspiração na ciência e o fascínio pela simetria. Em 1967, quando se mudou para Paris ligou-se ao grupo " Ouvroir de littérature potentielle " ( OuLiPo - Oficina de Literatura em Potencial), fundado pelo escritor Raymund Queneau, onde partilhavam do seu fascínio pelos modelos matemáticos e científicos, regendo-se por regras pré-estabelecidas para construir as obras^7. Italo Calvino identificava-se especialmente com Georges Perec devido à sua semelhança de método e de pensamento.
Outro exemplo daquilo a que chamo «hiper-romance» é La vie mode d'emploi de Georges Perec, romance longuíssimo mas construído com muitas histórias que se cruzam (…) O puzzle dá ao romance o tema do enredo e o modelo formal. Outro modelo é o corte de um prédio parisiense típico, em que se desenrola toda a acção, um capítulo por quarto, cinco andares de apartamentos de que se enumeram os móveis e os adornos e se narram as transferências de propriedade e as vidas dos seus habitantes, bem como dos ascendentes e descendentes. O esquema do edifício como um «biquadrado» de dez quadrados por dez: um tabuleiro de xadrez em que Perec passa de uma casa para outra (ou seja, de um compartimento para outro, ou seja, de um capítulo para outro) por meio de movimentos de cavalo, segundo uma certa ordem que permite tocar sucessivamente todas as casas. (São cem capítulos? Não, são noventa e nove, este livro ultra-acabado deixa intencionalmente uma pequena saída para o incabado.) (CALVINO, 1990:142/143)
Esta ideia de livro construído como um tabuleiro de xadrez também se aplica, como veremos, a Cidades Invisíveis. Tentando compreender o jogo que aí decorre, procuramos recuperar a ordem inicial das peças, desfragmentando a obra.
(^7) DINIZ, Dilma Castelo Branco. As cidades imaginárias de Italo Calvino e Georges Perec. CALIGRAMA, Belo Horizonte, 6:29-43, julho 2001, consulta em link: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/caligrama/article/view/341/291, 19/04/13.